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lei, e assim está publicada na ordem do exercito. Portanto o nobre ministro vê que houve quem abusasse de s. ex.ª A questão passa portanto a ser com os subalternos de s. ex.ª, porque abusaram do nome e da auctoridade do nobre ministro. Ficar suspensa toda, a lei não é possivel, porque o sr. ministro não tem auctoridade para tanto. Dando s. ex.ª ordem para unicamente se suspenderem as transferencias de praças, é certo que tal ordem não foi restrictamente cumprida, e que se abusou da confiança que o nobre ministro deposita nos seus officiaes. Portanto é necessario que s. ex.ª examine quem abusou assim do seu nome, dispondo o que o sr. ministro não auctorisou.

Quanto á palavra annullar, disse o orador que o sr. ministro não é rei absoluto, porque actualmente nem o proprio rei póde annullar uma lei. S. ex.ª podia propor a revogação da lei, mas a palavra annullar, contém um sentido inteiramente differente.

S. ex.ª ficou admirado quando elle, orador, fallou em conspiração, e teve s. ex.ª rasão para isso. Também elle, orador, se admirou, quando ouviu explicar assim o objecto que motivou esta sua interpellação. Muito estima, portanto, que o nobre ministro declarasse não haver suspeitas de revolta, nem mesmo indicio algum de que a ordem publica fosse alterada.

O orador concluiu fazendo sentir a necessidade de que o sr. ministro n'outra sessão, depois de tomar as devidas informações,.declare quem foi que abusou do seu nome e das suas ordens, na portaria a que se referiu, e rogando a s. ex.ª que sustente o systema pelo qual s. ex.ª combateu, e os principios que d'elle derivam.

O sr. Ministro da Guerra: — Estou completamente convencido que ninguem na secretaria da guerra abusou das minhas ordens, porque faço justiça a todos os empregados, e se algum inconveniente houve foi talvez causado por uma redacção menos propria, porque os abonos dos officiaes que os tiveram differentes pelo decreto de 21 de dezembro foram-lhes feitos, e foram igualmente cumpridas as outras determinações, o que unicamente se suspendeu foi a remessa das praças que haviam de ir para outros corpos e para outras divisões, porque o mais está tudo em vigor.

O sr. Rebello da Silva: — Não pedi a palavra para tratar do assumpto em discussão; peço licença mesmo ao digno par, e meu amigo, o sr. marquez de Vallada, para lhe observar que ha de vir ainda a esta casa a proposta relativa á suspensão do decreto sobre a reforma e reorganisação do exercito, proposta apresentada pelo sr. ministro da guerra na outra camara, e parece me que será melhor reservarmos para então o esclarecimento d'este negocio. Sou o primeiro que declaro desde já, que não me julgo por era quanto habilitado para entrar em assumpto de tanta importancia com as informações e a reflexão precisas.

O objecto para que pedi a palavra é differente; desejo fazer uma pergunta ao governo, relativamente a um facto que reputo grave e gravissimo, de que não tenho conhecimento por ora senão pelos artigos que li nas folhas publicas; mas em um paiz constitucional e que deseja desenvolver o seu poder colonial, é do maior interesse que se averigue tudo o que póde tender a diminuir o seu conceito e abalar a sua influencia. Alludo ao facto referido nos jornaes relativamente a uma execução feita em Timor por ordem do secretario d'aquelle governo, e revestida de circumstancias atrozes, de crueldade fria, que inspiram horror e indignação nos animos generosos.

Se o illustre ministro da marinha, meu amigo, declarar que ainda não se acha habilitado para me responder, reconhecerei o seu direito, e da melhor vontade me prestarei a esperar que s. ex.ª se declare informado; faço justiça porém ao caracter do nobre ministro, cuja amisade me preso ha muitos annos de continuar, e acredito que mesmo n'esse caso não se demorará muito em responder de um modo cabal, e que satisfaça a todos.

O espectaculo de sangue, as particularidades atrozes d'este verdadeiro homicidio juridico, executado com a dissimulação de uma cillada e ao mesmo tempo com a pompa sinistra de tempos bárbaros, provocam e justificam as apreciações da imprensa portugueza e estrangeira, e exigem do governo um exemplo prompto e severíssimo. Sou o primeiro em render justiça ao sr. ministro da marinha, a justiça, que o seu caracter merece, e estou certo, avaliando pelos meus os sentimentos de s. ex.ª que elle ha de ter já tomado a esta hora todas as providencias indispensaveis. A reparação devida ao decoro do governo, aos principios humanitarios, e ao desaggravo da Índole branda e suave do nosso paiz, confio inteiramente que será completa, immediata, e energica (apoiados). Em todas as phases da vida publica, que temos atravessado, o illustre ministro da marinha, e eu, sempre nos encontrámos como amigos, eu na merecida inferioridade de minhas obscuras faculdades, elle na elevação da intelligencia que todos estamos costumados a admirar e applaudir em tantos e tão repetidos triumphos. Nunca até hoje carecemos de interromper as boas e intimas relações apertadas desde a infância para rasgarmos cada um a nossa carreira. Já se vê pois que esta pergunta da minha parte não significa nem leve sombra de desconfiança, ou de op posição; qualquer que seja o procedimento politico a que a consciencia e a apreciação dos actos governativos me incline, qualquer que seja a posição, que eu haja de occupar nos debates proximos n'esta casa, sempre respeitarei, como devo as nobres qualidades pessoaes do illustre ministro. Tenho a certeza de que os sentimentos generosos e liberaes do sr. ministro me auctorisam a anticipar a resposta á minha pergunta. Não sei ainda, mas sinto que por força a esta hora s. ex.ª já fez tudo o que dependia da sua iniciativa para desaggravar a humanidade offendida. É o meu convencimento e sinto-me seguro de não me ter enganado.

O sr. Ministro da Marinha (Mendes Leal): — Sr. presidente, segundo os estillos parlamentares, podia pedir o necessario intervallo a fim de me preparar para responder a esta interpellação. Estimo todavia que o digno par me facilitasse tal occasião para desde já explicar por parte do governo o que sobre o assumpto nas folhas periódicas foi publicado. Agradeço, portanto, a s; ex.ª o ensejo e opportunidade, aproveitando-a com alvoroço, e immediatamente. Por fortuna posso declarar-me habilitado a satisfazer, á pergunta que me foi dirigida.

Tenho conhecimento do facto mencionado por s. ex.ª e narrado nas folhas publicas; mas unicamente por ellas, e por varias communicações particulares. Cousa singular! Inserindo algumas d'essas folhas publicas documentos officiaes, que me dizem terem sido trazidos por um official, esse official não os entregou devidamente na secretaria, nem passaram pelas mãos do governo. Este reconhecerá a camara que seria o caminho regular, podendo qualquer membro do parlamento, que o julgasse conveniente, exigi-los para serem presentes n'uma ou n'outra casa do corpo legislativo, o que promptamente seria satisfeito. Mais. Aquelle official, que exercia em Timor uma commissão, apresentou-se em Lisboa sem licença. E esta tambem uma irregularidade grave, que constitue uma especial responsabilidade.

Quanto ao facto principal, creio que toda a camara, sem distincção de parciaes ou adversarios, me fará a justiça de pensar e crer que nunca teria o governo auctorisado, nem auctorisará, o procedimento attribuido ao governador de Timor; que nunca das suas determinações se poderia deduzir similhante abuso, dado que elle tenha sido commettido como se affirma e se refere. E, certamente, ainda que não fossem estes os meus principios, a convicção de toda a minha vida, não seria no momento em que se apresenta ao parlamento a proposta de lei para a abolição da pena de morte, doutrina que ha vinte annos advogo, que o mesmo governo cairia na tremenda, na monstruosa contradicção de consentir que fosse fuzilado qualquer individuo, e sem sentença, e muito mais um preso, que, fosse qual fosse o seu crime, sob a acção da justiça e sob a guarda da lei, tinha sobre a sua vida esta dupla protecção. Não, não fez o governo. Não deu, repito, instrucções que, remotamente sequer, previssem a possibilidade de nenhuma auctoridade o fazer. Bem pelo contrario. As ordens que tenho frequentemente dado, e ameudado, e repetido, são —que se empreguem, para attrahir e cercar os naturaes das provincias ultramarinas, as praticas austeras que ali hão de acreditar as noções de justiça; que se chamem os povos incultos ao caminho da civilisação pela brandura paternal, que não exclue a energia necessaria, mas só a necessaria; pela persuasão; pela cathechese; por todos os meios que podem concorrer a completar uma conquista, bem mais solida e bem mais, duradoura do que a exclusivamente effectuada pela força. As armas servem para proteger, não para opprimir; para debellar rebeldias, não para incitar vindictas; para pelejar no campo, não para instrumentos de supplicio.

Por este lado o governo, bem o vê a camara, extranha tanto como o parlamento, como o publico, a atrocidade que se diz praticada; ha de ser inexoravel, provada esta culpa,. como lhe dieta o seu dever, como já o tem sido com outras.

Completarei a informação. O governador, arguido agora, estava demittido desde 27 de outubro do anno proximo preterito, posto que não por este facto, de que não podia então o governo ter ainda o menor conhecimento. O secretario que, se não me engana a memoria, apparece nos documentos publicados como signatario da ordem de fuzilamento, tinha sido mandado saír do respectivo governo pelo mesmo governador, o que parece indicar desacordo entre os dois, achando-se actualmente em Goa. Tudo isto constitue um cumulo de circumstancias ainda obscuras, em presença mesmo dos referidos documentos; e não é possivel, na falta de mais positivas informações, fixar desde já a quem compete a responsabilidade directa d'aquella execução, se ella teve logar, como se affiança.

Ao governo toca verificar onde está, e a quem pertence tal responsabilidade. N'essa obrigação não hesitará. Pôde haver um grande crime; ha certamente importantes irregularidades no modo por que tudo isto se apresenta. Existem consequentemente culpas diversas, e em diversos graus, que importa não confundir, e o governo não confunde. Cada qual dos culpados, seja quem for, seja qual for, responderá por aquella em que estiver incurso. Para isso se instaurará o competente processo, ou processos. Esta é a justiça.

Os tribunaes competentes hão de julgar de taes casos como a gravidade d'elles pedir e merecer (apoiados).

É tambem certo que não era dado ao governo prever similhantes occorrencias (apoiados). Apenas porém lhe constaram, deu promptamente todas as providencias que podia dar.

Com effeito, pela mala ultima foram logo expedidas as mais positivas ordens para que o governador exonerado, pois que estava já exonerado, entregasse sem detença o governo ao commandante da força armada, official de toda a confiança, e muito capaz de tomar a direcção dos negocios e satisfazer a esta interinidade. Estando já aparelhado e prompto para saír um transporte de guerra, que deve conduzir o novo governador, os funccionarios nomeados, um contingente de tropa, artilheria, petrechos e armamentos, com a importante influencia que sempre exerce n'aquellas remotas paragens a presença da bandeira portugueza nos navios do estado, cousa que dá sempre muita força ao governador de qualquer possessão (apoiados); estando já aprestado, como dizia, o transporte a que me refiro, apressei a reunião do contingente no respectivo deposito, que é só o que falta de essencial para que o mesmo transporte saia quanto antes. Penso portanto que está prevenido o que podia prevenir-se; penso que está providenciado o que devia providenciar-se. Cuido igualmente que se terá por satisfactoria a explicação que me cumpria dar, e que muito estimo estar habilitado a immediatamente apresentar perante os membros do parlamento. (Vozes: — Muito bem.)

Quanto á benevola allusão, feita pelo digno par ás nossas relações, não menos satisfação me cabe em dizer: — que similhante referencia, por tal modo e por tal pessoa formulada, a tenho por excessivamente lisongeira, mas particularmente agradavel. Seja qual for a posição que s. ex.ª occupe na politica do nosso paiz, seguindo os dictames da sua consciencia, como deve fazer todo o homem publico, é fóra de duvida que as nossas relações pessoaes hão de ser sempre as mesmas, porque nunca empregámos, nem empregaremos, em defender os respectivos pareceres a arma nefanda das injurias. (O sr. Marquez de Vallada:--E o respeito ao evangelho.) Não só o respeito ao evangelho; é tambem o sentimento do mutuo dever. Estou já sufficientemente adiantado na vida publica para conhecer e avaliar que na expressão das divergencias politicas não se deve ir mais longe do que na exposição de quaesquer outros dissentimentos. Pois que! Será licito conservar intacta a amisade e a sisudez, sustentando oppostas opiniões em principios de sciencia, em pontos de doutrina litteraria (e não estranhe a camara que me refira aqui ao assumpto das minhas mais saudosas predilecções); e só não será possivel a serenidade cortez, a reciprocidade das attenções, que é a tolerancia pratica, em se tratando d'essa politica? (Apoiados). Não o creio; pelo menos não o sigo. É possivel, deve ser possivel, geralmente fallando; e muito mais n'este caso, em que não tenho senão motivos para dedicar ao digno par os sentimentos de uma cordial gratidão á sua extrema benevolencia, de uma admiração sincera pelo seu brilhantissimo engenho, de um antigo acatamento á sua evidente superioridade. (O sr. Rebello da Silva: — Isso não.)

Concluindo pois, e resumindo: quanto aos factos de Timor, supponho que não podia o governo com mais celeridade prover; quanto á maneira menos regular por que se fez uso de alguns officios, ou pelo menos papeis com esse caracter, não poderá isso imputar-se de certo a culpa do governo, e determina uma diversa ordem de infracções, á qual tambem corresponde uma responsabilidade por parte de quem as commetteu. (Vozes: — Muito bem.)

O sr. Rebello da Silva: — Começarei agradecendo ao sr. ministro as expressões immerecidas que proferiu em relação a mim. Elias só provam se não a sua delicadeza e benevolencia, de certo a natural parcialidade com que os amigos costumam apreciar-se uns aos outros.

Entendo como s. ex.ª, que os costumes politicos e o decoro da tribuna lucrarão muito com a nobreza de idéas e o mutuo respeito de opiniões, que são a mais gloriosa conquista da tribuna ingleza. Pôde estar-se de accordo ou não sobre as vantagens ou os inconvenientes de uma providencia, póde divergir-se ácerca do systema geral de dirigir os negocios, sem que por isso seja necessario quebrar os vinculos de largos annos de amisade, ou excluir a estima e a admiração das prendas moraes e dos dotes intellectuaes do adversario. Deixemos essas miserias para as ruins paixões dos parasitas de todas as politicas, dos amoucos das vaidades pessoaes, cujo epitaphio está gravado na propria inveja que os consome (apoiados).

Acerca da interpellação em si, contava que a resposta seria que ouvimos, e não posso deixar de me declarar satisfeito com ella, tanto pela sinceridade das palavras do sr. ministro em relação ao respeito devido ás leis, como em referencia ao nobre ardor com que abraçou e fez seus os mais latos e fecundos principios inscriptos na primeira pagina do codigo da civilisação moderna pelo seculo XIX.

Approvo, louvo e exalto as providencias promptas e energicas que s. ex.ª adoptou, e estou decidido a apoia-las como as mais opportunas no momento actual.

Sinto, como s. ex.ª, que as folhas publicas tivessem primeiro noticia do facto, do que o governo, e espero que, se acaso similhantes lapsos se repetirem de um modo tão reprehensivel, o governo adoptará immediatamente as medidas necessarias para os escarmentar rigorosamente, porque não deve ser licito que as folhas publicas ou as pessoas particulares recebam primeiro os documentos officiaes do que o governo. As consequencias de similhante inversão de todas as regras podem ser incalculáveis. Espero que o negocio será tratado pelo sr. ministro, como elle prometteu segui-lo, e peço desculpa á camara do tempo que lhe roubei; mas entendi que a gravidade do objecto não podia deixar de attrahir a attenção do governo e d'esta casa.

O sr. ministro acaba de o dizer, e peço vénia para o repetir depois d'elle: na administração colonial é preciso não esquecermos, que, em todos os tempos, na antiga, como na moderna politica, a verdadeira consolidação do nosso poder ultramarino foi sempre obra dos meios moraes de persuasão; da influencia civilisadora; da tutela vigilante dos seus interesses mais preciosos.

Á protecção carinhosa e á brandura do nosso regimem em epochas mais vizinhas da actual devemos as affeições que ainda hoje ligam os povos á metropole pela gratidão. E este laço mais forte que o da força, não se rompe, nem se corta de leve no primeiro Ímpeto de qualquer aggressão. Parte das nossas provincias ultramarinas, já o provaram em lances arriscados. Cultivemos estas fecundas sementes. Sejamos grandes pelos beneficios, como o fomos pelas armas. Auxiliemos os progressos nascentes das possessões remotas com a assiduidade dos cuidados que não esquecem, e com a iniciativa fertilisadora que sobrevive mesmo aos infortúnios. A estes exemplos, e não a exemplos de sangue; á persuasão evangélica, permitta-me o digno par, o sr. marquez de Vallada que eu aqui repita—que não é só a catechese puramente religiosa que póde ser profícua—.confiemos sem receio, nem hesitação a victoria do futuro, e estou certo de que elle não ha de desmentir-nos.