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SESSÃO DE 11 DE FEVEREIRO DE 1873
Presidencia do exmo. sr. Marquez d'Avila e de Bolama
Secretarios - os dignos pares
Eduardo Montufar Barreiros
Antonio de Azevedo Coutinho Mello e Carvalho
Ás duas horas da tarde, estando presentes 23 dignos pares, o exmo. sr. presidente declarou aberta a sessão.
Lida a acta da precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento; por não haver reclamação em contrario.
O sr. Presidente: - Acha se nos corredores da camara o sr. visconde de Condeixa. Convido os dignos pares os srs. visconde de Chancelleiros e Moraes Carvalho para o introduzirem na sala, a fim de prestar juramento e tomar assento.
(Introduzido na sala prestou juramento e tomou assento.)
O sr. José Lourenço da Luz: - Pedi a palavra para declarar a v. exma. que faltei ás tres ultimas sessões por motivo de molestia, e pelo mesmo motivo não pude acompanhar a grande deputação ultimamente nomeada para assistir ás exequias de Sua Magestade Imperial a Senhora Duqueza de Bragança.
O sr. Presidente: - Lançar-se-ha na acta a declaração do digno par.
Vae ler-se a correspondencia.
O sr. secretario leu o seguinte:
Um officio da presidencia da camara dos srs. deputados, acompanhando uma proposição sobre ser auctorisado o governo a applicar ás despezas extraordinarias da provincia de Angola até 100:000$000 réis.
A commissão de fazenda e de marinha.
Um officio, remettendo 50 exemplares de um opusculo sobre a questão do padroado, que está pendente na camara dos dignos pares do reino.
m officio da exma. sra. viscondessa da Praia, participando o fallecimento de seu marido no dia 19 de março do proximo passado anno.
Teve segunda leitura o projecto de lei do exmo. sr. Mello e Carvalho, fazendo extensivas as disposições do artigo 1.° da lei de 11 de março de 1862 ás viuvas e ás filhas dos officiaes do exercito que tiverem casado antes da publicação da mesma lei.
O sr. Presidente: - Esta proposta de lei creio que a camara concordará em que seja mandada ás commissões de fazenda e do ultramar. Com relação á commissão de fazenda, devo informar a camara, que esta commissão não póde funccionar, porque cinco dos seus membros estão impedidos de n'ella comparecer, um por pertencer ao gabinete, que é o sr. Antonio de Serpa, outro está ausente, que é o sr. Pestana, e os outros estão impedidos por doença, são os srs. Margiochi, Felix Pereira de Magalhães e conde do Casal Ribeiro.
Peço á camara proveja de modo que se substituam estas faltas, para a commissão poder examinar com urgencia esta proposta, e sobre ella emittir parecer com brevidade.
O Br. Conde de Castro: - Parece-me que a mesa é competente para nomear os membros que faltam a essa commissão (apoiados).
O sr. Presidente: - Mostrando a camara querer prescindir de nomear os membros que faltam para a commissão de fazenda poder funccionar, a mesa, de conformidade com os seus desejos, propõe os dignos pares os srs. Mártens Ferrão, Moraes Carvalho, Gamboa e Liz, visconde de Chancelleiros e Custodio Rebello de Carvalho, para se reunirem á mesma commissão.
Se a camara approva esta escolha, tenha a bondade de o declarar, levantando-se.
Foi approvada.
O sr. Presidente: - Por consequencia será este projecto remettido ás commissões de fazenda e ultramar. Peço aos dignos pares que compõem estas commissões, tenham bre em vista a urgencia do assumpto, para darem parecer so-elle com a maior brevidade.
Agora vae ter segunda leitura o projecto do sr. Mello e Carvalho.
O sr. Secretario leu-o.
O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem este projecto tenham a bondade de se levantar.
Foi admittido.
O sr. Presidente: - Vae ser mandado á commissão respectiva.
O sr. secretario leu o seguinte requerimento do sr. condo de Rio Maior.
"Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja remettida a esta camara uma relação dos estabelecimentos de expostos que em 1871-1872 existiam no continente do reino.
" Em quantos d'esta é a roda livre, e se algumas estiveram fechadas temporariamente, e a rasão por que de novo se abriram.
" Quantos são os hospicios de admissão restricta, e desde que data funccionam.
" Regulamento que rege uns e outros.
" No periodo citado qual a população interior d'estes estabelecimentos, e o numero de expostos que estiveram em poder de amas externas por conta das corporações tutelares; indicando-se as cidades.
"Admissões annuaes que houve em 1867, 1868 a 1871 e 1872, em cada uma das rodas dos expostos e dos hospicios de admissão restricta.
" Numero de nascimentos legitimos e illegitimos, e separadamente o numero de baptismos effectuados nas parochias dos differentes districtos administrativos do continente do reino, no referido quinquennio.
" Mortalidade dos expostos de amas de leite em cada um dos indicados cinco annos, igualmente a naturalidade dos filhos legitimos e illegitimos d'esta classe.
" Subsidios de lactação que n'este espaço de tempo foram dados, especificando o preço de cada subsidio, e se alguns são concedidos n'outra idade.
"Indicação de quaesquer outros auxilios dados a expostos e subsidios de leite, taes como enxoval, auxilio de jornada ás amas e botica. Sua importancia individual e collectiva.
" Mortalidade de creanças subsidiadas.
" Despeza com estes diversos serviços e receita respectiva.
"Sala das sessões, 11 de fevereiro de 1873. = Conde de Rio Maior. "
O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem esta proposta tenham a bondade de se levantar.
Foi admittida.
O sr. secretario leu os seguintes requerimentos do mesmo digno par, e são do teor seguinte:
d Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja remettido a esta camara um mappa do movimento da população em cada uma das parochias da capital nos annos de 1868-1869 e 1871-1872; indicando-se a existencia no principio e fim de cada um d'estes annos.
"Nos nascimentos e óbitos a população baptisada e fallecida na santa casa, e nascida e fallecida no hospital, deverá ser mencionada em separado, e bem assim deverá especialisar-se aquelle que nasceu e morreu inter ou extra muros nas freguezias de Lisboa, abrangendo uma similhante area.
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"Sala das sessões, 11 de fevereiro de 1813. = Conde de Rio Maior."
"Requeiro que, pelo ministerio dos negocios da justiça, sejam enviados á camara os mesmos esclarecimentos.
"Sala das sessões, 11 de fevereiro de 1873.= Conde de Rio Maior. "
O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam que se expeçam estes requerimentos tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. secretario leu ainda do mesmo digno par o seguinte requerimento:
Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada a esta camara a consulta da junta de saude districtal, com relação a um novo systema de limpeza inodora que se quiz estabelecer em Lisboa, e que tem a data de 21 de junho de 1871.
"Sala das sessões, 11 de fevereiro de 1873.= Conde de Rio Maior."
O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam que se expeça este requerimento, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Presidente: - Não ha mais correspondencia.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Pediu a palavra para declarar que não recebêra o projecto de resposta ao discurso da corôa, que presumia ter sido distribuido por casa dos dignos pares. Rogava que d'isto se tomasse nota, a fim de haver regular distribuição dos projectos que têem de ser submettidos á discussão, e os dignos pares conhecerem e estudarem as materias sobre que versam, e emittirem o seu voto com perfeito conhecimento de causa.
Por esta occasião enviava para a mesa uma communicação da sra. viscondessa da Praia, participando á camara o fallecimento do seu marido, o sr. visconde da Praia, e pedia se lançasse na acta um voto de sentimento pela morte d'este cavalheiro. Desde já se associava a essa demonstração, porque fôra sempre admirador e respeitador das qualidades do par fallecido, e desde a infancia amigo intimo e dedicado do seu successor.
O elogio do digno par (continuou o orador) póde ser feito em poucas palavras. Ninguem o excedia na pratica de todas as virtudes domesticas, e crê que poucos o igualavam na das virtudes civicas, e na defeza das liberdades publicas, como é bem sabido e notorio (apoiados), e nas ilhas dos Açores todos os seus conterraneos choraram a sua morte, tal a popularidade do seu nome, e os serviços que tinha prestado á terra de que era natural e á causa da liberdade, que foi um dos primeiros ali a sustentar e defender.
O sr. Presidente: - Na conformidade do regimento, escrever-se-ha á sra. viscondessa da Praia, manifestando-lhe o sentimento da camara pela perda que s. Exma. e a camara soffreram com a morte do sr. visconde da Praia; e eu devo declarar que me associo ás expressões benevolas com que o digno par o sr. visconde de Chancelleiros se pronunciou a respeito d'este cavalheiro, que eu conheci desde longos annos, que foi um dos mais distinctos da ilha de S. Miguel, e distinctissimo pelos serviços que prestou á causa da liberdade. Tinha a estima completa de todos que o conheciam e eu fui um d'elles.
Creio que a camara não deixará de se associar á proposta do sr. visconde de Chancelleiros, que eu faço minha, para que se lance na acta um voto de sentimento pela perda que a camara soffreu com a morte d'este cavalheiro (apoiados). Os dignos pares que approvam esta proposta tenham a bondade de se levantar.
Foi approvada.
O sr. Presidente (continuando}: - Deve entrar-se na ordem do dia, que é a discussão da resposta ao discurso da corôa; mas os srs. ministros não estão ainda presentes, e a camara naturalmente quererá que esta discussão tenha
logar na presença de s. exmas. Se F camara entende conveniente, para dar tempo á commissão de fazenda o ultramar darem o seu parecer sobre o projecto vindo da outra casa do parlamento, que foi ha pouco lido na mesa, eu suspendo a sessão por um quarto de hora no supposto de que a camara queira tratar hoje mesmo d'este projecto (apoiados). E não havendo nenhum digno par que queira fazer alguma consideração para preencher este espaço de tempo...
(Pausa)
O sr. Presidente (continuando): - Ninguem pede a palavra, está suspensa a sessão por um quarto de hora.
Eram duas horas e meia da tarde.
(Reabriu se a sessão.)
O sr. Presidente: - Vae continuar a sessão. Tem a palavra o sr. visconde de Chancelleiros, relator do parecer.
O sr. Visconde de Chancelleiros: - Mandou para a mesa o parecer das commissões de fazenda, marinha e ultramar sobre o projecto de lei vindo da outra casa do parlamento.
(Entraram, os srs. ministros da marinha, fazenda, reino e obras publicas.)
O sr. Ministro da Marinha (Andrade Corvo): - Sr. presidente, a gravidade das circumstancias que levaram o governo a apresentar esta proposta de lei, que já foi votada na camara electiva na propria sessão em que se apresentara, é bastante para que se me permitta pedir á camara que este negocio seja tratado com maxima urgencia, a fim de se adoptarem as medidas indispensaveis que devem ser levadas á colonia de Angola, cujo estado de inquietação precisa prompto termo.
Peço, pois, a v. exma. tome em consideração estas breves observações, que presumo conducentes á boa solução de um negocio de tanto interesse publico (apoiados).
O sr. Presidente: - O sr. ministro da marinha acaba de chamar a attenção da camara para a urgencia que ha de se discutir o projecto que acaba de ser lido, e que foi hontem apresentado e votado na camara electiva. Por consequencia, para que este projecto possa entrar em discussão n'esta sessão, é necessario que a camara, primeiramente, dispense a impressão do parecer, e em segundo logar, que dispense tambem os tres dias que devem medeiar entre a distribuição do projecto e a sua discussão. Eu vou consultar a camara.
Os dignos pares que são de opinião que se dispense o regimento não só com relação á impressão do projecto, mas tambem com relação ao espaço de tempo, que deve medeiar entre a distribuição d'elle e a sua discussão, tenham a bondade de se levantar.
Foi dispensado.
O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer e o projecto.
O sr. secretario leu, e são do teor seguinte:
Parecer n.° 91
Senhores. - As vossas commissões de fazenda, guerra e marinha, tendo examinado detidamente o projecto de lei n.° 80, vindo da camara dos senhores deputados, e que tem por fim, sob proposta do governo, auctorisar a applicação ás despezas extraordinarias da provincia de Angola da somma de 100:000$000 réis para occorrer ás despezas occasionadas pela circumstancia extraordinaria em que a mesma provincia hoje se encontra, são de parecer que o mesmo projecto deve ser approvado, para, subindo á sancção real, ser convertido em lei do estado.
Sala da commissão, 11 de fevereiro de 1873.= Conde de Castro = Alberto Antonio de Moraes Carvalho = José Augusto Braamcamp = Conde de Linhares = Duque de Palmella -Custodio Rebello de Carvalho =José Lourenço da Luz = Antonio de Gamboa e Liz = Visconde de Ovar = Visconde de Algés = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Visconde de Chancelleiros.
Projecto de lei n.° 80
Artigo 1.° O governo é auctorisado a applicar ás despezas
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extraordinarias da provincia de Angola até 100:000$000 réis.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 11 de fevereiro de 1873.= José Marcellino de Sá Vargas, presidente = Ricardo de Mello Gouveia, deputado secretario = Alfredo Felgueiras da Rocha Peixoto, deputado secretario.
O sr. Presidente: - Está em discussão.
(Pausa.)
Como ninguem pede a palavra, vou pôr o projecto á votação na sua generalidade e especialidade, por isso que contem um só artigo.
Posto á votação, foi approvado.
O sr. Presidente: - Será levado este projecto á sancção real, logo que o governo participe á camara o dia e hora em que Sua Magestade quer receber a deputação.
Eu devo prevenir a camara que dos membros que formam a commissão do ultramar faltam dois. Eu pediria á camara, a exemplo do que succedeu ha pouco com relação á commissão de fazenda, que a mesa fosse auctorisada a propor os dignos pares que devem completar a commissão (apoiados}. Eu proponho os dignos pares os srs. visconde da Praia Grande e visconde de Chancelleiros para se ré unirem á commissão do ultramar. Os dignos pares que approvam esta escolha tenham a bondade de se levantar.
Foi approvada.
O sr. Presidente: - Vae-se entrar na ordem do dia, que é a resposta ao discurso da corôa.
O sr. Conde de Rio Maior: - Sr. presidente, desculpe-me v. exma., e desculpe a camara, a profunda impressão que eu sinto, tomando hoje a palavra n'este solemne debate.
Conheço a importancia do assumpto, a pobreza dos meus conhecimentos, e bastante curta é a minha vida politica para tratar de taes materias; porem procedo assim pelo dever do meu cargo, pelo dever destas altas funcções do pariato, que de direito eu exerço depois de uma muito cruel perda!
Sr. presidente, é com immensa magoa que a minha debil voz se levanta agora n'este logar, porque o meu coração de filho passou já pela maior das provações, pelo fatal passamento do honrado cidadão, do liberal convicto que baixou, ainda não ha muito, á sua ultima morada (apoiados), e cujo nome tenho a honra de representar n'esta casa do parlamento. Venho, pois, em nome do direito hereditario, cumprir um dever hereditario, dever de amor de patria e de liberdade.
Sr. presidente, chegado hontem a esta camara, pouca pratica tenho de certo d'estas questões; mas creio proceder de accordo com as praxes estabelecidas, pedindo a palavra sobre a ordem, e principiando por ler a minha moção, a qual tem por fim apresentar uma substituição ao § 7.° da resposta ao discurso do throno.
O sr. Presidente: - Peço licença ao digno par para lhe dizer que, se a sua moção diz respeito ao projecto de resposta ao discurso da corôa, é necessario, primeiro do que tudo, que esse projecto seja lido na mesa pelo digno par secretario, a fim de entrar em discussão, para depois o digno par fazer sobre elle as considerações que julgar convenientes.
O sr. Conde de Rio Maior: - Muito bem. Aguardarei portanto que o projecto entre em discussão.
O sr. Presidente: - Passa-se á
ORDEM DO DIA
O sr. Secretario (Montufar Barreiros): - Leu o seguinte
Projecto de resposta ao discurso da corôa
Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza:
Cumprindo gostosamente o preceito constitucional, venho n'esta occasião solemne, rodeado pelos representantes da nação, abrir a presente sessão legislativa.
Continuam felizmente, sem alteração alguma, as nossas relações de amisade e boa harmonia com as potencias estrangeiras.
Na digressão que fiz ás provincias do norte foram tão espontaneas e inequivocas as demonstrações de adhesão e sympathia que os povos me deram, e á Rainha, minha muito prezada esposa, bem como aos Principes, meus queridos filhos, e augusto irmão, que me deixaram profundamente satisfeito e agradecido. As manifestações de que eu, e a familia real, fomos objecto, tenho-as gravadas na memoria, e serão novo estimulo que me ha de avigorar, cada vez mais, com o favor de Deus, no amor da patria e da liberdade, e no desempenho dos meus deveres de soberano constitucional.
O meu governo, tendo tido conhecimento de que alguns individuos de diversas classes conspiravam contra a ordem estabelecida, tomou, dentro das faculdades legaes, providencias que mantiveram a segurança publica, e entregou aos tribunaes competentes o processo dos réus, para serem julgados como fosse de justiça.
Alguns tumultos agitaram diversos pontos do reino, porem a ordem foi immediata e completamente restabelecida, o poder judicial occupa-se do processo dos delinquentes. No resto do paiz tem havido geralmente a mais perfeita tranquillidade.
Senhor:
AS palavras que Vossa Magestade do alto do throno veiu proferir no seio dos corpos co-legisladores na occasião solemne em que deu começo aos trabalhos da presente sessão legislativa, symbolisam a união intima da monarchia com a representação nacional, que é o voto convicto da nação.
As relações de amisade, que de muitos annos Portugal mantem com as potencias estrangeiras, e que continuam sem alteração, têem permittido que o trato commercial que enriquece os povos, e é o mais poderoso meio de afastar as suas perturbações, tenha assumido proporções consideraveis com reconhecida vantagem do paiz.
A camara aprecia devidamente este importante facto social.
É tão entranhado o amor dos portuguezes pelo seu Rei, são tão certas as provas com que o têem firmado no largo percorrer dos seculos, unida sempre a monarchia ás glorias e aos soffrimentos da patria, que os testemunhos de sympathia e de respeito ora prestados a Vossa Magestade e á familia real são preito publico que não podiam preterir. E se Vossa Magestade não esquece estas demonstrações da affeição dos povos, estes saudam com enthusiasmo em Vossa Magestade, como soberano constitucional, a representação firme da liberdade, da independencia e da ordem, em que se funda a prosperidade publica.
As tentativas de alguns contra a ordem estabelecida, que o governo, sem transpor os limites da legalidade, impediu e submetteu aos tribunaes para julgar e punir, foram vistas com geral reprovação pelos povos, que reconhecem como dever de todos a sustentação da ordem publica, e a intemerata defeza dos principios fundamentaes da constituição do estado.
As perturbações que infelizmente occorreram em algumas povoações não desmentem este sentimento, que é profundo na nação; as causas puramente locaes que lhes foram motivo e a rapidez com que o socego foi restabelecido assim o mostram.
A camara, Senhor, está compenetrada de que a autoridade das leis terá sempre
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Usando da auctorisação concedida pela carta de lei de 5 de março de 1858, contratou o governo um emprestimo, que se realisou em parte, com o producto do qual ficou o thesouro habilitado a pagar quasi toda a divida fluctuante contrahida nas praças estrangeiras. Igualmente usou o governo da auctorisação que lhe confere a carta de lei de 2 de julho de 1867 para a construcção do caminho de ferro do Minho, cujos trabalhos foram começados, e progridem com sensivel adiantamento. Sobre estes importantes assumptos o governo apresentará ás côrtes os necessarios esclarecimentos, dando conta do uso que fez das auctorisações referidas.
No intervallo das sessões, usando das faculdades concedidas no artigo 15.° do acto addicional á carta, decretou o meu governo varias providencias de caracter legislativo, que todas vos serão opportunamente apresentadas.
Alem das propostas de lei que ficaram pendentes do vosso exame na ultima sessão, para as quaes eu chamo a elevada attenção dos corpos legisladores, varias outras vos serão presentes, tanto em relação ao continente do reino como ás provincias ultramarinas, tendentes a melhorar os diversos ramos da publica administração. Espero porem que vos occupareis com especial solicitude dos assumptos que respeitam á fazenda nacional.
Perseverando nos principios da justa economia nos serviços do estado, e sem propor impostas novos, o meu ministro da fazenda, apresentando-vos o orçamento para o anno economico de 1873-1874, submetterá á vossa illustrada apreciação varias propostas de lei, que alteram parte da legislação tributaria existente, alliviando da contribuição alguns productos de geral consumo, elevando, e dando nova fórma, a outras imposições para as tornar mais productivas, de modo que se possa conseguir o nivelamento da receita com a despeza. Esta importante questão, á qual se acham vinculados os mais altos interesses, estou certo que vos ha de merecer a mais desvelada attenção.
Dignos pares do reino e senhores deputados da nação portugueza:
O illustrado zêlo e dedicação, de que tendes dado tantas provas no exercicio das vossas elevadas funcções legislativas, dão me a certeza de que não descansareis em tão honrosa tarefa, correspondendo sempre á confiança e ás necessidades do paiz. Unido comvosco no mesmo proposito, confio inteiramente na vossa sabedoria e patriotismo, e espero que, com o Divino auxilio, continuaremos todos no decidido empenho de contribuir para a felicidade publica.
Está aberta a sessão.
bastante imperio para se sustentar, se for energicamente auxiliada pelo respeito publico.
O uso feito pelo governo das auctorisações concedidas pelas cartas de lei de 5 de março de 1858 para o emprestimo com o fira de ser paga a divida fluctuante, e de 2 de julho de 1867 para a construcção do caminho de ferro do Minho será pela camara escrupulosamente apreciado.
A extincção da divida fluctuante operada em condições favoraveis de credito ha de concorrer poderosamente para o prospero restabelecimento do estado da fazenda publica, que com a paz, com o desenvolvimento da riqueza, e com o augmento correspondente dos recursos do thesouro progressivamente tem melhorado.
A construcção do caminho de ferro do Minho assegura a uma das mais ricas provincias do reino e a mais populosa, o instrumento mais poderoso para a prosperidade da sua agricultura e do seu commercio. Do augmento dos meios de communicação, systematicamente combinados, em grande parte depende a riqueza e a illustração das nações, que assim compensam os sacrificios impostos.
Igualmente apreciará a camara as providencias de caracter legislativo decretadas no intervallo das sessões e as propostas de lei pelo governo apresentadas ao poder legislativo para satisfazer as necessidades publicas da administração.
Os assumptos relativos á fazenda nacional são por Vossa Magestade especialmente recommendados á solicitude e reflectido exame da camara.
É o desenvolvimento da fazenda o resultado da discreta e economica applicação dos dinheiros do estado; da confiança que a boa gerencia inspira; e da prosperidade publica que facilita sem penoso sacrificio os recursos, quando os encargos são distribuidos com igualdade e com justiça.
O equilibrio da receita com a despeza é hoje o empenho da nação. A camara, quanto em si couber, ha de concorrer com o governo de Vossa Magestade para que na presente sessão legislativa este resultado definitivamente se obtenha e se assegure: não ha nas condições actuaes do paiz, felizmente, imperiosa necessidade de protrahi-lo. Importantes resultados economicos lhe estão ligados e d'ahi dependem.
A camara pensa que é a ordem na fazenda publica que constituo a força e a estabilidade dos governos e a grandeza das nações.
Examinará com assiduo cuidado o orçamento da receita e despeza do estado, e as propostas de lei que pelo governo foram apresentadas no intuito de melhorar o systema tributario e acrescentar as receitas publicas.
A camara, compenetrada da sua missão e a ella fiel, confiando como Vossa Magestade no auxilio Divino, que sempre tem protegido os portuguezes, espera desempenhar-se do encargo que como corpo legislador a constituição do estado lhe impõe e lhe confia, cooperando com firmeza para a obra da paz publica, da liberdade e do progresso de que depende a felicidade da nação.
Sala das commissões, em 10 de janeiro de 1873.== Marquez d'Avila e de Bolama = Alberto Antonio de Moraes Carvalho = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens, relator.
O sr. Conde de Rio Maior: - Sr. presidente, começarei por ler e mandar para a mesa a minha substituição ao § 7.° do projecto de resposta ao discurso do throno, que é a seguinte (leu).
Sr. presidente, eu não pretendo vir hoje discutir perante esta illustrada assembléa a grave e importante questão do capital e do trabalho. A sabedoria da camara não necessita dos meus fracos conhecimentos, cuja manifestação nem mesmo se distinguiria por uma palavra eloquente. Nem eu pretendo, apresentando esta moção, praticar um acto de desconfiança, de hostilidade para com o actual gabinete. Na pequena area do meu passado politico, que melhor direi começa agora, eu não encontro ligações minhas com o distincto partido da regeneração; mas nem isto significa que na actualidade eu faça opposição aos srs. ministros; emquanto s. exmas. caminharem pela fórma por que têem caminhado, podem contar com mais um voto decidido.
Como homem novo, estranho á politica, declaro que apoio o governo, porque o vejo seriamente empenhado no restabelecimento do nosso estado financeiro, não recorrendo para isto a umas certas economias que desapparecem no dia seguinte debaixo das forcas caudinas dos argentarios; mas procurando o equilibrio da receita com a despeza, pelo augmento da mesma receita, e entendendo que esta mais póde crescer pelo desenvolvimento do progresso material no paiz, contribuindo o ministerio, quanto lhe é possivel, para a resolução dos melhoramentos de viação publica accelerada, que traz como consequencia necessaria o au-
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gmento de todas as forças productivas da nação. E sobretudo apoio o governo porque o vi interessado em manter a ordem, e soube impedir que os conspiradores encartados conseguissem estabelecer a desordem e a anarchia n'esta honrada terra portugueza. Espanta-me, digo-o com profunda ingenuidade, que se queira lançar ridiculo sobre o gabinete, porque umas certas celebridades estranhas á politica se acham presas, e se não entenda que o supremo ridiculo, a maxima culpabilidade, é d'aquelles que com ellas se associaram!
No meio dos meus sentimentos governamentaes, no meio do meu ministerialismo, que provavelmente é assim que hão de alguns qualificar as minhas justas e imparciaes observações, eu não deixei de ouvir que o governo commetteu erros, e antes da reunião do parlamento citava-se como um dos mais graves o celebrado reconhecimento de direito á posse da ilha das Gallinhas; mas aqui encontro eu uma circumstancia attenuante. Se não fosse este grande crime, que os futuros escriptores de direito das gentes, mais tarde, talvez, devam condemnar, não teria um alto engenho, que bem forja as suas armas, escripto o mais espirituoso tratado archeologico, que sobre a materia se podia publicar.
Afortunado é o governo, quando os altos engenhos, que lhe fazem opposição, empregam armas tão mortiferas!
Debaixo de outro ponto de vista; com relação ás censuras que por parte da opposição se Afizeram quando esta camara foi convocada como tribunal de justiça, não me parece, sr. presidente, que fossem justas as queixas. Comprehendo a impenitehcia do governo em não querer juntar um privilegio a outro privilegio, adiando até á reunião das côrtes um processo, que rasão nenhuma tinha para ficar parado.
Sr. presidente, na questão das representações direi uma só palavra. Aqui os erros não são dos ministros, mas sim da opposição, que promoveu essas representações e ficou em minoria. Nos governos constitucionaes nem o rei é absoluto, nem nenhum partido o póde ser, as maiorias são quem governam, e n'este caso, a maioria da nação não exigia a convocação das côrtes.
Sr. presidente, eu passo todas estas questões muito pelo alto, porque já foram ellas largamente discutidas na camara dos srs. deputados; mas desejo ainda assim acrescentar algumas palavras, para que fique bem consignada a minha opinião ácerca d'esse outro erro do ministerio, fallo da viagem de Suas Magestades pelas provincias do norte. Os applausos e o enthusiasmo com que foram recebidos El-Rei e a real familia significam a confiança do povo na fidelidade do chefe do estado ao pacto da constituição.
Feitas estas reflexões, sr. presidente, eu devo declarar que mais alguma cousa reclamo na actual conjunctura, conjunctura tanto mais grave quanto temerosas são as noticias que o telegrapho nos transmitte hoje do vizinho reino de Hespanha, noticias que, sendo verdadeiras, lançarão, infelizmente, aquelle paiz, outrora tão respeitado, numa republica anarchica, numa violentissima revolução social.
Sr. presidente, hoje em Portugal ha uma ordem de conspiradores mais intelligentes, mais audazes, mais perigosos, que á primeira vista parecem ter mais direitos, e contra os quaes eu invoco a reprovação d'esta camara. Eu peço aos poderes publicos da minha patria, que não consintam que alguns agitadores importem para entre nós uma nova doença social já bastante grave em outras nações, mas que em Portugal quasi era ignorada, e que para n'ella tudo ser importado até o nome, que não é portuguez!
Sr. presidente, quando tomei a palavra, declarei que não vinha discutir a questão do capital e do trabalho, porque a sabedoria da camara não necessitava dos meus acanhados recursos; mas referindo-me ás greves, que em Portugal ninguem suspeitava e com as quaes querem illudir os nossos excellentes e honrados operarios, peço licença á assembléa para citar as palavras de um grande estadista dos nossos dias.
Quando nas camaras francezas, em novembro, o general Changarnier interpellou mr. Thiers para que explicasse a indifferença do governo e o seu silencio, abstendo-se este de reprovar um celebre banquete republicano, o illustre presidente da republica recusou uma resposta satisfactoria, porque o seu passado respondia pelo seu presente; poucos dias depois, na notavel sessão de 29 de novembro, no discurso que então pronunciou, mr. Thiers apresentou espontaneamente a sua profissão do fé, e referindo-se ás greves disse: "Que ellas eram a tyrannia do trabalho, que mal pensavam aquelles, que desejavam a ruina dos patrões, porque o consumidor é quem fixava o preço, e que se lembrassem os operarios que o capital, contra o qual proclamavam, era muitas vezes o producto das longas economias, o aturado trabalho, a propriedade dos seus mais zelosos e intelligentes companheiros".
Esta é que é a verdadeira doutrina. Sr. presidente, eu desejo que a camara manifeste bem terminantemente a sua reprovação por todos os principios exagerados ou falsos que hoje se pretendem espalhar, e por isso propuz na mensagem á corôa essa substituição ao § 7.° da resposta, que ha pouco tive a honrade ler aos dignos pares.
Sr. presidente, a resposta ao discurso da corôa é um acto manifestamente politico, em que devem ter cabimento todos os assumptos concernentes á publica administração; portanto, sem dar ao incidente a fórma de interpellação, mas unicamente como uma d'aquellas conversas parlamentares, que em Inglaterra são tão usadas, dirigirei ao governo algumas perguntas com respeito á questão das greves.
Perguntarei: é verdade que a fraternidade operaria se reune sem que tenha os seus estatutos approvados pelo governo, como o exige a lei? Em segundo logar ainda perguntarei: é verdade que n'esta associação existe um livro negro, onde são inscriptos como traidores ou suspeitos aquelles que abandonam a associação, exercendo-se por esse modo pressão sobremos associados, e intimidando-os?
O governo deve de certo ter conhecimento de tudo isto em virtude de informações do sr. governador civil, mas eu, que não sou auctoridade, direi ao governo que á familia de um socio, ouvi eu dizer que o parente não se separava dos confederados, porque estava ligado por um juramento, e só mais tarde mudando de officio é que poderia talvez abandonar os associados.
E, como informação, indago mais: será verdade que nalgumas greves os membros da fraternidade operaria declararam que saíam das officinas se o trabalho não fosse distribuido a quem e como elles entendiam?
E finalmente será verdade que n'aquella associação os seus membros pagam, quotas especiaes para alimentar as grèves?
Sr. presidente, o negocio e grave, e esta é uma das muitas questões que os governos devem estudar, para as remediar quando as não possam de todo evitar.
Eu desejo que os poderes publicos protejam os nossos excellentes e honrados operarios, mas quero que não se permitta que a revolução especule com elles.
Pedirei ao sr. ministro dos negocios estrangeiros que trate de obter uma boa convenção litteraria com o Brazil, e ao sr. ministro dos negocios da fazenda a diminuição nos direitos das materias primas importadas.
Sr. presidente, antes de terminar, peço licença á camara para lhe ler alguns trechos que encontrei num jornal que a camara de certo não conhece, mas que serve de leitura semanal aos nossos operarios, e que, auxiliando extraordinariamente o mal das grèves, tende a desmoralisar a gente do trabalho.
"Os acontecimentos dos ultimos mezes provaram á burguezia que entravamos finalmente no movimento moderno europeu, e que nós, trabalhadores portuguezes, podiamos tambem constituir-nos em classe (note a camara estas phrases), tinhamos tambem sol a nossa jaqueta um coração,
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sob o nosso bonet um cerebro, para dizermos com um republicano portuguez que...foi. Finalmente acordaram os publicistas, os homens d'estado; os jornaes, para nos comdemnarem por fazermos em proveito nosso o que de muito tempo todos esses faziam em proveito proprio."
Sr. presidente, continuo a leitura:
"Já lá vão os annos em que nós, desgraçados, opprimidos pela injustiça da sorte, invocavamos com a fronte no pó, a misericordia divina."
Então a misericordia divina já não se invoca?
Mais adiante:
"A greve dos trabalhadores agricolas e a fome.
"Oxalá viesse! Amanhã! Simplesmente essa greve trar-nos-ia em logar da fome, a abundancia. Simplesmente essa greve seria a revolução immediata dos campos, a consolidação da nossa obra! E ameaçam-nos com ella! Com que, como a fariam? Seriam os jornalistas a prega-la, os proprietarios a promove-la? Não. Seriam, hão de vir a ser os jornaleiros a reclamar em nome de um direito sagrado que os vossos escriptores laureados, conservadores, um Laboulaye, um Stuar-Mill, um Laveleye, proclamam: o direito do trabalhador aos, fructos da terra que lavra com o seu braço, que fecunda com o suor do seu rosto. Que venha, pois, breve, já, ámanhã, hoje mesmo, a greve dos campos para nos matar a fome: eis-ahi os nossos votos!"
Sr. presidente, leio um ultimo trecho:
"O terror, perseguição, tyrannia.
"Quando vos ameaçarem com isso, companheiros, deveis rir, rir muito, rir sempre! A tyrannia em Portugal! Tyranno este! Aquelle! Que nós todos conhecemos de chapéu na mão á nossa porta a pedir-nos a esmola do nosso voto! Tyranno com que? Com um exercito que assassina os officiaes!"
Sr. presidente, os tristissimos resultados d'estas perigosas doutrinas, que acabo de ler, são evidentemente conhecidos; comtudo, sabem-se por emquanto pouco em Portugal, porque o mal é de data recente; mas servem-nos de exemplo as estatisticas estrangeiras, e lembrarei á camara umas curiosissimas, que ainda ha poucos dias vi publicadas nos jornaes da capital, e que são extractadas do Morning advertiser.
Em Manchester houve uma grève de tecelões que durou vinte e seis semanas; durante ellas, 10:000 braços não trabalharam, e custou 1.125:000$000 réis. Era Londres e Staffordshire houve a greve dos alfaiates e louceiros; perderam-se 1.224:000$000 réis. Em Burham houve a dos mineiros das minas de carvão de pedra, e o prejuizo foi de 3.000:000$000 réis; e a de Preston, em 1854, é avaliada em 2.250:000$000 reis!
Sabe Deus, sr. presidente, quanto terá custado esta terrivel greve dos 60:000 operarios, que os jornaes agora nos annunciam no paiz de Galles!
Sr. presidente, estes são os desastres financeiros, e a camara póde bem julgar as miserias que elles indicam, as consequencias que revelam. Eu peço desculpa á camara por uma ultima citação, é a leitura de uma parte de um artigo por mim publicado em 1869 no Jornal do commercio sobre esta mesma grève de Preston em 1854.
"É-nos impossivel concluir sem referirmos resumidamente! os factos passados em Preston em 1853, por occasião da greve dos operarios, e cujas consequencias ainda derradeiramente se sentiam.
"A moralidade das creanças recemnascidas foi tal, que impressionou profundamente todos os homens importantes! do paiz. Os registos de Somerset House provam manifestamente, que a miseria não só esgotou o leite das mães, mas até tornou os pães indifferentes a quaesquer causas possiveis dos fallecimentos dos filhos; e um jornal desse tempo diz: "A greve está sendo muito cruel para os operarios; muitos annos de tranquillidade não hão de poder remediá-la! Agora os infelizes ficam até tarde na cama para economisarem a comida da manhã, e para não terem de ceder depois os 10 por cento disputados aos donos das fabricas!
"Para completar o quadro carregado de tantas calamidades, vêem-se as mulheres doentes de parto vivendo em quartos horriveis, habitados já por numerosas familias, os labios innocentes chorando pelo leite das mães, que o não podem dar por falta de alimento, e as creanças morrendo por milhares! Espectaculo medonho que a sociedade ingleza presenciou em Preston durante annos."
Sr. presidente, o grande Chatam prestes a exhalar o ultimo suspiro soltava no parlamento inglez esta suprema exclamação "Mylords, votae contra o bill, tem o maior de todos os defeitos é contrario ás leis."
Sr. presidente, admirando e mal copiando a phrase do grande tribuno inglez eu vou concluir, pedindo á camara que censure condemne estes escriptos e estes actos, porque têem o maior de todos os vicios, são contrarios á lei. Disse.
O sr. Presidente: - Tenha o digno par a bondade de mandar para a mesa a substituição, que acabou de apresentar a uma parte do projecto em discussão.
Pequena pausa emquanto o orador mandou para a mesa a sua substituição, que ali foi lida pelo sr. secretario, e é do teor seguinte:
Substituição ao § 7.°
As colligações operarias, tendo por fim a suspensão do trabalho, tyrannisam a liberdade e atacam violentamente o direito individual; por isso a camara confia que o governo de Vossa Magestade continuará a impedir com prudencia a formação d'estas associações contrarias principalmente ao bem estar dos operarios, e a camara espera que as auctoridades competentes sempre reprimirão com energia a louca pretensão d'aquelles que conspiram contra o socego, e a verdadeira felicidade dos honrados filhos do trabalho. Por esta fórma, senhor, tornar-se-ha ainda mais evidente o imperio da lei, que é sustentado pelo respeito publico que n'este caso tambem não poderá faltar á auctoridade. = Conde de Rio Maior.
O sr. Presidente: - Os dignos pares que são de voto que esta substituição seja admittida á discussão e continue conjunctamente com o projecto dado para ordem do dia, tenham a bondade de se levantar.
Foi admittida.
O sr. Presidente: - Está em discussão, conjunctamente com o projecto de resposta ao decurso da corôa, a substituição do sr. conde de Rio Maior a um artigo do mesmo projecto.
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Andrade Corvo): - Sr. presidente, pedi a palavra unicamente para dar sobre o assumpto especial, a que se referiu o digno par, algumas explicações que podem esclarecer o debate.
Agradecendo sinceramente as benevolas expressões que s. exma. dirigiu ao governo, peço licença para procurar esclarecer a sua opinião sobre o assumpto extremamente importante a que se referiu.
Chamou o digno par a attenção do governo para um assumpto importante e grave, que preoccupa a Europa toda, e que particularmente chama a attenção dos governos, que o estudam e buscam resolve-lo.
Na minha opinião, sr. presidente, só se poderá achar a verdadeira solução de tão momentoso problema, guiando-se os governos pelos principios da rasão e da justiça, e pelo conhecimento de factos economicos, que não podem ser esquecidos.
Sr. presidente, o governo não podia de modo algum deixar de fixar a sua attenção sobre tão importante assumpto: demanda elle porem grande, e grandissima prudencia, não só da parte dos poderes publicos, mas de todos os homens que se interessam pela paz, ordem e prosperidade da nação.
Esta circumstancia é bastante para explicar o procedimento do governo, com, relação a tal assumpto.
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O governo tem procurado informar-se minuciosamente de todos os factos que se referem ás sociedades operarias. As reuniões d'essas sociedades têem sido sempre feitas em presença da auctoridade. Nos debates mais de uma vez ahi levantados, no calor da discussão, uma ou outra opinião se tem apresentado que tem merecido, da parte do representante da auctoridade publica, algumas observações; essas observações, felizmente, sempre têem sido attendidas, e nunca houve necessidade de adoptar medida alguma severa, nem teve a administração publica de se affastar d'essa prudente moderação, que as circumstancias aconselham.
Sr. presidente, a sociedade a que o digno par se referiu formulou os seus estatutos, e mandou-os ao governo; este tem-n'os estudado, e não julgando que, na sua contextura completa, possam ser approvados, deseja comtudo reunir primeiro todos os elementos necessarios para tomar uma resolução (e n'este ponto crê que interpreta bem as opiniões dos homens liberaes), que possa encaminhar os honrados operarios por uma senda mais conducente ao melhoramento social e ao progresso d'essa classe, a tantos respeitos digna de uma sympathica benevolencia.
Guiado por este principio, sr. presidente, o governo tem procurado não apressar solução alguma; e parece-me que esta resolução tem sido acompanhada, se não de um exito completo, pelo menos de um exito que dá fundadas esperanças de resultado proximo e conveniente.
Sabem todos que n'esta questão das associações operarias ha dois aspectos distinctos a considerar: um puramente economico; outro que, affastando-se da prudencia e buscando nas mais ousadas negações uma cega força de destruição, póde trazer, e tem trazido já, perigos gravissimos para a sociedade.
Os homens que vivem do trabalho, usando dos meios que a liberdade lhes concede, podem constituir associações para melhorar a sua situação. No campo puramente economico, a opinião de todos os homens liberaes é que essas associações não prejudicam a sociedade, antes são um beneficio para todos. Quando porém uma associação d'esta ordem se põe em hostilidade com os principies sociaes, politicos e economicos, que regem uma nação, e pretende por-se em guerra contra a ordem que deve existir para bem de todos, n'este caso está o dever do governo, e de todos os homens que têem a peito a conservação da ordem, e bem estar do paiz e da propria classe operaria, opporem-se a essas hostilidades. Felizmente em o nosso paiz não chegou occasião para tanto; e como tenho confiança na liberdade, e creio no bom senso do povo portuguez, confio em que se apresentará pela acção das idéas uma solução conveniente para os operarios, tanto em relação ao espirito moral, como á liberdade.
Já se vê, sr. presidente, qual tem sido o criterio do governo n'este assumpto, quaes os seus desejos, e qual a sua esperança. Em qualquer caso não é conveniente excitar demasiada acrimonia na discussão de taes assumptos; parece-me que a melhor de todas as forças é a liberdade, a justiça e a rasão. De mais, sr. presidente, a nossa situação é bastante distincta da de muitas nações da Europa, onde os meios e o fructo do trabalho são muito mais diminutos do que entre nós. Em Portugal, graças á Providencia, podemos dizer que não ha miseria; os desgraçados encontram sempre, e felizmente, cada vez mais, onde empregar a sua actividade, e ganhar o pão de cada dia. N'esta terra, que tem, digam o que disserem os praguentos, as condições de uma nação bem morigerada, quando é necessario lutar contra qualquer adversidade, apparece logo a caridade para acudir aos que soffrem. É impossivel que um povo com o coração bem formado, como é o povo portuguez, vendo que o amor do proximo é tão vivo e a caridade tão inexgotavel, não corresponda a sentimentos tão santos, com sentimentos inspirados pela virtude, e grandes como a liberdade.
Sr. presidente, o governo entende conveniente caminhar com extrema moderação, e só oppôr a acção das leis e a força destinada a defender os interesses da sociedade, quando exagerações da opinião ou factos violentos lhe exijam o cumprimento de um penoso dever.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Sr. presidente, é difficil a tarefa que um membro d'esta camara, em consequencia do seu dever, tem, na actualidade, de desempenhar, e eu de certo sou o menos competente para ella. Entretanto não posso deixar de dizer algumas palavras, porque entendo que é este o meu dever. Os discursos da corôa são banalidades a que se responde com outras.
Se temos progredido tanto, como pretendem, em sciencias, em politica, em artes, e se estamos em pleno progresso, devemos reconhecer que os povos precisam e têem direito a exigir que os seus representantes não se limitem a fazer annualmente ao chefe do estado meros comprimentos, que não convertem nem divertem, deixando ficar tudo no mesmo estado.
É necessario fazer mais alguma cousa do que isto, é necessario tratar de melhorar as condições do paiz, e procurar os meios que sejam mais convenientes para evitar os males que nos affligem.
Sua Magestade fez uma viagem ás provincias, onde foi muito bem recebido; devia sê-lo, e eu estimo muito que o fosse. Mas d'este facto, sr. presidente, não se deve deduzir como consequencia a approvação do paiz pelo modo por que é governado, e ao systema seguido na sua administração.
Ha annos combati nesta camara as opiniões de mr. de Varennes, auctor de um folheto sobre a federação latina, no qual se dizia que em Hespanha havia um grande partido que queria a annexação de Portugal áquelle reino sob o sceptro do Senhor D. Luiz, e que em Portugal esta opinião era partilhada pôr quasi todos os portuguezes. Quanto á Hespanha, disse eu que estava persuadido que isto não era exacto, e que para o mostrar bastavam as ovações que o povo tinha feito á rainha, na sua viagem ás provincias, que foram taes que ella perante o parlamento, no seu discurso de abertura, se congratulara pelas demonstrações de affecto que tinha recebido do povo hespanhol.
A respeito do que mr. de Varennes dissera ácerca de Portugal, as minhas palavras estão publicadas no meu discurso proferido na sessão de 23 de fevereiro de 1863, e não é necessario que as repita agora.
O facto é que me enganei no que disse a respeito do amor que os hespanhoes tinham á sua rainha, porque, poucos annos depois, foi lançada fóra do seu throno, e agora em Hespanha o que se vê? É que
Os réis, os demagogos á porfia.
Com os mesmos intentos animados,
O poder, ambição, soberania
Luctam, em destruir são alliados.
É isto, sr. presidente, que não quero ver em Portugal; mas para isso é necessario não confundir as manifestações de respeito devidas ao chefe do estado, e d'ellas deduzir que são o resultado da satisfação geral do paiz, pelo que diz respeito á sua administração; que o não são, basta ver as representações que foram apresentadas a Sua Magestade contra o systema seguido na administração, e pedindo a convocação das côrtes.
Diz o discurso da corôa que tendo o governo conhecimento de que alguns individuos, de diversas classes, conspiravam contra a ordem estabelecida, tomara, dentro das faculdades legaes, providencias que mantiveram a segurança publica, entregando aos tribunaes competentes os processos dos réus para serem julgados como fosse de justiça.
Não preciso dizer, porque todos o sabem, quanto desapprovo estas alterações do socego publico, posto que conheça que procedem, quasi sempre, se não sempre, da má administração dos governos.
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Reconheço, pela minha longa experiencia, que estas alterações da ordem não podem dar bom resultado, até porque, geralmente, as pessoas que as promovem, não dão garantia, de que queiram reformar o paiz e as instituições, n'aquillo em que devem ser reformados, tendendo unicamente a substituir pessoas por pessoas, ficando tudo no mesmo estado; mas uma cousa e não querer sedições, outra e approvar todos os meios empregados para as debellar.
Quanto ao modo por que se procedeu, quando esta camara, sem ser convocada como camara politica, se constituiu em tribunal de justiça para tratar do processo de um digno par, que se diz implicado n'estas conspirações, já eu tratei d'este assumpto, alem de outros dignos pares, que, commigo, combateram a reunião da camara como tribunal de justiça, sem se ter verificado a garantia da carta. A camara decidiu-se contra as praxes seguidas, e deu occasião a que se duvide da legalidade dos meios empregados para se processar o digno par.
Não pretenda agora renovar esta questão, e direi só que mal se alcançam os fins da justiça, quando se dá occasião a duvidar de que os meios empregados para a obter foram apaixonados.
Assim, sr. presidente, permitta-me a camara que eu lhe faça algumas reflexões, com as quaes, me parece, não sairei fora da ordem, porque n'esta occasião só procuro, quanto em minha pequena intelligencia cabe, apresentar diversos factos que se têem dado e vão correndo, para d'elles deduzir aquellas consequencias que julgo convenientes, a fim de mostrar que nem tudo que se tem feito tem sido o que deveria ter praticado em conformidade com os bons principios.
O artigo 120.° da carta constitucional diz que "os juizes de direito são perpetuos"; do que todavia se não entende que não possam ser mudados de uns para outros logares, pelo tempo e maneira que a lei determinar.
O § 11.° do artigo 145.° da referida carta diz que "será mantida a independencia do poder judicial".
Isto estabelece-se para dar aos juizes toda a independencia.
Os pares do reino tambem exercem funcções de juizes, nos processos crimes das pessoas que devem ser julgadas n'esta camara. Não podem ser mudados, porque são juizes com attribuições especiaes; mas, não estarão elles na categoria dos outros membros do poder judicial, que a carta estabelece que sejam perpetuos para poderem ser independentes?
Poderá pois algum digno par aceitar o emprego de procurador geral da corôa, e substituir as augustas funcções de juiz (que o são), pelas de accusador, que lhe são impostas pelo artigo 42.° da carta constitucional?
Não se poderá dizer que o par do reino, que substituiu as funcções de juiz pelas de accusador, tivera em vista, fazendo a escolha, tornar a accusação mais forte ou enfraquece-la?
Alem de que, este procedimento não será contrario á perpetuidade dos juizes, que é uma garantia para o cidadão accusado, e de independencia para todos os membros do poder judicial, para que as suas decisões sejam justas?
Outro facto acontece, que não posso deixar de mencionar á camara, por isso que é de summa gravidade.
O actual sr. presidente da camara electiva é juiz do supremo tribunal de justiça, e como tal é agora relator de um processo em que tem de ser julgado o sr. visconde de Ouguella, processo que é inteiramente politico.
O presidente da camara dos senhores deputados é uma pessoa essencialmente politica, e então como 6 que póde ser juiz em um processo de crime politico?
Eis o resultado que se tira das accumulações dos diversos empregos do estado com o de membros do parlamento, contra o que eu, por muitas vezes, me tenho pronunciado; mas ha de vir tempo em que se reconheça que tenho rasão, quando me levanto contra taes abusos, que outro nome não podem ter similhantes factos.
Sr. presidente, ainda que tenho a desgraça de não ser jurisconsulto, não posso deixar de dizer a minha opinião sobre estes assumptos.
A reforma judiciaria de 1841, titulo 19.°, capitulo 2.°, estabelece a maneira por que no supremo tribunal de justiça se deve proceder a respeito de suspeições dos seus juizes.
Se esta questão a que alludi, ali fosse proposta pelo advogado do sr. visconde de Ouguella, desejaria muito ver a decisão do tribunal composto de caracteres tão conspicuos, que todos respeitâmos e consideramos.
Seja-me permittido dizer n'esta occasião algumas palavras a respeito do que se passa em Inglaterra, com relação a incompatibilidades. N'aquelle paiz, os juizes, por uma disposição muito antiga, tanto da Inglaterra propriamente, como da Irlanda e da Escocia, não podem ser membros do parlamento. Modernamente, depois do bill de sir Roberto Peei sobre a propriedade da Irlanda, crearam-se certos juizes para dar execução á lei, e esses juizes ficaram tambem inhibidos de poderem ser membros do parlamento.
Estes é que são os bons principios; e porque se tem aberrado d'elles é que as cousas, entre nós, têem chegado ao estado, em que as vemos.
Claro está que, nas apreciações que tenho feito com relação aos dois illustres cavalheiros a que me tenho referido, o meu intuito não tem sido de modo algum faltar-lhes ao respeito que merecem o que lhes devo, pelas suas qualidades pessoaes; porem, quanto ás circumstancias politicas em que se acham esses, posso eu avaliar e hei de faze-lo, com a liberdade propria de um membro d'esta camara.
Sr. presidente, o discurso da corôa tambem se refere a alguns tumultos que têem agitado o paiz em diversas partes, mas diz que os implicados já estão entregues á acção judicial. Tudo isto mostra que o paiz está muito agitado, e que de modo algum se póde confundir a maneira por que Sua Magestade foi recebido nas provincias, com a approvação do systema seguido pelo governo.
Agora vou chamar a attenção da camara sobre um paragrapho do discurso da corôa, que exige, quanto a mim, uma particular attenção, e um reparo em especial. O periodo a que me quero referir é este:
"No intervallo das sessões, usando das faculdadas concedidas no artigo 15.° do acto addicional á carta, decretou o meu governo varias providencias de caracter legislativo, que todas vos serão opportunamente apresentadas.
"Tanto estas, como as que ficaram pendentes, e que tambem devem ser presentes á camara, por ella serão devidamente avaliadas."
O paragrapho seguinte ao que li promette economias, e diz: que "o ministro da fazenda, apresentando o orçamento, submetterá á attenção do parlamento diversos projectos de lei que alteram parte da legislação tributaria, alliviando da contribuição alguns productos de geral consumo, elevando e dando nova fórma a outras imposições para as tornar mais productivas, etc.!!"
Este periodo, bem exemplificado, refere-se especialmente á proposta apresentada pelo sr. ministro da fazenda sobre o real d'agua, e novo imposto sobre a conducção das bebidas, alcoolicas.
Parece impossivel que houvesse tal lembrança, para sobrecarregar de impostos aquellas bebidas, embaraçando assim o commercio, e causando aos proprietarios grandissimo incommodo e despeza.
Não direi mais nada sobre este projecto, mas sómente que me associo completamente a todas as manifestações exaradas nas representações feitas pelos povos contra o tal projecto, que espero não chegue a esta camara, porque são bem patentes e visiveis as peias e os embaraços que d'elle resultam para a agricultura e para o commercio.
N'esta occasião, por isso que é a propria para se poder avaliar em toda a sua generalidade o que póde actuar sobre o andamento dos negocios publicos, que por qualquer
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modo possam influir sobre o socego ou inquietação do paiz, continuarei a fazer mais algumas reflexões sobre differentes objectos que estão ligados com a sua situação.
É notavel que os objectos proprios para promover a viação publica estejam debaixo da acção do governo, que se serve, ou póde servir d'elles, para ter uma acção directa sobre as eleições, concedendo ou negando auxilios pecuniarios para a viação municipal.
Isto é tanto assim, que um engenheiro distincto, cuja perda deploro, que era meu amigo particular, e a quem já me prendiam muitas relações de amisade para com sua familia, me disse, que, sendo nomeado para fazer a directriz de uma estrada por tres vezes foi obrigado a muda-la por ordem do governo, para satisfazer ás exigencias dos influentes das localidades.
É assim que até as bandeirinhas da engenheiros servem de agentes eleitoraes!
Agora não posso tambem deixar de alludir a diversas companhias privilegiadas, que tanta influencia têem sobre os factos economicos.
Eu peço perdão do desalinhamento do meu discurso e das interrupções e suspensões que faço, em consequencia do estado da minha saude; mas apesar de tudo, não posso deixar do cumprir com a minha obrigação, avaliando os diversos assumptos que devem ser apreciados pela camara.
Não me canso de dizer e notar o facto que se dá com certas instituições bancarias e outros estabelecimentos, começando pelo banco hypothecario, onde é governador o nosso digno presidente.
A direcção do banco hypothecario de Lisboa é composta de diversos membros d'esta camara e da outra, segundo vi em um almanach.
O sr. marquez d'Avila, no seu relatorio de 31 de janeiro de 1872, diz que são necessarias, para se facilitarem os emprestimos, algumas disposições legislativas, e diz mais o seguinte em um dos paragraphos do referido relatorio:
"Não tem concorrido menos para difficultar os nossos emprestimos as successivas prorogações do praso para a inscripção e registo dos onus reaes e das antigas hypothecas.
"O atrazo deste serviço nas conservatorias obrigou o governo do estado a prorogar ainda mais este praso até 22 de março de 1873, de modo que a companhia se vê ainda obrigada a exigir os documentos indispensaveis para a prova do dominio dos bens offerecidos em hypotheca. É de esperar, porém, que seja esta a ultima prorogação, e que o poder legislativo adopte medidas que, protegendo os interesses da fazenda publica e dos municipios (ha uma camara municipal que requereu á camara dos deputados a prorogação do praso para o registo, dizendo que para registar uns fóros que rendem 100$000 réis, é-lhe preciso gastar 1:000$000 réis nas despezas do registo; os particulares tambem se queixam do mesmo), acabem de uma vez com dilações prejudiciaes á certeza e segurança do direito de propriedade, de modo que fique removido este grande obstaculo, que tem impedido o desenvolvimento das nossas operações."
Isto quer dizer que a direcção do banco, que se compõe de membros do parlamento, incluindo o sr. marquez d'Avila, pessoa tão importante, que já foi ministro e que ainda póde vir a sê-lo, pretende acabar com o praso para o registo dos onus reaes e hypothecas, porque é contra os interesses do banco, apesar dos clamores contra estes registos em tão pequeno praso.
Sr. presidente, vê-se que os directores do banco têem já idéas fixas sobre a precisão de medidas legislativas, que elles, como membros do parlamento, têem de approvar ou promover, e é esta a rasão por que eu combato a favor das incompatibilidades parlamentares.
O Diario de noticias, de 18 de janeiro deste anno, diz: que "a companhia dos tramways a vapor de Lisboa teve a sua reunião geral dos accionistas em Londres, em 30 do mez passado, sob a presidencia do sr. duque de Saldanha; leu-se o relatorio da direcção, e o sr. presidente disse que um dos seus mais importantes pontos era o que se referia á concessão que tinham obtido, e pela qual estavam habilitados a construir a linha directa de Cascaes a Cintra. Que um dos directores estava em Lisboa, e prestava grandes serviços á companhia. Depois de varias observações de outros membros deu-se um voto de agradecimento ao presidente, e mr. Beathie observou que a assembléa estava especialmente grata ao duque de Saldanha".
O nobre duque é ministro de Portugal em Londres, e ao mesmo tempo é presidente de uma companhia, que póde vir a ter negocios com o governo de Portugal e exigencias; e póde ser necessario que o nobre duque de alguns esclarecimentos a este respeito ao governo, que, para os obter, talvez não saiba a quem se ha de dirigir, se ao nosso ministro, se ao presidente da companhia.
O Diario popular, de 26 de novembro ultimo, diz: "Parece que a companhia do caminho Larmanjat vae requerer ao governo a prorogação do praso que lhe foi concedido para a admissão do material fixo e circulante, sem pagar direitos. A empreza allega que não tem as carruagens promptas, e que sendo n'este caso força maior, justifica a prorogação do praso.
"Diz-se tambem que em Lisboa está um lord inglez para promover a concessão d'esta exigencia da companhia."
Na sessão de 8 do corrente o sr. ministro das obras publicas apresentou uma proposta de lei para isentar dos direitos da alfandega o material fixo e circulante dos caminhos de ferro americanos. Ora, sr. presidente, eis como o governo pretende embaraçar as grèves dos operarios, que se queixam de pequenos salarios. Está facilitando a entrada de objectos sem pagarem direitos, que, se os pagassem, haviam de vir augmentar o preço do trabalho e dos jornaes, resultado da maior procura.
É de receiar, á vista da proposta do sr. ministro, que se faça igual concessão á companhia do Larmanjat.
Sr. presidente, é difficil fazer uma estatistica dos effeitos que os privilegios concedidos a todas as companhias protegidas por pessoas influentes na politica, e que são n'ellas interessadas, têem tido nos interesses do povo; entretanto não posso deixar de repetir o que já aqui tenho dito, e vem a ser, se se apresentar n'esta casa algum projecto para estabelecimentos de companhias privilegiadas, eu hei de votar contra.
Entendo, sr. presidente, que privilegios feitos a poucos são sempre á custa de muitos. Entenda-se que me refiro a privilegios, e não ao curso regular das cousas. E n'esta occasião não posso deixar de dizer algumas palavras sobre o celebrado contrato das ostras.
Este contrato é para dar 150 kilometros da costa de Portugal a um membro do parlamento, para vender naturalmente a concessão a alguma companhia estrangeira. Ora 150 kilometros são 30 leguas pouco mais ou menos, e os povos d'essas 30 leguas ficam esbulhados do direito que têem aos interesses que podem auferir das diversas pescarias, que vão ser exploradas por uma companhia estrangeira. Isto é inaudito! Alem de que, por aquella concessão, não se facilitará o contrabando, sendo necessaria uma fiscalisação muito mais dispendiosa para o evitar?
Queixam-se das greves, e eu tambem me queixo d'ellas, mas porque é que não evitam tudo que lhes póde dar occasião? Têem concorrido á camara electiva diversas representações dos interessados sobre aquelle celebre contrato das ostras, e espero que não afrouxem, porque se afrouxam estão perdidos, e dentro em pouco serão invadidas pelo estrangeiro aquellas costas, e os povos que por ali habitam serão esbulhados de todos os interesses que legitimamente podem auferir das pescarias.
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Isto não se deve consentir, isto é que dá origem ás grèves. Nós estamos entre a communa aulica e a communa do petroleo. Como querem destruir uma, sem destruir tambem a outra? É por todas estas cousas irregulares que o povo soffre realmente, soffrimento que ainda é aggravado pela sua imaginação; e se a tempo não se acudir a estes males, mais difficil será depois combater a communa do petroleo, que não quer senão destruir a propriedade, a familia e todos os laços sociaes.
É preciso collocar-nos na altura das circumstancias. É preciso evitar o desmoronamento de tudo quanto nos ameaça. A tarefa é difficil, convenho, mas é nobre e digna de todo o cidadão, para que envide n'esta cruzada todos os seus esforços, quer dentro, quer fóra do parlamento.
Sr. presidente, ainda me falta, com respeito a companhias, dizer mais alguma cousa.
Ha uma companhia monstro, que deve dispor de muitos capitaes, e por consequencia dispor de muitas influencias; refiro-me á companhia para a cultura dos maninhos, a qual, segundo ouvi, reclama, entre as concessões que deseja, a isenção do serviço militar para os seus colonos!
Isto não póde ser. Eu não vi os estatutos, mas affirmam-me que se encontra lá esta disposição.
Uma tal disposição, sr. presidente, é uma flagrante injustiça, contra a qual desde já me revolto.
Sr. presidente, eu peço perdão á camara do mal alinhavado do meu discurso, e bem assim se tenho transgredido as formulas, mas entendo que a occasião de se discutir a resposta ao discurso da corôa é aquella em que se podem e devem avaliar as circumstancias do paiz, o que concorre para o seu bem estar, ou o que se lhe torna nocivo, apontando os meios concernentes á boa governação. Portanto, se me tenho alongado de mais, peço desculpa á camara, mas não posso deixar de tratar de um certo numero de assumptos, apesar de conhecer que sou talvez o menos competente para os tratar.
Sr. presidenta, ha um facto, que deve merecer toda a attenção dos poderes publicos; refiro-me á diminuição do valor que a propriedade vae tendo. Será esta diminuição de valor devida ao excesso do imposto que pesa sobre a propriedade, ou a outra qualquer circumstancia?
Este objecto é de grande importancia, e os poderes publicos deviam seriamente occupar-se d'elle, começando-se pela nomeação de uma commissão de inquerito que se encarregasse de o estudar com todo o cuidado.
A propriedade está altamente aggravada, assim como o está igualmente a industria; e é essa uma das principaes rasões por que ella tem diminuido muito de valor.
Nós vemos todos os dias irem á praça e serem vendidas, ás vezes por bem pouco, propriedades importantissimas, o que não é senão por causa do augmento constante das contribuições, o que faz com que os capitaes, na maior parte, sejam empregados em inscripções, pela simples rasão de não pagarem imposto algum.
Alem do que tenho apontado talvez hajam outras causas que influam sobre a diminuição do valor da propriedade, e por isso eu desejava a nomeação de uma commissão de inquerito, para que estudasse bem este assumpto, a fim de se remediarem estes grandes inconvenientes, porque, se as cousas continuam assim, não sei a que estado chegaremos.
Em vista d'isto, creio que não será preciso examinar mui detidamente quaes são as rasões que determinam o baixo preço a que chegou a propriedade. O que é, portanto, necessario é que o parlamento attenda muito a esta questão, e eu desejava tambem ver os srs. ministros occuparem-se seriamente d'ella, porque de outro modo o paiz vae-se desmoronando, e não sei a que estado chegaremos.
Sr. presidente, Cesar, a chave da unidade romana, como lhe chama o sr. D. Antonio de Macedo em uma nota muito erudita, que escreveu para a traducção dos Fastos de Ovidio, do sr. [...], seria o conquistador da verdadeira civilisação romana? Enteado que não.
Depois de conquistar as Gallias e a Bretanha, depois de passar o Rubicon, de vencer Pompeu, na batalha de Pharsalia, e a Pharnasses, que se tinha revoltado, deu parte ao senado romano dos seus triumphos com a celebre phrase: "Veni, vidi, vici!".
Depois venceu os seus inimigos na Africa e os filhos de Pompeu em Hespanha, ser vindo-se da guerra para obter o poder supremo, de que finalmente se apoderou sem opposição.
Na chegada a Roma foi nomeado dictador perpetuo, reunindo em si todos os poderes, e logo nomeou, sem attenção ás disposições da lei, trezentos senadores da sua parcialidade, depois fascinou o povo com esplendores e festas, jogos publicos, theatros, estabelecendo um em cada bairro da cidade de Roma; seccou paues, rompeu isthmos, facilitou as transacções commerciaes com os estrangeiros, accumulou nos templos de Roma todos os objectos de arte, de oiro e de prata, roubados aos templos dos povos conquistados, reconstruiu o circulo maximo de Roma, substituindo a madeira por marmores, construiu um theatro monumental de tres andares, sendo o primeiro de marmore, o segundo de crystal e o terceiro de madeira doirada, instituiu espectaculos publicos gratuitos, dando trigo tambem de graça, tudo para fascinar o povo. Depois foi assassinado, deixando apoz si um povo corrompido, que só queria-panem et circenses.
Este é o resultado de todos os governos, quer sejam propriamente de Cesares, que accumulem todos os poderes, quer republicanos ou de qualquer outra natureza que sejam, que attenderem só á civilisação material do povo sem attender ao mesmo tempo á civilisação moral, reduzindo o povo a tal estado, que os barbaros proprios ou alheios, lhe devastem os seus campos, lhe destruam as suas industrias, as suas propriedades, as suas familias, as suas crenças religiosas. Eis-aqui, sr. presidente, as tendencias da epocha.
E é para notar, que tanto vamos no caminho do povo romano, que ainda ha pouco uma mulher, com uma filha nos braços, foi divertir-se a um d'esses theatros que por ahi andam semeados, sendo assim talvez a causa de que a creança lhe morresse nos braços, como morreu.
Com referencia ás noticias de Angola, só tenho a lamentar tão desastrosos acontecimentos, e peço ao governo que attenda ao estado precario e perigoso em que se acha uma parte tão importante da monarchia.
A India e Moçambique estão quasi no mesmo estado em que hoje se acha a provincia de Angola, e tudo isto indica que a monarchia portugueza se vae desmoronando. É preciso acudir-lhe. Será ainda tempo?!
Qual é a rasão de todos estes acontecimentos?
É ter-se enfraquecido o principio religioso, ao mesmo tempo que o materialista cada vez se desenvolve, mais.
Ainda ha pouco eu recebi um folheto denominado O padroado ultramarino agonisante, que ainda não li; mas os factos que se estão dando, provam que todos estes acontecimentos desastrosos, e esta situação anormal, têem diversas causas, sendo a principal a que acabo de apontar.
Mas é preciso combater essas causas, é preciso que homens tão conspicuos, como aquelles que me rodeiam, examinem estas causas, para ver se se consegue exterminar o mal.
O sr. conde de Rio Maior, que eu não pude ouvir bem, porque estou quasi surdo, queixou-se das sociedades que movem as greves; mas tudo isto tem a mesma causa, que é a civilisação material sem ser acompanhada da moral.
Sr. presidente, estou ligado a este paiz pelo nascimento, pelos interesses, e pelo amor da patria, amor este que é fundado no que ella foi, e no que póde vir a ser, e por isso não posso ver a sangue frio estas cousas, nem ficar callado quando se trata d'ellas.
Oxalá, que pessoas mais habilitadas do que eu se compenetrem da necessidade de desempenharem a nobilissima tarefa de combater as causas dos males que tenho apontado.
Mais algumas cousas poderia dizer se não estivesse tão
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cansado; ponho, pois, termo ao meu discurso, pedindo á camara que me desculpe, se em alguma cousa offendi o seu melindre. O meu fim não é offender, mas expor as cousas como as entendo, porque é essa a minha obrigação como membro do parlamento.
O sr. Presidente: - Agora tem a palavra o digno par o sr. Mártens Ferrão, mas como faltam poucos minutos para dar a hora, não sei se s. exma. quererá fazer hoje uso da palavra.
O sr. Mártens Ferrão: - Eu pouco tenho a dizer, mas como preciso responder a dois pontos a que se referiu o sr. visconde de Fonte Arcada, um dos quaes me diz respeito, e outro a um cavalheiro que não está presente; e como não o poderei fazer nos poucos minutos que faltam para encerrar a sessão, parece-me mais conveniente ficar com a palavra para ámanhã.
O sr. Presidente: - Ámanhã continua a mesma ordem do dia. Esta encerrada a sessão.
Eram quasi cinco horas.
Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 11 de fevereiro de 1873
Exmos. srs.: Marquez d'Avila e de Bolama; Conde de Castro; Duques, de Loulé, de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Pombal, de Sabugosa; Condes, de Bertiandos, de Castello Branco, de Cavalleiros, de Algodres, de Linhares, da Ponte, da Ribeira, de Rio Maior; Bispos, de Bragança, de Lamego, de Vizeu; Viscondes, de Algés, de Almeidinha, de Asseca, de Chancelleiros, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Ovar, de Portocarrero, da Praia Grande; Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, Gamboa e Liz, Costa Lobo, Xavier da Silva, Custodio de Carvalho, Sequeira Pinto, Barreiros, Corvo, Mártens Ferrão, Braamcamp, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Eugenio de Almeida, Franzini.
Entraram depois de aberta a sessão os exmos. srs. Visconde de Benegazil, Conde de Fonte Nova, Visconde da Silva Carvalho, Pinto Bastos, Marquez de Sousa Holstein, Serpa Pimentel, Luiz de Castro Guimarães.