70 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
camara para a publicidade das noticias relativas a suicidios e tentativas de suicidios.
E espantosa e assustadora a progressão crescente dos suicidios em Portugal. Em 1898 registaram-se 16 casos, e em 1893 62. Quantos registará o anno de 1894? Qual a causa? O mal estar geral? A degeneração progressiva da raça humana? A imitação, como sustenta a Medicina contemporânea, o dr. Metei (sessão da sociedade de medicina legal de Paris, de 18 de junho de 1891), e outras auctoridades?
Não sei qual d’estas causas é a principal, mas, estranho por completo a estes estudos demographicos, parece-me, ainda assim, pelo que tenho observado, que o espirito de imitação, que a todos mais ou menos nos impulsiona, d, em muitos casos, a causa determinante dos suicidios, maxime, havendo predisposição mórbida que a publicidade, que muitas vezes pretende fazer do suicida um heroe, precipita.
Cumpre, pois, á sociedade evitar essa publicidade perniciosa e realmente repugnante, porque a proposito da descripção minuciosa de um suicídio vem quasi sempre para a discussão publica as misérias sociaes que mais ou menos se ligam a esse facto, arrastando-se assim para a praça publica o viver intimo das famílias.
Outra consideração nos devo ainda impellir: o suicida consciente é um soldado vencido na batalha da vida; inconsciente é um desequilibrado, um louco, em ambos os casos digno do nosso dó, da nossa commiseração!
Estamos já muito longe do tempo em que se expunham á execração do publico os cadaveres dos suicidas.
Sr. presidente, quanto a mim, parece-me que evitando esta publicidade não se faz violência nem aggravo á liberdade de imprensa; por que ao interesse material das emprezas jornalísticas deve antepor-se o interesse geral da sociedade.
E demais, sr. presidente, não se fará senão realisar o pensamento generoso de alguns jornalistas que tentaram, por accordo, que infelizmente falhou, evitar que os jornaes dessem noticias d’esta natureza.
Do exposto parece dever concluir-se, sr. presidente, que tal publicidade, por perniciosa e repugnante, é um abuso e não uso da liberdade de imprensa.
Por isso tenho a honra do mandar para a mesa o seguinte projecto de lei, que passo a ler.
(Léu.)
Foi lido na mesa, ficando para ter segunda leitura o projecto, que é do teor seguinte:
Projecto de lei
Artigo 1.° É prohibido ás emprezas jornalísticas noticiosas dar publicidade a qualquer noticia de suicidio ou tentativa de suicidio, sob pena do 200$000 réis.
§ unico. A reincidência será punida com a multa de 500$000 réis e prisão de tres dias a seis mezes.
Art. 2.° A publicidade das noticias a que se refere o artigo 1.°, dada em termos que illuda a disposição d’esta lei, mas de modo que se possa conhecer o facto, será punida com a pena do § unico do artigo antecedente.
Art. 3.° Estas penas serão impostas nos termos das leis que regulam o uso da liberdade de imprensa, e pertencerá a importância das multas aos estabelecimentos de beneficencia e caridade que existam nos concelhos ou bairros onde estejam habilitadas as emprezas delinquentes, e na falta d’aquelles ás respectivas camaras municipaes para fundo de beneficencia.
Sala das sessões da camara dos pares, 23 de outubro do 1894. = O par do reino, José Rebello.
O sr. Conde de Magalhães: — Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte nota de interpellação ao governo. Peço a v. ex.a dê as suas ordens para que seja expedida com urgência esta nota.
Foi lida na mesa, e é do teor seguinte:
Nota de interpellação
Desejo interpellar o governo ácerca do convénio da companhia real dos caminhos do ferro portuguezes e do uso que fez da auctorisação que as côrtes lhe deram para regularisar os negocios d’esta companhia.
Camara dos dignos pares, 26 de outubro de 1894. = Conde de Magalhães.
O sr. Presidente: — Vae ser expedida com urgência.
O sr. Conde de Castro e Solla: — Sr. presidento, está pendente do tribunal judicial d’esta camara um processo contra o sr. Mendonça Cortez; eu fui nomeado relator d’esse processo, mas como entendo que as minhas funcções cessaram com a dissolução da camara transacta, parece-me que terá de ser nomeado novo relator. Mesmo porque sei que ha pendente do processo um requerimento que necessita de despacho.
O sr. Presidente: — A proposta que acaba de fazer o sr. conde de Castro e Solla é urgente, e creio mesmo que no processo a que o digno par se referiu, está pendente um incidente que devo ser resolvido pelo sr. relator.
Por consequência, em vista dos escrúpulos justificados que acaba de expor o sr. conde do Castro e Solla, vou consultar a camara para se proceder á eleição de novo relator, no caso que assim se resolva.
O sr; Conde de Thomar: — Peço a v. ex.a para consultar a camara sobre se permitte que seja reconduzido o sr. conde de Castro e Solla no logar de relator do processo, se a isso se não oppozer qualquer disposição do regimento.
O sr. Presidente: — Tenho duvidas em consultar a camara sobre este assumpto, porque o § unico do artigo 7.º do regulamento da camara constituida em tribunal de justiça, preceitua que a eleição do relator seja feita por escrutinio secreto.
A camara póde dispensar, e dispensa com frequência, as disposições do seu regimento interno, mas o que me parece não poder dispensar é qualquer disposição do regulamento applicavel sempre que funcciona como tribunal de justiça; por isso não me parece que deva submetter á deliberação da camara o requerimento do sr. conde de Thomar, (Apoiados.) mas se s. ex.a insistir, consultarei a camara.
Os dignos pares que entendem dever-se proceder com urgência á eleição de novo relator para o processo que está pendente contra o digno par sr. Mendonça Cortez, tenham a bondade de se levantar.
(Pausa.)
Está approvado.
Vou dar a palavra ao digno par sr. D. Luiz da Camara Leme, que é o primeiro inscripto na sessão de hoje.
O sr. D. Luiz da Camara Leme: — Sr. presidento, ainda que não esteja presente o sr. ministro da marinha, e o negocio para que desejo chamar a attenção do governo seja relativo á sua pasta e não á dos srs. ministros que vejo nas cadeiras, pedirei a s. ex.as tenham a bondade de transmittir ao seu collega o que vou dizer.
Li hoje no Diário de noticias, que não tem feição politica, uma noticia que me preoccupou muito, a mim, e creio que não menos ao espirito publico, com relação a Lourenço Marques.
Vou ler o que este jornal diz, para o que chamo a attenção da camara.
(Leu.)
Este indivíduo, de nome Gerard Pott, requer por aforamento 1:000 hectares de terreno baldio na ilha dos Elephantes, e a parte da praia junta ao muro de supporte na linha ferrea; ora, isto é um negocio gravíssimo, de que podem provir grandes complicações.
Alem d’esta concessão ha ainda uma outra tambem a um individuo inglez, chamado James Carpinter, que pediu