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SESSÃO N.° 10 DE 8 DE FEVEREIRO DE 1896 83

determinaram o governo a assumir a dictadura, reserva-se, porém, o direito de em occasião opportuna discutir e apreciar as differentes providencias decretadas dictatorialmente e continua na ordem do dia.

Sala das sessões, 8 de fevereiro de 1896. = Antonio, arcebispo bispo do Algarve.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, nada tenho a responder ao nobre prelado que acaba de fallar, o sr. arcebispo bispo do Algarve, pois que as palavras que s. exa. proferiu foram mais de approvação ao governo, pelos actos que praticou, que de discrepancia ás doutrinas politicas que temos sempre sustentado; faltaria, porém, a um dever de estima pessoal e de respeitosa deferencia pelo caracter e pela largueza de vistas de s. exa., se eu não me levantasse para agradecer as considerações tão justas e tão elevadas nos seus conceitos, que s. exa. formulou ao definir o que foi a dictadura do governo.

S. exa. poz muito nitidamente a questão politica.

O governo não desconhece a responsabilidade que assumiu, substituindo-se ao poder legislativo.

Não só no que toca a materia legislativa ordinaria, mas ainda a preceitos constitucionaes, o governo teve, pelo imperio das circumstancias de momento, de assumir faculdades que lhe não competiam e que eram exclusivas do poder legislativo.

S. exa., porém, nitidamente definiu a situação, quando ponderou que o governo não tinha o direito da escolha, visto que as circumstancias lhe impunham rigorosamente o cumprimento do seu dever. O governo, ou havia de faltar ao que deve ao chefe do estado e ao paiz, ou havia de, com inteiro desassombro, sem se arreceiar das consequencias, seguir o caminho que as circumstancias lhe apontavam. Ou havia de declinar as obrigações do seu cargo, ou manter a ordem e assegurar os interesses mais vitaes da nação.

Foi o que elle fez.

E, sr. presidente, seja-me permittido dizel-o, quando, em assumpto tão grave, tão complexo - porque foi longa a dictadura do governo, porque foiçam muitas as providencias adoptadas-, se ergue uma auctoridade como a do digno par e nos diz com a sua voz auctorisada, e, alem d'isso, com o seu superior criterio, que applaude assim os actos do governo; quando, ha mais de um anno, se acha encerrado o parlamento, e o governo exerceu a dictadura, não direi com o applauso de todo o paiz, mas com a sua acquiescencia e com o apoio da corôa, seja-me licito dizer, repito, que n'isso está a nossa mais completa justificação.

De resto, direi a s. exa. que póde contar que da parte do governo encontrará o mais vivo desejo de cooperar com os membros das duas camaras para que os decretos dictatoriaes se tornem o mais proficuos possivel, com o auxilio do criterio mais auctorisado.

O governo não é intransigente nos decretos que publicou. Não tem a pretensão de crer que a sua obra é impeccavel.

Pelo contrario, o governo folga em que o parlamento a discuta e remodele, segundo o melhor criterio, e assim ficará melhor garantida a acção benefica que se procurou produzir com a sua promulgação.

Agradecendo, portanto, ao nobre prelado do Algarve as suas expressões tão conceituosas, permitta-me que lhe diga ainda uma cousa.

É que as suas palavras echoaram tanto em meu sentir e no meu pensar, que foram para mim a convicção mais plena de que é perfeitamente justificavel a dictadura, e que d'ella advirão os beneficos resultados que calculámos para o paiz.

(O orador não reviu.)

O sr. Conde de Bertiandos: - Nos termos do regimento, mando para a mesa a minha moção de ordem, que passo a ler.

(Leu.)

Sr. presidente, eu creio que não são necessarias muitas palavras para mostrar quanto é justa esta moção.

Não é possivel que a camara, constituida como está pelo proprio decreto que vae sanccionar, releve o governo da responsabilidade em que incorreu.

Não póde o proprio peccado absolver o peccador, nem convem que seja o cumplice que justifique o seu cumplice.

Bem diz o sr. conde do Casal Ribeiro no seu livro, livro que desejaria ver adoptado para compendio na universidade, a fim de que não viessem depois para o mundo official idéas tão cerebrinas sobre direito constitucional como são aquellas que parece predominam hoje.

Bem diz o notavel publicista: filhos da dictadura e paes da propria mãe.

Eu, francamente, desejaria ver o governo absolvido depressa, para entrar n'um caminho legal e constitucional, mas o que estamos fazendo é uma comedia, e a este respeito peço a v. exa. e á camara licença para contar uma pequena historia.

Conta-se que um antigo rei, no tempo em que havia tyrannos, todos os annos mandava pedir a um convento frade que o ouvisse de confissão; o frade ia, mas, como o rei não promettia emendar-se, não o absolvia e seguia do palacio para o cadafalso, até que de uma vez um leigo do convento, ao ouvir na portaria o costumado recado, fingiu-se frade e foi confessar o rei. Confessou-o e absolveu-o.

Quando voltou ao convento perguntaram-lhe logo os frades: Como é que te arranjastes com o rei? Respondeu o leigo. Muito facilmente. Elle estava á porta do inferno, dei-lhe um empurrão e metti-o lá para dentro.

Ora, sr. presidente, é isto que nós vamos fazer, porque nós não somos os competentes. O illustre prelado, no seu discurso magnifico, cujas idéas são dignas de ser attendidas por todos, dizendo que devemos votar o bill, mostrou que nem todas as medidas, a que elle dizia respeito, mereciam a sua approvação, especialmente as que diziam respeito á classe, que s. exa. aqui representa; ora, eu creio que, se as differentes classes tivessem aqui os seus representantes e todos quizessem fallar, talvez dissessem o mesmo relativamente aos seus especiaes interesses e direitos.

Sr. Presidente, eu declaro a v. exa. que estimaria muito ver esta camara constituida legalmente, e não comprehendi bem o que disse ha pouco o nobre presidente do conselho: que todos os actos da dictadura foram indispensaveis e necessarios para a manutenção da ordem publica, e por isso se justificam.

Pois então é necessario para a manutenção da ordem publica o desapparecimento immediato do elemento electivo d'esta camara, demais a mais todo ou quasi todo composto de amigos do governo?

É indispensavel para a manutenção da ordem publica que os srs. conde de Samodães e outros igualmente dignos pares não venham á camara, porque pertencem a companhias subsidiadas pelo governo?

Pois porque houve um barulho na camara dos senhores deputados, castiga-se a parte electiva da camara dos pares e alguns dos seus membros vitalicios?

Só na China é que se faz uma cousa similhante: quando o filho do imperador dá a lição, diz-se que está sempre alguma criança ao pé, para levar as palmatoadas que o principe mereça.

A camara dos senhores deputados fez barulho, saia a parte electiva da camara dos pares, e já sem mais demora!

Isto não entra na cabeça de ninguem!

Não comprehendo, sr. presidente, mas o que eu desejava era que chegasse o dia de entrarmos na legalidade.

Assim não entrâmos nunca.

A responsabilidade do governo é muito grave, preci-