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SESSÃO N.° 10 DE 8 DE FEVEREIRO DE 1896 87

Uma medida dictatorial desculpa-se pela sua necessidade e urgencia; consequentemente, para a desculpar é mister conhecel-a.

Mas onde estão os actos dictatoriaes que o governo praticou para eu os apreciar e tomar d'elles conhecimento? Como hei de eu dizer que o governo merece ser relevado da sua responsabilidade, se não sei o que elle praticou? Não o sei eu e não o sabe a camara. Estão esses actos submettidos a nossa apreciação e exame? O governo apresenta-se a pedir que seja relevado de uma responsabilidade em que incorreu por medidas que publicou, mas que ainda não foram sujeitas á sua apreciação. Como ha de esta camara deferir a esse pedido sem conhecimento de causa? Não póde ser.

Dir-me-hão que podemos ler nos jornaes ou no Diario do governo o que os srs. ministros publicaram; mas se assim, fosse não era preciso estarmos nós aqui; bastava que o governo dissesse pela imprensa que pedia á camara para o relevar de tudo quanto fizera e apresentasse o rol das medidas que tornou, para ser illibado da sua responsabilidade.

Nós responder-lhe-íamos tambem pela imprensa, e estaria tudo concluido... Eu assim não sei julgar.

Quando mão tenho factos ou actos, sobre os quaes incida o meu juizo e a minha apreciação, a menos que não seja uma questão de confiança, declaro que não sei pronunciar-me com consciencia. E no proprio relatorio da commissão vem este meu modo de ver claramente expresso, embora por uma fórma delicada, como tudo que sáe da penna do distincto relator, pena tão fina e tão subtil, que menos parece penna que um agudo e fino estylete. O illustrado relator escreveu o seguinte.

(Leu.)

E escreveu muito bem.

S. exas., os srs. ministros, podem desapparecer ámanhã d'essas cadeiras, e se eu lhes der adiantadamente a desculpa que pedem, ninguem me assegura que os actos que praticaram venham aqui á apreciação da camara, e, sendo assim, não se me apresentará ensejo para emendar-se o que careca de emenda, nem para rever-se o que careça de revisão. Este processo é novo, mas nem por ser novo deixa de ser absurdo. Porque o facto é este: pede-se que eu releve o governo dos actos que elle praticou, e eu não posso relevar o governo sem conhecer o acto do qual o relevo.

Ainda por este motivo não posso, pois, deixar de votar contra esta primeira parte do projecto.

Seja-me licito agora dizer tambem brevissimas palavras sobre a outra disposição contida no projecto. Pretende-se que os decretos publicados pelo governo, no uso da dictadura, Continuem em vigor até serem revogados pelas côrtes. É outra inutilidade, como já tive occasião de dizer. Com effeito, não está v. exa., não estou eu e não estamos todos nós saciados de ouvir dizer aos srs. ministros que os decretos dictatoriaes têem força de lei emquanto não são revogados, pelas côrtes? Não tem esta mesma doutrina sido resolvida por cada uma das camaras, já nesta, já na dos senhores deputados? Não vimos nós ultimamente o poder judicial em todas as suas instanciais, o poder judicial, que é pela carta constitucional o poder incumbido de applicar as leis, sentenciar tambem esta mesma doutrina de que os decretos dictatoriaes obrigam a todos os cidadãos d'este paiz, mesmo em materia de impostos? Pois se tudo isto já está dito, resolvido e sentenciado, pois se esta doutrina já tem os fóros de cousa assente e indiscutivel, para que é então esta nova affirmação escripta mais uma vez na segunda parte do projecto? É inuti e desnecessaria. Voto, portanto, tambem contra o projecto n'este ponto.

Mas, sr. presidente, se as rasões que deixo expostas me aconselham a votar contra, outras rasões existem, e de, ordem politica, que me determinam a votar & favor.
É evidente, sr. presidente, que se toda a camara perfilhasse este meu modo de ver, o projecto seria rejeitado, e esta rejeição implicaria uma crise politica. Produzida a crise politica, se o augusto chefe do estado quizesse seguir as indicações parlamentares, como sempre tem seguido, teria de entregar a missão de organisar gabinete, que succedesse ao actual, a algum dos chefes que constituem a actual opposição, isto é, teria de chamar o br. conde de Thomar, o sr. conde de Bertiandos, o sr. conde de Lagoaça ou este humilde vassallo de Sua Magestade.

Ora, por informações, que tenho como fidedignas, creio saber que nenhum d'estes meus collegas está resolvido a considerar opportuno o momento de assumir as redeas do mando... N'estes termos comprehende v. exa., sr. presidente, as circumstancias melindrosas, angustiosas e criticas em que eu collocaria o augusto chefe do estado! Como monarchico, que sou, não desejo nem devo contribuir para tão funesto resultado.. .

O sr. Conde de Lagoaça: - Não tenha receio.

O Orador: - S. exa. está disposto a assumir as redeas do governo?

O sr. Conde de Lagoaça: - Eu, não.

O Orador: - S. exa. diz que não; pois ahi está o perigo. Todos os chefes podem dizer o mesmo, e é isso que é preciso prever e evitar.

Não é preciso que se seja sempre uma aguia em politica; nem todos têem obrigação de prever e prevenir o futuro; mas é preciso todos terem obrigação de observar os factos e as circumstancias e ponderar bem quaes são as consequencias do acto que se vae praticar.

Perante estas considerações politicas eu atrevo-me a crer que talvez o melhor seja ainda a conservação do gabinete, e isto parece tanto mais acertado quanto ainda está na memoria de todos que os adversarios do governo, quando eram n'esta casa mais numerosos e mais temerosos do que actualmente são, foram os primeiros a affirmar que este ministerio era a nata dos ministerios.

Não se podia governar melhor, diziam, nem se quer tão bem, e, portanto, que continuassem e se conservassem.

Era este o testemunho insuspeito dos seus mais crueis e poderosos adversarios.

Pois que fiquem e se conservem!

No meio dos encontrados e oppostos motivos, que acabo de expor, com rasões que me aconselham a votar contra o projecto e com outras que me incitam a votar a favor, v. exa. comprehende, sr. presidente, que não tenho senão a seguir o caminho da abstenção. Não voto, pois, nem pró nem contra.

Mas, sr. presidente, abstendo-me de votar entendi dizer a v. exa. e á camara quaes as rasões desta abstenção e dizel-as, aqui, n'este logar, no parlamento, por julgar que a todos os homens publicos, que têem logar n'esta casa, cabe o indeclinavel e imperioso dever de fallar daqui ao paiz e ao Rei. Ao paiz, para que este faca a todos justiça inteira e completa com conhecimento exacto de causa. Ao Rei, para que elle, inspirando-se nas suggestões do seu alto criterio, possa bem orientar-se no caminho mais conveniente a seguir, na defeza dos interesses superior es que estão confiados á sua elevada magistratura.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Está acostumado, de ha muito, a admirar a subtileza, a argucia fina do intigerrimo parlamentar, o digno par o sr. Marçal Pacheco; hoje, porém, o digno par fôra contradictorio comsigo mesmo.

O sr. Marçal Pacheco concluíra o seu discurso, declarando-se pela abstenção; todavia, o digno par lançara a absolvição sobre o governo; pois o que se deduzia das suas palavras era a necessidade de manter o governo no seu logar.

Portanto, em relação ás questões politicas e ás responsabilidades que o governo assumiu, o digno par não se abstinha: apoiava o governo, desejando a continuação da sua existencia.