8 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
O sr. Marçal Pacheco: - É a falta de melhor.
O Orador: - Era então um applauso relativo quando não fosse absoluto.
Concluia-se que, ponderadas todas as responsabilidades, não eram ellas tão grandes, que o governo não devesse ficar.
Dissera o digno par:
"O governo pede para ser relevado de que? De ter investido com o parlamento na sua constituição organica? Para isso ha apenas um tribunal para o absolver: é a opinião publica."
O sr. Marçal Pacheco (interrompendo}: - Perdão. O que eu disse foi que o julgamento da responsabilidade moral competia á opinião publica.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (continuando):- Mas, se não é da responsabilidade moral, mas da politica, acrescentara o digno par, basta para isso uma moção de confiança ou desconfiança.
Mas, quando se chega ao termo de uma dictadura prolongada, não era uma simples moção que podia relevar as responsabilidades do governo.
O sr. Marçal Pacheco (interrompendo): - E a constitucional?
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro) (continuando): - Essa era a do artigo 103.° da carta, que dizia:
(Leu.)
Mas, perguntara ainda o sr. Marçal Pacheco, como se apura essa responsabilidade?
Essa responsabilidade não se apura sem uma lei e é justamente essa lei que não existe.
O digno par fôra tão injusto para com o governo que chegou a dizer que, fazendo parte do seu programma politico a apresentação de uma proposta de responsabilidade ministerial, o governo de tudo se lembrara menos d'essa proposta.
Diria ao digno par que essa proposta já fôra apresentada na camara dos senhores deputados, tivera ahi o parecer da respectiva commissão, e agora mesmo, por iniciativa do governo, estava sujeita á apreciação da camara.
O sr. Marçal Pacheco: - Entre tantos decretos por que não publicou esse tambem em dictadura?
O Orador: - Não se decretou em dictadura, porque mal iria ao governo decretar em dictadura uma lei que o havia de julgar pelos seus actos. Dir-se-ía mesmo que essa lei tinha sido feita de molde a conseguir a sua absolvição.
Supponhamos, dissera o sr. Marçal Pacheco, que a camara não decide absolver os ministros da responsabilidade em que incorreram. O que acontece? Não acontece absolutamente nada, porque não ha lei por onde se lhes possa pedir contas dos seus actos.
Responderia que não era tanto assim, porque a camara tinha de apreciar as resoluções ministeriaes, quer em relação aos actos de responsabilidade politica, quer em relação aos actos de responsabilidade de administração.
Com respeito á falta de uma lei especial de responsabilidade ministerial, diria a s. exa. que não ficavam prejudicadas as attribuições do parlamento para com os ministros que houverem commettido infracções constitucionaes, pois que a carta constitucional especifica nos artigos 103.° e 37.°, e ainda em um outro, quaes as attribuições das camaras e as responsabilidades dos ministros.
Depois, comprehendia muito bem o digno par que o governo não podia commungar com o parlamento na adopção de providencias de caracter legislativo, usando da sua iniciativa, discutindo, explicando os seus actos, sem que primeiro que tudo o parlamento se houvesse pronunciado sobre se podia allivial-o da responsabilidade em que incorrera, pelo facto de se ter substituido ao proprio parlamento.
Primeiro que tudo, se havia peccado, era necessario expurgai-o. Era necessario saber-se se esse peccado fôra commettido com rasões justificativas que podessem abonar a sua absolvição.
Sem isso, nada podia passar-se regularmente.
Na ultima parte do seu discurso, o digno par perguntava como era que podia ser relevado o governo, sem primeiro se saber o que elle fez?
Como era que o parlamento havia de relevar o governo da responsabilidade em que incorreu, sem examinar precisamente os actos pelos quaes têem de aferir essa responsabilidade?
Mas não era bem assim. Havia duas cousas inteiramente distinctas.
Uma cousa era a responsabilidade do governo por ter usurpado funcções legislativas, qualquer que fosse o modo, o fim ou a natureza dos factos que praticasse, mediante essa usurpação, e outra cousa era a essencia, a natureza especial das medidas dictatoriaes adoptadas.
Podiam essas medidas ser boas; mas perguntava se por este facto deixou de haver uma infracção á constituição, desde que o governo se arrogou faculdades legislativas? Não.
Havia sempre uma responsabilidade, independente de serem boas ou más as medidas dictatoriaes.
Se, pelo contrario, o governo tivesse circumstancias imperiosas, que o levassem a substituir-se ao parlamento, e só essas o podessem justificar, e todavia, no meio das faculdades que se arrogara, procedesse mal, decretasse medidas que não são convenientes, nem uteis, era relevado da primeira responsabilidade, mas nem por isso deixariam essas medidas de ser reprovadas pelo parlamento, ou modificadas essencialmente, desde que ellas não correspondessem aos interesses da nação.
Já o digno par podia ver que eram duas cousas perfeitamente distinctas. N'uma, era o governo relevado da responsabilidade em que incorreu pelo facto de infringir preceitos constitucionaes, não convocando as côrtes quando devia, não as convocando dentro do praso legal, prorogando esse praso, encerrando a sessão das camaras legislativas, dissolvendo a camara dos senhores deputados, quando pela constituição não podia fazel-o, etc.
Tudo isso eram responsabilidades inteiramente aparte das responsabilidades inherentes ás medidas diciatoriaes promulgadas.
Por conseguinte, que as medidas fossem boas ou más, isso ficava para exame ulterior; mas, em todo o caso, o parlamento tinha de relevar o governo, pelo facto de não ter cumprido o preceito constitucional, pelo facto de ter assumido funcções que lhe não competiam, que eram proprias e exclusivas do parlamento.
Claramente, nenhuma das cousas era inutil: nem era inutil a primeira conclusão a que o parecer chegou, relevar o governo pela usurpação das faculdades legislativas, - nem ficava prejudicada, pela adopção desta conclusão, a segunda parte, -que era relativa ao exame especial das medidas que se decretaram dictatorialmente, para o effeito de as converter em lei, ou de as modificar pela melhor fórma que se julgasse conveniente.
Podia, portanto, o digno par formular o seu voto como entendesse já em relação ás responsabilidades que resultaram para o governo, pelo facto de decretar medidas com caracter dictatorial, já em relação ás medidas especiaes que o governo promulgara.
Em uma e outra cousa o voto de s. exa. era sempre auctorisado.
S. exa. podia formulal-o com inteiro desassombro e como melhor entendesse, mas havia uma cousa que lhe pareceu não ser constitucional: a abstenção do digno par, desde o momento em que se tratava de um facto politico, que s. exa. já tinha apreciado.
O sr. Marçal Pacheco: - Estando na sala, não posso deixar de votar; mas o que faço é retirar-me.
O Orador: - Finalmente, que o digno par apreciasse