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108 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Evocando a figura que este grande e glorioso nome nos recorda, sentia por si e por toda a Camara uma dôr intensissima: a de havermos perdido para a honra d'esta casa e para o esplendor da sua tribuna, o grande, o poderoso, o extraordinario orador que elle foi!

A palavra espontanea e infatigavel; a voz volumosa, extensa, ora alteando-se ás apostrophos mais vehementes, ora baixando ao tem familiar de uma conversa; a nobre e expressiva figura, a que a cabeça altiva e revolta dava o remate originalissimo; as replicas vivazes, em discursos seguidos ou em interrupções fulminantes; as altitudes que assumia, na irrepremivel inquietação dos nervos; o imprevisto do movimento e da linguagem: tudo isto dava ao Visconde de Chancelleiros um relevo que era só d'elle, um prestigio e uma influencia que o singularizavam, notavelmente, n'esta assembleia parlamentar.

Não era possivel ouvil-o nos dias dá sua grande eloquencia, quando este recinto era pequeno para a acção da sua palavra: não era possivel ouvil-o, n'esses rememoraveis dias, sem pensar no enorme, no assombroso tribuno que elle seria n'outro tempo e em diversas condições...

Não era um orador didáctico: podia aprender-se nos seus discursos, mas não era intenção d'elle ensinar. Tambem não era um orador doutrinario: nunca falava em nome de uma escola, de uma theoria politica, e nem sequer de um partido. Era um luctador, que propunha ou acceitava os reptos parlamentares segundo as necessidades e inspirações de momento, e que, nos rijos duellos que travava, por vezes formidaveis, nunca ninguem o viu extenuado ou vencido.

As vezes o seu espirito, pairando sobre os accidentes da nossa politica, aprazia se em generalizações amplas, e o seu penetrante espirito via longe e via profundamente: mas não era essa a feição mais usual do seu gosto e do seu talento.

Foi Ministro de Estado, teve as canseiras e as responsabilidades do poder; e se a sua estatura de homem de Estado não igualava a sua grandeza de orador, é certo que deixou assignalada a sua passagem na administração publica por actos que illustram e realçam a sua memoria.

Mas a tribuna d'esta casa, a nessa tribuna, é que ha de revestir por longo tempo o luto da sua morte ! Não ha de desapparecer da nossa admiração e da nossa saudade, nem queremos que desappareça o vulto é as feições d'esse insigne parlamentar, tão nobre pelas suas maneiras, tão fidalgo de alma e de caracter, que, abandonando os seus vastos dominios agricolas, no meio dos quaes era um exemplo util e uma lição viva, - surdia aqui frequentemente, impetuoso, irrequieto, como e uma força da natureza o impellisse ou agitasse, e, em sessões seguidas, illuminava, esta Camara com a surpresa, o fulgor, a valentia e a graça da sua palavra!

Que immensa pena que tudo isto tenha acabado, e acabado para sempre...

Sobre esta perda irremediavel, veio a de Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos. Este nome ha de ficar representando o mais alto e edificante exemplo de virtudes domesticas e civicas, o mais perfeito modelo de homem de bem, em todo o sentido. Polycarpo Anjos não empregou na politica o melhor do seu tempo e da sua actividade, mas a vida publica esmaltava se aos reflexos do seu admiravel caracter, do seu caracter nobilissimo; e a commemoração do seu nome entre os respeitos e as saudades dos que o conheceram em vida, e até dos que só o conheceram na morte, é uma justa homenagem á limpida memoria do seu espirito, que era um espirito de verdade, e, do seu coração, que uma grande e larga bondade inspirou sempre...

São estes os Dignos Pares fallecidos no intervallo das nossas sessões; e não são poucos, desgraçadamente. E feita a commemoração d'elles, pede permissão é Camara, se é preciso pedil-a, para fazer o elogio de um illustre homem publico, que não tinha assento n'esta casa do Parlamento, mas que era incontestadamente um dos mais potentes e privilegiados espiritos da nossa terra. Referia-se ao Conselheiro Emygdio Navarro, para quem antes de hontem amanheceu o ultimo dia em Luso.

O seu talento era enorme. O coração, através dos seus impetos de luctador apaixonado, muitas vezes generoso e compadecido.

Abrangia no seu vasto espirito as ideias, os factos, os problemas, os interesses de toda a civilização moderna, variada e complicadissima. Era sobre tudo isto um distincto homem de letras, quasi um artista. Na sua aptidão parlamentar destacavam as principaes qualidades do seu genio, valente, positivo e claro. Mas onde essas qualidades se ostentaram em altissimo relevo foi na imprensa e na gerencia da pasta das Obras Publicas. A sua penna de jornalista, tersa, rigorosa, elegante, incomparavel, caida agora da sua mão inerte, passará muito tempo sem que appareça quem a levante e retome com a mesma força e com brilho igual: a sua obra de estadista perdura nos effeitos utilissimos do seu plano, que foi de um verdadeiro homem de Estado.

Merece uma commemoração sentida n'esta Camara, que de certo lhe não faltará.

Propunha que na acta da sessão de hoje ficasse o voto do nosso profundo sentimento por todas estas perdas, e que ás familias doridas se fizessem as competentes communicações.

O Sr. Ministro do Reino (Eduardo José Coelho): - Cumpre o doloroso dever de, em nome do Governo, se associar ao voto de sentimento e de homenagem proposto pelo Sr. Presidente á memoria dos Dignos Pares que nos precederam na funebre jornada.

O Sr. Presidente, como de antemão sabiamos, foi tão eloquente de verdade, de sentimento e de justiça para com os benemeritos extinctos, que, se por igual podemos todos nós acompanhal-o na magua, e na dor, impossivel é exprimir essa magua, essa dor, com palavras mais nobres e mais ajustadas á devida homenagem áquelles que ainda hontem eram nossos amigos e nossos companheiros nas lides parlamentares.

Não fará pois commemorações especiaes; a morte tudo nivela.

Do Visconde de Chancelleiros dirá porem, e somente, que pelos primores do seu caracter, pujança do seu talento, e até pelas tradições de familia, que constitue, por assim dizer, uma dynastia de homens illustres, era no Parlamento ouvido com respeito e veneração taes, que nunca poderão ser excedidos.

Dos Dignos Pares Polycarpo Anjos e Miguel d'Antas, dirá que elles receberam na investidura do pariato o justo premio e galardão dos relevantes serviços prestados ao paiz e á politica do seu partido.

Serviram as ideias da sua politica; mas é consolador recordar que não ha hoje uma palavra que seja preciso esquecer ou retratar, porque a mutua estima pessoal e respeito nunca soffreu quebra ou interrupção.

Falou o Sr. Presidente do passamento de Emygdio Navarro, fazendo justiça aos elevadissimos meritos e manifestações variadas das suas poderosas faculdades de trabalho e intelligencia. Associa-se, com profunda saudade, ás palavras do Sr. Presidente.

A morte de Emygdio Navarro e de Francisco Mattoso Côrte Real recorda-lhe uma triste coincidencia, a que vae referir-se, talvez com incorrecção de phrase, mas com muita sinceridade. Iniciara a vida publica ha quarenta annos, uma jornada longa, que para muitos representa uma vida inteira: era então seu superior hierarchico. Francisco Mattoso Côrte Real; e então iniciara a sua carreira academica Emygdio Na-