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SESSÃO N.° 10 DE 26 DE MAIO DE 1908 3

Até agora não foi possivel realizar em Lourenço Marques uma eleição municipal, não obstante a autonomia administrativa estar ali representada por um verdadeiro Parlamento, a que não faltam Discursos da Corôa e secção tachygraphica.

Sr. Presidente: quando tive a responsabilidade da gerencia da pasta da Marinha, um dos homens mais trabalhadores d'esta Camara, um dos mais estudiosos, e que imprime a todos os seus discursos um tem de sensatez, que ninguem deixa de reconhecer e de louvar, o Sr. general Baracho, levantava-se nesta Camara, e accusava-me de ter abusado do artigo 15.° do Acto Addicional, que permitte aos Governos, não estando abertas as Côrtes, a decretação de providencias de caracter legislativo, quando ellas tenham por acudir a questões urgentes.

O Digno Par, se bem me recordo, dominado nesse momento por um espirito sanguinario, chegou a dizer que deveria ser cortada a mão do Ministro que assinara esses decretos, em vesperas da abertura do Parlamento.

Que se dirá agora, quando, graças ao novo regimen, e a titulo de urgencia, se alteram e revogam leis tributarias, entre as quaes a decima de juro, medidas que, salvo melhor juizo, só poderiam ser promulgadas pelo Parlamento da metropole?

Que diria o Digno Par á vista d'este facto e do outros que vou relatar á Camara?

Sr. Presidente: esta situação deriva do diploma a que ha pouco me referi, que é o decreto de 23 de maio de 1907, da iniciativa do Sr. Ayres de Ornellas.

Refiro me a este facto sem intenção de ser desagradavel a S. Exa.

Se o Sr. Ornellas, na sua passagem pela pasta da Marinha, ou na sua digressão pelas colonias, tivesse praticado qualquer acto que eu julgasse merecedor de punição, castigava-o, como se costuma dizer na minha terra, sem pau nem pedra, lendo uma e muitas vezes um trecho do relatorio que precedeu esse decreto.

(Leu).

Por esse decreto parece que, por um lado, se dava apenas aos governadores a faculdade de informarem o Governo sobre a conveniente alteração de leis, mas, por outro lado, dava-se lhes o poder necessario para, provisoriamente, até resolução do Governo da metropole, poderem pôr em execução as providencias por elles aconselhadas e, nessa ordem de ideias, appareceram dois decretos, portarias, despachos, ou como melhor, lhes queiram chamar, publicados nos n-ºs 11 e 13 do Boletim Official de Moçambique, nos quaes se lê:

(Leu).

Sr. Presidente: - este acto praticado pelo governador geral de Moçambique, podia o Governo decretá-lo?

Não podia.

Pois o governador geral de Moçambique não se contentava em informar o Governo sobre a conveniencia de criar uma repartição incumbida dos serviços florestaes, com chefes, sub-chefes, amanuenses, etc., o que implificava um avultado dispendio. Fundado nesta disposição, que permittia executar providencias que fossem de caracter urgente, immediatamente pôs em execução tal medida!

Não ficou por aqui. Poucos dias depois...

O Sr. Presidente: — Lembro ao Digno Par que está chegada a hora de se passar á ordem do dia.

O Orador: — Vou terminar.

Poucos dias depois publicava uma outra providencia criando uma repartição de serviço pecuario com numeroso pessoal, grande numero de estações, o que seguramente deve pesar enormemente sobre o Thesouro da provincia.

Nestas circunstancias, haverá dinheiro que chegue?

A situação de Moçambique, que era desafogada, não se tornará aproximada, identica áquella em que se encontra Angola, que está destinada a engulir todos os recursos financeiros que o Governo possa facultar-lhe?

Ora estes dois decretos, e muitos outros que não leio á Camara para não abusar da sua attenção, foram publica dos pelo governador geral de Moçambique em virtude da faculdade que lhe deu o decreto de 23 de maio de 1907.

Pergunto eu: pode manter-se uma situação de tal ordem?

É a isto que eu desejo que o Governo me responda, para esclarecer o meu espirito sobre a proposta de lei apresentada ao Parlamento, pela qual ficam em vigor, emquanto não forem alteradas, as providencias de caracter, legislativo, promulgadas pelo Governo transacto.

Está o Governo no proposito de tomar a iniciativa de annullar, ou na disposição de concordar na revisão dos decretos ditatoriaes publicados desde 10 de maio até 31 de janeiro de 1908?

Para quem tem o proposito de acompanhar a administração do Estado, V. Exa. comprehende quanto interessa ter resposta ás perguntas que formulei, que não peço já, mas que o Governo pode dar-me quando entenda dever fazê-lo.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): — Peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Lembro ao Sr» Ministro da Justiça que ha necessidade de se entrar na primeira parte da ordem do dia, para se elegerem algumas commissões.

O Sr. Ministro da Justiça: — (Campos Henriques): — Sr. Presidente: desde que não posso alongar-me em considerações, acato, como devo, a indicação por V. Exa. feita, e em breves palavras procurarei responder ao Digno Par que me antecedeu, sem que por isso a minha resposta deixe de ser, tanto quanto possivel, clara e precisa.

O Digno Par referiu-se, e muito bem, ás circunstancias criticas e extremas em que o Governo foi chamado ao poder.

Teve S. Exa. razão no que affirmou. Eram tão criticas e delicadas, que, então, os mais experimentados, os mais animosos receavam assumir o poder, que não só representava o sacrificio do bem estar e da saude, como porventura o da propria vida e honra.

Os homens que assumiram o poder, os que tomaram sobre seus hombros esse pesado encargo, desde esse momento puseram de parte todas as preoccupações de natureza pessoal, todos os interesses politicos e partidarios, e immediatamente procuraram dar satisfação á consciencia publica, declarando sem effeito aquellas medidas que mais fundamente tinham ferido a opinião publica, mais violentamente tinham atacado os direitos individuaes e as suas garantias.

Podia e devia fazer isso, porque taes medidas, sendo absolutamente inconstitucionaes, affectando a essencia da propria constituição, não podiam ser adoptadas, e, como não podiam produzir effeitos, foram desde logo annulladas.

Outro tanto, porem, Sr. Presidente, não póde fazer-se em relação aos decretos ditatoriaes que tinham criado raizes, e tinham constituido uma parte importante da administração do Governo transacto, e esses, como o Governo actual não queria, não podia e nem devia reincidir no que o seu antecessor fizera, entendeu que não podia revogá-los ditatorialmente nem podia suspendê-los, porque só ditatorialmente lhes podia dar a suspensão.

Devem vir ao Parlamento para que sobre elles incida o exame autorizado e consciencioso da Camara, que os revogará por completo, alterará, ou modificará, segundo entenda na sua competente e alta sabedoria.

Pergunta o Digno Par se o Governo entende que esses decretos devem ser alterados profundamente ou revogados, e se se apresenta acêrca d'elles, o seu pensar e sentir.

Se S. Exa. o Digno Par, que leu a proposta de lei, tivesse lido igualmente