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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
SESSÃO N.° 10
EM 26 DE MAIO DE 1908
Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco
Secretarios — os Dignos Pares
Luiz de Mello Bandeira Coelho
Marquez de Sousa Holstein
SUMMARIO.— Leitura e approvação da acta. — Expediente — São lidas as cartas regias que nomeiam supplentes á Presidencia d’esta Camara os Dignos Pares Mattoso Santos e Poças Falcão. — Teve segunda leitura, e foi enviada á commissão respectiva, uma proposta do Digno Par Francisco José Machado, com respeito á crise vinicola. — O Sr. Ministro das Obras Publicas envia para a mesa uma proposta, que tem por fim permittir quê o Digno Par Veiga Beirão possa accumular as funcções do seu emprego com as de Par do Reino. É approvada.— O Digno Par Teixeira de Sousa allude á questão do Douro, á proposta do bill apresentada á outra Camara, e, por fim, occupa-se do decreto que concedeu autonomia administrativa á provincia de Moçambique. Responde a S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça.
Primeira parte, da ordem do dia. — São eleitas as commissões de agricultura e de administração publica.
Segunda parte, da ordem do dia (continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa). — Usam da palavra os Dignos Pares. Arroyo e Julio de Vilhena. — Dada a palavra aos Dignos Pares Sebastião Baracho e Conde de Bertiandos, que se haviam inscrito para antes de se encerrar a sessão, S. Exas. cedem a palavra para que entre os dois Dignos Pares que discursaram na ordem do dia se trocassem algumas explicações. — Encerra-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.
Pelas 2 horas e 20 minutos da tarde o Sr. Presidente abriu a sessão.
Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 19 Dignos Pares.
Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.
Mencionou-se o seguinte expediente:
Officio do Ministerio da Fazenda, remettendo 100 exemplares do orçamento de 1908-1909.
Mandaram-se distribuir.
Officio do Ministerio do Reino, participando a nomeação dos Dignos Pares Poças Falcão e Mattoso Santos para substituirem, no caso de impedimento, respectivamente, o Presidente e o Vice-Presidente da Camara dos Dignos Pares do Reino.
Para o archivo.
Mensagem da Camara dos Senhores Deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim autorizar a importação de 2.000:000 kilogrammas de centeio estrangeiro com isenção de direitos.
Para a commissão de agricultura.
Foram lidas as Cartas Regias nomeando supplentes á Presidencia d’esta Camara os Dignos Pares Srs. Mattozo Santas e Poços Falcão.
Teve segunda leitura, foi admittida á discussão, e enviada á commissão respectiva, a proposta apresentada na sessão antecedente pelo Digno Par Sr. Francisco José Machado, e tendente a attenuar a crise vinicola.
O Sr. Ministro das Obras Publicas
(Calvet de Magalhães): — Mando para a mesa uma proposta que tem por fim permittir que o Digno Par Veiga Beirão, accumule as funcções legislativas com as que desempenha no meu Ministerio.
Leu-se na mesa e foi approvada.
O Sr. Teixeira de Sousa: — Sr. Presidente: se a palavra me tivesse chegado hontem, ter-me-hia associado ás palavras de V. Exa., e ás que foram proferidas pelo Digno Par, o Sr. Medeiros, relativamente á situação afflictiva em que se encontra o Douro, e mais uma vez pediria ao Governo que envidasse todos os seus esforços no intuito de, o mais rapidamente possivel, acudir ao mal que flagella essa região.
É certo, Sr. Presidente, que o Governo tem &ido até agora benevolo para com o Douro. Especialmente o Sr. Ministro das Obras Publicas tem sido solicito em attender a tudo quanto é possivel, dentro des recursos financeiros de que pode dispor.
Mas, Sr. Presidente, V. Exa. bem informado está de que isto não é sufficiente para fazer desapparecer as circunstancias em que aquella provincia se encontra.
A situação é muito grave, não só sob o ponto de vista do modo de ser d’aquella região, mas ainda sob o ponto de vista da ordem publica.
Eu faltaria ao que a mim devo se deante do Parlamento ficasse silencioso a este respeito. Parece-me justo, ao formular ao Governo o meu pedido, notar que entre os decretos ditatoriaes, está o de 10 de maio, que regulou a exportação dos vinhos portugueses.
Não sei quaes são os propositos do Governo, mas parecia-me conveniente que, o mais brevemente possivel, esse decreto fosse entregue ao Parlamento a fim de lhe serem introduzidas as modificações convenientes.
Eu podia pedir ao Governo que trouxesse ao Parlamento um novo projecto de lei; mas, para mais rapidamente podermos conseguir o fim que temos em vista, afigura-se-me que será preferivel melhorar o decreto de 10 de maio.
Sr. Presidente: não foi propriamente para isto que eu pedi a palavra, mas
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sim para me referir a uma questão de administração colonial. Devo, porem, confessar a V. Exa. que hoje me sinto embaraçado ao ter que tratar de tal assunto, por isso que as circunstancias mudaram profundamente ha poucos dias e, sobretudo, de hontem para hoje.
Não sei como expressar me, pois quero dar conta do facto sem intuitos politicos, e nem, por qualquer maneira, ser desagradavel ao Governo.
Sr. Presidente: no decorrer dos trabalhos parlamentares, que foram de setembro de 1906 a abril de 1907, eu e muitos collegas meus pretendemos fazer a demonstração de que a administração financeira do Governo transacto não era a mais conveniente para os interesses do Thesouro, nem a mais propria para a situação difficil em que se c«encontrava o país.
Tanto nesta Camara, como na Camara dos Senhores Deputados, como na imprensa, se pretendeu fazer a demonstração de que a situação da Fazenda Publica não tinha melhorado, e, bem pelo contrario, se tinham aggravado consideravelmente as finanças do país.
Nós, os que tinhamos a responsabilidade das administrações passadas, eramos accusados de pouco cuidado no que diz respeito á Fazenda Publica, e de termos, por exemplo, liquidado o exercicio de 1900-1906 com um deficit de 5:300 contos de réis.
Fechou-se o Parlamento, o Governo transacto collocou-se em ditadura, e, não tendo conseguido a approvação do orçamento, publicou um decreto em que se autorizava a cobrança de receitas, e o pagamento as despesas. Vinha com este decreto o balanço da Fazenda Publica, em que se affirmava que o deficit só seria de 1:641 contos de réis.
Mas como podia isto ser?
Se o Governo transacto affirmara aqui que os seus antecessores tinham deixado una deficit do cinco mil e tantos contos de réis; se esse Governo aumentou o soldo aos officiaes de terra e mar; se melhorou os vencimentos dos sargentos, dos segundos officiaes e dos amanuenses; se reduziu o imposto de rendimento a 50 por cento para certos vencimentos, e acabou por completo com esse imposto para os ordenados inferiores a 600$000 réis, se deu 200 contos de réis aos operarios, se consignou 100 contos de réis para a crise vinicola, como não hei de pasmar agora vendo que o deficit, em logar de aumentar, diminuiu?
Sendo agora presente ao Parlamento a lei de receita e despesa para o exercicio de 1908-1909 com o deficit calculado em 1:351 contos de réis, vejo-me embaraçado, e até certo ponto arrependido de ter posto mais de uma vez em duvida a verdade de certos algarismos que se apresentavam.
Esta circunstancia leva-me — eu que tantas vezes censurei a administração passada — a perguntar a mim proprio se teria sido justo nos meus reparos e criticas.
Mas não, Sr Presidente. O que se me afigura é que esse deficit, attentas as circunstancias apontadas, não corresponde á inteira verdade dos factos.
Sr. Presidente: o Governo transacto entrou em ditadura em 10 de maio de 1906, e em ditadura se conservou por forma a trazer ao país enormes difficuldades e intensas perturbações — até o momento em que se deu a horrorosa tragedia do dia 1 de fevereiro.
Accusou-se o ultimo Governo de ter offendido a lei, de atacar as liberdades publicas, os direitos individuaes, de ter, em fim, praticado um certo numero de factos absolutamente incompativeis com o modo de ser de uma nação livre.
Sr. Presidente: os homens publicos do meu País. principalmente aquelles que constituem os grupos politicos mais numerosos, reuniram-se diversas vezes para traçar o caminho a seguir perante o procedimento do Governo transacto. O partido progressista, o regenerador e a dissidencia do partido progressista mais de uma vez se reuniram e votaram moções que publicavam nos seus jornaes, affirmando os seus propositos de incompatibilidade com a ditadura, e de hostilidade ás providencias adoptadas.
Em 8 de dezembro reuniram-se as assembleias geraes dos dois partidos, e toda a gente sabe o que n'ellas se passou.
Os partidos declararam se inteiramente adversos á ditadura, e mais de uma declaração foi feita, no sentido de que, qualquer que fosse o Governo que subisse ao poder, se faria uma profunda revisão dos decretos ditatoriaes. Isto foi em 8 de dezembro, quando ainda estavamos longe do decreto de 31 de janeiro, e do horroroso attentado de 1 de fevereiro.
O actual Governo, logo no inicio da sua vida ministerial, e procurando dar satisfação á opinião publica, restabeleceu as liberdades publicas e os direitos individuaes.
Mais tarde, e por occasião da acclamação de Sua Majestade o Senhor D. Manuel, publicou-se um decreto concedendo amnistia a todos os delictos de natureza politica, com excepção dos que tivessem relação com o regicidio.
Naquella occasião, e em centros de reunião onde se planeavam as futuras campanhas parlamentares, ouvi dizer que determinados grupos estavam dispostos a propor accusação criminal contra os Ministros da situação transacta por terem offendido o artigo 103.° da Carta.
Havia a este respeito, parece, um proposito bem assente e bem definido.
Sr. Presidente: a verdade é que a ditadura trouxe uma grandissima perturbação ao meu país, até que findou com o horroroso attentado de 1 de fevereiro.
Accusava-se o Governo de ter feito ditadura, de ter offendido a lei, de ter abusado do poder, e de ter calcado as leia e os direitos individuaes, e tudo isto se considerava uma vergonha para um país livre e de tão nobilissimas tradições.
Como já disse os homens politicos do meu país, que pertencem aos grupos mais numerosos, reuniram-se diversas vezes para traçar o seu caminho em frente d'este anormalissimo regimen. O partido progressista, o partido regenerador, a que tenho a honra de pertencer, e a dissidencia progressista, mais de uma vez se reuniram e votaram moções, affirmando os seus propositos de incompatibidade com a ditadura, e com todas as providencias que d'ella emanassem.
Mas porque relembro estes factos? Porque é que trato d'isto?
É para discutir a proposta? Não.
É porque entre os decretos promulgados pelo Governo transacto um ha que sobremaneira me interessa — qual é o de 23 de maio de 1907. Como é ditatorial, e d'elle estão derivando consequencias prejudiciaes para a administração publica, não é para admirar que impressionasse o meu espirito o facto de saber que elle ficava sendo lei do país.
O decreto de 23 de maio de 1907 é o que deu autonomia administrativa á provincia de Moçambique.
Sr. Presidente: quando o Governo transacto se sentava naquellas cadeiras, fiz eu algumas considerações acêrca d'este decreto, para mostrar que elle não trazia vantagens para a administração colonial, e, pelo contrario, representava um perigo enorme para a nossa administração financeira.
Disseram-me que não.
O certo é que, nessa occasião, a administração financeira de Moçambique accusava no orçamento um saldo de 561 contos de réis, e, depois do decreto de 23 de maio, esse saldo baixou a 14 contos de réis.
Sr. Presidente: razão tinha eu quando affirmava que não havia nada mais inconveniente do que a autonomia financeira para a provincia de Moçambique.
Publicistas ha que preconizam as vantagens da descentralização administrativa, mas da theoria á pratica vae uma grande differença.
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Até agora não foi possivel realizar em Lourenço Marques uma eleição municipal, não obstante a autonomia administrativa estar ali representada por um verdadeiro Parlamento, a que não faltam Discursos da Corôa e secção tachygraphica.
Sr. Presidente: quando tive a responsabilidade da gerencia da pasta da Marinha, um dos homens mais trabalhadores d'esta Camara, um dos mais estudiosos, e que imprime a todos os seus discursos um tem de sensatez, que ninguem deixa de reconhecer e de louvar, o Sr. general Baracho, levantava-se nesta Camara, e accusava-me de ter abusado do artigo 15.° do Acto Addicional, que permitte aos Governos, não estando abertas as Côrtes, a decretação de providencias de caracter legislativo, quando ellas tenham por acudir a questões urgentes.
O Digno Par, se bem me recordo, dominado nesse momento por um espirito sanguinario, chegou a dizer que deveria ser cortada a mão do Ministro que assinara esses decretos, em vesperas da abertura do Parlamento.
Que se dirá agora, quando, graças ao novo regimen, e a titulo de urgencia, se alteram e revogam leis tributarias, entre as quaes a decima de juro, medidas que, salvo melhor juizo, só poderiam ser promulgadas pelo Parlamento da metropole?
Que diria o Digno Par á vista d'este facto e do outros que vou relatar á Camara?
Sr. Presidente: esta situação deriva do diploma a que ha pouco me referi, que é o decreto de 23 de maio de 1907, da iniciativa do Sr. Ayres de Ornellas.
Refiro me a este facto sem intenção de ser desagradavel a S. Exa.
Se o Sr. Ornellas, na sua passagem pela pasta da Marinha, ou na sua digressão pelas colonias, tivesse praticado qualquer acto que eu julgasse merecedor de punição, castigava-o, como se costuma dizer na minha terra, sem pau nem pedra, lendo uma e muitas vezes um trecho do relatorio que precedeu esse decreto.
(Leu).
Por esse decreto parece que, por um lado, se dava apenas aos governadores a faculdade de informarem o Governo sobre a conveniente alteração de leis, mas, por outro lado, dava-se lhes o poder necessario para, provisoriamente, até resolução do Governo da metropole, poderem pôr em execução as providencias por elles aconselhadas e, nessa ordem de ideias, appareceram dois decretos, portarias, despachos, ou como melhor, lhes queiram chamar, publicados nos n-ºs 11 e 13 do Boletim Official de Moçambique, nos quaes se lê:
(Leu).
Sr. Presidente: - este acto praticado pelo governador geral de Moçambique, podia o Governo decretá-lo?
Não podia.
Pois o governador geral de Moçambique não se contentava em informar o Governo sobre a conveniencia de criar uma repartição incumbida dos serviços florestaes, com chefes, sub-chefes, amanuenses, etc., o que implificava um avultado dispendio. Fundado nesta disposição, que permittia executar providencias que fossem de caracter urgente, immediatamente pôs em execução tal medida!
Não ficou por aqui. Poucos dias depois...
O Sr. Presidente: — Lembro ao Digno Par que está chegada a hora de se passar á ordem do dia.
O Orador: — Vou terminar.
Poucos dias depois publicava uma outra providencia criando uma repartição de serviço pecuario com numeroso pessoal, grande numero de estações, o que seguramente deve pesar enormemente sobre o Thesouro da provincia.
Nestas circunstancias, haverá dinheiro que chegue?
A situação de Moçambique, que era desafogada, não se tornará aproximada, identica áquella em que se encontra Angola, que está destinada a engulir todos os recursos financeiros que o Governo possa facultar-lhe?
Ora estes dois decretos, e muitos outros que não leio á Camara para não abusar da sua attenção, foram publica dos pelo governador geral de Moçambique em virtude da faculdade que lhe deu o decreto de 23 de maio de 1907.
Pergunto eu: pode manter-se uma situação de tal ordem?
É a isto que eu desejo que o Governo me responda, para esclarecer o meu espirito sobre a proposta de lei apresentada ao Parlamento, pela qual ficam em vigor, emquanto não forem alteradas, as providencias de caracter, legislativo, promulgadas pelo Governo transacto.
Está o Governo no proposito de tomar a iniciativa de annullar, ou na disposição de concordar na revisão dos decretos ditatoriaes publicados desde 10 de maio até 31 de janeiro de 1908?
Para quem tem o proposito de acompanhar a administração do Estado, V. Exa. comprehende quanto interessa ter resposta ás perguntas que formulei, que não peço já, mas que o Governo pode dar-me quando entenda dever fazê-lo.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): — Peço a palavra.
O Sr. Presidente: — Lembro ao Sr» Ministro da Justiça que ha necessidade de se entrar na primeira parte da ordem do dia, para se elegerem algumas commissões.
O Sr. Ministro da Justiça: — (Campos Henriques): — Sr. Presidente: desde que não posso alongar-me em considerações, acato, como devo, a indicação por V. Exa. feita, e em breves palavras procurarei responder ao Digno Par que me antecedeu, sem que por isso a minha resposta deixe de ser, tanto quanto possivel, clara e precisa.
O Digno Par referiu-se, e muito bem, ás circunstancias criticas e extremas em que o Governo foi chamado ao poder.
Teve S. Exa. razão no que affirmou. Eram tão criticas e delicadas, que, então, os mais experimentados, os mais animosos receavam assumir o poder, que não só representava o sacrificio do bem estar e da saude, como porventura o da propria vida e honra.
Os homens que assumiram o poder, os que tomaram sobre seus hombros esse pesado encargo, desde esse momento puseram de parte todas as preoccupações de natureza pessoal, todos os interesses politicos e partidarios, e immediatamente procuraram dar satisfação á consciencia publica, declarando sem effeito aquellas medidas que mais fundamente tinham ferido a opinião publica, mais violentamente tinham atacado os direitos individuaes e as suas garantias.
Podia e devia fazer isso, porque taes medidas, sendo absolutamente inconstitucionaes, affectando a essencia da propria constituição, não podiam ser adoptadas, e, como não podiam produzir effeitos, foram desde logo annulladas.
Outro tanto, porem, Sr. Presidente, não póde fazer-se em relação aos decretos ditatoriaes que tinham criado raizes, e tinham constituido uma parte importante da administração do Governo transacto, e esses, como o Governo actual não queria, não podia e nem devia reincidir no que o seu antecessor fizera, entendeu que não podia revogá-los ditatorialmente nem podia suspendê-los, porque só ditatorialmente lhes podia dar a suspensão.
Devem vir ao Parlamento para que sobre elles incida o exame autorizado e consciencioso da Camara, que os revogará por completo, alterará, ou modificará, segundo entenda na sua competente e alta sabedoria.
Pergunta o Digno Par se o Governo entende que esses decretos devem ser alterados profundamente ou revogados, e se se apresenta acêrca d'elles, o seu pensar e sentir.
Se S. Exa. o Digno Par, que leu a proposta de lei, tivesse lido igualmente
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o relatorio que a precede, ahi veria claramente emittido o parecer do Governo.
O Governo não pode nem deve dizer qual a forma por que tem de ser modificado este ou aquelle decreto, porque para isso não tem competencia nem autoridade.
Essa competencia pertence á Camara dos Senhores Deputados e á Camara dos Dignos Pares.
No seio das commissões, o Governo apresentará a respeito de cada uma d'essas medidas o seu modo de pensar e sentir, e indicará as alterações que, em seu entender, devam ser introduzidas. Em relação á pasta da Justiça ha algumas que carecera de remodelação completa.
Dito isto, Sr. Presidente, e por attenção para com o Digno Par, pessoal e parlamentar, devo acrescentar que a proposta do bill é igual a outras que teem sido apresentadas ao Parlamento.
Quanto ao caso especial por S. Exa. apontado, o decreto que se refere á provincia de Moçambique, direi que a proposta orçamental será discutida e apreciada no seio das commissões, e o Governo só tem por objecto torná-la, quanto possivel, perfeita.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Baracho: — Peço a V. Exa. se digne inscrever-me para antes de se encerrar a sessão, com a presença do Sr. Ministro das Obras Publicas.
O Sr. Conde de Bertiandos: — Sr. Presidente peço egualmente a V. Exa. que se digne inscrever-me para antes de se encerrar a sessão, tambem com a presença do Sr. Ministro das Obras Publicas.
ORDEM DO DIA
PRIMEIRA PARTE
Eleição de commissões
O Sr. Presidente: — Vae proceder-se á eleição das commissões de agricultura e de administração publica. Convido os Dignos Pares a formularem as suas listas.
Feita a chamada, corrido o escrutinio, e tendo servido de escrutinadores os Dignos Pares Srs. Francisco José Machado e Arthur Hintze Ribeiro, verificou-se terem entrado na uma 23 listas, ficando eleitos para a commissão de agricultura os Dignos Pares:
Fernando Mattoso Santos.
Arthur Hintze Ribeiro.
José de Azevedo Castello Branco.
José Maria dos Santos.
João Pereira Teixeira de Vasconcellos.
Alexandre Cabral Paes do Amaral.
Conde de Villar Sêco.
Marquez de Gouveia.
Francisco Tavares de Almeida Proença.
Antonio Eduardo Villaça.
Luis Antonio Rebello da Silva.
Conde de Bertiandos.
Feita novamente a chamada, corrido o escrutinio, e tendo servido de escrutinadores es Dignos Pares Francisco José Machado e Arthur Hintze Ribeiro, apurou-se terem entrado na uma 23 listas, tendo ficado eleitos, para a commissão de administração publica, os Dignos Pares:
Julio Marques de Vilhena.
Francisco Antonio da Veiga Beirão.
Antonio Teixeira de Sousa.
Antonio Augusto Pereira de Miranda.
João Pereira Teixeira de Vasconcellos.
José de Azevedo Castello Branco.
José Maria de Alpoim.
Conde do Cartaxo.
Alexandre Cabral Paes do Amaral.
Gonçalo Xavier de Almeida Garrett.
D. João de Alarcão Velasques Sarmento Osorio.
Joaquim de Vasconcellos Gusmão.
ORDEM DO DIA
SEGUNDA PARTE
Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa
O Sr. João Arroyo: — Sr. Presidente, tendo de usar da palavra na discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa, em que, naturalmente, se ventilam os variados assuntos da administração publica, não posso, antes de começar a fazer a minha exposição, deixar — não direi de levantar — mas de registar, de criticar, nos devidos termos, algumas das expressões do Sr. Ministro da Justiça em resposta ao illustre parlamentar e meu amigo Sr. Teixeira de Sousa.
Sr. Presidente: o Sr. Campos Henriques retirou-se da sala, mas como eu não vou realizar um ataque politico, e me limito simplesmente a uma referencia ás palavras de S. Exa., que a Camara ouviu, para tirar d'ellas o necessario commentario parece-me não ser inteiramente indispensavel a presença de S. Exa.
Não me referirei ás perguntas especiaes que o Sr. Teixeira de Sousa endereçou ao Governo relativamente aos fantasticos decretos ditatoriaes que respeitam á administração da nossa provincia de Moçambique, mas sim ás respostas dadas pelo illustre Ministro da Justiça a essas perguntas, as quaes, pela autoridade especial de quem as formulou, parecem conter alguma cousa de immensamente grave no momento que vamos atravessando.
Sr. Presidente: não vou apresentar largas considerações.
Em primeiro logar desejo que fique bem expresso que eu julgo que o Governo não tem que se entender com as commissões parlamentares. Tem que se haver simplesmente com o Parlamento do seu país.
Dito isto, Sr. Presidente, vou referir-me ás palavras do Sr. Ministro da Justiça, que tão grande estranheza me causaram. Ouvi, com toda a attenção, os elogios que o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa dispensou ao Governo, pelo patriotismo de que elle deu provas acceitando o poder numa conjuntura difficil, como foi a que se seguiu á catastrophe de 1 de fevereiro. Em seguida o Sr. Campos Henriques levanta-se e diz que, na realidade, o Ministerio tinha a certeza de ter cumprido o seu dever, assumindo a governação do Estado num momento tão grave e delicado, acceitação que altas personalidades politicas do nosso país e experimentados homens de Estado haviam declinado, por temerem pôr em perigo o seu bem estar, a sua tranquillidade, a sua saude, a sua vida, e até a sua propria honra.
Então que altas personalidades politicas são estas?
Que figuras de homens de Estado são estas?
Que individualidades da politica militante do nosso país são estas, que só pretendem o poder, quando elle engrandece e satisfaz as suas vaidades, e o repelem quando a Monarchia, que dizem servir, mais precisa do seu sacrificio e actividade?
Mas então que chefes, que salvadores são esses, que só se atrevem a empunhar o leme da governação publica, quando a catastrophe já tem passado, quando as asperezas do momento desappareceram, ou se attenuaram, ou quando antevêem a possibilidade de uma bonança, no mar escuro das conveniencias partidarias?
Que desgraçada patria esta que, tendo tantos homens de valor, tantas intelligencias disseminadas pelos dois grandes partidos politicos, não pode conseguir, num momento de dor e de desgraça, de angustia e de desventura, que alguns d'elles, num arranco de coragem, se prestem a assumir as responsabilidades que lhes competem.
Sr. Presidente: quando se chega a um tal extremo, ou morre a patria, ou morrem os grupos impotentes que a não podem ou não sabem salvar.
Quando surge um tal phenomeno, ou se dissolvem os partidos, ou se procura uma nova fase ou formula politica, ou succumbe o país, pela falta de homens que o amparem.
Sr. Presidente: nós estamos, se não me engano, no quinto dia de discussão do projecto da resposta ao Discurso da Coroa.
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Já falou, muito proficientemente, sobre o assunto, o Digno Par e meu amigo o Sr. Baracho.
Respondeu-lhe o Sr. Presidente do Conselho.
Mais tarde deliciou-nos tambem com a sua palavra agradavel e autorizada, o Digno Par Sr. Francisco José Machado, e agora sou eu que, muito humilde e modestamente, venho dar o meu parecer sobre alguns pontos que me merecem particular attenção.
Mas, Sr. Presidente, quando olho para todos os lados da Camara, e vejo que o Digno Par Sr. Francisco José Machado falou em seu nome individual, pergunto a mim mesmo onde é que estão os partidos, e onde se encontram os seus chefes...
O Sr. Julio de Vilhena (interrompendo): — Elles apparecerão em occasião opportuna. Não tenha V. Exa. receio.
O Orador: — Pois eu vou dizer a V. Exa. qual é a occasião opportuna.
O Sr. Julio de Vilhena: — Essa occasião marco-a eu, pelo que me diz respeito.
O Orador: — Permitta-me V. Exa. que eu lhe diga que ha occasiões, como esta que vamos atravessando, no principio de um remado, em que os chefes dos partidos politicos teem, mais que o direito, o dever, a obrigação de se explicarem quanto ao presente e quanto ao futuro.
A situação actual, é de liquidação de responsabilidades gravissimas respeitantes ao anterior reinado, e de apresentação de programmas do governo perante o actual Monarcha.
Sr. Presidente: o que se não comprehende é que os differentes partidos politicos deixem passar a abertura do Parlamento, a discussão da resposta ao Discurso da Coroa sem que venham dizer como pensam em remediar o presente e acautelar o futuro.
Aos chefes dos partidos politicos impõe-se a obrigação de falarem hoje e não ámanhã. Teem o indeclinavel dever de indicar o que melhor se adapta ao bem da patria.
Um tal silencio é tanto mais inexplicavel quanto é certo avultar a razão soberana de ter o Sr. Julio Vilhena sido ultimamente elevado á chefia de um partido.
Não se comprehende que os chefes dos partidos não apresentem programmas no advento de um reinado, que se iniciou em circunstancias verdadeiramente extraordinarias.
Não se comprehende o mutismo do Digno Par Sr. Julio de Vilhena, chefe do partido regenerador, estadista notavel e distincto parlamentar, como se não comprehende a ausencia do chefe do partido progressista, quando S. Exa., mercê de Deus, não tem falta de saude que o impeça de fazer ouvir a sua voz nos Paços do novo Rei e no Credito Predial. Porque é que S. Exa. se não faz ouvir tambem no seio do Parlamento?
Sr. Presidente: estas individualidades politicas, dão assim a prova de uma fallencia absoluta.
Quando o momento não é de decadencia, quando tudo se encontra em perfeitas condições de normalidade, quando não ha males a temer, nem desgraças a conjurar, todas as individualidades, por mais restrictos e acanhados que sejam os ambitos da sua intelligencia, se declaram aptas para qualquer emprehendimento, se revelam dispostas ás mais arrojadas empresas; mas, se uma difficuldade se annuncia, se uma borrasca se esboça, só vemos caminhar para o perigo os que dispõem de uma vitalidade isenta de morbidez, só com elle se defrontam os espirites eminentemente privilegiados.
Foi e é assim na arte e na literatura; foi e é assim na politica. Por isso, os. escritores portugueses dos fins do seculo XVIII, exceptuando Garção, se refugiaram no humorismo, tão brilhantemente cultivado por Antonio Diniz, Tolentino, Abbade de Jazente e Bocage.
Por isso nessa mesma epoca, em escultura, Canova exterioriza a falta de uma poderosa concepção na arte, sua contemporanea, pela reproducção, se bem que grandiosa, dos motivos classicos.
O silencio dos dois chefes significa apenas que elles preferem o socego e a tranquillidade á luta.
Houve a crise ministerial de 1905-1096, que arrancou ao partido progressista, quando se discutia um assunto tão importante, como o referente ao contrato dos tabacos, um dos seus mais conceituados membros.
Segue-se um Ministerio de regeneradores, que só pode manter-se no poder uns escassos cincoenta e oito dias, ao cabo dos quaes se viu obrigado a entregar o poder aos regeneradores liberaes que, pela pessima e detestavel orientação a que se submetteram, tantas desgraças causaram ao país.
É desoladora a recordação de taes factos, mas que remedio!
E a quem se pode attribuir a responsabilidade de tantos erros commettidos? Aos homens? Aos partidos?
Não: á formula que elles seguem e que os ha de esmagar.
Sr. Presidente: é preciso que tudo isto acabe. É necessario, na politica portuguesa, baralhar e tornar a dar. Baralhar já, e depois constituir Ministerios, não derivados de partidos que, no actual momento, agonizam numa fragil e inutil colligação, mas saidos de grupos de homens que se apresentem, não com um programma extenso, que nunca se cumpre, mas com quatro ou cinco medidas de verdadeiro alcance, d'essas que affirmam a indiscutivel pujança de quem as apresenta.
Faça-se em Portugal o que se faz em França, onde os partidos prosperam, graças ás ideias que sustentam, e ás medidas que realizam.
A acção dos estadistas franceses limita-se a fazer discutir e votar dois ou tres projectos, e não a apresentarem um estendal de medidas que, de antemão sabem que não poderão ser discutidas.
É assim que vivendo hoje o Governo francês, sob o imperio ou o influxo dos socialistas avançados, se limitou a apresentar este anno ao Parlamento tres projectos: o das reformas operarias, o da contribuição sobre o rendimento, e o do resgate das linhas do Oeste.
Compulse V. Exa. os Discursos da Coroa de ha 20 e 30 annos, e diga-me se tem sido executada a decima parte das promessas contidas nesses diplomas. Sei que o Digno Par Sr. Francisco José Machado, numas referencias, aliás muito amaveis com que hontem se dignou distinguir-me, versou um dos pontos em que os rotativos se baseiam para defenderem as suas ideias.
Dizia S. Exa.:
Um Governo qualquer, sem o auxilio de um d'esses partidos, ainda poderá viver com a Camara popular; mas aqui, na Camara dos Pares, só attentando contra a sua maneira de ser, e não ha nada peor que ferirem-nos no nosso orgulho, nos nossos interesses e na nossa dignidade.
Disse tambem o Digno Par que, nesta Camara, não ha elementos que apoiem um Ministerio partidario. A este respeito cumpre-me apontar a S. Exa. o exemplo de Sir Campbell Banermann, perante a Camara dos Lords. Vive com uma Camara, onde conta apenas meia duzia de partidarios.
Relativamente á Camara dos Deputados, pode se dizer que nos ultimos annos da sua existencia só tem a força, a acção, o viver que o poder lhe dá, e mais nada.
Relativamente á Camara dos Pares, direi a V. Exa. que sou adversario á entrada aqui do elemento electivo.
Desde que entrei aqui, nunca falei senão sob a ameaça de ser posto d'aqui para fora.
O Sr. Francisco José Machado: — Pois é necessario que essas ameaças acabem.
O Orador: — Perfeitamente de acordo com V. Exa.
A Camara dos Dignos Pares nunca
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foi ameaçada pelo que votou, mas pelo que falou.
Eu nunca fui ameaçado pelo que votei, mas pelo que disse.
Nunca fui ameaçado pela acção que fiz interferir em qualquer acto politico ou parlamentar, mas pelas palavras que me sairam da boca.
O que é preciso, o que é indispensavel, é que se reconheça aos Dignos Pares o direito á liberdade da palavra, quando tenham de alludir a qualquer acto da politica portuguesa.
O que é necessario é que o Governo comprehenda a necessidade e a possibilidade de viver com a Camara dos Pares, e mais nada.
Agora vou entrar na parte do meu discurso, em que eu muito especialmente quero dar á Camara a explicação do que eu supponho ser a verdadeira causa da attitude inerte dos partidos.
Qual é a razão por que não falam de partidos?
Porque não falam os chefes d'esses partidos?
Vou dizer a S. Exa. o que se me afigura ser a razão d'esta mudez.
É porque, na resposta ao Discurso da Coroa, os partidos, symbolizados nos seus chefes, preferem a commodidade do silencio ás asperezas da luta parlamentar.
Eu sou do tempo, Sr. Presidente, em que se batalhava sem receio de contundir a effeminada cutis dos adversarios.
Lembro á Camara as lutas parlamentares, vivas, intensas, poderosas, como foram as de 1887, 1888 e 1889.
Nessa epoca, excepção feita á minha modesta figura, o Parlamento Português attingiu a sua maior altura do periodo constitucional.
Sou do tempo, Sr. Presidente, em que os partidos politicos se não melindravam com qualquer accusação mais vehemente, com qualquer palavra mais áspera.
Quero prestar aqui a minha homenagem aos homens d'essa epoca, que se mantiveram sempre na luta, sem um desfallecimento, sem o menor colapso.
É necessario que todos se convençam de que o Parlamento Português se fez para a luta, sem offensa para ninguem.
Fala-se e fala-se claramente.
Poderá haver excessos?
Melhor.
Poderá haver abuso de palavras?
Melhor.
Poderá haver, excesso na maneira por que exteriorizamos os nossos pensamentos?
Antes assim, porque se vive, porque se luta, porque se mostra que somos homens.
Lutemos todos, respeitando a honra pessoal de cada um, na defesa dos interesses da nação e sem fazer intervir nos debates a mais pequena intriga politica. (Apoiados do Julio de Vilhena).
Agradeço o apoiado do Digno Par.
Vamos agora á explicação do silencio.
Em 1906, o chefe da ultima situação politica, fez na Camara dos Senhores Deputados declarações da mais alta gravidade acêrca dos adeantamentos á Casa Real.
Tendo a honra de fazer parta d'esta assembleia politica, interpellei directamente, mais do que uma vez, o então Presidente do Conselho, e não podendo obter d'esse homem de Estado resposta que me satisfizesse, appellei, como não podia deixar de appellar, para os tres estadistas, então todos vivos, que já tinham occupado a cadeira da Presidencia do Conselho no reinado de D. Carlos I.
Eu vou provar a V. Exas. que o silencio de hoje tem somente um unico fim.
E o fim de liquidar o assunto dos adeantamentos, não sobre as costas dos partidos, como elle tem de ser liquidado, mas sobre a cabeça de El-Rei.
Hei de provar esta minha asserção.
Repito: o fim é liquidar, não sobre as costas dos partidos, como tem de ser liquidado, mas sobre a cabeça de El-Rei, o caso dos adeantamentos á Casa Real e o aumento da lista civil.
Conhecem-me V. Exas. sufficientemente para não supporem que eu venho neste momento entrar na discussão d'esse projecto de lei. Venho, no uso legitimo do meu direito, como Par do Reino, e tratando-se de um debate amplo, como é, em politica, a discussão da resposta, ao Discurso da Coroa, apreciar á sua verdadeira luz a significação politica do estado actual das cousas, e a situação dos partidos.
Em 1906, não tendo eu alcançado resposta que me satisfizesse por parte do Sr. Presidente do Conselho, de então, dirigi-me aos illustres estadistas que tinham sido chefes do Governo em situações transactas. Respondeu-me o Sr. Hintze Ribeiro, infelizmente já roubado á admiração de todos nós, assim como me responderam o Sr. José Luciano de Castro, felizmente ainda vivo, e o Sr. José Dias Ferreira, já fallecido.
Eu tenho aqui na minha presença a sessão n.° 28 de 21 de novembro de 1906, e nella se vê que a forma da resposta dos dois chefes politicos — Hintze Ribeiro e José Luciano de Castro — se é inteiramente diversa nas palavras, não deixa por isso de ser absolutamente identica na sua significação.
Cada uma das respostas corresponde á maneira de ser politica e parlamentar de cada um dos oradores. Hintze Ribeiro, sempre abundante no dizer; José Luciano de Castro, como sempre no principio das suas orações politicas — e isso certamente para nunca passar do principio — de uma extrema concisão.
A intenção do Sr. Hintze Ribeiro tinha por fim explicar o que fez e excluir o que não fez, e a intenção do Sr. José Luciano de Castro dirigia-se expressamente a mostrar directamente á Camara e que não fez. No fundo ambas valem o mesmo.
A resposta dada pelo chefe do partido progressista, embora na forma seja diversa da que foi formulada pelo então chefe do partido regenerador, é-lhe, no fundo, absolutamente identica.
O Sr. José Luciano, negando que nas suas gerencias houvessem sido feitos adeantamentos á Casa Real, nem por isso invalida a affirmativa de que o facto se desse com outras administrações.
Ambos aquelles Dignos Pares confessaram, um restringindo a negativa, outro levantando a affirmação, que adeantamentos tinham sido feitos á Fazenda da Casa Real.
Depois o Sr. José Dias Ferreira, usando da palavra, collocou-se absolutamente fora das responsabilidades.
Sr. Presidente: resumindo os factos, chego ás seguintes conclusões: que os chefes politicos dos dois grandes partidos rotativos, interpellados directamente por mim, usaram da palavra, e ambos confessaram que se tinha saido para fora da dotação da Casa Real Portuguesa, e que esse excesso de despesa era de dupla natureza: despesas de representação e obras nos Paços Reaes.
Nem do chefe progressista, nem do chefe regenerador se póde obter, a mais simples palavra que pudesse significar a existencia de quaesquer adeantamentos, que não fossem exclusivamente estes. Muito bem.
Tendo nós de liquidar, como homens de bem que nos prezamos de ser, e como politicos serios e graves, as nossas responsabilidades, que temos que fazer?
Singelamente, francamente, trazer á Camara a conta completa dos adeantamentos á Casa Real. Trazida essa conta, a Camara ha de verificar o seu montante, a sua natureza e estabelecer por qualquer meio a forma da sua liquidação, não com a Corõa, que está posta, de lado, mas unicamente com os partidos.
Vamos ver o que se fez.
Eu não posso acreditar que o Sr. Presidente do Conselho tivesse trazido á Camara a proposta de lei relativa a adeantamentos e á lista civil, sem con-
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tar com o apoio e a concordancia dos dois chefes de partidos.
Se porventura S. Exa., na apresentação de tal proposta, está, como eu julgo, de acordo com ambas aquellas identidades, peço a fineza a S. Exa. de se conservar sentado, como vulgarmente se diz quando se procede a uma votação.
(Pausa).
Verificada a posição do Sr. Presidente do Conselho, vou explicar á Camara o que é o texto d'essa proposta de lei.
Não é este o momento asado de a discutir, mas, pondo a significação d'ella em confronto com a situação dos partidos, vê-se que se pretende arrancar á Camara o direito de tratar um assunto, que vae ser entregue a uma commissão composta de dois juizes do Supremo Tribunal de Justiça, de um juiz do Supremo Tribunal Administrativo, um juiz do Tribunal de Contas e de um membro nomeado pela Junta do Credito Publico.
Arranca-se assim ao Parlamento o exame de um assunto, que só por elle deverá ser tratado.
E até para que a este assunto, eminentemente serio, não falte a nota comica, até vejo que se dá o nome de «amortização» áquillo que quando muito se deveria chamar «taxa de juro».
No Parlamento Português fazem-se declarações para mostrar que na questão de adeantamentos á Casa Real nada ha alem do que foi declarado pelos Srs. José Luciano de Castro e, Hintze Ribeiro, de forma que a proposta de lei apresentada pelo Sr. Presidente do Conselho começa por conter a negativa d'essa affirmação, pretendendo nomear uma commissão que faça a liquidação dos mesmos adeantamentos.
Ao que nós chegámos! Pode-se dizer que attingimos a meta do impudor politico!
Rouba-se á Camara a discussão de tal assunto, e a base para o apuramento das respectivas responsabilidades.
Sr. Presidente: se fosse noutras epocas, em que nesta sala se erguia a voz firme e sonora de grandes patriotas, elles com certeza não deixariam de amaldiçoar os homens publicos que assim demonstram carecer inteiramente de energia politica.
Mas ha mais. Não satisfeitos com isso, vêem trazer á Camara uma medida inconstitucional.
A commissão que o Governo pretende nomear fica com poderes constitucionaes, o que é um attentado á soberania do Parlamento.
A Camara dos Pares tem obrigação de pugnar em defesa dos direitos que lhe pertencem
Sr. Presidente: os adeantamentos á Casa Real teem de ser liquidados sobre as costas dos partidos, porque não é justo que sejam liquidados sobre a cabeça de El-Rei.
Deve ser liquidada no Parlamento.
Mal andam os partidos querendo obrigar o joven Soberano a assinar um diploma, que arranca ao Parlamento os seus mais sagrados direitos.
Isto não pode ser.
Pretende se liquidar commodamente a questão, para que depois esses dois partidos explorem o poder, num sentido politico, é claro.
Pela minha parte, bem procuro defender El-Rei dos partidos rotativos, que, dizendo tê-lo tomado nos braços para o salvar, mais parecem empenhados em perdê-lo.
Sr. Presidente: vou concluir, e termino por onde comecei.
É absolutamente indispensavel que neste momento se repita, em materia de partidos, o que se chama, baralhar e tornar a dar.
Os partidos politicos não falam por um de tres motivos: ou porque não querem ou porque não podem, ou porque não sabem.
No primeiro caso, penaliza me que a minha exhortacão os não demova do seu proposito; no segundo caso, direi que tenho pena do país; e no terceiro caso, que tenho pena d'elles.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Julio de Vilhena: — Reservava-se o direito, que assiste a todo o homem publico e a todos os membros do Parlamento, de tomar a palavra na altura do debate que julgasse mais conveniente, conforme a ordem da discussão e conforme os interesses do seu partido.
Mas como as praxes parlamentares estão abolidas, e já se não respeita o direito de cada um, impõe-se e ordena-se aos membros d'esta Casa que tomem a palavra em determinada altura do debate.
Deve, porem, dizer que não acceita imposições de ninguem, e que não se curva seja a quem for.
Devia, portanto, desistir da palavra neste momento, não obedecendo assim á imposição do Digno Par Sr. João Arroyo, visto que entende dever falar ao seu país quando julgue ser mais opportuno fazê-lo. (Apoiados}.
Trata-se, pois, de uma especie de ditadura, porque se elle, orador, não usasse da palavra neste momento, o Sr. Arroyo sairia victorioso do Parlamento, e lá fora dir se-hia que o chefe do partido regenerador não quisera falar.
Entende ser inconveniente para os interesses do país e do actual Governo travar neste momento discussões politicas.
Deseja que se entre em vida nova, mas deseja tambem que o Parlamento seja o primeiro a entrar nesse caminho.
De que serve irritar as paixões, se elle, orador, o que deseja é acalmação e ajudar sinceramente o Governo a cumprir a sua missão?
Referiu-se o Digno Par Sr. Arroyo, no começo do seu discurso, ás declarações hoje feitas pelo Sr. Ministro da Justiça.
Não pode precisar bem essas declarações, mas crê que o pensamento do Sr. Campos Henriques não seria de amesquinhar os chefes dos partidos.
Todos sabem que não foi por cobardia politica ou receio que deixou de acceitar o poder, pois simplesmente se guiou pela abnegação, visto que detesta todo o homem publico que só serve a sua vaidade ou paixão, e que não olha com amor para os interesses do país.
No dia seguinte ao do regicidio, foi convocado o Conselho de Estado, e só aquelles que assistiram á reunião d'esse alto corpo politico é que podem dizer qual o sentimento que determinou a organização do actual Ministerio.
O desejo era de que todos se congregassem em volta do joven Rei, para o auxiliar no desempenho de uma espinhosa missão, que um tragico acontecimento havia confiado ás suas mãos.
Pergunta: seria conveniente que elle, orador, assumisse o poder nesse momento?
De modo nenhum.
Teve o poder nas mãos e podia ter constituido um Gabinete, ou de concentração monarchica, ou puramente regenerador; mas abandonou esse proposito e d'isso não está arrependido.
Foi por cobardia, foi por medo, que assim abandonou um posto que queriam confiar-lhe?
Não; e quando se lhe deparar ensejo conveniente de assumir as redeas da governação, de se collocar á frente de uma situação ministerial, mostrará que nunca experimentou o menor colapso, que nunca o acommetteu o mais pequeno desfallecimento na sua longa carreira publica.
Engana-se o Digno Par Sr. Arroyo quando suppõe que elle, orador, preparou a sua liquidação politica, no momento em que foi organizado o Governo que actualmente está á frente dos destinos do país.
Com a comprehensão nitida do momento excepcional em que a nação se encontrava, julgou de conveniencia indicar para a direcção do Gabinete um homem alheio completamente aos dois partidos politicos, para assim avigorar um reinado que se iniciava tão lugubremente, para assim amparar e coadjuvar as instituições.
Desde que assumiu a chefia do par-
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tido regenerador, se ha actos seus que são do dominio publico, outros ha que o país absolutamente desconhece.
Toda a gente sabe que empregou bastantes diligencias para conseguir que o Parlamento abrisse a 2 de janeiro do anno corrente, e ninguem ignora que empenhou os ultimos esforços no intuito de ver se lograva a cessação da anarchia politica que então dominava.
Pois, a despeito d'essas tentativas, os seus trabalhos foram completamente improficuos. Num determinado momento teve a esperança de que ia realizar-se o seu supremo desejo, a sua justa e patriotica aspiração. Foi na primeira conferencia que teve com o fallecido Monarcha.
Saiu do Paço inteiramente convencido de que as suas razões tinham calado no espirito do infortunado Rei; que as Côrtes seriam convocadas, que seria restabelecida a legalidade constitucional, que ia ter fim essa orientação tenebrosa que predominou de maio do anno passado a fevereiro d'este anno.
Em 7 de dezembro o pacto entre os partidos monarchicos e o Rei estava ajustado.
Convencionou se que as Côrtes seriam immediatamente convocadas, que a ditadura terminara, e que todas as medidas offensivas seriam revogadas.
Foi o derradeiro esforço que empregaram elle, orador, e os seus amigos politicos para salvar as Instituições, e para salvar o Rei; mas, infelizmente, oito dias depois, o pacto estava roto, porque se não haviam cumprido as estipulações nelle exaradas.
A sua consciencia ficou plenamente socegada, e quando um dia se escrever a historia verdadeira dos ultimos acontecimentos, ver-se-ha até que ponto se alongou a sua acção, tendente a restaurar a liberdade, e a manter a Monarchia Constitucional.
Vozes: — Muito bem.
O Orador: — Subordinando-se sempre ao mesmo pensamento de manter o systema que nos rege e sem outra preoccupação que não fosse a de ser util ao seu país, entendeu que o seu indeclinavel dever, como homem de Estado, e verdadeiramente patriota, era aconselhar El-Rei a que chamasse para presidir a uma situação governativa o Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral, e não se arrepende, como já disse, d'essa indicação.
O actual Governo tem o seu apoio, e o apoio do partido a que preside, tanto nesta como na outra casa do Parlamento.
O Sr. Presidente do Conselho foi chamado para cumprir um programma, e tem-se desempenhado briosamente da missão que lhe foi commettida.
Annullou todos os decretos que opprimiam e vexavam as garantias individuaes, sendo esta uma das condições que os partidos impuseram ao actual Governo, e a que se tinham compromettido, consoante as moções votadas nas suas assembleias de dezembro.
O Governo, effectivamente, derogou as leis repressivas dos direitos individuaes, e, depois de realizadas as eleições, abre o Parlamento, apresenta-lhe o orçamento, a proposta para o estabelecimento da lista civil e o bill de indemnidade, isto é, cumpre digna e honradamente o seu dever.
Elle, orador, sabe o que a intriga tem forjado a seu respeito, mas, sobranceiro a esses manejos, manter-se-ha intransigentemente no seu posto, aconteça o que acontecer.
Disse o Digno Par Sr. Arroyo que os partidos politicos, no começo de um reinado, teem obrigação de apresentar ao país o seu programma.
Mas de onde deriva essa obrigação?
Está na Carta Constitucional, encontra-se em alguma lei? Está consagrada pela pratica?
Fallecida a Senhora D. Maria II e acclamado Rei o Senhor D. Pedro V, não pensou o Governo de então em exhibir qualquer programma governativo.
Da mesma maneira, o Governo que estava á frente dos destinos do país quando foi elevado ao throno El-Rei D. Luiz, tambem se não occupou, nem sequer pensou na apresentação de qualquer programma.
Salvo o devido respeito que merecem as opiniões expendidas pelo Digno Par a quem se dirige, afigura-se-lhe que S. Exa. exige um contrasenso.
Comprehendia se que o Monarcha fizesse o programma do seu reinado, e realmente o apresentou, declarando bem alto que ha de cumprir a lei; mas exigir que um partido, politico, no inicio de um reinado, trace um programma da sua norma de acção, da sua conducta, parece um contrasenso.
Os partidos politicos norteiam o seu proceder pelas circumstancias que se vão desenvolvendo na evolução dos tempos.
Como pode o Digno Par pretender que elle, orador, apresente um programma para vigorar durante um reinado inteiro?
Seria preciso que durasse tanto como o reinado, ou que, ao morrer, legasse o cumprimento d'esse programma ao seu successor, o que seria um absurdo.
O Digno Par Sr. Arroyo, inania verba, dispõe incontestavelmente de um grande brilhantismo de palavra, mas os argumentos são fracos e não resistem á mais pequena critica.
Elle, orador, não apresenta um programma porque não sabe a que meios o partido regenerador terá de recorrer durante o reinado de El-Rei D. Manuel II.
Fontes, Sampaio, Barjona e tantos outros vultos eminentes, que constituiram o professorado da sua vida publica, nunca o ensinaram a traçar programmas no começo de um reinado.
Um programma, longe de evidenciar intellectualidade poderosa, só revela a vacuidade dos cerebros, e a prova está no que o Digno Par Sr. Arroyo sustentou nesta Camara ainda não ha muitos dias.
S. Exa. avançou que no seu programma estava uma boa marinha de guerra.
Se S. Exa. não faz germinar no seu cerebro uma concepção mais grandiosa, essa não lhe abona em demasia a riqueza da sua imaginação.
Não desejaria tambem o partido regenerador uma boa marinha de guerra?
Qual é a nação que não aspira a ter uma excellente marinha de guerra?
S. Exa. disse que a mesquinhez cerebral d'elle, orador, se infere da ausencia de um programma no alvorecer do novo reinado.
Consinta-lhe S. Exa. o dizer que o Digno Par, em materia de programma, revela uma grande falta de espirito superior e uma intellectualidade abaixo da reputação que geralmente lhe é attribuida.
S. Exa. no seu programma, e em relação á organização d'esta Camara, pretende que ella se conserve como está!
Se é este um dos pontos do programma que S. Exa. tão altisonantemente preconiza, melhor fora que se abstivesse de o apresentar.
Deve esta Camara conservar-se como está?
Não deve, e o Digno Par Sr. Arroyo devia ser o primeiro a entender a conveniencia e a necessidade de se alterar a composição d'esta assembleia, visto que em 1885 applaudiu que nella entrasse o elemento electivo, que lhe imprimia uma feição mais democratica.
Foi contra a vontade d'elle, orador, que então se não acabou de vez com o principio da hereditariedade.
A reforma, tal qual foi apresentada primitivamente á outra Camara consignava a extincção d'esse principio; mas, em virtude de uma emenda que á lei foi aqui introduzida, permittiu-se que, em determinados casos, a hereditariedade vigorasse.
Pois é indispensavel que acabe o principio de hereditariedade, que é uma velharia, uma tradição obsoleta, e que deve ser expungida em qualquer reforma da Constituição. (Apoiados}.
Elle, orador, quer a introducção do elemento electivo nesta Camara, para
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assim se corrresponder ás exigencias do espirito popular.
Pouco se lhe dará que o proprio partido republicano tenha aqui representação.
Isso só poderá evidenciar a força dos partidos monarchicos, que se não arreceiam da luta, quando os alenta a consciencia de que porfiam na defesa de um principio util e proveitoso ao país.
O Digno Par Sr. Arrojo é, sem a minima contestação, um tribuno audaz e brilhante; das isso não basta ao país, que pede e insta por normas de administração que lhe outorguem meios de engrandecimento e prosperidade.
Crê ter respondido á primeira parte do discurso do Digno Par que o antecedeu no uso da palavra.
O partido regenerador não tem necessidade de apresentar programma, porque, nascido em 1852, são bem conhecidas de todos as suas ideias.
É um partido conservador, inteiramente devotado ás instituições que nos regem; mas por igual desejoso de acompanhar a evolução social no sentido de conseguir um verdadeiro progresso da sociedade portuguesa.
São bem conhecidas as ideias d'elle, orador, acêrca da liberdade de imprensa, e aqui as expendeu e sustentou, quando foi da apresentação de um projecto que tantos clamores provocou, e que tão acirrada celeuma produziu.
E tambem bem conhecida a sua opinião, no que respeita á garantia administrativa, tal como está consignada no codigo de 1878.
Anima-o ainda hoje o sentimento, que o impulsionara nesse periodo aureo do partido regenerador. O seu maior desejo seria fazer revivei1 essa epoca brilhantissima.
Que necessidade ha, pois, d« apresentar um programma novo?
Pois. não conhece S. Exa. o partido regenerador?
Não foi, alistado nessa phalange, em que figuravam tantos vultos notabilissimos, que S. Exa. fez a sua estreia parlamentar?
Não foi ainda esse partido que lhe deu ingresso na administração dos caminhos de ferro?
Não aconteceu a S. Exa. o que a elle, orador, succedeu, de receber d'esse partido a honra do pariato?
Por si, pode affirmar que todos os titulos que possue os deve ao partido regenerador.
É certo que durante algum tempo esteve afastado d'esse partido; mas considerou-o sempre, e nunca lhe endereçou a mais pequena objurgatoria. O Digno Par Sr. Arrojo é um tribuno de primeira ordem; mas elle, orador, quer na defesa, quer no ataque, não experimentará nunca o menor desfallecimento; e, se assim não fosse, indigno era de exercer as elevadissimas funcç5es em que o investiram.
É preciso dar ás cousas as proporções que lhes competem, e, d'esta maneira, nem o Digno Par Sr. Arrojo lhe inspira medo, nem elle, orador, tem a pretensão de intimidar S. Exa.
O Digno Par, sempre em defesa da sua these, disse que elle, orador, se exime a tomar parte nos debates parlamentares.
Attribue S. Exa. este silencio d'elle, orador, ao intento de lançar sobre a cabeça do Rei a questão dos adeantamentos á Casa Real, quando ella devia recair inteira sobre as costas dos partidos.
Ha neste dizer, evidentemente, um excesso de rhetorica, porque o seu partido não enjeita a responsabilidade que lhe cabe nessa questão.
Será inconstitucional a proposta apresentada pelo Governo á outra Camara e que se destina a regular o assunto?
Não é; porque uma cousa é a funcção da Camara, de que ninguem a pode esbulhar, e outra as funcções de uma commissão de inquerito, diversas das que são exercidas pelo Parlamento.
Não ha incompatibilidade nem offensa do principio constitucional.
Mas pergunta: não será inopportuno estar a discutir-se neste momento uma proposta apresentada pelo Governo ás Camaras, e cuja apreciação está a cargo da commissão respectiva? (Apoiados).
Pela sua parte não versará por agora esse assunto, porque não quer collaborar com o Digno Par na anarchia d'esta Camara.
Por agora dirá que os Ministros que fizeram os adeantamentos assumem a responsabilidade do seu procedimento. Muitos dos que passaram pelas cadeiras do poder não tiveram conhecimento dos adeantamentos; mas aquelles que os autorizaram de certo se fundaram para isso em razões poderosas.
Mas virá d'ahi algum prejuizo para a nação?
Não vem, porque se lhe restituem as quantias que foram adeantadas.
Se houve prejuizo para a nação vae agora ser resarcido. São os proprios partidos que promovem esse resarcimento.
Disse ainda o Digno Par que os partidos agonizam.
Pois podem dizer-se ou considerar-se agonizantes os dois partidos que dispõem na outra Camara de uns cem Deputados?
Pois pode ter-se na conta de agonizante um partido que conta entre os seus membros homens com faculdades de trabalho e de intelligencia como são os Srs. Mattoso Santos, Teixeira de Sousa, Wenceslau de Lima, Campos Henriques e tantos outros com larguissima folha de serviços publicos?
Não acceitou a chefia do partido regenerador para ficar fora da politica ou fora da direcção de um Gabinete. O partido regenerador está unido em volta do seu chefe, pronto a coadjuvá-lo na missão que elle tem a cumprir. (Apoiados).
Poderia tambem falar sobre a reforma da Carta.
Nada mais facil do que mostrar ao Digno Par qual o pensamento que o anima em sentido democratico e liberal, mas não tem elle, orador, dado porventura sobejas provas de quanto estremece tudo o que respeita a liberdade?
Pois não se deve a uma providencia sua o acabamento da escravidão? Mas quaes são os projectos de lei, as providencias que o Digno Par alvitra? Qual é o seu programma? Quaes as suas ideias?
Onde estão os traços da sua poderosa individualidade?
Disse tambem o Digno Par que os partidos tomaram o Rei nos seus braços...
O Sr. João Arrojo (interrompendo): — Os partidos declararam que tomavam o Rei nos seus braços para o salvar, mas, pela attitude que assumem, parece só quererem perdê-lo.
O Orador: — Pois será com o intuito de perder o Rei que se apresenta a proposta referente aos adeantamentos á Casa Real?
Pois perder-se-ha o Rei, obrigando-se elle a pagar esses adeantamentos?
Creia o Digno Par que a sua frase feriu profundamente o partido regenerador e o partido progressista.
Os partidos não querem perder o Rei. Ao contrario, empenham-se em salvá-lo, porque a sua pessoa está intimamente ligada á felicidade da Patria. (Apoiados).
É exactamente para salvar o Rei que es partidos, com a maior isenção, se unem a elle, dando-lhe a força de que tanto precisa.
Os partidos querem sustentar a Monarchia, porque entendem que ella não é incompativel com as instituições liberaes. (Apoiados).
Espera vir a demonstrar que se pode fazer uma Constituição que garanta todas as liberdades e torne a atmosphera politica bastante oxygenada para adquirir a sua maior pujança e o maximo da sua força. (Vozes: — Muito bem, muito bem).
(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra, e em appendice, quando S. Exa. tenha revisto as notas tachygraphicas).
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O Sr. Presidente: — Faltam apenas quinze minutos para se encerrar a sessão.
O Sr. João Arroyo: — Peço a V. Exa. se digne consultar a Camara sobre se permitte que eu responda ao Sr. Julio de Vilhena.
O Sr. Presidente: — Mas estão inscritos para antes de se encerrar a sessão, os Srs. Conde de Bertiandos e Baracho.
O Sr. Sebastião Baracho: — Eu cedo a palavra neste momento.
O Sr. Conde de Bertiandos: — Se é preciso cedo tambem a palavra.
O Sr. Presidente: — Dou a palavra ao Sr. Arroyo, mas aviso S. Exa. que ás cinco horas e um quarto tem de se encerrar a sessão.
O Sr. João Arroyo: — Agradeço a fineza que me dispensaram os dois Dignos Pares que se haviam inscrito para antes do encerramento dos nossos trabalhos.
O Digno Par. Sr. Julio de Vilhena, no pleno uso do seu direito, entendeu que devia reportar-se á minha modesta individualidade, mas fê-lo em termos que não dispensam algumas considerações do mesmo genero.
Sei que a minha palavra, inane e ôca, não tem o condão de attrahir o publico ás galerias da Camara.
Sou o primeiro a reconhecer a pouquidade dos meus recursos intellectuaes, e bem sei que devo ao partido regenerador alguns meios de vida com que vou arrastando a existencia.
A minha palavra, embora inane e ôca, foi no entanto inteiramente devotada á defesa de uma causa, e nesse empenho se manteve em luta ardente, nitidamente accentuada.
Porfiei, valente e denodadamente, em defesa do partido em que militei durante muitos annos.
Essa individualidade mesquinha, que deve ao partido regenerador a fineza
de o nomear administrador de uma companhia de caminhos de ferro, fez a campanha de 1887, de 1888 e de 1889, e nella se conservou com uma persistencia pouco vulgar.
Ainda por occasião da questão do convenio tive de vir á estacada, e bati-me por forma a, não me poderem ser attribuidos quaesquer desfallecimentos.
Pelo que toca ao Digno Par Sr. Julio de Vilhena, conheci-lhe a historia parlamentar, e recordo-me dos seus vinte annos de quasi silencio, do seu mutismo, da sua apathia quando se tratava de defender o partido regenerador, de defender esse companheiro, esse condiscipulo de todas as horas, de quem S. Exa. só se lembrou depois d'elle ter morrido, legando-lhe a successão.
Conheço tambem os seus trabalhoso as canseiras de S. Exa. contra a ditadura, e recordo-me bem d’aquella profecia de «um dia de gala nacional» para 2 de janeiro, dia que, na verdade, deixou bellas recordações ao país, recordações summamente alegres...
Conheço em summa a absoluta insufficiencia de S. Exa. para a suprema direcção de um partido politico, e acho natural que S. Exa. me venha atirar á face com os proventos que aufiro do producto do meu trabalho.
O Sr. Julio de Vilhena ha de permanecer durante vinte, trinta, quarenta annos, á frente do partido regenerador. Ha de encontrar um adversario que o não molestará, porque me respeito a mim proprio; mas a forma sem precedentes por que S. Exa. se me dirigiu hoje revela-me o motivo, a razão por que os regeneradores só se lembraram do seu nome: a falta de pessoa que na occasião melhormente correspondesse á urgencia do momento.
Quanto á minha modesta situação, é ella tal que a consciencia do Digno Par ha de segredar-lhe que nunca me elevei tanto como agora, falando assim.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Julio de Vilhena: — Não venho suscitar uma questão pessoal. Accusado pelo Digno Par, tive que defender-me, e assim procederei em qualquer conjuntura.
Fui talvez um pouco duro na maneira por que me dirigi ao Digno Par, mas S. Exa. deve convir em que tambem foi um tanto acre.
Tenho uma altissima admiração pelo talento do Digno Par, e bem desejaria que S. Exa. se prestasse a collaborar na obra que se impõe aos partidos politicos.
Pela minha parte hei de acceitar a luta quando S. Exa. m'a propuser, porque é esse o meu dever.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã 27 é a continuação da que vinha para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram 5 horas e vinte minutos.
Dignos Pares presentes na sessão de 26 de maio de 1908
Exmos. Srs.: Antonio de Azevedo Castello Branco; Eduardo de Serpa Pimentel; Marqueses: de Avila e de Bolama, de Pombal, de Sousa Holstein; Condes: de Arnoso, de Bertiandos, do Bomfim, de Figueiró, de Mártens Ferrão, de Monsaraz, de Paraty; Moraes Carvalho, Antonio Candido, Eduardo Villaça, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Hintze Ribeiro, Palmeirim, Carlos Maria Eugenio de Almeida, Eduardo José Coelho, Fernando Larcher, Mattoso Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Ressano Garcia, Baptista de Andrade, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, José de Azevedo, Moraes Sarmento, José Lobo do Amaral, José de Alpoim, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Sebastião Dantas Baracho e Wenceslau de Lima.
O Redactor, JOÃO SARAIVA.