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de dizer á camará) dois empregados para irem a Berne verificar a existência da rapariga. Isto é, eram mandados quando já lá não a podiam encontrar, pois que antes de chegarem devia ella ter partido. Como se esta innocencia não bastava, quiz-se aggravar o caso com um escândalo. Um dos escolhidos para esta inútil commissão foi um filho do mesmo sr. Rodrigues do governo civil, que tão empenhado se mostrara na minha diffamação, e a quem eu tinha estranhado n'aquella repartição, em termos severos, como os pedia a injuria, a injustiça e perfídia com que se portara para comigo. Este homem, que não tivera coragem para me responder, depois, segundo me consta extra-officialmente, queixou-se de que eu o tinha insultado, o declarou que não ia mais á repartição sem que se mandasse proceder contra mim!

Sr. presidente, como se havia de mandar proceder contra mim por ter usado de palavras um pouco severas, mas muito justas, quando a inqualificável provocação d'aquelle empregado me exhaurira a paciência? E que género de procedimento queria elle que se instaurasse contra um homem que se indignara de uma atroz invenção e presistente calumnia? Não sei: sei todavia que elle amuou-se, e esteve um mez sem voltar á sua repartição, á espera de que lhe dessem uma satisfação (riso). Logo porém que se tratou de mandar dois empregados para syndicarem da existência da rapariga, quando ella vinha de caminho para Portugal, ces-sou-lhe a offensa, apesar de não lhe darem a tal satisfação, e foi cuidando em fazer com que seu filho fosse um dos nomeados para o passeio hygienico, figurando de agente de policia, quando não é mais do que empregado da alfandega municipal. O zeloso empregado, que sabe sacrificar a tempo os seus aggravos ao bem da pátria, não tinha empenho em que fossem dois agentes de policia á syndieancia impossivel, senão para aproveitar a occasião de fazer divertir e dar uma viagem de recreio ao seu menino. Foram com effeito os dois denominados agentes. De um nada tenho que dizer senão que passa por um mancebo honesto, e assim o reputo eu também. Ao outro mesmo só me refiro pela cir-cumstancia especial de ser filho de individuo que se mostrou meu inimigo declarado, e ser um empregado da alfandega municipal em vez de empregado de policia. Relatando este facto, não quero com elle fazer nenhuma imputação ao governo; desejo unicamente fazer sentir como ao func-cionario, que se fizera meu perseguidor, faltava o sentimento da delicadeza a ponto de fazer tal proposta em similhan-tes termos, revestida das circumstancias ponderadas, depois dos precedentes que referi. Tudo isto podia então fazer valer, de tudo tinha o direito de queixar-me. Abstive-me. O sr. ministro do reino nem soube, creio, quem eram os agentes que partiam para tal commissão: se. o soubesse, estou que teria desapprovado a escolha, e ainda mais o modo, o a occasião em que se procedia a similhante diligencia.

Sr. presidente, eram tão rebeldes á convicção as suspeitas da policia, que até a levaram a interrogar amigos meus com perguntas insidiosas. A um d'elles, que morava perto da casa de Judicibus, a um bravo official de marinha, in-queriram se me conhecia, se conhecia Judicibus e a família d'este, finalmente se conhecia também uma rapariga loura que tinha estado em casa de Judicibus. E como a todas estas perguntas respondeu affirmativamente, formaram auto, e dizendo o mencionado cavalheiro «mas eu também conheci a rapariga estrangeira que esteve em casa de fulano» acudiram a isto muito depressa, impondo-lhe silencio, dizendo-se-lhe logo «isto não vem para o caso, não queremos saber d'isso»! Era um testemunho em meu favor, por isso o recusavam: bastava a esta policia o conhecimento da rapariga que tinha estado em casa de Judicibus. Assim se pretendia apurar a verdade no interesse da sociedade! Li-mitava-se a investigação a concluir que em casa de Judicibus tinha estado uma rapariga loura, porque então reputa-va-se provado que era a que eu tinha tido em minha casa. Não commento, a camará tirará as conclusões.

Sr. presidente, todas estas cousas fizeram tal impressão em Berne, que, ao darem-se os passaportes á rapariga, fize-ram-se recommendações ás auctoridades portuguezas, das quaes na verdade se vê que, se não fosse o interesse com que as auctoridades d'aquelle paiz tomaram, por assim dizer, a responsabilidade de a mandar aqui, a familia não a deixava vir, receiando que a mettessem em alguma enxovia, pois de similhantes factos inferiam que esta terra era habitada de hotentotes. Para que se veja que em nada exagero, eis o que se lia n'uma nota que se poz na legação ingleza (leu). Alguém escreveu para aqui, dizendo que se algum vexame soffresse a rapariga, se teria recurso ao governo inglez. Isto infelizmente é positivo.

Não posso aqui deixar de tributar o meu profundo reconhecimento ao sr. Burnley, secretario da legação ingleza em Berne, pela maneira grave e digna com que me coadjuvou n'este triste negocio, concorrendo para se expedirem todos os documentos, e garantindo com a salva-guarda da respeitada bandeira ingleza a vinda da rapariga. E todos este* cpprobrios, repetirei sempre, tiveram por origem a delação de criminosos, e por corroboração outra circumstan-cia igualmente destituída de fundamento serio, que relatarei agora, para nada omittir. Affirmou-se que duas filhas de Judicibus, menores de nove annos, estando na misericórdia, e sendo ahi interrogadas, disseram que tinham ouvido dizer que de minha casa tinha ido para a d'elles uma rapariga estrangeira para ser sua mestra. Sr. presidente, se tal disseram aquellas creanças, como podiam ellas faze-lo sem alguma inspiração, se a verdade, a verdade já provada, éque de minha casa nunca foi pessoa alguma para casa de Judicibus. Se eu mesmo, como declarei, não conhecia ninguém de casa d'elle! E d'ahi, note-se, as creanças nem sabiam determinar com exactidão o tempo d'esta supposta occorrencia, segundo estou informado, e informado official-

mente. Perguntou-se-lhes quanto tempo teria lá estado aquella mestra, se teria estado um mez. As creanças, em duvida db que deviam responder, disseram a final que um mez não, mas muito mais tempo, sem nunca poderem precisar, sequer approximadamente o tempo. Sei que choravam constantemente durante os interrogatórios repetidos que lhes fizeram. Eu não as posso interrogar: sabe Deus o que ellas me diriam a mim. Diga-se em boa fé, não resulta de tudo isto que havia um manifesto desejo de não affastar a suspeita do caminho que se lhe tinha dado? Não se torna evidente que se provocaram respostas determinadas a perguntas formuladas n'um certo sentido? Será este um modo imparcial de obter indicações de entes em quem ainda se não desenvolveu a rasão? A policia queria dar explicação do misterioso caso da infeliz rapariga que tinha apparecido assassinada.

Logo que a alguém lembrou que eu tinha tido em casa uma rapariga estrangeira que se tinha ido embora, sabe Deus para onde! pois ella podia ter ido para o interior da America, para as Antilhas, para qualquer parte emfim que eu ignorasse: logo que isto lembrou, foi um achado! De um esforço de agudeza, de maldade, de despeito... Sabe Deus de que... tirou-se a peregrina consequência que a rapariga que tinha estado em minha casa, tinha forçosamente ido para casa dc Judicibus, e era a assas-inada.

A policia apaixonouse pela sua descoberta, e não podia resignar-se a confessar ao menos a leviandade, o erro, padecesse quem padecesse! Parece esta á camará a vigilância protectora?... Divulgado isto, correu, espalhou-se a noticia. Convinha ao menos entreter a suspeita, já que sc não descobria outra cousa. Para este fim não poupou a policia, nem esforços, nem dinheiro, nem ameaças, nem insidias!

Sr. presidente, o desgraçado homem de que tenho fal-lado, esse sr. Francisco de Judicibus era um emigrado italiano, que tinha vindo para aqui recommendado por varias pessoas. Devia muitos favores a meu pae e ao fallecido conselheiro o ar. Rodrigo da Fonseca Magalhães, pois que ordinariamente aquelle homem se servia d'estes nomes respeitáveis para obter protecções em negócios de que tratava pelas secretarias e mais repartições publicas. Meu pae pro-tegia-o porque tinha dó delle, sabia que tinha muita familia e estava persuadido de que merecia auxilio para ganhar a vida pelos meios lícitos de que parecia somente usar. Succedeu o mesmo a muita gente. Eu porém não tinha relações com elle, e não sei porque sc havia dar tal credito e auctoridade ao que diziam duas creanças de oito e de nove annos, não se procurando confirmar esse depoimento pelo restante da familia da mesma casa a que ellas pertenciam.

Sr. presidente, quando aqui chegou o chamado processo verbal, e o retrato da rapariga, mandei-o para o escripto-rio do Jornal do Commercio e pedi a amigos meus taes como os srs. marquez de Fronteira, marquez de Niza (os quaes sinto que não estejam presentes) bem como ao sr. D. Carlos de Mascaranhas que me ouve, pedi-lhes, digo, que fossem ver se conheciam o retrato pois deviam estar certos da rapariga que eu tinha tido em minha casa, visto que ella ia passear muitas vezes ao jardim do sr. marquez de Fronteira com os meus filhos.

E a propósito direi, que a idéa de mandar vir o retrato foi do sr. condo da Torre.

Aproveitando-me de tão feliz pensamento mandei buscar a photographia, que effectivamente foi reconhecida como copia fiel. Depois de a patentear no escriptorio do Jornal do Commercio, pedi que a policia se informasse, por meio de exame de quem tivesse conhecido a rapariga que tinha estado em minha casa. Foi então o retrato á Boa Hora, mandaram lá as duas creanças, e estas disseram que o retrato era da mesma rapariga que tinha estado em casa de seu pae! O juiz, sr. presidente, quasi que endoudeceu. E ainda mais: disseram que o vestuário indicava ser o mesmo que ella trazia! Entro n'estas minuciosidades para se conhecer até onde chegou o delirio ou a malevolencia. Quando a rapariga chegou,-a policia foi logo apoderar-se d'ella, e levada á Boa Hora, apresentaram-se ali outra vez as creanças, e perguntando-se-lhes se era aquella a sua mestra ou rapariga que tinha estado em casa de seu pae, disseram que não! Mais ainda: a rapariga para maior evidencia teve a opportuna lembrança de se vestir da mesma forma em que estava retratada, apresentou-se com o próprio vestido com que na sua terra se lhe havia tirado aquelle retrato, e as creanças que no retrato acharam que o fato era o mesmo que tinha a rapariga de casa de seu pae; disseram que o fato da rapariga que viam diante de si não era o mesmo, não obstante combinar elle perfeitamente com o que estava na photographia!

Que cousas tão singulares! Que contradicções tão palpáveis ! Não revelam todas estas particularidades, não mostram claramente que as creanças eram insinuadas, e que o seu depoimento valia tanto como o da celebre sr.a Francisca, que quando soube que tinha chegado a rapariga, sendo apresentada na Boa Hora, e entrando no quarto onde ella estava, nem ousou levantar os olhos para a encarar; e quando se lhe perguntou: « Conhece esta menina ?» Ella sempre de olhos baixos, disse promptamente: «Não, senhor.» Tal era a consciência que tinha do aleive que tinha levantado! Digna auctoridade para taes boatos! Contradicções d'esta ordem, a delação de grandes criminosos, a quem a sua própria situação perante as justiças publicas tirava toda a valia moral! Não contesto á policia a faculdade de investigar a plausibilidade d'esses depoimentos, de seguir um indicio ou um rasto seja qual for. O que eu lhe contesto é o absoluto juizo que sobre elles formou, a convicção que inculcava inabalável sendo tão frágeis os fundamentos, e mais que tudo o direito terrível, o monstruoso abuso de assoalhar as mais negras diffamações. Pois bastavam, podiam

nunca bastar aquelles depoimentos para promover, auctorisar ou consentir que se divulgasse uma atrocidade, uma calumnia similhante?

Podia, ella a prevenção, ella a vigilância, ella emfim a policia, tornar-se d'este modo um instrumento diffamatorio! Sr. presidente, se este exemplo ficasse como precedente valioso, se as delações dos criminosos tivessem a auctoridade que se lhes deu, poder-me-ía eu muito bem aproveitar das declarações da viuva de Judicibus e do desgraçado João Cros, para fazer obra por ellas como a justiça fez. Esse João Cros, escusado é dizer que nunca o conheci, nunca me pediu cousa alguma, tenho tantas relações com elle como qualquer digno par, appello para o sr. procurador régio, declare este respeitável magistrado, e toda a gente do Limoeiro, se eu ia visitar os criminosos á cadeia, se alguma vez escrevi a algum d'esses homens. Esse João Cros, como eu ia dizendo, depoz n'estes termos, eis por copia fiel o seu depoimento: « O reu João Cros, disse que lhe tinham promettido 100 libras se elle aceusasse um innoeente, mas que elle antes queria ir para o degredo. Que o sr. Paraty é que o convidara isso.»

Sr. presidente, este documento aceusa directamente de suborno, e de suborno contra um innocente, o sr. conde de Paraty!... Sem grande esforço me poderia julgar eu esse innocente, e então o governador civil de Lisboa, sob cuja direcção se praticaram os actos de que me queixo, ficaria esmagado pela sua lógica!... Fácil me teria sido tirar d'a-qui illações... illaçÕes tremendas!... Não o faço por honra minha e da camará; rejeito quaesquer inferências que d'a-qui se possam deduzir! Quero só provar com isto a que pre-cipicios leva o caminho que seguio a policia! Tanto a justiça conhecia que não devia dar credito aos depoimentos dos criminosos que não procedeu contra o sr. conde de Paraty em virtude d'aquella declaração. Não procedeu e fez bem. Fica-me porém o direito de perguntar—mas porque se procedeu a meu respeito, mas porque se não hesitou em expor a minha reputação a tão terrível prova!

A suspeita, fundada nas indicações cujo valor demonstrei, subiu a tal ponto, cegou de tal modo o governador civil que o seu zelo sobreviveu á própria auctoridade. Direi como s. ex.a foi á cadeia do Limoeiro, já depois de demet-tido das suas funcções administrativas para fazer indagações por sua conta particular, creio eu!... Com que titulo e a que pretexto foi o sr. conde de Paraty quando já não era governador civil proceder a taes indagações, a indagações exclusivamente pessoaes?

Não sei, não pos

Não podendo já fazer nada como auctoridade depoz sr. presidente, o seu brasão titular, despiu os arminhos de membro d'esta camará, para descer ás funcções subalternas de agente da policia nas cadeias do Limoeiro!

Como já disse, também daqui não quero tirar illações por honra minha, porque não combato com taes armas, não quero também commentar, para que senão diga que o faço com retaliações apaixonadas, bem que neste caso tão justa fora a paixão; porque a camará sabe que não era só eu que sof-fria era toda a minha pobre familia, que não tinha feito mal nenhum á justiça, nem aos seus agentes. Sr. presidente, por mim como homem, posso perdoar, ainda que não esqueça, porque estas cousas são de tal ordem que nunca esquecem... c dou a minha palavra do honra á camará que não ha um só dia que este facto passe da minha memoria, e em que não pense que, se fosse homem que não tivesse meios, tal era a posição que me tinham feito, que provavelmente ficaria sepultado debaixo d'ella!... Posso, digo, posso perdoar, ainda que não esqueça, mas eu tenho duplicados deveres a cumprir como cidadão e como par do reino. Como cidadão tenho obrigação de pôr todos os meios ao meu alcance para verberar similhantes abusos e excessos; como par do reino, entendo que devo velar pelo cumprimento cstricto das leis, que não permittem aberrações tão terríveis, devo velar porque essas leis se cumpram como devem ser cumpridas, e para que o governo castigue aquelles que por mau cumprimento vierem a transgredi-las!

Sr. presidente, peço ainda ao governo que pense n'isto: se a diffamação em logar do cair sobre mim, que tenho coragem e meios, tivesse caído sobre um desvalido da fortuna, aonde teria ido parar esse homem?

E seria elle menos innocente? Seria innocente, mas ficaria perdido, perdido que sei eu? Por odio, por leviandade, ou por ignorância! Ê horrível!

Já o disse no outro dia, não quero respeitos nem para a jerarchia, nem para a posição, nem para a fortuna. Não quero privilégios. Mas, sr. presidente, se o nome e a posição não servem de garantia, ao menos para aconselhar a prudência e a cordura em casos tão melindrosos, a sociedade abysmar-se-ha n'uma voragem! Se por similhantes supposições, se por similhantes presumpções, se fosse fazer juizo sobre um homem de posição conhecida, como se poderia fazer sobre qualquer individuo de antecedentes suspeitos, quaes seriam as condições da respeitabilidade, e quaes as suas vantagens?

A simples consideração, que é devida a todo o homem de bem, não pôde ser negada aquelle que é membro do senado do paiz!

Sr. presidente, eu concluo: é escusado cançar a camará nem com mais documentos, nem com mais provas. Tenho todos os documentos, e o mais comprovativo de todos foi o apparecimento da própria rapariga. (O sr. Marquez de Loulé:—Apoiado.) Apoiado, certamente! Mas agora como consequência d'esse apoiado, permitta-me s. ex.a dizer-lhe que n'um paiz em que tal procedimento da policia ficasse