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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 33

sei que para isso era necessario que o negocio tivesse sido apresentado em conselho de ministros, mas devia te-lo sido porque é um negocio da maior importancia. Se a candidatura do Senhor D. Fernando pela maneira em que era apresentada pelos hespanhoes não era negocio politico, para os portuguezes não sei o que são negocios politicos.

As minhas censuras ao governo é por ter feito de menos, outros o censuram por ter feito de mais.

Estas fusões de Portugal com Hespanha não me agradam, quer sejam pela fórma monarchica, quer pela fórma apontada por alguns escriptores, mesmo portuguezes - a republica federativa.

Pela fórma monarchica vê-se que já não ha probabilidades, de poder vir a effectuar-se a fusão, mas querem dizer alguns que poderia vir a effectuar-se preparando-se primeiramente o terreno com astucia e cautela por meio de um conjuncto de medidas que podessem illudir o nosso povo, grangeando o animo dos litteratos em ordem a convence-los de apostolarem o novo credo, de serem os sacerdotes da nova lei, os porta estandartes do seductor pendão.

De qualquer dos modos eu como portuguez rejeito-a, e quero repetir bem alto o que tenho sempre dito: "Sou portuguez, quero viver portuguez, quero morrer portuguez".

Este meu grito de guerra é antigo, pois que eu tive a honra de ser o primeiro a levantar aqui esta questão já ha muitos annos quando ainda pouco se fallava em união iberica. Alguns dignos pares que veja presentes hão de lembrar-se d'este facto. Tenho tratado d'este assumpto por mais de uma vez, e constantemente hei clamado para que estivessemos álerta. Tramava-se em segredo então; hoje a conspiração é patente; largou o segredo, deixou o incognito, entrou no campo livre para tratar dos seus interesses.

Hoje não é sómente necessario o estar álerta, é necessario trabalhar muito para combater a obra dos traidores, estou certo que todos correremos ao campo da lide, pois que ainda quando a palavra patriotismo se riscasse de todos os diccionarios politicos do mundo, estou persuadido que ella mesmo então ficaria para sempre gravada no coração dos verdadeiros portuguezes.

Sr. presidente, disse o sr. Casal Ribeiro que esta questão da iberia é uma questão velha; mas apesar de o ser é má. Não ha nada novo debaixo do sol - a virtude e o crime são antigos. Por consequencia um precedente nunca póde justificar um facto posterior. Estas conspirações datam de muitos annos.

Seja me licito fazer uma observação, que me parece opportuna, antes de levar mais avante o fio do meu discurso. Ha uma cousa que me causa admiração, e muita admiração.

Sr. presidente, depois das gloriosas conquistas liberaes das epochas modernas; depois que o regimen do privilegio morreu para nunca mais resuscitar; depois que vemos realisar as prophecias de Toqueville na parte em que diziam que a democracia invadiria tudo; e note-se que as aspirações, os instinctos, e as tendencias da democracia são as seguintes: fazer triumphar, em primeiro logar, o direito de cada um aspirar a tudo, subindo pela escada unica do merecimento; a extinccão de todo o privilegio; e n'isto consiste a igualdade politica; o direito da cornmunidade a exigir dos governos rigorosos contas da sua gerencia; o direito que reside na sociedade de eleger quem a governe; o que quer dizer a supremacia da nação, ou o que é o mesmo, a soberania nacional. Eis aqui os principios da democracia moderna.

Ora, sr. presidente, sendo estes os principies adoptados e proclamados pelos liberaes, permitta-me v. exa. que eu manifeste a minha surpreza quando contemplo os sectarios das idéas liberaes convertidos em apostolos do antigo direito divino dos réis proclamarem as doutrinas avessas á liberdade, e mais contrarias aos principios da democracia moderna.

Direi mesmo que os democratas modernos são mais reaccionarios que os escriptores da idade media, ou por outra, que os escriptores da idade media são mais liberaes do que os liberaes do seculo XIX. Se folheio a historia dos seculos vejo no seculo XVII o celebre doutor angelico, ou doutor universal no seculo XVII o celebre Soares, e nos nossos tempos o cardeal Gerdil; todos bem orthodoxos sustentaram as doutrinas mais liberaes, e ao mesmo tempo mais sensatas e mais conformes com os principios de justiça relativamente á auctoridade dos principes, á eleição dos monarchas, e ás relações dos subditos para com o monarcha, e do monarcha para com os subditos. Para não citar outros, encontro nas obras monumentaes d'estes, assentado, definido e triumphantemente demonstrado o principio liberal da soberania nacional, e refutado o principio de que os réis recebem o poder immediatamente de Deus, mas sim mediatamente por meio ou por intermedio da nação que constitue os principes, que estabelece com elles o tratado de bem os governar, respeitando as leis da justiça, pois que não é dado, nem a povos, nem a réis, menospresar estas leis da eterna sabedoria, fóra das quaes não ha senão ou despotismo dos réis, ou despotismo dos povos, e como resultado a injustiça na sociedade, a confusão nos espiritos, e a anarchia nos estados.

É pois evidente que, segundo auctores bem orthodoxos de eras remotas, foi estabelecido e defendido o principio da soberania nacional. É tambem evidente que, pelo direito novo, o credo liberal consagra em um dos principaes artigos, como dogma da escola moderna, que são os povos que fazem os réis; e que, por essa rasão, a soberania nacional é a primeira das soberanias sobre a terra. Isto não é politica nova sómente, é politica velha; é politica boa; é politica ordeira. Pois, sr. presidente, os liberaes modernos quando tratam de unir Portugal á Hespanha, confeccionam um novo acto addicional ao credo liberal das nações. Restabelecem a antiga fórma de successão dos extinctos morgados, e fazem applicação d'ella á pessoa de El-Rei o Senhor D. Fernando, quando apontam a Sua Magestade como candidato a corôa de Hespanha, reconhecendo, como consequencia necessaria da sua aceitação, a transmissão d'essa corôa a seu filho o Rei de Portugal, unindo-se as duas corôas como outrora se uniam dois morgados pejo casamento de um senhor de casa vinculada, com uma herdeira de outra casa igualmente vinculada, ou pela herança de um ascendente qualquer, seguidas e respeitadas as leis que regiam os antigos morgados. E não reparam estes doutores da nova escola que os vinculos se regiam pela lei civil, e que as leis que regulam as successões dos principes ás corôas dos estados, são leis politicas!!! Este paiz, Portugal, não é morgado de quem quer que seja. Ninguem póde impedir um monarcha portuguez de aceitar uma corôa estranha. Um monarcha portuguez que aceitasse porem outra corôa, por esse facto, perdia o direito de reger esta nação. A corôa seria declarada vaga, e o povo, chamado pelo direito velho e pelo direito novo, se congregaria para eleger um novo rei.

Antigamente davam-se reinos em dotes; e em Portugal deu-se uma porção de territorio em dote a uma princeza; mas hoje, depois das leis sagadas do progresso, depois das conquistas da democracia moderna, depois de 1789, vem os liberaes eximios invocar do tumulo, e da poeira onde jazem, do esquecimento onde estavam, essas antigas leis!? E é depois de se ter feito uma reforma, como nós aqui fizemos, aos morgados, que se quer adoptar outra vez a lei antiga, fazendo applicação á successão da corôa e á união iberica?!

Diz-se: "O Senhor D. Fernando, pae do monarcha portuguez, ha de ser rei de Hespanha, porque assim se prepara o throno da iberia". Mas por que direito? Pois um rei que se declara estrangeiro póde continuar a ser rei n'este paiz? Pois esquecem-se as nossas leis antigas, as côrtes de Coimbra, os santos principios proclamados pelo sabio João das Regras? Esqueceu-se tudo, porque assim convinha. E