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34 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

até vi em um livro, que tenho n'esta carteira, que diz que a espada do condestavel já não fazia peso na balança politica da actualidade.

Pois, sr. presidente, a espada do condestavel não é inferior á penna d'este escriptor? E se a espada jaz em descanso, se os ossos d'aquelle heroe jazem em S. Vicente, a sua memoria vive não só nos corações dos que descendem d'elle, mas no de todos os verdadeiros patriotas.

Ora, sr. presidente, parece incrivel. Pois esqueceu se já que no momento em que a corôa se achasse vaga, era o povo quem devia decidir a quem ella pertenceria, como disse João das Regras nas côrtes de Coimbra, e como muito posteriormente o escreveu Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato, primeiro ministro do reino na epocha constitucional da carta em 1826 (homem que pouco conheci, e que não pude apreciar emquanto elle vivo, mas que aprecio agora pelos seus escriptos), e especialmente o chamo agora, á auctoria, em consequencia de uma obra sobre as leis de successão, em que elle sustenta os bons principios. O que diria hoje esse homem liberal, que tambem provou que conhecia os nossos fóros e privilegios, se visse agora confundido e baralhado o direito antigo e moderno por os chamados liberaes da nova era.

Nós não podemos embaraçar qualquer monarcha de aceitar qualquer corôa que lhe offereçam; mas o que podemos é, logo que um monarcha portuguez que aceitasse, ou fosse forçado a aceitar qualquer corôa, e saisse de Portugal, eleger outro. E era o que fariam os portugueses antigos. Mas sujeitarmo-nos a um monarcha, embora portugues, reinando em para estranho, pelo amor de Deus!... Isso nunca!

Agora vem a proposito o tratar das vantagens que os ibericos nos promettem. Essas vantagens, contidas nessas promessas, não são mais nem menos das que nos prometteu Filippe II, quando em 1581 convocou côrtes em Thomar, nas quaes, segundo diz um escriptor moderno, prometteu montes de oiro aos portuguezes, e depois nem do cobre lhos deu. Para mostrar pois que o systema hoje adoptado é igual e similhante ao systema de então, passo a ler os artigos que Filippe II jurou manter nas côrtes de Thomar. São os seguintes:

"1.° Guardar-se-hão todos os fóros, costumes, privilegios e isenções dos reinos de Portugal e Algarves.

"2.° Os estados d'estes reinos nunca se juntarão senão dentro dos mesmos, nem os negocios publicos de Portugal se poderão tratar senão dentro do mesmo reino.

"3.° O vice-rei e cargos pertencentes ao governo politico não poderão ser dados senão a portuguezes, excepto - que poderá ser vice-rei um principe de sangue real hespanhol.

"4.° Todos os empregos serão occupados por portuguezes.

"5.° Todos os cargos antigos da casa real e do reino serão conservados em portuguezes com todos os seus privilegios e regalias.

"6.º- Todos os outros cargos de terra e mar serão occupados por portuguezes.

"7.° Todos os governadores das praças, seus officiaes, bem como os officiaes das tropas pagas, serão portuguezes.

"8.° Não se metterao nos paizes conquistados pelos portuguezes officiaes que não sejam do mesma nação.

"9.° A moeda será cunhada com as armas d'este reino.

"10.° Os arcebispados e mais dignidades ecclesiasiicas serão dados só a portuguezes.

"11.° Não se poderão tirar terças, subsidios ou cruzadas dos bens ecclesiasticos.

"12.° As cidades, senhorios ou qualquer parte do patrimonio real não poderá ser dado senão a portuguezes.

"13.° Não se fará mudança alguma nas ordens militares.

14.° Os filhos dos fidalgos portuguezes, em chegando a doze annos de idade, entrarão a receber a sua tença conforme o costume do reino.

"15.° Quando os réis catholicos vierem a Portugal não terão alojamento senão como o tinham os réis d'esta nação.

"16.° Suas magestades catholicas trarão por toda a parte um conselho composto de dez portuguezes para tratar n'elle todos os negocios concernentes ao mesmo reino.

"17.° Não haverá mudança nos logares da judicatura. "18.° Todos os processos serão julgados n'este reino.
"19.° Conservar-se-ha a capella-real de Lisboa. "20.° Sua magestade catholica admmittirá aos cargos de suas casas tantos portuguezes como hespanhoes.
"21.° A minha servir-se-ha ordinariamente com damas portuguezas.
"22.° Serão francos todos os portos, tanto a portuguezes como a hespanhoes.
"23.° Transportar-se-hão trigos de Castella para Portugal.
"24.° Sua magestade cederá presentemente 300:000 ducados para resgate de captivos e para outras necessidades.
"25.° Poderá pôr a Portugal tributos moderados para manutenção das frotas das indias e dos guardas das costas contra os corsarios.
"26.° Sua magestade ou seu filho herdeiro residirá em Portugal o tempo possivel."

Todos nós vimos a galhardia com que o governo de Filippe II entrou em Portugal, e todos nós conhecemos o duro jugo que pesou sobre este paiz, e o que osportuguezes tiveram de soffrer. Por consequencia todas essas promessas são promessas que secostumam fazer em todas as occasiões para illudir os incautos e nunca para satisfazer os bem avisados, e, sr. presidente, como os incautos são muitos é preciso que se falle claro, que se recorra á historia patria, e que se diga estes factos passaram-se assim. Esta é a verdade. Nas lições do passado devemos aprender a preparar o futuro, e não deixar que os outros preparem um futuro funesto para nós, para os nossos filhos e para esta terra. Nos tempos antigos os manejos foram iguaes aos de hoje. Trataremos de desmanchar os planos da perfidia.

Sr. presidente, não tenho a julgar dos acontecimentos de Hespanha se não muito rapidamente. Disse o digno par, o sr.º Casal Ribeiro, que o grito da revolução hespanhola, que foi adoptadogeralmente, era o seguinte: abaixo os Bourbons. Não trato de julgar este clamor; e se n'esta parte todos andaram de cornmum accordo, noutros pontos as opiniães foram diversas. Tambem houve outro clamor no qual todos se uniram, não digo se foi ou não com rasão. Esse clamor foi: abaixo a camarilha. Foi um clamor geral.

Em diversas epochas da historia não só da nossa como de outros paizes têem sido constantemente as camarilhas quem ha promovido a queda dos thronos, mirando sempre ao seu interesse, e illudindo completamente os reis! Que vemos nós em Portugal na larga historia das camarilhas? Vemos muita cousa.

As camariihas eram compradas com oiro. Em gerai ellas são pobres e tratam de se enriquecer quer seja com oiro nacional, quer seja com oiro estrangeiro; pouco lhes importa a proveniencia d'elle.

Nós vemos o que aconteceu no reinado do Senhor D. Fernando I em que constantemente os castelhanos se envolviam ás escondidas em todos os tramas contra a nossa independencia, mas vimos tambem o sentimento popular despertar-se, e os homens do povo, esses é que não são ibericos, e nunca o foram, dirigirem-se ao palacio dos nossos réis e dizer-lhes: alerta. Um escriptor notavel que todos nós respeitamos pelo seu talento, o sr. Alexandre Herculano, escreveu uma obra intitulada Arras por fóro de Hespanha. Esse romance historico é extrahido de alguns factos narrados pelo nosso chronista Fernão Lopes. Ahi patenteia o illustre escriptor todo o seu patriotismo e os largos conhecimentos que tem da historia patria, quando se occupa do facto do casamento d'aquelle monarcha com D. Leonor Telles de Menezes, casamento que por ser, como é sabido, com mulher casada e roubada ao legitimo marido,