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36 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

dos castelhanos, porquanto a guerra apparecia em campo aberto a par que a conspiração se tramava nas trevas. O arcebispo D. Sebastião de Matos e Noronha colloca-se á frente de uma conspiração a favor de Castella; arrasta comsigo seu sobrinho o conde de Armamar, o duque de Caminha, o marquez de Villa Real, o inquisidor geral e D. Agostinho Manuel de Vasconcellos. São mal succedidos os conspiradores, e o monarcha feliz prosegue no seu reinado, até que a morte o arrebata aos portuguezes que o haviam collocado no throno, e succede-lhe seu filho D. Affonso VI. Tristissima epocha da nossa historia foi aquella em que reinou El-Rei D. Affonso VI! Rodeado da mais ignobil camarilha, composta de homens, os quaes não se contentando com o logar de ajudantes das ordens dos deboches de seu real amo, de tal modo se envolviam na intriga, que tornavam impossivel toda a idéa de governo. Os dois irmãos Conti eram os mais notaveis entre os validos da camarilha, e era tal a intriga e taes os enredos que circumdavam o monarcha, que, apesar de ter por ministro um dos homens mais notaveis na nossa historia politica, o conde de Castello Melhor, habil estadista e consummado politico, e homem de tão elevados brios, não póde conservar na cabeça a corôa, nem ao ministro foi possivel o sustentar-lha, o que não admira, porque o conde de Castello Melhor não era um valido nem um camarilheiro, e os esforços dos homens de bem são sempre frustrados pela malvadez das camarilhas, que, em geral, costumam rodear os réis fracos, de quem disse um notavel escriptor que:

«Fazem fraca a forte gente.»

Foi pois necessario que o povo e o paiz pozessem cobro a tantas vergonhas, e effectivamente o povo correu ao largo do paço, e a tropa secundou-o no seu esforço, e uma grande parte dos fidalgos tomaram igualmente parte no empenho patriotico, encarregando-se o duque de Cadaval e o marquez de Cascaes de representarem ao Rei o estado do paiz, e de lhe intimarem em nome do povo e da tropa a necessidade da sua abdicação; e effectivamente o fraco Rei desceu do throno. circumdado das maldições populares, e subiu a elle o Senhor D. Pedro II, com o titulo de Principe Regente, homem de elevado merito e de espirito sisudo, que pôde, rodeado dos homens de bem, melhorar o estado do paiz, mudando completamente o systema de governo adoptado por seu infeliz irmão, victima dos validos e das camarilhas.

Foi-me necessario recorrer á historia antiga para provar que os planos ibericos datam já de antigas eras.

Mas, sr. presidente, se os planos não só existiram então mas existem hoje, se a questão iberica é, como todos não devem deixar de reconhecer, uma questão momentosa e uma questão da maior importancia para a nossa patria, porque rasão a abandonou o governo deixando-a correr assim? Eu quereria que o governo não se tivesse demorado em fazer uma declaração solemne de que os principes portuguezes não aceitavam por fórma alguma qualquer candidatura, porque eram primeiro que tudo portuguezes. O governo não deve nem póde forrar-se ás responsabilidades que necessariamente lhe cabem; o officio de governar é assas espinhoso, mas desde que se aceita é necessario soffrer-lhe os precalsos. A situação dos que governam não é seguramente uma situação de delicias, mas de dedicação e soffrimento, pois que a propria abnegação e a dedicação pela sociedade é a primeira das qualidades para os que a dirigem e governam. Comparo a vida dos monarchas ou dos homens de governo á vela que arde e allumia, e, que á medida que dá luz aos outros se consome e desfaz. E para os outros sua chamma resplendor que esclarece; é para si fogo que abrasa e destroe. Ajustado symbolo dos réis e dos governos!...

Disse Platão: Rex eligitur, non ut sui ipsius acram habeat et se molliter curet, sed ut per ipsum oui elegerunt iene, leatéque vivant. Isto é: que os réis (e eu direi tambem os governos) não vivem para si, senão para seus subditos; e quis attentas as conveniencias da republica hão de perder as proprias. Disse tambem o grande Seueca: Et syderum modo quce irrequietce super cursus suos explicant nunquam illi licet nec quidquam suum facere. E Seneca dizia bem que os réis á similhança dos astros nunca deviam parar em seu movimento dirigindo a sua derrota, não em proveito proprio, mas sim em proveito do povo ou, o que é o mesmo, da sociedade. Não se esquive pois o governo ás responsabilidades que lhe cabem e trate devidamente, como lhe aconselhou o digno par o sr. Casal Ribeiro, da defeza d’esta terra portugueza, não só na parte material mas tambem na parte moral.

Por esta occasião lembrarei ao sr. marquez de Sá o que se passou em uma discussão n’esta camara, em que s. exa. e eu tomámos parte.

Todos se lembram ainda do ardor verdadeiramente patriotico de que s. exa. estava possuido quando pediu ao sr. Fontes Pereira de Mello, então ministro da guerra, que proseguisse nos trabalhos das fortificações, trabalhos que s. exa. reputava indispensaveis, tanto que não disperdiçava uma unica occasião de pedir, quer como maioria, quer como opposição, que se continuassem os trabalhos. E para que era isto? Era de certo para perseverar o paiz contra as invasões estrangeiras, e sobretudo de qualquer tentativa que podesse haver por parte do paiz vizinho; e, sr. presidente, todos esperavam, logo que s. exa. chegou ao poder novamente, que se não demoraria em apresentar com os outros projectos que existem nos bofetes dos srs. ministros, algumas medidas relativas a este objecto, e não só sobre as fortificações, mas sobre todas na diversas especialidades que se ligam com o assumpto, porque é necessario mais alguma cousa; por exemplo, é necessario instruir o povo no manejo das armas, estabelecendo as escolas do tiro; é necessario crear uma segunda linha, quer se lhe chame guarda nacional, quer se lhe de outra qualquer denominação; porque, assim como o povo se não recusa a pagar os impostos como se recusam os influentes em eleições, os que querem estradas ao pé da porta e as economias longe d’ella, os que finalmente querem um empregado de fazenda para lançar no livro das matrizes o que lhes convem, o povo, repito, não se recusará tambem a fazer o sacrificio de se exercitar no manejo das armas; o operario laborioso de certo largará por algum tempo, de bom grado, o instrumento honrado do seu trabalho para aprender o manejo das armas, que lhe podem servir para defeza da sua patria; portanto, pergunto eu ao nobre presidente do conselho, porque rasão não trata s. exa. de organisar devidamente o exercito. Sabe v. exa. o que disse um escriptor notavel o conde de Balbo, que um paiz que não cuida do seu exercito tem em si o germen da distruição.

O exercito portuguez que conta muitos officiaes benemeritos, o exercito portuguez que tem sido sempre o primeiro a mostrar o seu valor em frente do inimigo, o soldado portuguez que fez sempre a gloria da nossa terra, o exercito portuguez em fim que é louvado em toda a parte pela valentia com que corre á brecha, pela firmeza com que se sustenta no baluarte, pela presença do espirito com que sabe morrer no seu posto de honra com admiração de nacionaes e estranhos, deve ser engrandecido por uma organisação conveniente, e não deve ser victima desses utopistas que dizem com o pretexto de destruir as sinecuras que devemos acabar com o exercito. É necessario fazer reformas; mas dar o pão a todos que servem a patria, principalmente aos que a servem debaixo das leis mais severas da obediencia. Não posso ver estas distincções entre soldado e povo. O soldado é filho do povo, hoje é povo ámanhã é soldado. Portanto sr. presidente, procuremos satisfazer as necessidades do paiz e não levantemos guerras entre classes, porque não ha nada peior. O sol nasceu para allumiar a todos, e portanto é necessario que todas as classes influam para o bom caminhar da administração do paiz. Nem o operario póde passar sem o commerciante, nem o commerciante sem o operario. O maior erro é pensar em insurgir as clas-