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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 37

ses umas contra outras, porque da harmonia entre ellas é que resulta a felicidade publica.

Sr. presidente, peço licença para discordar... O sr. ministro da marinha julgou que eu me ia dirigir a s. exa....

O sr. Ministro da Marinha: — Era para prestar toda a attenção.

O Orador: — Parece-me que s. exa. está ancioso que eu lhe dirija algumas palavras.

O sr. Ministro da Marinha: — Ancioso não.

O Orador: — Direi, pois, sr. presidente, e insistirei em que é necessaria a defeza material do paiz, e não insistirei menos em que é necessaria a defeza moral do paiz, e essa seguramente consiste, ou para melhor dizer, se traduz em uma vasta reforma, elaborada com circumspecção e sisudez em todos os ramos da publica administração. A par da reforma do nosso systema financeiro, a par dos trabalhos para a confecção de um cadastro da propriedade, de maneira tal que desappareçam essas grandes desigualdades entre os contribuintes divididos em duas grandes classes de protegidos e desprotegidos, restabelecendo-se o grande e salutar principio da igualdade perante a lei, pagando cada um o que deve em rasão dos seus haveres, a par d’essas reformas deverá caminhar o governo na iniciação de outras grandes medidas, taes como uma grande reforma em o nosso systema de instrucção publica, e muito especialmente na instrucção primaria, de maneira tal que um verdadeiro systema de educação nacional possa ser inaugurado entre nós, systema fundado nos principios da moral e do amor da patria, e nunca reformas como essa chamada reforma da instrucção publica que este governo apresentou, e a que dão o nome, por escarneo, de reforma minerval, reforma tão ridicula que escapa á analyse e á critica, e cáe por terra diante do bom senso. Na defeza moral do paiz comprehendo eu tambem a realisação dos grandes principios liberaes, taes como a liberdade de ensino, a liberdade de associação, mais necessaria hoje do que nunca, bem como a liberdade de reunião, de maneira tal que os povos possam congregar-se, e permunir-se contra os ataques á independencia nacional, e tratar, com moderação e conveniencia, de outros assumptos que têem relação com os interesses nacionaes. Eis aqui a defeza moral a par da defeza material do paiz.

Não prolongaria muito o meu discurso com mais largas considerações sobre o assumpto se não visse presente o sr. ministro da marinha, ao qual terei de dirigir-me.

Todos sabem que o sr. ministro da marinha, valente escriptor, homem de letras do nosso paiz, cuja illustração reconhecemos e admiramos, escreveu um prologo ao livro intitulado a Iberia, cujo autor é D. Sinibaldo de Mas, e nesse prólogo diz o nobre ministro o seguinte:

«A peninsula iberica, que já formou uma só nação pela conquista, poderá, deverá ser um só paiz pela fusão espontanea. O que os reis visigodos não poderam fadar que vivesse até hoje, o que a espada victoriosa do duque de Alva, e do marquez de Santa Cruz, só poude fundar por sessenta annos, a politica pede que o fundemos para sempre. Quem sabe se aquellas tentativas seriam exemplos imperfeitos? Quem sabe se a tyrannia dos Filippes occulta como um véu uma grande profecia para o nosso tempo? Quem sabe se o quinto imperio, fabulado pelos fanaticos de outras eras, promettido a Portugal pelos audaciosos commentadores de prophecias, reduzindo a uma crença popular pelo nosso engenhoso e erudito padre Vieira, encerra numa imagem mystica a promessa de um poder robusto, de um territorio immenso a esta pequena terra de Portugal, escondida cá no ultimo occidente como um manancial de civilisação?»

N’outra parte diz s. exa., no mesma prólogo que Portugal precisa lhe injectem sangue novo, e diz tambem o seguinte: «Aljubarrota e Monte Claros estão bem nas historias, não as evoquemos para os conselhos do governo», e conclue s. exa. este prólogo com as palavras seguintes:

«Convencidos da necessidade de diffundir entre nós as idéas da fusão pelo menos de alliança iberica, com summo prazer fizemos traduzir a Iberia, memoria cujas doutrinas nos parecem mui sensatas, e cujo pensamento encerra, no nosso entender, o unico porvir feliz que resta aos habitantes de Portugal.»

Sabe v. exa. e sabe a camara, qual era este provir a que o sr. ministro chama feliz? Era a união iberica!... Deus nos livre d’ella, e a afaste para longe de nós.

O sr. ministro podia ter escripto isto em resultado de idéas que adoptou, mas que hoje já não adopta, e ás quaes renunciou completamente desde que subiu aos conselhos da corôa, porque se pensasse ainda do mesmo modo não se acharia de certo n’aquellas cadeiras. (O sr. Ministro da Marinha: — Peço a palavra.)

Eu sei perfeitamente que s. exa. ha de fazer esta declaração. Eu não tencionava dizer cousa alguma a este respeito, se o nobre ministro não apparecesse, mas como s. exa. se apresentou e eu tinha na sua ausencia tocado, posto que levemente n’este assumpto, julguei de meu dever traze-lo novamente para aqui, e com isto creio ter dado uma prova de deferencia para com o sr. ministro, convidando-o (e este é o termo mais polido) para declarar terminantemente que por modo nenhum sustenta as idéas que sustentou noutro tempo n’este prologo a que me refiro; porque s. exa. podia então, como philosopho e homem distincto nas letras, ter adoptado uma doutrina que actualmente rejeita, por conhecer melhor o estado das cousas. Eu sei de homens que noutro tempo defenderam em certas associações o principio republicano e que se teem arrependido. N’este caso pois está o sr. ministro; s. exa. escreveu este prólogo e tomou a sua responsabilidade, mas já não possue as idéas que vejo n’elle exaradas, nem podia deixar de ser assim, e Deus me livre que o nobre ministro queira levar a cabo os planos que indica, pois s. exa. diz numa passagem da sua obra que é preciso inspirar a litteratura d’estas idéas, que é preciso preparar o paiz para este enlace, e que embora se lembre com enthusiasmo dos feitos da nossa historia, a espada do condestavel dorme com o cadaver do heroe no seu sepulchro, e as recordações de passadas glorias não devem ser invocadas nos conselhos do governo.

Parece-me pois que fiz um bom serviço ao meu paiz em convidar o sr. ministro da marinha a fazer esta declaração. O homem que adoptou certa ordem de idéas, é depois deixou de as adoptar, não póde ficar silencioso, porque o ministro que persistisse em querer preparar a união iberica, não podia continuar a estar n’aquellas cadeiras, sobretudo sendo um homem liberal, que deve conhecer que o paiz em todas as suas manifestações mostra que não quer ser estrangeiro, e que não quer mesmo ser governado por nenhum rei portuguez que se torne rei de uma nação estrangeira. Estas são as minhas idéas, este é o programma do paiz.

Eu não tenho procuração do sr. ministro da marinha para responder em seu logar, mas estou certo de que s. exa. responderá que já não abraça as mesmas idéas que tinha quando escreveu o prologo da Iberia.

Continuarei pois seguindo o fio das minhas idéas sobre o ponto principal da candidatura do Senhor D. Fernando.

Sr. presidente, eu não posso insistir em pedir ao sr. marquez de Sá que me mostre os documentos que ha sobre a recusa de Sua Magestade o Senhor D. Fernando, mesmo porque s. exa. provavelmente não m’os mostrava.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Não mostro.

O Orador: — Ora d’esta franqueza é que eu gosto; gosto muito da franqueza do sr. marquez de Sá, porque s. exa. segue na pratica o que uma vez disse o sr. Mendes Leal, fallando em publico: «Eu faço o que digo, e digo o que faço»; mas eu o que sinto é que o nobre ministro quizesse tomar sobre si toda a responsabilidade d’este acto, e que os seus collegas a não quizessem tomar tambem.

O sr. Presidente: — Aproveito esta occasião para observar ao digno par, e talvez devesse ter advertido mais cedo