DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 39
cipio de que se inspiraram homens eminentes, como Manuel Kant, João Jacques Rousseau, o abbade de Saint Pierre, e todos aquelles que no recesso do seu gabinete, sem responsabilidade politica, sem serem obrigados a contrariar o seu pensamento pelas necessidades da vida pratica, têem sonhado a união de todos os povos, pelo menos das nações christas, no mesmo gremio, sob a mesma legislação politica, constituindo uma unica familia, destruindo todas as animadversões hereditarias, todos os conflictos ambiciosos, todas as contrariedades internacionaes que a historia tem registado e robustecido, e que devemos esperar que a civilisação ha de tender a destruir cada vez mais sem contudo chegar nunca a annullar completamente esta divisão natural da humanidade em differentes familias nacionaes que têem todas uma rasão moral e historica de ser, e mais do que nenhuma aquella a que debaixo do nome de nação portuguesa temos a honra e a gloria de pertencer.
Sr. presidente, eu devo dizer, antes de ir mais longo, que esta introducção foi escripta parece-me que no anno de 1852. (O sr. Marques de Vallada: - É verdade.)
Ora, desde o anno de 1852 até hoje têem decorrido, se não me engano, dezesete annos. Eu não sou dos mais proveetos, e fazendo um calculo muito facil não seria difficil concluir comparando as datas, que quando escrevi era mancebo de poucos annos, ainda numa idade florente e juvenil. Tinha então todas as idéas que os homens professam quasi sempre no verdor da juventude.
Tinha então todas as idéas que teem os homens novos quando começam a escrever, e havia muito pouco tempo que escrevia para a imprensa.
Devo dar esta explicação, a fim de que s. exa. não imagine que no decurso de dezesete annos não se possam ter operado no meu modo de ver theorico todas as modificações que tornassem compativeis as minhas idéas de então com o logar que estou occupando, sem comprometimento para a dignidade e independencia do paiz.
Examinando o prologo veria o digno par, se quizesse le-lo com mais alguma attenção, e sem escrupulo decidido pela minha reputação de ministro e de escriptor, que a tendencia d'este escripto é toda philosophica.
Começa elle dizendo o seguinte (leu).
Começa o escripto anathematisando por uma proposição tão incontroversa, qual é aquella que acabei de ler.
Não se póde negar que a civilisação tende a reduzir o numero destas aggressões, que dividiram e retalharam a humanidade em tempos mais afastados.
S. exa., que tem cultivado com tanto fructo a philosophia da historia, ou pelo menos a historia da philosophia, sabe que a tendencia manifesta da humanidade foi sempre o agrupamento dos povos mais ou menos separados entre si, em uma familia commum. Foi este o sonho dos imperadores romanos, foi este o principio que presidiu a todos os esforços tentados na idade media para reconstruir o imperio do occidente, foi o sonho de Carlos V, emfim foi a idéa dos povos e dos conquistadores, a idéa da guerra e a da paz, a idéa da ambição guerreira e a da civilisação pacifica. Se attentarmos bem no numero de povos independentes que dividiam entre si o territorio da Europa em epochas não mui remotas, por exemplo, antes da paz de Westphalia, já depois das multiplicadas annexações effectuadas durante a idade media que deram os ultimos golpes no regimen feudal e consolidaram as modernas monarchias européas, havemos de concluir que o numero de povos mais ou menos independentes, mais ou menos distanciados por antipathias tradicionaes, foi diminuindo successivamente até á idade actual.
Isto porém não quer dizer que a nacionalidade dos povos não seja respeitavel e veneranda, principalmente quando se estriba em tão solidos e inquebrantaveis fundamentos, que oppor-se a ella seria contradizer não sómente a historia, mas violentar a indole propria, a physiologia moral do povo, a quem se applicasse pela fortuna das armas
ou pelo capricho da diplomacia uma annexação contra natural, que não produziria no futuro senão a guerra civil entre os elementos mal agrupados de uma grande nacionalidade ficticia e apparente.
Participando do principio das grandes nacionalidades, que é inquestionavelmente uma lei historica, lei que vemos hoje realisada na Italia unificada, lei que vemos verificada na confederação germanica do norte, lei que vemos demonstrada em muitas grandes nações de hoje, que são aggregações de povos ou pequenas nações que eram em outro tempo independentes, e que tinham o seu logar no systema europeu, não admira, digo, que partindo d'estes principios, e inspirado por idéas que tinham seduzido os espiritos mais eminentes, eu escrevesse o prologo a que se referiu o digno par.
É n'este crime, devo dizer, tive por complices alguns homens notaveis d'este paiz. Um d'elles é hoje ornamento d'esta casa, homem, eminente pelo seu talento brilhantissimo, A esse cavalheiro têem sido feitas accusações similhantes áquellas com que se tem procurado deslustrar o meu patriotismo, e estabelecer entre mim é a opinião publica, uma suspeição malevolente, uma malquerença calculada que importaria certamente uma grave responsabilidade para quem levanta inpensadamente accusações similhantes, se quem as forja e as propaga tivesse alguma vez professado sinceramente a religião da consciencia. O cavalheiro a quem me refiro é o digno par o sr. Casal Ribeiro. (O sr. Casal Ribeiro: - Peço a palavra.)
O sr. Casal Ribeiro tambem foi réu d'este mesmo enthusiasmo juvenil, e não ha ainda muitos annos, quando esteve no poder a ultima vez, era tambem costume de certas pennas, que costumam inspirar-se na malevolencia, accusar o digno par, que então assistia aos conselhos da corôa, de querer vender o sou paiz á Hespanha.
Esta arma nas mãos das opposições malevolas é já tão antiga e tão desautorada que quasi não valia a pena oppor-lhe armas cortezes e leaes, porque já está demonstrado que todas as vezes que um homem publico, fóra de todas as responsabilidades do poder tiver dito que num futuro, embora remotissimo, a peninsula, que já constituiu uma grande monarchia visigoda, póde ainda no volver dos tempos, e segundo evoluções historicas, que não é dado calcular, constituir uma grande nação, o que uma vez avançar este teorema ou manifestar philosophicamente este voto de espontanea inspiração, é logo declarado traidor á patria, embora nos proprios escriptos em que haja manifestado esta doutrina se encontre em energicos protestos e em gloriosas recordações de heroicos feitos nacionaes, a prova incontestavel de que se o philosopho entrevê entre as nevoas do futuro a ridente perspectiva de um novo e fluente estado social, o cidadão de hoje prefere morrer pertencendo a uma nação pequena e pobre, mas livre, independente, altiva, mas cheia de dignidade, de brios e de magestade nacional, a curvara cerviz ao jugo estrangeiro, ainda quando fosse promettedor de futuras prosperidades e grandezas. Que não póde haver bem que se compare á liberdade de uma nação, nem fortuna maior do que a pobreza doirada pelo orgulho nobilissimo da independencia nacional.
Responderei agora ás perguntas ou interpellações que me dirigiu o digno par.
S. exa. perguntou-me, em primeiro logar, se eu aceitava a responsabilidade do escripto que esteve commentando, e eu digo que aceito a responsabilidade politica e a responsabilidade litteraria de um escripto que, posto que anonymo, tenho a lealdade e franqueza de perfilhar, porque todas as vezes que tenho escripto, ainda que não assignasse o meu nome, tornei-me responsavel pelas minhas opiniões, procurando sempre escrever de modo que não podesse nunca a vehemencia rebaixar-se até á calumnia, nem o uso da imprensa como arma de opposição, me podesse comprometter em epochas futuras.
Direi, pois, ao digno par que tomo a responsabilidade