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SESSÃO DE 21 DE MAIO DE 1869
Presidencia do exmo. sr. Conde de lavradio
Secretarios - os dignos pares
Visconde de Soares Franco.
Conde de Fonte Nova.
(Estavam presentes os srs. ministros do reino e fazenda.)
Ás duas horas e vinte minutos da tarde, sendo presentes 24 dignos pares, foi declarada aberta, a sessão.
Lida a acta da precedente julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver observação em contrario.
Deu-se á correspondencia o devido destino.
O sr. Presidente: - Como não ha ninguem que peça a palavra, vamos entrar na ordem do dia.
ORDEM DO DIA
Continuação da interpellaçao do digno par o sr. Casal Ribeiro ao sr. ministro dos negocios estrangeiros
O sr. Presidente: - Seguindo a ordem da inscripção, tem a palavra o sr. marquez de Vallada.
O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, antes de começar a usar da palavra desejo dirigir uma pergunta aos srs. ministros que vejo presentes. Como n'esta casa não vejo o iilustre ministro dos negocios estrangeiros, desejo que os seus collegas, que presentes estão, me digam se porventura, na ausencia de s. exa., podem responder ás perguntas que tenho do dirigir ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, relativamente á interpelação do sr. Casal Ribeiro?
O sr. Ministro do Reino (Bispo de Vizeu):- Os ministros presentes tomam todos a responsabilidade dos seus actos e são solidarios nos actos propriamente do governo, e por isso podemos responder pelos nossos collegas. Só contudo o sr. Marquez de Vallada se refere especialmente a assumpto que diz respeito sómente ao sr. presidente do conselho, ha de concordar que nós não nos podemos julgar habilitados a responder ás interpeliacões especiaes que o digno par quizer fazer; mas como s, exa. se refere unicamente ao sr. marquez de Sá, elle acha-se na outra camara, foi apresentar uns projectos, e logo que os apresente dirigir-se-ha para aqui. A demora deve ser muito pequena.
O sr. Marquez de Vallada: - Não lembro alvitre algum ao goyerno, porque a opposição não lhe lembra alvitres; mas lembraria a v. exa., sr. presidente, que, como o sr. marquez de Sá está na outra camara para apresentar alguns projectos, que v. exa. tivesse a bondade de começar a ordem do dia pela discussão do parecer n.° 2, que é urgente, e estando presente o sr. ministro da fazenda, e esta questão é da sua repartição, mais conveniente me pareço tratarmos, d'ella. A opposição, por generosidade ou conveniencia politica, ou por tudo junto, não deseja embaraçar o governo nestas questões. Resolveu espera-lo nas questões de fazenda,... importantes!
Não quero eu pois embaraça-lo na sua marcha, e por isso pediria a v. exa. d'esse para ordem do dia o referido projecto, e a interpellaçao para a segunda parte, no que de certo a pamara conviria, visto mesmo a declaração do sr. ministro do reino, de que o sr. marquez de Sá não se poderá demorar.
O sr. Rebello da Silva: - Pedi a palavra para requerer a v. exa. tivesse a bondade qe consultar a camara, para se dispensar o regimento na parte a que v. exa. se referiu, por quanto o projecto de que se traia é urgente, e se a camara assim o entender poderá entrar já em discussão (apoiados).
O sr. presidente propoz o parecer e respectivo projecto á discussão, e não havendo quem pedisse a palavra propô-lo igualmente á votação, e foi approvado.
O parecer e projecto é do teor seguinte:
Parecer n.° 2
Senhores - A commissão de fazenda examinou com as devida atteação o projecto de lei n.° 2, remettido a esta camara pela dos senhores deputados, prorogando até 30 de junho proximo futuro o praso estabelecido no artigo 1.° da carta de lei de 29 de junho de 1868, para a creação e emissão, pela junta do credito publico, de inscripçoes destinadas para penhor dos supprimentos e emprestimos de que trata a mesma lei.
A commissão, considerando que a prescripcão d'este projecto é uma providencia preventiva e absolutamente indispensavel; attendendo a que, se o governo não estivesse legalmente habilitado com a prorogação do praso para crear inscripções com que possa reforçar os penhores que servem de garantia á divida fluctuante, quando tal reforço for justificadamente exigido pelos prestamistas, correr-se-ía o risco da venda dos penhores, com grave prejuizo da fazenda publica e descredito nacional:
A commissao é portanto de parecer que seja approvado o projecto de lei n.° 2, e submettido á sancção real.
Sala da comraissão, 19 de maio de 1869. = Conde d'Ávila = José Augusto Braamcamp = Francisco Simões Margiochi = Barão de Villa Nova de Foscôa = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão = José Lourenço da Luz = Felix Pereira de Magalhães.
Projecto de lei n.° 2
Artigo 1.° É prorogado até 30 de junho proximo futuro o praso estabelecido no artigo 1.° da carta de lei de 29 de junho de 1868, para a creacão e emissão, pela junta do credito publico, de inscripcões destinadas para penhor dos supprimentos e emprestimos de que trata a mesma lei.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, em 17 de maio de l869. = Diogo Antonio Palmeiro Pinto, presidente = José Gabriel Holbeche, deputado secretario = Henrique de Barros Gomes, deputado secretario.
O sr. Marquez de Niza: - Eu pedi a palavra para participar a v. exa. e á camara que negocios urgentes meus particulares me obrigam a saír do reino por alguns dias; mas para não interromper os trabalhos começados do exame das minhas contas, eu já fallei ao sr. conde d'Avila; dignissimo presidente da commissão, sobre isto, em que s. exa. concordou, que eu deixei encarregado de prestar essas contas o cavalheiro de minha confiança que debaixo das minhas ordens dirigia as obras, e que lá tem todos os documentos, e irá fornecendo-os á commissão como se fôra eu proprio,para os ir examinando; e como eu tenciono vir breve, se Deus me der vida e saude, estarei de certo muito a tempo para prestar alguns esclarecimentos que porventura se tornem precisos.
O er. Conde d'Ávila: - É para declarar á camara que o sr. marquez de Niza acaba de me fazer a declaração que fez agora á camara.
Houve já nesta casa outra commissão que tomou as contas ao digno par até 15 de janeiro de 1866, e por consequencia o trabalho da actual commissao é toma-las desde essa data para cá; eu tinha pedido a s. exa. que tivesse a bondade de formular as suas contas d'aquella epocha até hoje, e como s. exa. acaba de deixar encarregada uma pessoa de sua confiança para prestar essas contas até á volta de s. exa. do estrangeiro, não me parece que haja nenhum inconveniente na ausencia do digno par por alguns dias.
Entendi dever dar esta explicação á camara para que ella saiba que a ausencia de s. exa. em nada difficulta os
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trabalhos da commissão, nem demorará a apresentação do seu parecer.
Continuou a discussão da interpellação do sr. Casal Ribeiro.
O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, v. exa. recommendou moderação! Sim, hei-de segui-la. Não me desviarei d'ella. Muito vae, comtudo, da moderação ao silencio. A respeito d'este, sigo o pensamento do meu illustre amigo, que é ornamento d'esta casa, o sr. Casal Ribeiro: "o silencio nas circumstancias actuaes, nas circumstancias gravissimas em que este negocio se apresenta na téla da discussão, seria não só uma falta, mais do qae isto, seria, sr. presidente, um crime".
O silencio, senhores, não póde ser a nossa partilha, pois que o brado da lealdade é o supremo e necessario esforço de todos os portuguezes honrados.
Se visse os meus concidadãos dominados por similhante idéa, a do silencio, inspirados pelo sentimento de temor, e não pelo da moderação, que acato e adopto; se fôra assim, diria eu ao povo: "acordae, portuguezes, que dormis o sonmo do descuido, jazendo nas trevas, involtos na sombra da morte! Prescrutae as vossas consciencias, e vede se por infortunio se apagou no vosso coração a luz da fé e da liberdade. O que é feito dos brios que vossos antepassados vos legaram em seus testamentos de gloria?"
Sr. presidente, não é na presente occasião que o terror me póde inspirar... mas posso assegurar aos srs. ministros, a todos os meus amigos e aos meus adversarios politicos, que em nada me hei de apartar das regras da moderação.
Sr. presidente, disse um eloquente escriptor das eras que já lá vão, fallando em circumstancias gravissimas, sobre questão diversa d'esta, mas tambem grave e importante: Tempus est loquendi quia jam proeteriit tempus tacendi. Tacere signum. est defidentioe non modestioe ratio.
Acompanho nas suas phrases o illustre escriptor, dizendo: "É tempo de fallar; a epocha do silencio passou. O silencio seria, não uma rasão de modéstia, mas seguramente um signal de propria desconfiança".
Sr. presidente, a verdade pura, sã, desaffectada, e aqui permitta-me v. exa. que repita o que não ha ainda muitos annos disse uma illustre escriptora do nosso seculo e da nossa epocha, que v. exa. conheceu e respeitou muito. Fallo da celebre escriptora, madame de Swetchine, quando disse: 11 vaux mieux la vérité avec un lit d'hopital, que le mensonge dans tous les appats de la grandeur." Vale mais a verdade em um leito de hospital, do que a mentira circumdada de todos os ornatos da grandeza.
Sr. presidente, nunca foi tão necessario o dizer a verdade como nas circumstancias actuaes, sobre tudo depois que velhos, encanecidos odios parece terem surgido da campa para semear a sizania entre os povos e a discordia nos estados.
Depois, sr. presidente, que o bello ideal e a ficção parece quererem reconquistar um imperio que reputavamos abolido, repito, sr. presidente, nunca a patria careceu tanto do esforço honrado de seus filhos. É pois necessario, é urgente, que digamos aos nossos concidadãos, á Europa, ao mundo, quem somos, donde viemos e para onde vamos.
É necessario que o governo, os que o seguem na sua marcha governativa, e até os que se oppõem ao seu systema de governação, todos juntos se agrupem em roda do pendão da independencia e da liberdade. E todos os que são portuguezes de certo de bom grado circundarão esse pendão, porque é o pendão da independencia nacional, porque é o pendão que fez a gloria dos portuguezes era eras passados, e que tantas vezes nos conduziu ao campo da victoria.
Eu ouvi com a maior attenção e prazer as palavras eloquentissimas do illustre orador, que me precedeu, dirigindo-se ao nobre presidente do conselho o sr. marquez de Sá. O nobre ministro sabe perfeitamente que, á parte a politica, s. exa. merece-me, como sempre mereceu, nem podia deixar de merecer, toda a consideração e respeito, assim como da parte do nobre marquez tambem tenho recebido muitas provas de deferencia, e estou convencido que s. exa. não duvida da minha sinceriedade; o nobre presidente do conselho conhece-me perfaitamente, e por essa rasão não deve crer que um sentimento mesquinho qualquer possa inspirar-me nas minhas apreciações,
Mas, como dizia, ouvi com a maior attenção o illustre orador, qne me precedeu, o Sr. Casal Ribeiro, e tomei nota dos pontos do seu discurso, sobre que tambem entendi dever fallar, e alguns apontamentos tirei tambem da resposta do sr. presidente do conselho e ministro dos negocios estrangeiros; resposta clara, e dada com aquella franqueza com que s. exa. costuma sempre fallar, e, se bem que eu tenha na devida conta o seu cavalheirismo, não posso de modo algum approvar o seu procedimento n'este momentoso negocio.
Portanto, tendo tomado os apontamentos a que me referi, devo seguir o fio do meu discurso, fazendo as apreciações que julgo convenientes para demonstrar as proposições que tenciono apresentar e desenvolver, acompanhando-as de certos commentarios que me parecem uteis e necessarios.
Não é meu animo, nem podia ser o de nenhum homem publico que preza a dignidade propria e a do seu paiz, dirigir afrontas a uma nação que, por brilhantes feitos, pelo brilhantismo da sua litteratura e grande numero de homens eminentes, que bastantes são os que teem ornado a historia de Hespanha, está a par das mais illustradas; mas entendo que, como portuguez, tenho obrigação de sustentar a dignidade da minha terra, dizer bem alto que queremos conservar a nossa autonomia, que não queremos por isso ser ibericos, porque queremos ser portuguezes e morrer portuguezes, e havemos de morrer portuguezes.
Hei de tambem, no meu discurso, recorrer aos antigos livros da historia, que através os seculos nos contam os tramas horrendos em que alguns poucos portuguezes degenerados se envolveram contra a patria, e a respeito dos quaes o nosso illustrado e inspirado poeta Camões diz que "dos portuguezes alguns traidores houve algumas vezes"; hei-de tambem inspirar-me daquellas idéas sublimes, de que se inspirou o nosso actual presidente, o sr. conde de Lavradio, quando ha mais de vinte annos exclamava que "houve Christovãos de Moura antigos, e receiava que os houvesse tambem modernos".
Eu acompanho o nobre conde de Lavradio de 1846, e que, neste ponto, julgo que é o mesmo conde de Lavradio em 1869.
Isto pelos mesmos receios, e porque
................dos portuguezes
Alguns traidores liouve algumas vezes.
E eu não temo só os traidores, temo os nescios, os ignorantes, e os ambiciosos sobretudo quando são ao mesmo tempo nescios.
Sr. presidente, disse o sr. marquez de Sá, na ultima sessão, respondendo ao digno par, o sr. Casal Ribeiro, que os nobres ministros seus collegas não tinham tomado parte no negocio da candidatura de El-Rei o Senhor D. Fernando á corôa de Hespanha. Se eu errar em alguma apreciação peço a s. exa. que me esclareça, porque não desejo afastar-me da verdade. Em vista pois d'esta declaração do sr. marquez de Sá, comprehendemos todos que o sr. ministro da fazenda disse a verdade quando n'esta casa do parlamento declarou terminantemente que similhante negocio não tinha sido levado a conselho de ministros.
Disso mais o sr. marquez de Sá que a responsabilidade tomava-a elle toda, ampla e completa, não como ministro, mas como homem. Aqui é que eu não posso, não quero dizer perdoar, mas servindo-me de um termo mais ameno, aqui é que eu não posso desculpar os srs. ministros seus collegas de não se terem associado ao sr. marquez; bem
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sei que para isso era necessario que o negocio tivesse sido apresentado em conselho de ministros, mas devia te-lo sido porque é um negocio da maior importancia. Se a candidatura do Senhor D. Fernando pela maneira em que era apresentada pelos hespanhoes não era negocio politico, para os portuguezes não sei o que são negocios politicos.
As minhas censuras ao governo é por ter feito de menos, outros o censuram por ter feito de mais.
Estas fusões de Portugal com Hespanha não me agradam, quer sejam pela fórma monarchica, quer pela fórma apontada por alguns escriptores, mesmo portuguezes - a republica federativa.
Pela fórma monarchica vê-se que já não ha probabilidades, de poder vir a effectuar-se a fusão, mas querem dizer alguns que poderia vir a effectuar-se preparando-se primeiramente o terreno com astucia e cautela por meio de um conjuncto de medidas que podessem illudir o nosso povo, grangeando o animo dos litteratos em ordem a convence-los de apostolarem o novo credo, de serem os sacerdotes da nova lei, os porta estandartes do seductor pendão.
De qualquer dos modos eu como portuguez rejeito-a, e quero repetir bem alto o que tenho sempre dito: "Sou portuguez, quero viver portuguez, quero morrer portuguez".
Este meu grito de guerra é antigo, pois que eu tive a honra de ser o primeiro a levantar aqui esta questão já ha muitos annos quando ainda pouco se fallava em união iberica. Alguns dignos pares que veja presentes hão de lembrar-se d'este facto. Tenho tratado d'este assumpto por mais de uma vez, e constantemente hei clamado para que estivessemos álerta. Tramava-se em segredo então; hoje a conspiração é patente; largou o segredo, deixou o incognito, entrou no campo livre para tratar dos seus interesses.
Hoje não é sómente necessario o estar álerta, é necessario trabalhar muito para combater a obra dos traidores, estou certo que todos correremos ao campo da lide, pois que ainda quando a palavra patriotismo se riscasse de todos os diccionarios politicos do mundo, estou persuadido que ella mesmo então ficaria para sempre gravada no coração dos verdadeiros portuguezes.
Sr. presidente, disse o sr. Casal Ribeiro que esta questão da iberia é uma questão velha; mas apesar de o ser é má. Não ha nada novo debaixo do sol - a virtude e o crime são antigos. Por consequencia um precedente nunca póde justificar um facto posterior. Estas conspirações datam de muitos annos.
Seja me licito fazer uma observação, que me parece opportuna, antes de levar mais avante o fio do meu discurso. Ha uma cousa que me causa admiração, e muita admiração.
Sr. presidente, depois das gloriosas conquistas liberaes das epochas modernas; depois que o regimen do privilegio morreu para nunca mais resuscitar; depois que vemos realisar as prophecias de Toqueville na parte em que diziam que a democracia invadiria tudo; e note-se que as aspirações, os instinctos, e as tendencias da democracia são as seguintes: fazer triumphar, em primeiro logar, o direito de cada um aspirar a tudo, subindo pela escada unica do merecimento; a extinccão de todo o privilegio; e n'isto consiste a igualdade politica; o direito da cornmunidade a exigir dos governos rigorosos contas da sua gerencia; o direito que reside na sociedade de eleger quem a governe; o que quer dizer a supremacia da nação, ou o que é o mesmo, a soberania nacional. Eis aqui os principios da democracia moderna.
Ora, sr. presidente, sendo estes os principies adoptados e proclamados pelos liberaes, permitta-me v. exa. que eu manifeste a minha surpreza quando contemplo os sectarios das idéas liberaes convertidos em apostolos do antigo direito divino dos réis proclamarem as doutrinas avessas á liberdade, e mais contrarias aos principios da democracia moderna.
Direi mesmo que os democratas modernos são mais reaccionarios que os escriptores da idade media, ou por outra, que os escriptores da idade media são mais liberaes do que os liberaes do seculo XIX. Se folheio a historia dos seculos vejo no seculo XVII o celebre doutor angelico, ou doutor universal no seculo XVII o celebre Soares, e nos nossos tempos o cardeal Gerdil; todos bem orthodoxos sustentaram as doutrinas mais liberaes, e ao mesmo tempo mais sensatas e mais conformes com os principios de justiça relativamente á auctoridade dos principes, á eleição dos monarchas, e ás relações dos subditos para com o monarcha, e do monarcha para com os subditos. Para não citar outros, encontro nas obras monumentaes d'estes, assentado, definido e triumphantemente demonstrado o principio liberal da soberania nacional, e refutado o principio de que os réis recebem o poder immediatamente de Deus, mas sim mediatamente por meio ou por intermedio da nação que constitue os principes, que estabelece com elles o tratado de bem os governar, respeitando as leis da justiça, pois que não é dado, nem a povos, nem a réis, menospresar estas leis da eterna sabedoria, fóra das quaes não ha senão ou despotismo dos réis, ou despotismo dos povos, e como resultado a injustiça na sociedade, a confusão nos espiritos, e a anarchia nos estados.
É pois evidente que, segundo auctores bem orthodoxos de eras remotas, foi estabelecido e defendido o principio da soberania nacional. É tambem evidente que, pelo direito novo, o credo liberal consagra em um dos principaes artigos, como dogma da escola moderna, que são os povos que fazem os réis; e que, por essa rasão, a soberania nacional é a primeira das soberanias sobre a terra. Isto não é politica nova sómente, é politica velha; é politica boa; é politica ordeira. Pois, sr. presidente, os liberaes modernos quando tratam de unir Portugal á Hespanha, confeccionam um novo acto addicional ao credo liberal das nações. Restabelecem a antiga fórma de successão dos extinctos morgados, e fazem applicação d'ella á pessoa de El-Rei o Senhor D. Fernando, quando apontam a Sua Magestade como candidato a corôa de Hespanha, reconhecendo, como consequencia necessaria da sua aceitação, a transmissão d'essa corôa a seu filho o Rei de Portugal, unindo-se as duas corôas como outrora se uniam dois morgados pejo casamento de um senhor de casa vinculada, com uma herdeira de outra casa igualmente vinculada, ou pela herança de um ascendente qualquer, seguidas e respeitadas as leis que regiam os antigos morgados. E não reparam estes doutores da nova escola que os vinculos se regiam pela lei civil, e que as leis que regulam as successões dos principes ás corôas dos estados, são leis politicas!!! Este paiz, Portugal, não é morgado de quem quer que seja. Ninguem póde impedir um monarcha portuguez de aceitar uma corôa estranha. Um monarcha portuguez que aceitasse porem outra corôa, por esse facto, perdia o direito de reger esta nação. A corôa seria declarada vaga, e o povo, chamado pelo direito velho e pelo direito novo, se congregaria para eleger um novo rei.
Antigamente davam-se reinos em dotes; e em Portugal deu-se uma porção de territorio em dote a uma princeza; mas hoje, depois das leis sagadas do progresso, depois das conquistas da democracia moderna, depois de 1789, vem os liberaes eximios invocar do tumulo, e da poeira onde jazem, do esquecimento onde estavam, essas antigas leis!? E é depois de se ter feito uma reforma, como nós aqui fizemos, aos morgados, que se quer adoptar outra vez a lei antiga, fazendo applicação á successão da corôa e á união iberica?!
Diz-se: "O Senhor D. Fernando, pae do monarcha portuguez, ha de ser rei de Hespanha, porque assim se prepara o throno da iberia". Mas por que direito? Pois um rei que se declara estrangeiro póde continuar a ser rei n'este paiz? Pois esquecem-se as nossas leis antigas, as côrtes de Coimbra, os santos principios proclamados pelo sabio João das Regras? Esqueceu-se tudo, porque assim convinha. E
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até vi em um livro, que tenho n'esta carteira, que diz que a espada do condestavel já não fazia peso na balança politica da actualidade.
Pois, sr. presidente, a espada do condestavel não é inferior á penna d'este escriptor? E se a espada jaz em descanso, se os ossos d'aquelle heroe jazem em S. Vicente, a sua memoria vive não só nos corações dos que descendem d'elle, mas no de todos os verdadeiros patriotas.
Ora, sr. presidente, parece incrivel. Pois esqueceu se já que no momento em que a corôa se achasse vaga, era o povo quem devia decidir a quem ella pertenceria, como disse João das Regras nas côrtes de Coimbra, e como muito posteriormente o escreveu Francisco Manuel Trigoso de Aragão Morato, primeiro ministro do reino na epocha constitucional da carta em 1826 (homem que pouco conheci, e que não pude apreciar emquanto elle vivo, mas que aprecio agora pelos seus escriptos), e especialmente o chamo agora, á auctoria, em consequencia de uma obra sobre as leis de successão, em que elle sustenta os bons principios. O que diria hoje esse homem liberal, que tambem provou que conhecia os nossos fóros e privilegios, se visse agora confundido e baralhado o direito antigo e moderno por os chamados liberaes da nova era.
Nós não podemos embaraçar qualquer monarcha de aceitar qualquer corôa que lhe offereçam; mas o que podemos é, logo que um monarcha portuguez que aceitasse, ou fosse forçado a aceitar qualquer corôa, e saisse de Portugal, eleger outro. E era o que fariam os portugueses antigos. Mas sujeitarmo-nos a um monarcha, embora portugues, reinando em para estranho, pelo amor de Deus!... Isso nunca!
Agora vem a proposito o tratar das vantagens que os ibericos nos promettem. Essas vantagens, contidas nessas promessas, não são mais nem menos das que nos prometteu Filippe II, quando em 1581 convocou côrtes em Thomar, nas quaes, segundo diz um escriptor moderno, prometteu montes de oiro aos portuguezes, e depois nem do cobre lhos deu. Para mostrar pois que o systema hoje adoptado é igual e similhante ao systema de então, passo a ler os artigos que Filippe II jurou manter nas côrtes de Thomar. São os seguintes:
"1.° Guardar-se-hão todos os fóros, costumes, privilegios e isenções dos reinos de Portugal e Algarves.
"2.° Os estados d'estes reinos nunca se juntarão senão dentro dos mesmos, nem os negocios publicos de Portugal se poderão tratar senão dentro do mesmo reino.
"3.° O vice-rei e cargos pertencentes ao governo politico não poderão ser dados senão a portuguezes, excepto - que poderá ser vice-rei um principe de sangue real hespanhol.
"4.° Todos os empregos serão occupados por portuguezes.
"5.° Todos os cargos antigos da casa real e do reino serão conservados em portuguezes com todos os seus privilegios e regalias.
"6.º- Todos os outros cargos de terra e mar serão occupados por portuguezes.
"7.° Todos os governadores das praças, seus officiaes, bem como os officiaes das tropas pagas, serão portuguezes.
"8.° Não se metterao nos paizes conquistados pelos portuguezes officiaes que não sejam do mesma nação.
"9.° A moeda será cunhada com as armas d'este reino.
"10.° Os arcebispados e mais dignidades ecclesiasiicas serão dados só a portuguezes.
"11.° Não se poderão tirar terças, subsidios ou cruzadas dos bens ecclesiasticos.
"12.° As cidades, senhorios ou qualquer parte do patrimonio real não poderá ser dado senão a portuguezes.
"13.° Não se fará mudança alguma nas ordens militares.
14.° Os filhos dos fidalgos portuguezes, em chegando a doze annos de idade, entrarão a receber a sua tença conforme o costume do reino.
"15.° Quando os réis catholicos vierem a Portugal não terão alojamento senão como o tinham os réis d'esta nação.
"16.° Suas magestades catholicas trarão por toda a parte um conselho composto de dez portuguezes para tratar n'elle todos os negocios concernentes ao mesmo reino.
"17.° Não haverá mudança nos logares da judicatura. "18.° Todos os processos serão julgados n'este reino.
"19.° Conservar-se-ha a capella-real de Lisboa. "20.° Sua magestade catholica admmittirá aos cargos de suas casas tantos portuguezes como hespanhoes.
"21.° A minha servir-se-ha ordinariamente com damas portuguezas.
"22.° Serão francos todos os portos, tanto a portuguezes como a hespanhoes.
"23.° Transportar-se-hão trigos de Castella para Portugal.
"24.° Sua magestade cederá presentemente 300:000 ducados para resgate de captivos e para outras necessidades.
"25.° Poderá pôr a Portugal tributos moderados para manutenção das frotas das indias e dos guardas das costas contra os corsarios.
"26.° Sua magestade ou seu filho herdeiro residirá em Portugal o tempo possivel."
Todos nós vimos a galhardia com que o governo de Filippe II entrou em Portugal, e todos nós conhecemos o duro jugo que pesou sobre este paiz, e o que osportuguezes tiveram de soffrer. Por consequencia todas essas promessas são promessas que secostumam fazer em todas as occasiões para illudir os incautos e nunca para satisfazer os bem avisados, e, sr. presidente, como os incautos são muitos é preciso que se falle claro, que se recorra á historia patria, e que se diga estes factos passaram-se assim. Esta é a verdade. Nas lições do passado devemos aprender a preparar o futuro, e não deixar que os outros preparem um futuro funesto para nós, para os nossos filhos e para esta terra. Nos tempos antigos os manejos foram iguaes aos de hoje. Trataremos de desmanchar os planos da perfidia.
Sr. presidente, não tenho a julgar dos acontecimentos de Hespanha se não muito rapidamente. Disse o digno par, o sr.º Casal Ribeiro, que o grito da revolução hespanhola, que foi adoptadogeralmente, era o seguinte: abaixo os Bourbons. Não trato de julgar este clamor; e se n'esta parte todos andaram de cornmum accordo, noutros pontos as opiniães foram diversas. Tambem houve outro clamor no qual todos se uniram, não digo se foi ou não com rasão. Esse clamor foi: abaixo a camarilha. Foi um clamor geral.
Em diversas epochas da historia não só da nossa como de outros paizes têem sido constantemente as camarilhas quem ha promovido a queda dos thronos, mirando sempre ao seu interesse, e illudindo completamente os reis! Que vemos nós em Portugal na larga historia das camarilhas? Vemos muita cousa.
As camariihas eram compradas com oiro. Em gerai ellas são pobres e tratam de se enriquecer quer seja com oiro nacional, quer seja com oiro estrangeiro; pouco lhes importa a proveniencia d'elle.
Nós vemos o que aconteceu no reinado do Senhor D. Fernando I em que constantemente os castelhanos se envolviam ás escondidas em todos os tramas contra a nossa independencia, mas vimos tambem o sentimento popular despertar-se, e os homens do povo, esses é que não são ibericos, e nunca o foram, dirigirem-se ao palacio dos nossos réis e dizer-lhes: alerta. Um escriptor notavel que todos nós respeitamos pelo seu talento, o sr. Alexandre Herculano, escreveu uma obra intitulada Arras por fóro de Hespanha. Esse romance historico é extrahido de alguns factos narrados pelo nosso chronista Fernão Lopes. Ahi patenteia o illustre escriptor todo o seu patriotismo e os largos conhecimentos que tem da historia patria, quando se occupa do facto do casamento d'aquelle monarcha com D. Leonor Telles de Menezes, casamento que por ser, como é sabido, com mulher casada e roubada ao legitimo marido,
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foi a maior ultrage ás leis da religião e da moral. Então sr. presidente o povo de Lisboa amotinou-se e dirigiu-se ao paço em numero de tres mil pessoas, segundo nos diz o sr. Alexandre Herculano no seu livro. Dirigiu-se ao paço de S. Martinho ou paço do Limoeiro, levando á sua frente um artista chamado Fernam Vasques, que era alfaiate e pessoa respeitavel, e que pertencia a essa aristocracia que se não era de sangue era aristocracia do trabalho que herdou com o amor ao trabalho o amor da virtude.
Fernam Vasques dirigiu-se, pois com a sua tropa de homens operarios e de coração portuguez ao paço dos nossos réis, e quando chegaram, quizeram fallar a El-Rei; este não os quiz receber, e mandou um dos seus validos, ou privados, diz o sr. Herculano. Veiu o valido, e perguntou ao alfaiate o que queria; este respondeu-lhe que vinha protestar em nome do povo e acompanhado pelo povo, contra o ultrage que se queria fazer ás nossas leis e aos nossos brios, e pintou com as cores mais vivas e termos bem severos qual era o passo que o rei se aventurava a dar. El-Rei, depois de ouvir a resposta que lhe levou o valido, mandou dizer que no outro dia se encontraria com o povo em S. Domingos.
No outro dia o povo foi para o largo de S. Domingos, esperou, tornou a esperar; chegaram fidalgos, chegaram alguns empregados no paço, mas nada de apparecer El-Rei; então o alfaiate dirigiu-se a alguns dos fidalgos, áquelles provavelmente que favoreciam ou ajudavam o rei nos seus desvarios ou nos seus deboches, em uma palavra aos da camarilha, e disse-lhes que o povo ía ali para exprobar o procedimento do rei, e que se dirigia a elles pela sua alta posição (parecendo assim que já conhecia o dictado, inventado depois em França, de que - a neblose oblige), para lhe pedir que fizesse com que o rei não désse similhante passo. O rei porem, em logar de ir para S. Domingos, foi para Santarem, e ahi effectuou o seu casamento com D. Leonor Telles, e depois de illudir o povo e Fernam Vasques, mandou examinar quem eram os que tinham entrado naquella conspiração que era verdadeiramente patriotica, porque sendo eu como sou, inimigo de motins, não posso comtudo deixar, quando vejo erguer vultos gigantescos para praticarem actos de valor e de coragem, de me extasiar diante d’elles. Pois, sr. presidente, o que resultou do exame da conspiração, foi mandar-se enforcar o honrado Fernam Vasques, e abrir devassa contra todos aquelles que tinham concorrido para se ir pedir justiça ao rei!
Depois d’isto o que aconteceu?
Seguiu-se o reinado do celebre valido, que sobresaíu em maldade a terrivel cohorte de validos, de que reza a historia patria. Nefasta influencia das camarilhas que leva os réis incautos á perdição é a rotina.
Eu já disse em um documento que escrevi e publiquei, que as camarilhas foram a ruina das sociedades antigas, como são a peste das sociedades modernas.
Mas D. Fernando morreu. E depois o que aconteceu? Teve tambem o castigo a inspiradora de todos os males. D. Leonor Telles foi acabar a vida presa no convento de Tordesilhas, em Hespanha. Aquelles que tinham trabalhado para dar o throno de Portugal a D. Brites, casada com D. João I de Castella, foram os proprios que prepararam o castigo das suas traições
Mas depois d’este estado de cousas o que cumpria fazer? Povo e nobres, unidos como irmãos, disseram: «A corôa está vaga; não queremos que vá a principe castelhano».
E depois de morto o valido infame João Fernandes de Andeiro; o mestre de Aviz, á frente dos nobres briosos e dos patriotas do povo, salvou a patria da abjecção e da ruina.
Juntaram-se depois as côrtes em Coimbra, - onde tiveram logar os homens mais eminentes da epocha, e declaram Rei a D. João I, que era filho natural do Rei de Portugal, não era filho legitimo; mas João das Regras tratou de provar que aos filhos de D. Ignez de Castro não assistia direito, que a corôa em fim estava vaga, e que ao povo pertencia eleger o Rei; e assentou-se este grande principio da soberania nacional, quando se reconheceu e proclamou que ao povo compete dar a corôa, quando está vaga, ao Rei que livremente escolhe e elege.
Eu não quero que o povo esteja Constantemente a dar corôas; não quero que se amotine e queira estabelecer uma lei hoje para a derogar ámanhã, pois que nem os povos nem os réis podem cousa alguma determinar que seja legitima, sem que as deliberações assentem nos principios de justiça, que não é obra dos homens, mas que é attributo de Deus. Per me reges regnant et legum conditores justa decernunt.
Por mim governam os réis, e só o que é justo podem estatuir. Esta maxima de sabedoria infinita applica-se igualmente aos réis e aos povos. A justiça e o direito são cousas que estão acima de nós. A justiça vem do céu e exerce-se na terra. A justiça comparo-a eu a uma grande columna, cuja base repousa na terra, cujo capital toca no céu.
O astro que despontara fulgurante em o nosso horisonte politico, com a ascenção ao throno do Senhor D. João I, começou a perder seu brilho, quando esse velho decrepito, a quem as nossas historias chamam o Cardeal Rei, por desgraça d’este paiz veiu a empunhar o sceptro portuguez, logo depois da morte do nosso aventuroso, mas infeliz, monarcha D. Sebastião. Em má hora trocava o baculo pelo scepiro o velho cardeal, quando se murchavam todas as esperanças da patria pela derrota em Africa de El-Rei D. Sebastião, jovem principe illudido pelas glorias da conquista, e arrastado á perdição por uma camarilha ambiciosa e devassa, que visando apenas ao oiro de Castella, não duvidava conduzir o seu rei á beira do abysmo, e com elle a patria ao exicio da sua gloria. Os perfidos conselhos dos maus portuguezes arrastaram. D. Sebastião á ruina. O cardeal D. Henrique sentado no throno encontra-se immediatamente rodeado pelos ibericos de então. Redobram os esforços; cresce a ousadia; e o oiro de Castella logra completo triumpho. Convocam-se côrtes em Almeirim; mas a corrupção tinha lavrado nos espiritos em maior escalla. Christovão de Moura, portuguez degenerado, e Pedro Giron, hespanhol de nação, ambos por parte do rei de Hespanha, conseguiram pela valentia dos seus argumentos, e ainda mais pela largueza das suas promessas, collocar do lado de seu amo a parte mais nobre da assembléa que em vista de rasões tão poderosas, e de promessas tamanhas desistiram de defender os direitos da Senhora D. Catharina de Bragança, e abraçaram o partido de Castella. Só pois os procuradores por parto do povo se oppozeram, com louvavel dedicação, e vigor maior, clamando com força e energia que só queriam um rei portuguez; obtendo apenas, como recompensa do seu esforço, a permissão de lavrarena um protesto ou declaração, sobre pertencer á nação eleger o rei logo que vagasse o throno! E mais uma vez triumphava o grande principio da soberania nacional. O nobre exemplo dos procuradores do povo nas côrtes de Almeirim foi seguido por João Tello de Menezes, um dos cinco governadores do reino, e Phebo Moniz, que nas côrtes apresentou um projecto no qual se demonstrava o direito que ao povo assistia para eleger o rei, por morte do cardeal D. Henrique. A audacia pois da camarilha vendida ao oiro de Castella baldou todos os empenhos, e frustou todos os esforços dos bons e leaes portuguezes. As côrtes de Thomar vieram coroar a obra da iniquidade Filippe II, ahi jurou tudo que lhe conveiu, ahi prometteu tudo que poderia attrahir o animo dos incautos; quebrou porem todos os juramentos, falseando todas as promessas.
O terrivel jugo dos Filippes começou então a pesar sobre os portuguezes, e pesou durante sessenta anãos, até que chegou o dia 1 de dezembro, e com elle a restauração memoravel de 1 de dezembro de 1640, sendo então acclamando o Senhor D. João IV. Ainda depois da ascenção d’este monarcha ao throno não se enfraqueceu a audacia
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dos castelhanos, porquanto a guerra apparecia em campo aberto a par que a conspiração se tramava nas trevas. O arcebispo D. Sebastião de Matos e Noronha colloca-se á frente de uma conspiração a favor de Castella; arrasta comsigo seu sobrinho o conde de Armamar, o duque de Caminha, o marquez de Villa Real, o inquisidor geral e D. Agostinho Manuel de Vasconcellos. São mal succedidos os conspiradores, e o monarcha feliz prosegue no seu reinado, até que a morte o arrebata aos portuguezes que o haviam collocado no throno, e succede-lhe seu filho D. Affonso VI. Tristissima epocha da nossa historia foi aquella em que reinou El-Rei D. Affonso VI! Rodeado da mais ignobil camarilha, composta de homens, os quaes não se contentando com o logar de ajudantes das ordens dos deboches de seu real amo, de tal modo se envolviam na intriga, que tornavam impossivel toda a idéa de governo. Os dois irmãos Conti eram os mais notaveis entre os validos da camarilha, e era tal a intriga e taes os enredos que circumdavam o monarcha, que, apesar de ter por ministro um dos homens mais notaveis na nossa historia politica, o conde de Castello Melhor, habil estadista e consummado politico, e homem de tão elevados brios, não póde conservar na cabeça a corôa, nem ao ministro foi possivel o sustentar-lha, o que não admira, porque o conde de Castello Melhor não era um valido nem um camarilheiro, e os esforços dos homens de bem são sempre frustrados pela malvadez das camarilhas, que, em geral, costumam rodear os réis fracos, de quem disse um notavel escriptor que:
«Fazem fraca a forte gente.»
Foi pois necessario que o povo e o paiz pozessem cobro a tantas vergonhas, e effectivamente o povo correu ao largo do paço, e a tropa secundou-o no seu esforço, e uma grande parte dos fidalgos tomaram igualmente parte no empenho patriotico, encarregando-se o duque de Cadaval e o marquez de Cascaes de representarem ao Rei o estado do paiz, e de lhe intimarem em nome do povo e da tropa a necessidade da sua abdicação; e effectivamente o fraco Rei desceu do throno. circumdado das maldições populares, e subiu a elle o Senhor D. Pedro II, com o titulo de Principe Regente, homem de elevado merito e de espirito sisudo, que pôde, rodeado dos homens de bem, melhorar o estado do paiz, mudando completamente o systema de governo adoptado por seu infeliz irmão, victima dos validos e das camarilhas.
Foi-me necessario recorrer á historia antiga para provar que os planos ibericos datam já de antigas eras.
Mas, sr. presidente, se os planos não só existiram então mas existem hoje, se a questão iberica é, como todos não devem deixar de reconhecer, uma questão momentosa e uma questão da maior importancia para a nossa patria, porque rasão a abandonou o governo deixando-a correr assim? Eu quereria que o governo não se tivesse demorado em fazer uma declaração solemne de que os principes portuguezes não aceitavam por fórma alguma qualquer candidatura, porque eram primeiro que tudo portuguezes. O governo não deve nem póde forrar-se ás responsabilidades que necessariamente lhe cabem; o officio de governar é assas espinhoso, mas desde que se aceita é necessario soffrer-lhe os precalsos. A situação dos que governam não é seguramente uma situação de delicias, mas de dedicação e soffrimento, pois que a propria abnegação e a dedicação pela sociedade é a primeira das qualidades para os que a dirigem e governam. Comparo a vida dos monarchas ou dos homens de governo á vela que arde e allumia, e, que á medida que dá luz aos outros se consome e desfaz. E para os outros sua chamma resplendor que esclarece; é para si fogo que abrasa e destroe. Ajustado symbolo dos réis e dos governos!...
Disse Platão: Rex eligitur, non ut sui ipsius acram habeat et se molliter curet, sed ut per ipsum oui elegerunt iene, leatéque vivant. Isto é: que os réis (e eu direi tambem os governos) não vivem para si, senão para seus subditos; e quis attentas as conveniencias da republica hão de perder as proprias. Disse tambem o grande Seueca: Et syderum modo quce irrequietce super cursus suos explicant nunquam illi licet nec quidquam suum facere. E Seneca dizia bem que os réis á similhança dos astros nunca deviam parar em seu movimento dirigindo a sua derrota, não em proveito proprio, mas sim em proveito do povo ou, o que é o mesmo, da sociedade. Não se esquive pois o governo ás responsabilidades que lhe cabem e trate devidamente, como lhe aconselhou o digno par o sr. Casal Ribeiro, da defeza d’esta terra portugueza, não só na parte material mas tambem na parte moral.
Por esta occasião lembrarei ao sr. marquez de Sá o que se passou em uma discussão n’esta camara, em que s. exa. e eu tomámos parte.
Todos se lembram ainda do ardor verdadeiramente patriotico de que s. exa. estava possuido quando pediu ao sr. Fontes Pereira de Mello, então ministro da guerra, que proseguisse nos trabalhos das fortificações, trabalhos que s. exa. reputava indispensaveis, tanto que não disperdiçava uma unica occasião de pedir, quer como maioria, quer como opposição, que se continuassem os trabalhos. E para que era isto? Era de certo para perseverar o paiz contra as invasões estrangeiras, e sobretudo de qualquer tentativa que podesse haver por parte do paiz vizinho; e, sr. presidente, todos esperavam, logo que s. exa. chegou ao poder novamente, que se não demoraria em apresentar com os outros projectos que existem nos bofetes dos srs. ministros, algumas medidas relativas a este objecto, e não só sobre as fortificações, mas sobre todas na diversas especialidades que se ligam com o assumpto, porque é necessario mais alguma cousa; por exemplo, é necessario instruir o povo no manejo das armas, estabelecendo as escolas do tiro; é necessario crear uma segunda linha, quer se lhe chame guarda nacional, quer se lhe de outra qualquer denominação; porque, assim como o povo se não recusa a pagar os impostos como se recusam os influentes em eleições, os que querem estradas ao pé da porta e as economias longe d’ella, os que finalmente querem um empregado de fazenda para lançar no livro das matrizes o que lhes convem, o povo, repito, não se recusará tambem a fazer o sacrificio de se exercitar no manejo das armas; o operario laborioso de certo largará por algum tempo, de bom grado, o instrumento honrado do seu trabalho para aprender o manejo das armas, que lhe podem servir para defeza da sua patria; portanto, pergunto eu ao nobre presidente do conselho, porque rasão não trata s. exa. de organisar devidamente o exercito. Sabe v. exa. o que disse um escriptor notavel o conde de Balbo, que um paiz que não cuida do seu exercito tem em si o germen da distruição.
O exercito portuguez que conta muitos officiaes benemeritos, o exercito portuguez que tem sido sempre o primeiro a mostrar o seu valor em frente do inimigo, o soldado portuguez que fez sempre a gloria da nossa terra, o exercito portuguez em fim que é louvado em toda a parte pela valentia com que corre á brecha, pela firmeza com que se sustenta no baluarte, pela presença do espirito com que sabe morrer no seu posto de honra com admiração de nacionaes e estranhos, deve ser engrandecido por uma organisação conveniente, e não deve ser victima desses utopistas que dizem com o pretexto de destruir as sinecuras que devemos acabar com o exercito. É necessario fazer reformas; mas dar o pão a todos que servem a patria, principalmente aos que a servem debaixo das leis mais severas da obediencia. Não posso ver estas distincções entre soldado e povo. O soldado é filho do povo, hoje é povo ámanhã é soldado. Portanto sr. presidente, procuremos satisfazer as necessidades do paiz e não levantemos guerras entre classes, porque não ha nada peior. O sol nasceu para allumiar a todos, e portanto é necessario que todas as classes influam para o bom caminhar da administração do paiz. Nem o operario póde passar sem o commerciante, nem o commerciante sem o operario. O maior erro é pensar em insurgir as clas-
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ses umas contra outras, porque da harmonia entre ellas é que resulta a felicidade publica.
Sr. presidente, peço licença para discordar... O sr. ministro da marinha julgou que eu me ia dirigir a s. exa....
O sr. Ministro da Marinha: — Era para prestar toda a attenção.
O Orador: — Parece-me que s. exa. está ancioso que eu lhe dirija algumas palavras.
O sr. Ministro da Marinha: — Ancioso não.
O Orador: — Direi, pois, sr. presidente, e insistirei em que é necessaria a defeza material do paiz, e não insistirei menos em que é necessaria a defeza moral do paiz, e essa seguramente consiste, ou para melhor dizer, se traduz em uma vasta reforma, elaborada com circumspecção e sisudez em todos os ramos da publica administração. A par da reforma do nosso systema financeiro, a par dos trabalhos para a confecção de um cadastro da propriedade, de maneira tal que desappareçam essas grandes desigualdades entre os contribuintes divididos em duas grandes classes de protegidos e desprotegidos, restabelecendo-se o grande e salutar principio da igualdade perante a lei, pagando cada um o que deve em rasão dos seus haveres, a par d’essas reformas deverá caminhar o governo na iniciação de outras grandes medidas, taes como uma grande reforma em o nosso systema de instrucção publica, e muito especialmente na instrucção primaria, de maneira tal que um verdadeiro systema de educação nacional possa ser inaugurado entre nós, systema fundado nos principios da moral e do amor da patria, e nunca reformas como essa chamada reforma da instrucção publica que este governo apresentou, e a que dão o nome, por escarneo, de reforma minerval, reforma tão ridicula que escapa á analyse e á critica, e cáe por terra diante do bom senso. Na defeza moral do paiz comprehendo eu tambem a realisação dos grandes principios liberaes, taes como a liberdade de ensino, a liberdade de associação, mais necessaria hoje do que nunca, bem como a liberdade de reunião, de maneira tal que os povos possam congregar-se, e permunir-se contra os ataques á independencia nacional, e tratar, com moderação e conveniencia, de outros assumptos que têem relação com os interesses nacionaes. Eis aqui a defeza moral a par da defeza material do paiz.
Não prolongaria muito o meu discurso com mais largas considerações sobre o assumpto se não visse presente o sr. ministro da marinha, ao qual terei de dirigir-me.
Todos sabem que o sr. ministro da marinha, valente escriptor, homem de letras do nosso paiz, cuja illustração reconhecemos e admiramos, escreveu um prologo ao livro intitulado a Iberia, cujo autor é D. Sinibaldo de Mas, e nesse prólogo diz o nobre ministro o seguinte:
«A peninsula iberica, que já formou uma só nação pela conquista, poderá, deverá ser um só paiz pela fusão espontanea. O que os reis visigodos não poderam fadar que vivesse até hoje, o que a espada victoriosa do duque de Alva, e do marquez de Santa Cruz, só poude fundar por sessenta annos, a politica pede que o fundemos para sempre. Quem sabe se aquellas tentativas seriam exemplos imperfeitos? Quem sabe se a tyrannia dos Filippes occulta como um véu uma grande profecia para o nosso tempo? Quem sabe se o quinto imperio, fabulado pelos fanaticos de outras eras, promettido a Portugal pelos audaciosos commentadores de prophecias, reduzindo a uma crença popular pelo nosso engenhoso e erudito padre Vieira, encerra numa imagem mystica a promessa de um poder robusto, de um territorio immenso a esta pequena terra de Portugal, escondida cá no ultimo occidente como um manancial de civilisação?»
N’outra parte diz s. exa., no mesma prólogo que Portugal precisa lhe injectem sangue novo, e diz tambem o seguinte: «Aljubarrota e Monte Claros estão bem nas historias, não as evoquemos para os conselhos do governo», e conclue s. exa. este prólogo com as palavras seguintes:
«Convencidos da necessidade de diffundir entre nós as idéas da fusão pelo menos de alliança iberica, com summo prazer fizemos traduzir a Iberia, memoria cujas doutrinas nos parecem mui sensatas, e cujo pensamento encerra, no nosso entender, o unico porvir feliz que resta aos habitantes de Portugal.»
Sabe v. exa. e sabe a camara, qual era este provir a que o sr. ministro chama feliz? Era a união iberica!... Deus nos livre d’ella, e a afaste para longe de nós.
O sr. ministro podia ter escripto isto em resultado de idéas que adoptou, mas que hoje já não adopta, e ás quaes renunciou completamente desde que subiu aos conselhos da corôa, porque se pensasse ainda do mesmo modo não se acharia de certo n’aquellas cadeiras. (O sr. Ministro da Marinha: — Peço a palavra.)
Eu sei perfeitamente que s. exa. ha de fazer esta declaração. Eu não tencionava dizer cousa alguma a este respeito, se o nobre ministro não apparecesse, mas como s. exa. se apresentou e eu tinha na sua ausencia tocado, posto que levemente n’este assumpto, julguei de meu dever traze-lo novamente para aqui, e com isto creio ter dado uma prova de deferencia para com o sr. ministro, convidando-o (e este é o termo mais polido) para declarar terminantemente que por modo nenhum sustenta as idéas que sustentou noutro tempo n’este prologo a que me refiro; porque s. exa. podia então, como philosopho e homem distincto nas letras, ter adoptado uma doutrina que actualmente rejeita, por conhecer melhor o estado das cousas. Eu sei de homens que noutro tempo defenderam em certas associações o principio republicano e que se teem arrependido. N’este caso pois está o sr. ministro; s. exa. escreveu este prólogo e tomou a sua responsabilidade, mas já não possue as idéas que vejo n’elle exaradas, nem podia deixar de ser assim, e Deus me livre que o nobre ministro queira levar a cabo os planos que indica, pois s. exa. diz numa passagem da sua obra que é preciso inspirar a litteratura d’estas idéas, que é preciso preparar o paiz para este enlace, e que embora se lembre com enthusiasmo dos feitos da nossa historia, a espada do condestavel dorme com o cadaver do heroe no seu sepulchro, e as recordações de passadas glorias não devem ser invocadas nos conselhos do governo.
Parece-me pois que fiz um bom serviço ao meu paiz em convidar o sr. ministro da marinha a fazer esta declaração. O homem que adoptou certa ordem de idéas, é depois deixou de as adoptar, não póde ficar silencioso, porque o ministro que persistisse em querer preparar a união iberica, não podia continuar a estar n’aquellas cadeiras, sobretudo sendo um homem liberal, que deve conhecer que o paiz em todas as suas manifestações mostra que não quer ser estrangeiro, e que não quer mesmo ser governado por nenhum rei portuguez que se torne rei de uma nação estrangeira. Estas são as minhas idéas, este é o programma do paiz.
Eu não tenho procuração do sr. ministro da marinha para responder em seu logar, mas estou certo de que s. exa. responderá que já não abraça as mesmas idéas que tinha quando escreveu o prologo da Iberia.
Continuarei pois seguindo o fio das minhas idéas sobre o ponto principal da candidatura do Senhor D. Fernando.
Sr. presidente, eu não posso insistir em pedir ao sr. marquez de Sá que me mostre os documentos que ha sobre a recusa de Sua Magestade o Senhor D. Fernando, mesmo porque s. exa. provavelmente não m’os mostrava.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Não mostro.
O Orador: — Ora d’esta franqueza é que eu gosto; gosto muito da franqueza do sr. marquez de Sá, porque s. exa. segue na pratica o que uma vez disse o sr. Mendes Leal, fallando em publico: «Eu faço o que digo, e digo o que faço»; mas eu o que sinto é que o nobre ministro quizesse tomar sobre si toda a responsabilidade d’este acto, e que os seus collegas a não quizessem tomar tambem.
O sr. Presidente: — Aproveito esta occasião para observar ao digno par, e talvez devesse ter advertido mais cedo
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a V. ej£.a que & esia camara pertence sem.duvida tomar coiita dos acto a dos Sfs. ministros; mas II Tio creio que ã esta caniarã pertença pedir contas ao auctor de" qualquer eseripto pelas opiniões que iieile tenha expendido. Parece-me pois ter sido pouco conveniente que v. exa. touha dirigido ao sr. ministro da marinha, coui referencia ao que B. ex. ex.a°escreveu em uma epocha muito anterior áqticlla em que subiu ao ministerio.
O Orador:-Peço desculpa a v.º ex.% mas eu de corto iião entendia que isto fdsse contrario áspraticas consiitueio-naes.
Eu não obriguei, nem podia obrigar, o sr. ministro a responder; se julgasse que o devia obrigar, dirigia-lhe uma interpellação. Mas como s. exa. parecia desejar que eu me dirigisse a elle, fi-lo com a devida attenção e côrtezia." O nobre ministro é um estiriptor que toma de certo a responsabilidade do que escreveu, e eu entendo que os actos da vida politica "são do dominio publico. .
Foi v. exa., sr. presidente, quem me ensinou isto; v, exa. que é parlamentar antigo, e que tornou lima parte activa na opposição ao governo do sr. conde de Thomar, tratando muitos de seus actos e da sua politica que julgava perni-. ciosa ao paiz. E não foi só v. exa., foram outros homens politicos, que fazendo opposição áquelle ministro, se occu-paratn de muitos actos cVelle que nada tinham de conimum com a administração publica.
O sr. Presidente:-Declarou não ser "da sua dignidade, nem á camara cumpria nella estabelecer-se uma polemica, entre o digno par, que orava, e clle presidente (apoiados). Eão era esta a occasião de elle presidente fazer a sua apologia; se bem que, sendo devidamente acciisado responderá. "Todavia, desejava fazer observar á camara que Bera sair dos limites do Sdu dever, lhe declare que o que acabava de dizer o digno par, o sr. rharquez de Vallatla, era inexacto. Se elle, orador, ftis opposição a um ministerio, ri ã o receiava confirma-lo; mas fora conscienciosa essa opposição; e appellava para o testemunho da camara, que nunca o viu recuar perante ministerio algum, na consciencia do seu proprio dever; assim como, elle orador, nunca viu cen-surar-se ao governo actos que não fossem da responsabilidade da endidade governo (apoiados).
Emquanto a actos da vida particular nunca, elie orador, atacou alguem, nem da mesma- forma por qualquer publicação que ãlguin individuo podesse ter feito na qualidade de particular.
O Orador:-Adopto o que v. exa. diz, e procurarei não sair* das regras da boa discussão parlamentar".
Entendo que na parte politica posso alludir aos factos, assim como entendo tambem que todo o homem deve responder pela sua vida politica, e mesmo pela particular.
Eu já nesta casa enunciei uma proposta que muito desejava ver adoptada, para que os pares do reino não tenham privilegio algum de foro especial. Quando algum eora-metter um crime, pois como homem póde commette-los, que vá responder aos tribtmaes oiide respondem oã outros cidadãos. E preciso que acabe o regimen dos privilegios.
Sr. presidente, eur como já disse, não quero obrigar o sr. ministro da marinha a fallàr; e se v. exa. entende que não deve ter logar esta discussão, peça ao ST. ministro que me não responda. Eu apenas me referi a actos da vida publica, e a esses sempre os homens publicos se referirão em as assembiéas politicas. O sr. ministro fará o qite entender; eu pela minha parte declaro que entendo ter prestado Um serviço ao meu paiz, e não hei de recuar diaiitè de quaesquer dificuldades, diante de quaesquei intrigas, ani-mosidades ou tramas, e muito menos de quaesquer ameaças, venham donde vierem, para continuar a seguir a mesma senda, proclamar os mesmos principios que tenho proclamado e hei de proclamar até á morte.
A independencia nacional será o sonho dourado dos rceuã dias, porque esta idéa generosa e grande nunca morrerá no meu coração, porquanto os meus voto/s de hoje espero
iião serão "jamais desmentidos por nenhum acto durante a vida, e acabarei os meus dias com a consciencia tranquiiia para nunca ter atraiçoado a minha patrio., sendo-me por isso dado o poder soltai1 com o ultimo brado a ultima expressão do meu patriotismo, è-essa expressão se resumirá nas seguintes palavras proferidas com fé e enthusiasmo: « Triumphe a justiça, triumphe. a liberdade, triumphe a independencia nacional.» (Apoiados.)-
"O "sr. Ministro da Marinha (Latino-Coelho): - Sr. presidente, começo por agradecer ao digno par o sr. marquez de Vallada, o ter-me proporcionado esta occasião, que ha muito desejava, do dar ao parlamento e ao paiz algumas explicações ácerca das accusaçÕes que me teem sido feitas no mesmo sentido em que as repetiu o digno par.
S. es.ª lendo um folheto que escrevi ha muitos annos, e .de cujas phrases já me será difficultoso recordar-me, in-terpellou-rae para que eu dissesse se ainda professava hoje as doutrinas que então manifestei. São j á decorridos tantos annos depois da publicação do folheto a que s, exa. se referiu, e de que fea a leitura de alguns trechos, que eu pedia-lhe o obséquio de ine emprestar o exemplar de que fez uso, onde de certo estão annotadas e commentadãs (visto que as tencionava ler), as palavras incriminadas, para que mais facilmente eu possa responder ás interrogações que o digno par me dirigiu. Se s. exa. .se dignar emprestar-me o exemplar deste opusculo que pertence hoje ao dominio da historia" li-tterafia (se porventura bagatellas desta ordem podem pertencer á historia li iteraria), far-me-ha um grande favor, porque são já decorridos tantos annos depois que foi escri-pta áquella obra que não me lembra agora bem quaes foram as phrases que empreguei. (O sr. Marquez de Valia-da: - Corn todo o gosto.) Desejo dar do seu sentido, e ao seu significado explicações, que hei de procurar que sejam-satisfactorias, e não o conseguindo, não terei duvida alguma em annuir á segunda parte do pedido, ou interpellação, do digno, par, fazendo a retractação de quaesquer doutrinas, qne pareçam, ainda que» remotamente, ser ofiensivas desta sacratissima religião, que todos os "portuguezes devemos professar, do amor pela nossa patria, e de respeito pela sua independencia e autonomia.
Tenho sido accusado muitas vezes por este prólogo, que halargos annos escrevi, e que tem sido menosverdadeiramente interpretado na imprensa e no parlamento. Este prólogo é antes um esoripto litterario do que uma affirma-ção politica. A memoria á qiie serve de introducçao, pela leitura se conhece que é antes um tratado de philosophia sobre as vantagens dá união pacifica dos dois povos, do que um folheto destinado a fazer uma propaganda activa, energica e immedtata.
Ora,-quem ler despreoccapadamente as poucas linhas que servem de introducçSo á memoria do sr. D. SinibaldodeMas ha de ver desde o principio que o prólogo em vez de ser um, dscripto de&tinado a combater por uma idéa iinmerlia-tamente realizavel, não é Senão uma utopia philosophica, UÍH destcs idylids politicos que passam pela cabeça de todos og homens quando começam a sua carreira de escri-piores, quando se lhes afigura que a humanidade seria mais bem regida, toais frcctuosatisefite" governada, os seus interesses mais bem tutelados, se destruidas as fronteiras historicas, todos se congregassem em ágapes eomrauns, e em convivio sincero e paternal. Se combatidos-c annullados todos os dissentimentos e antipathias internacionaes, se podesse realisar-se o sonho querido de muitos utopistas, amigos sinceros da humanidade; o ideal de uma republica de paz constituida por toda a christandade...
O ST..Marquez de Vattada:-Sem o papa por chefe.
O Orador: - Ou. com o papa por chefe. Quem ler pois aqitèlle escripto com o animo despreoccupado, e sem intenção d0 fazer delle" uma aftiia politica, ha de immediata* mente convencer-se" de que a idéa~ que o dominou é esse mesmo principio que tem. inspirado a muitos scismadôres da pás e da fraternidade universal j é áquelle mesmo prin-
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cipio de que se inspiraram homens eminentes, como Manuel Kant, João Jacques Rousseau, o abbade de Saint Pierre, e todos aquelles que no recesso do seu gabinete, sem responsabilidade politica, sem serem obrigados a contrariar o seu pensamento pelas necessidades da vida pratica, têem sonhado a união de todos os povos, pelo menos das nações christas, no mesmo gremio, sob a mesma legislação politica, constituindo uma unica familia, destruindo todas as animadversões hereditarias, todos os conflictos ambiciosos, todas as contrariedades internacionaes que a historia tem registado e robustecido, e que devemos esperar que a civilisação ha de tender a destruir cada vez mais sem contudo chegar nunca a annullar completamente esta divisão natural da humanidade em differentes familias nacionaes que têem todas uma rasão moral e historica de ser, e mais do que nenhuma aquella a que debaixo do nome de nação portuguesa temos a honra e a gloria de pertencer.
Sr. presidente, eu devo dizer, antes de ir mais longo, que esta introducção foi escripta parece-me que no anno de 1852. (O sr. Marques de Vallada: - É verdade.)
Ora, desde o anno de 1852 até hoje têem decorrido, se não me engano, dezesete annos. Eu não sou dos mais proveetos, e fazendo um calculo muito facil não seria difficil concluir comparando as datas, que quando escrevi era mancebo de poucos annos, ainda numa idade florente e juvenil. Tinha então todas as idéas que os homens professam quasi sempre no verdor da juventude.
Tinha então todas as idéas que teem os homens novos quando começam a escrever, e havia muito pouco tempo que escrevia para a imprensa.
Devo dar esta explicação, a fim de que s. exa. não imagine que no decurso de dezesete annos não se possam ter operado no meu modo de ver theorico todas as modificações que tornassem compativeis as minhas idéas de então com o logar que estou occupando, sem comprometimento para a dignidade e independencia do paiz.
Examinando o prologo veria o digno par, se quizesse le-lo com mais alguma attenção, e sem escrupulo decidido pela minha reputação de ministro e de escriptor, que a tendencia d'este escripto é toda philosophica.
Começa elle dizendo o seguinte (leu).
Começa o escripto anathematisando por uma proposição tão incontroversa, qual é aquella que acabei de ler.
Não se póde negar que a civilisação tende a reduzir o numero destas aggressões, que dividiram e retalharam a humanidade em tempos mais afastados.
S. exa., que tem cultivado com tanto fructo a philosophia da historia, ou pelo menos a historia da philosophia, sabe que a tendencia manifesta da humanidade foi sempre o agrupamento dos povos mais ou menos separados entre si, em uma familia commum. Foi este o sonho dos imperadores romanos, foi este o principio que presidiu a todos os esforços tentados na idade media para reconstruir o imperio do occidente, foi o sonho de Carlos V, emfim foi a idéa dos povos e dos conquistadores, a idéa da guerra e a da paz, a idéa da ambição guerreira e a da civilisação pacifica. Se attentarmos bem no numero de povos independentes que dividiam entre si o territorio da Europa em epochas não mui remotas, por exemplo, antes da paz de Westphalia, já depois das multiplicadas annexações effectuadas durante a idade media que deram os ultimos golpes no regimen feudal e consolidaram as modernas monarchias européas, havemos de concluir que o numero de povos mais ou menos independentes, mais ou menos distanciados por antipathias tradicionaes, foi diminuindo successivamente até á idade actual.
Isto porém não quer dizer que a nacionalidade dos povos não seja respeitavel e veneranda, principalmente quando se estriba em tão solidos e inquebrantaveis fundamentos, que oppor-se a ella seria contradizer não sómente a historia, mas violentar a indole propria, a physiologia moral do povo, a quem se applicasse pela fortuna das armas
ou pelo capricho da diplomacia uma annexação contra natural, que não produziria no futuro senão a guerra civil entre os elementos mal agrupados de uma grande nacionalidade ficticia e apparente.
Participando do principio das grandes nacionalidades, que é inquestionavelmente uma lei historica, lei que vemos hoje realisada na Italia unificada, lei que vemos verificada na confederação germanica do norte, lei que vemos demonstrada em muitas grandes nações de hoje, que são aggregações de povos ou pequenas nações que eram em outro tempo independentes, e que tinham o seu logar no systema europeu, não admira, digo, que partindo d'estes principios, e inspirado por idéas que tinham seduzido os espiritos mais eminentes, eu escrevesse o prologo a que se referiu o digno par.
É n'este crime, devo dizer, tive por complices alguns homens notaveis d'este paiz. Um d'elles é hoje ornamento d'esta casa, homem, eminente pelo seu talento brilhantissimo, A esse cavalheiro têem sido feitas accusações similhantes áquellas com que se tem procurado deslustrar o meu patriotismo, e estabelecer entre mim é a opinião publica, uma suspeição malevolente, uma malquerença calculada que importaria certamente uma grave responsabilidade para quem levanta inpensadamente accusações similhantes, se quem as forja e as propaga tivesse alguma vez professado sinceramente a religião da consciencia. O cavalheiro a quem me refiro é o digno par o sr. Casal Ribeiro. (O sr. Casal Ribeiro: - Peço a palavra.)
O sr. Casal Ribeiro tambem foi réu d'este mesmo enthusiasmo juvenil, e não ha ainda muitos annos, quando esteve no poder a ultima vez, era tambem costume de certas pennas, que costumam inspirar-se na malevolencia, accusar o digno par, que então assistia aos conselhos da corôa, de querer vender o sou paiz á Hespanha.
Esta arma nas mãos das opposições malevolas é já tão antiga e tão desautorada que quasi não valia a pena oppor-lhe armas cortezes e leaes, porque já está demonstrado que todas as vezes que um homem publico, fóra de todas as responsabilidades do poder tiver dito que num futuro, embora remotissimo, a peninsula, que já constituiu uma grande monarchia visigoda, póde ainda no volver dos tempos, e segundo evoluções historicas, que não é dado calcular, constituir uma grande nação, o que uma vez avançar este teorema ou manifestar philosophicamente este voto de espontanea inspiração, é logo declarado traidor á patria, embora nos proprios escriptos em que haja manifestado esta doutrina se encontre em energicos protestos e em gloriosas recordações de heroicos feitos nacionaes, a prova incontestavel de que se o philosopho entrevê entre as nevoas do futuro a ridente perspectiva de um novo e fluente estado social, o cidadão de hoje prefere morrer pertencendo a uma nação pequena e pobre, mas livre, independente, altiva, mas cheia de dignidade, de brios e de magestade nacional, a curvara cerviz ao jugo estrangeiro, ainda quando fosse promettedor de futuras prosperidades e grandezas. Que não póde haver bem que se compare á liberdade de uma nação, nem fortuna maior do que a pobreza doirada pelo orgulho nobilissimo da independencia nacional.
Responderei agora ás perguntas ou interpellações que me dirigiu o digno par.
S. exa. perguntou-me, em primeiro logar, se eu aceitava a responsabilidade do escripto que esteve commentando, e eu digo que aceito a responsabilidade politica e a responsabilidade litteraria de um escripto que, posto que anonymo, tenho a lealdade e franqueza de perfilhar, porque todas as vezes que tenho escripto, ainda que não assignasse o meu nome, tornei-me responsavel pelas minhas opiniões, procurando sempre escrever de modo que não podesse nunca a vehemencia rebaixar-se até á calumnia, nem o uso da imprensa como arma de opposição, me podesse comprometter em epochas futuras.
Direi, pois, ao digno par que tomo a responsabilidade
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inteira do escripto que s. exa. esteve analysando durante algum tempo.
Quanto á segunda pergunta que o digno par me dirigiu = se eu professo as mesmas opiniões que possam comprometter a dignidade nacional e a independencia do paiz =; eu poderia tambem responder com alguns dos proprios periodos do prologo que os meus adversarios deliberadamente costumam omittir nas accusações que me dirigem quando me descrevem propenso a uma união fortuita, desnatural, violenta ou insidiosa, pactuada por intrigas e não consentida pela vontade popular, união que sob taes auspicios eu condemnei n'aquelle escripto, e reprovo hoje solemnemente como a hypocrisia da fraternidade entre os povos peninsulares.
Se o digno par tivesse lido a pagina 42 da tão citada introducção, havia de ver que n'este mesmo escripto, onde se evangelisava a futura união pacifica e voluntaria das duas nacionalidades, vinha formulado um energico protesto contra todas as fusões violentas pelo juizo das armas ou pelo enlace das dynastias. Diz o prologo (leu).
Parece que quem escreveu ha dezesete annos, a par ou juntamente com algumas idéas puramente philosophicas, uma declaração tão clara contra toda a idéa de fusão ou conquista, podia considerar-se como tendo a sua reputação inteiramente illibada de querer attentar contra a independencia e a liberdade da nação, sujeitando o altivo Portugal á soberania de Madrid.
O digno par, e eu appello para a sua consciencia, creio que no intimo da sua alma está convencido de que alem do prologo escripto ha tantos annos, nunca na minha vida fiz uma só diligencia directa ou indirecta para que o pensamento que se continha na memoria que estamos agora discutindo, podesse realisar-se praticamente. Ha ainda mais. Sou accusado de haver escripto ha dezesete annos o prologo da Iberia. E porque não citaes vós os meus escriptos de muitos annos, num jornal de que tenho sido muitas vezes redactor? Porque vindes manifestar á luz do dia as antigas opiniões, e escondeis na sombra os escriptos modernissimos em que affirmei energicamente a independencia da nação?
Aqui ha alguns annos, não ha muitos, discutiu-se na imprensa a alliança entre os dois povos peninsulares, com referencia a um documento diplomatico então muito celebrado. Por essa occasião escrevi contra toda a idéa de fusão, ou ainda mesmo de alliança, que podesse transcender os limites da boa e cordial vizinhança entre dois povos que são irmãos pelo berço e genealogia politica, que vivem, por assim dizer, na mesma terra, que teem costumes similhantes, e tradições enlaçadas entre si, que se devem amar como irmãos e alliados, conservando a sua independencia, zelando a sua nacionalidade, honrando, como patrimonio inestimavel, as tradições de uma historia igualmente gloriosa para uma e para outra nação.
Se pois o digno par me torna responsavel pelos escriptos de dezesete annos, eu peço a s. exa., invocando a sua muita caridade evangelica, que se lembre tambem dos escriptos em que tenho defendido ardentemente a nacionalidade portugueza.
Não ha ainda muitas semanas, escrevendo eu a um cavalheiro hespanhol, eminente por talentos, eccllocado numa elevada posição politica, e respondendo-lhe francamente ácerca dos negocios da peninsula, eu aproveitei a occasião para firmar de uma maneira clara e inconcussa a minha opinião inabalavel ácerca das ligações politicas entre os dois povos peninsulares. Dizia-lhe eu que os dois povos irmãos, como irmãos se haviam de acatar e favorecer; irmãos pela sua nobilissima ascendencia, irmãos pelas emprezas cavalheirosas em que lidaram, iniciando os descobrimentos da idade moderna; irmãos pelo generoso afan com que neste seculo se tem empenhado por conquistar e reivindicar as suas liberdades contra todas as oppressões e tyrannias. Que nos cumpria viver em paz sincera e fraternal, conservando todavia perfeitamente definidos os nossos lindes e fronteiras immemoriaes. Assim nos ajudaremos na actualidade com mais fructo, e contribuiremos para a commum prosperidade e grandeza da peninsula, do que por uma união apparente e ficticia, que, qualquer que seja a sua fórma, nas presentes condições da peninsula e nas suas actuaes relações com o systema europeu, trará sempre nas apparencias de um enthusiasmo ephemero e de uma irreflectida communhão, a semente funesta dos odios civis, e das guerras diuturnas e crudelissimas, que até hoje teem seguido de perto todas as tentativas feitas pela diplomacia ou pela espada, para effectuar a união entre os dois povos peninsulares.
Agradeço ao digno par (reitero o que disse no principio do meu discurso), o ter-me offerecido ensejo para dar sobre este assumpto algumas explicações ao parlamento, e por consequencia ao paiz. Obrigava-me a estas explicações a insistencia com que tenho sido accusado injustamente pela imprensa, por homens que me têem condemnado sem consciencia e sem rasão. Tranquillo no sanctuario da consciencia, tenho até agora levado a longanimidade a ponto de não responder nem uma só palavra pela imprensa, que tem sido durante tantos annos a tribuna onde tenho defendido as liberdades e os direitos de paiz. Oppuz até hoje silencio ás provocações insolitas, que uma imprensa, que não quero nesta occasião qualificar, me tem dirigido continuamente, depois que tomei logar nos conselhos do governo. Esperei sempre que abertas as côrtes, algum incidente parlamentar me daria occasião para explicar as minhas antigas e modernas opiniões ácerca das relações entre os dois povos peninsulares, para protestar energicamente contra toda a idéa de fusão ou união violenta ou diplomatica de dois povos que devem respeitar-se e ajudar-se mutuamente, e que só d'essas relações de fraternal independencia poderão derivar a sua maior força no futuro, e a sua paz e segurança no presente.
(Occupou a cadeira da presidencia o sr. conde de Castro).
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. presidente do conselho e ministro dos negocios estrangeiros.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Creio que sou eu que me sigo a fallar depois do sr. ministro da marinha.
O sr. Presidente: - Sem fallar do que estabelece o regimento, creio que não deixei de seguir a ordem da inscripção, mas o sr. secretario vae ler para que se verifique.
O sr. Secretario Visconde de Soares Franco leu a inscripção.
O sr. Presidente: - Creio que o digno par estará satisfeito.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: - O meu fim é fazer algumas observações ao que disse o sr. ministro da marinha, por consequencia pouco importa esperar um quarto de hora ou meia hora que seja.
O sr. Presidente do Conselho (Marquez de Sá da Bandeira): - Não tenho que fazer mais do que ratificar o que hontem disse quando respondia ao digno par o sr. Casal Ribeiro, sobre a responsabilidade que me pertence exclusivamente, com relação á questão do telegramma. Nada mais digo sobre isso, porque fui bem explicito e sincero (apoiados).
Ha porem um ponto novo que foi hoje tocado pelo digno par que tem occupado a sessão. Disse s. exa. que se admira de que eu não tenha até agora na minha qualidade de ministro da guerra, apresentado quaesquer trabalhos sobre plano de fortificações. Respondo a s. exa. que não tem descurado esse negocio, e que logo que o estado da fazenda publica permitta serão apresentadas ás camaras as propostas necessarias para se estabelecerem os fundos indispensaveis para conseguir tão justo fim. O que digo das fortificações, acontece igualmente com relação á força do exercito.
Tenho concluido, por que emquanto ao mais acho escusa
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do repetir o que disse quando respondi ao digno par o sr. Casal Ribeiro.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: -Sr. presidente, só direi poucas palavras sobre a presente discussão, porque me acho bastantemente incommodado.
Entretanto não posso deixar de dizer alguma cousa sobre o presente assumpto, porque fui eu que na sessão, em que se discutiu a resposta ao discurso da coroa, alludi ao prologo escripto pelo sr. ministro da marinha para a traducção da memoria do sr. D. Sinibaldo de Mas, Iberia, e mostrei a contradicção entre as opiniões do sr. ministro da marinha com a doutrina exarada na allocução dirigida por esta camara a Sua Magestade, no dia 29 de abril, e a resposta do mesmo augusto senhor; contradicção esta que não permitte a presença de s. exa. nos conselhos da corôa.
O sr. ministro acaba de desculpar-se com a sua pouca idade, quando escrevera o prologo alludido, e que era mais uma obra philosophica e litteraria do que um folheto para servir de propaganda immediata, e que eram já decorridos dezesete annos depois que a escrevêra.
Mas a obra de s. exa., embora de um mancebo, não é só uma obra litteraria e philosophica para realisar no futuro uma idéa grandiosa. Eu vejo n'este documento um periodo no qual s. exa. diz, depois de outras palavras elegantes, "o que a espada victoriosa do duque de Alba e a do marquez de Santa Cruz, só póde fundar por sessenta annos, a politica pede que o fundemos para sempre."
A vista d'estas palavras não se póde entender senão que a fundemos nós e não os vindouros.
Se s. exa. ainda conserva esta mesma opinião, não sei eu; só sei que, depois da opinião de s. exa. assim manifestada, ainda não vi outro documento, pelo qual eu possa conhecer que s. exa. mudou de opinião.
O sr. Ministro da Marinha: - Não está assignado por mim.
O Orador: - Perdoe v. exa., mas os ministros devem ser chamados ao poder pelas opiniões, que professam e teem manifestado...
O sr. Ministro da Marinha: - Mas em que documento encontra v. exa. a affirmativa?
O Orador: - Encontro a affirmativa no prologo da obra do sr D. Sinibaldo!
O sr. Ministro da Marinha: - Eu não o assignei; mas repito onde é que v. exa. encontra a affirmativa?
O Orador: - Onde encontro a affirmativa? No proprio facto de não ter sido desmentida essa opinião por v. exa.
O sr. Ministro da Marinha: - Mas assim como v. exa. admitte como authentica a opinião exarada n'esse prologo embora anonymo, porque não ha de admittir que eu tenha expendido tambem anonymas as explicações e commentarios d'essa idéa?
O Orador: - Desejarei muito que v. exa. me responda ás observações, mas depois de eu terminar e que me não interrompa.
Proseguindo portanto nas minhas reflexões, e respondendo ás interrupções de s. exa. direi que não sei que o prologo a que me tenho referido esteja assignado e reconhecido pelo tabellião com todas as formalidades prescriptas, mas sei que no proprio livro se diz que a memoria é precedida de um prologo do sr. Latino Coelho.
O sr. Ministro da Marinha: - Mas onde é que isso está?
O Orador: - Ha de permittir-me o sr. ministro que lhe observe que essa coarctada é impropria, e que não devia recorrer a ella uma pessoa de tanto saber e intelligencia como s. exa. Nós, sr. presidente, não temos nada com as opiniões pessoaes; mas quando um homem tem manifestado certas opiniões, e que as tem publicado pela imprensa, e se acha á frente dos negocios publicos, não se póde escandalisar que lhe tomem conta d'essas opiniões. (O sr. Ministro da Marinha: - Não me importa.) S. exa. disse que era uma obra philosophica, mas eu peço licença para repetir o trecho ao prologo da memoria sobre a Iberia, que ha pouco li, e veremos como s. exa. encarou esse systema philosophico. Diz s. exa.: "O que a espada victoriosa do duque de Alba e do marquez de Santa Cruz póde fundar por sessenta annos, a politica pede que o fundemos para sempre."
O que s. exa. diz agora, é que a sua idéa quando escreveu aquelle prologo, era que a união de Portugal com a Hespanha só se realisasse para o futuro; mas então o que querem dizer as palavras a politica pede que o fundemos para sempre? Ou eu não entendo as palavras e phrases portuguezas, ou esta phrase quer dizer desde já; quanto mais depressa melhor. Como é então que o systema de s. exa. é só para se realisar para o futuro?
Alem d'isto diz s. exa. mais abaixo: "Portugal precisa que lhe injectem sangue novo. No seu solo cresceu, enramou tão vivaz, tão luxuriante, a arvore da heroicidade, que o torrão esterilisado só póde brotar hervas inuteis e damninhas, etc."
Será tambem um systema philosophico depreciar com um traço de penna todas aquellas pessoas que nasceram em Portugal, que o estão ennobrecendo pela sua intelligencia, pelos seus serviços e mesmo pelas suas virtudes?
Ora, sr. presidente, só com muita pouca idade é que se podia escrever similhante cousa; mas depois do homem feito, é necessario que pelos seus escriptos se mostre arrependido do que disse, e que faça justiça aos seus concidadãos; mas quando o não tenha feito, e for chamado para occupar logares tão eminentes como aquelle que actualmente s. exa. occupa, cumpre que se lhe peçam contas das suas opiniões. É preciso ter muita paciencia para poder ler as palavras que ultimamente referi. S. exa. lente da escola polytechnica, e rodeado de mancebos illustrados e talentosos, entende que elles tão bem são hervas inuteis e damninhas, só porque nasceram portuguezes!! S. exa. não póde escandalisar-se que lhe avaliem as suas opiniões, quando ainda não deu provas de as ter mudado; agora porem diz, quanto ao prologo, que é um trabalho litterario e philosophico, para mostrar as vantagens da união de dois povos, sem que seja para se realisar immediatamente!
Concluirei dizendo que me permitta o sr. ministro que eu lhe diga que as suas explicações me não satisfizeram.
O sr. Presidente: - Está quasi a dar a hora, e portanto parecia-me que o melhor e mais conveniente seria, havendo varios dignos pares inscriptos, continuar o assumpto na sessão seguinte.
O sr. Visconde de Chancelleiros (para um requerimento}: - Pedia a v. exa. para informação propria, porque não tenho assistido ás sessões passadas, que me dissesse o que é que está em discussão. Se é a questão da iberia, requeria a v. exa. que se d'esse por terminado este assumpto, visto que sobre ella não póde recaír votação alguma.
O sr. Presidente: - O que está em discussão é a interpellação do digno par, o sr. Casal Ribeiro. Tem a palavra s. exa. visto ser o primeiro que se acha inscripto.
O sr. Casal Ribeiro: - Declarou que o seu fim na presente interpellação não fôra levantar uma questão politica, e menos suscitar questão academica, philosophica ou historica, nem relembrar responsabilidades antigas. Não se arrependia de ter trazido o assumpto á téla da discussão, porque consideraria o governo do nosso paiz altamente criminoso se não tomasse conhecimento d'esta questão; que os factos desdizem a declaração do sr. marquez de Sá sobre o assumpto, e declarava que com ella se não dava por satisfeito, contando todavia por terminada a sua missão; mas fazendo o sr. ministro da marinha degenerar o debate, trazendo para a discussão actos pessoaes em referencia a elle orador, não podia ficar silencioso, e por isso passava a fazer varias considerações.
Entrando n'estas não as póde concluir por ter dado a hora, ficando com a palavra reservada para a seguinte sessão.
(O discurso de s. exa. será publicado quando devolver revistas as notas tachygraphicas.)
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O sr. Presidente: - Sendo cinco horas e um quarto fechou a sessão, determinando que a proxima sessão tenha logar no dia 24 do corrente, sendo a ordem do dia a continuação d'esta interpellação, e o mais que se apresentar.
Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 21 de maio de 1839
Os exmos. srs.: Condes de, Lavradio, de Castro; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, do Niza, de Sá da Bandeira, de Sabugosa, de Vallada; Condes, das Alcaçovas, d'Avila, da Azinhaga, de Cabral, de Cavalheiros, de Fonte Nova, do Fornos, da Louzã, de Mesquitella, do Rio Maior, do Samodões; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Benegazil, de Chancelleiros, de Condeixa, de Fonte Arcada, de Fonte Arcada, de Monforte, de Soares Franco; D. Antonio José de Mello, Costa Lobo, Rebello de Carvalho, Barreiros, Silva Ferrão, Margiochi, Larcher, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Casal Ribeiro, Rebello da Silva, Fernandes Thomás, Ferrer.