38 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
O digno par disse que havia muitos ramos da administração publica que careciam de reforma, e que não era por falta de recursos intellectuaes, mas sim pelas circumstancias politicas em que nos encontrâmos, que essas reformas não se realisam.
Infelizmente não posso acceitar o favor. Todos sabem que não ha pessoa alguma que possa realisar tanto quanto deseje com relação aos melhoramentos publicos de que o paiz carece.
Não ha só a attender ás exigencias dos partidos, que apoiam os governos, ou das opposições; tambem deve haver respeito á influencia dos corpos politicos; e não ha ninguem que possa resistir a todas estas circumstancias reunidas ou separadas; e especialmente a todas ellas. Mas, sr. presidente, debaixo do ponto de vista economico, parece-me poder dizer, que, se por alguma cousa se póde aferir a prosperidade do paiz, é de certo pelo seu credito. Quando em 1871 entrei no gabinete, encontrei os titulos de divida fundada a 34 e a 35; e mais tarde, estando eu ainda no governo, chegaram a 54 e 55.
Ora, creio que este facto é só por si tão importante, que não se póde por certo dizer, que aquella administração não fez nada, economicamente fallando. E quando ella não tivesse feito senão politica, mesmo adoptando a phrase do barão de Louiz - sem boa politica, não ha boas finanças - isso provava que a politica que seguiu aquella administração não era tão má ou tão inutil, que não tivesse produzido aquelle resultado, o qual representa o credito do paiz, o que não é licito desprezar.
Com relação a melhoramentos materiaes, todos sabem que ha dois caminhos de ferro que em breve estarão concluidos, que de certo serão de grande prosperidade para o paiz. Não fallarei em outros melhoramentos, que o paiz reclamou e applaudiu; mas parece-me que tudo quanto temos feito não tem sido tão inutil como se pretende affirmar.
Debaixo do ponto de vista militar, creio que alguma cousa se fez.
Os exercitos não se mantêem só com armas; é necessario dotal-os com algumas leis que são indispensaveis.
Eu não quero fazer o elogio da administração de que fiz parte; mas de certo ninguem poderá dizer que essa administração não deixou de si alguns vestigios uteis para o paiz.
Não serão as minhas palavras que hão de crear essa convicção no digno par. Deixo á consciencia publica a apreciação dos actos da administração a que presidi, e ella de certo reconhecerá se esses actos foram bons ou maus.
Como o digno par discorreu sobre variadissimos assumptos, não poderei naturalmente seguil-o em todos elles; mas pelo que diz respeito a alguns, sobre que chamou a minha attenção, direi algumas palavras, por obediencia ao meu dever e respeito ao digno par.
Queixa-se o digno par das irregularidades que se praticam no recrutamento, mas de certo não passa pelo seu espirito o attribuir-m'as.
A lei que regula o assumpto é a de 1855, vem já de longa data, tem passado pelo ministerio homens de grande intelligencia e, de grande valia politica de todos os partidos, e nenhum tem conseguido fazer desapparecer essas irregularidades, tornando-a uma verdade pratica e isentando-a do favoritismo que se pratica, como todos sabem, quee todos lamentâmos, mas que escapa á acção da propria lei.
Estou de accordo com o digno par, e tudo o que poder fazer para que o imposto chamado de sangue seja distribuido o mais equitativamente hei de fazer.
Quanto á apresentação da lei, não me comprometto a fazel-o n'esta sessão. Declaro-o desde já, porque costumo ser sempre franco. Essa lei foi incumbida a uma commissão, e não a tenho estudado por modo que a possa apresentar desde já, mas creia s. exa. que será apresentada na proxima sessão legislativa com um conjuncto de leis que se precedem e ligam intimamente com ella.
A organisação do exercito é connexa com a lei do recrutamento, póde quasi dizer-se que é a lei do recrutamento; e segundo essa lei assim elle é organisado. Como o digno par comprehende, estes assumptos requerem o mais largo estudo, e por isso, repito, não me comprometto a apresentar desde já a lei do recrutamento, reservando-me, como disse, apresental-a com um conjuncto de outras medidas na proxima sessão parlamentar.
Emquanto á lei eleitoral, temos uma proposta apresentada pelo ministerio transacto. Esse projecto comprehende o alargamento dos circulos dentro de certos limites, e o augmento do numero dos circulos eleitoraes está perfeitamente de accordo com todas as indicações liberaes, dentro, bem entendido, de uns certos limites que se não devem ultrapassar.
Ora não saíndo o projecto d'esses limites, o governo não fez mais do que adoptal-o como base, e a commissão a que está affecto, de accordo com o governo, dará o seu parecer.
Entendo, sr. presidente que o systema representativo é o governo do paiz pelo paiz; mas para que elle seja verdadeiro é indispensavel a organisação de uma boa lei eleitoral, que deixe as menores duvidas possiveis sobre a genuina expressão do voto, garantindo a verdadeiro expressão da vontade nacional.
Não posso fazer injuria á representação nacional, dizendo que não representa o paiz, quando a verdade é que o representa legitimamente, na conformidade das leis vigentes que foram votadas pelos corpos legislativos e sanccionadas pela corôa. Agora, se me disserem que é possivel haver uma representação mais completa, mais perfeita, não o contestarei, porque não ha disposição alguma na lei actual que não possa ser melhorada ou aperfeiçoada de modo que se chegue a uma mais exacta, mais genuina representação nacional; mas d'aqui a invalidar moralmente essa representação vae uma grande distancia. Por consequencia declaro ao digno par, que o governo está resolvido a promover na camara dos senhores deputados a discussão e votação da lei que modifica a lei eleitoral em vigor, assim como está prompto a ir á commissão encarregada de dar parecer sobre a reforma da lei da successão do pariato para tratar no seio d'ella d'este assumpto, a fim de ser submettido ao exame da camara.
Quanto ao mais o governo não faz programma, como já tive a honra de dizer. Todos conhecem as nossas idéas e os nossos principios, e a camara sabe que não me retracto nunca.
Tendo estado tantos annos á frente dos negocios publicos, os meus acertos ou erros são conhecidos de todos, e por isso me julgo dispensado de fazer programma.
O sr. Marquez de Vallada: - Referindo-se aos abusos praticados á sombra da actual lei eleitoral, alguns dos quaes teve mais amplo conhecimento no periodo da sua gerencia no governo civil do districto de Braga, mencionou as providencias que adoptou para fazer regularisar o serviço das instituições pias e corporações de beneficencia no mesmo districto; e concluiu fazendo votos por que o governo olhe com grande attenção para os diversos ramos da administração publica.
O sr. Presidente: - A primeira sessão terá logar no sabbado, sendo a ordem do dia a continuação da que estava dada.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas e tres quartos da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 6 de fevereiro de 1878
Exmos. srs.: Visconde de Villa Maior; Duque de Palmella; Marquezes, de Fronteira, de Sabugosa, de Vallada; Condes, das Alcaçovas, de Avillez, de Cabral, de Caval-