DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 53
gorosa e por certo não menos eloquente nos paragraphos d'este folheto, cuja importancia o titulo apenas significará á camara.
Eil-o; é a Exposição justificativa e programma do partido progressista, lido em assembléa geral do mesmo partido na noite de 16 de dezembro de 1876. Devo a leitura d'elle á generosa benevolencia do illustre ministro do reino, que m'o offereceu um d'estes dias.
«A camara dos deputados, eleita não pelo paiz, mas pelos agentes do poder executivo, mercê dos mais ominosos processos de corrupção, exprime, na sua grande maioria, a vontade dos ministros, a cegueira dos interesses individuaes, a immolação da justiça, o desprestigio da administração, a indifferença publica e a decadencia do espirito nacional.
«A camara dos pares, nascida da prerogativa real, dirigida e aconselhada pelos ministros (tome a camara nota d'estas palavras) ou da cega designação da hereditariedade, não representa nenhum elevado interesse nacional, nem póde ter, em principio, a independencia e a auctoridade necessarias para conter as demasias, ou reprimir as funestas tendencias dos governos.»
É ou não, é eloquente a citação?
(Continua lendo.)
«Pois, apesar de compostas por esta fórma as duas camaras legislativas, ainda a constituição armou a prerogativa real com a faculdade amplissima de nomear pares sem numero fixo, e com o terrivel direito de dissolver e adiar a camara dos deputados.
«Assim viciada o deturpada a eleição, constituidas as camaras ao sabor dos governos, modificadas ou dissolvidas as suas maiorias pelo uso arbitrario das prerogativas, do poder moderador, que na pratica se não differença do executivo, com o qual vive em intimo consorcio (perguntariamos agora, desde quando? Até quando vão dizel-o o proprio folheto) até que as explosões do sentimento popular o advirtam da imminencia do perigo, o regimen constitucional, exceptuada a liberdade de escrever e de fallar, de que amplamente gosâmos, é a mais custosa burla... (vejam se não é incisiva e eloquente a expressão) com que póde illudir-se uma nação livre, que conquistou nos campos de batalha a sua alforria politica e o direito de reger-se a si propria.»
Não tinha eu rasão de affirmar que, sendo no fundo da idéa o mesmo o pensamento da proposta do sr. visconde de Seabra, não tem a redacção d'ella, nem mais vigor de eloquencia, nem mais importancia do momento do que a que inculcam e definem por si todos os citados trechos? O que lhes tira, porém, auctoridade, é a circumstancia da occasião; exactamente o contrario do que acontece com a proposta do digno par, que vem aqui hoje com um accento de convicção, que lhe faz honra, affirmar a mesma doutrina que o governo proclamou e que hoje renega.
Repito, sr. presidente, honra ao digno par, para cujos serviços á causa da liberdade fôra inutil appellar, para que a sua palavra tenha a auctoridade que lhe derivar da sua illustração, do seu passado e das suas condições. É auctorisado o seu voto, é competentissima a sua opinião, e deve-nos ser insuspeito o seu zêlo pela pratica sincera do systema representativo. Falla o soldado das campanhas da liberdade, o parlamentar distincto, o jurisconsulto abalisado, o auctor do codigo civil portuguez. E em defensão dos principios liberaes podemos dizer, applicando, a s. exa. o que de si proprio diz o famoso epico portuguez:
«N'uma mão prompta a espada e n'outra a penna.»
Não lhe abate o animo o cançasso da idade e talvez na ultima hora da vida, porque aos oitenta annos, como s. exa. disse, é curto o horisonte que temos diante de nós, veiu e apparece aqui defendendo e sustentando, com rara energia de espirito e vigor de convicção os principios que triste é ter de fazer relembrados, porque depois de cinconta annos de vida constitucional nunca se deviam ter por esquecidos.
Voltêmos, porém, de novo a este evangelho politico; (mostrando o folheto) evangelho, sim, ou antes catechismo de boa politica, por onde eu prometto dirigir-me sempre na minha vida de opposição. Aprende-se n'elle como se deve conduzir e guiar o espirito do publico e do proprio partido quando se combate o poder, como ali nos actos d'aquelle gabinete se desaprende e se deixam esquecidos os principios que este catechismo professa; como se deixam tambem preteridas e perfeitamente obliteradas todas as praxes de bom governo.
(Continua lendo.)
«A reforma da carta, tomando por base os projectos já apresentados ás côrtes, nos quaes se inclue, alem da ampliação das liberdades e direitos individuaes, a reforma essencialissima... (ouça, ouça bem a camara) da camara hereditaria, com intervenção directa do paiz na sua composição, completará o quadro das alterações e melhoramentos que se nos afiguram urgentemente reclamados nas instituições politicas do reino.»
Oh! sr. presidente; pois o illustre presidente do conselho de ministros, de cuja honradez e de cuja lealdade de caracter nós todos damos testemunho, s. exa., que tem nas mãos as redeas do governo, que tem a suprema direcção do partido que esse mesmo governo representa, deixa tão afrouxados os laços de disciplina, ou traz tão esquecidos os artigos de fé do seu programma politico, que, não só os não cumpre e não obriga os seus collegas a respeital-os e a cumpril-os, e o proprio partido a exigir e a insistir pela satisfação d'elles, mas até, o que é verdadeiramente extraordinario e incrivel, vem ao seio do parlamento protestar por meio de declarações explicitas contra a doutrina que s. exa. acceitou e referendou com o seu nome? Tão obliterados traz s. exa. a affirmação da doutrina do partido a que preside e os compromissos d'elle e seus para com o paiz?
Como póde s. exa. contrapor a affirmativa com que. hoje respondeu ás minhas perguntas á idéa claramente definida e formulada no trecho cuja leitura acabo de fazer á camara?
Pois s. exa. perante a assembléa geral do seu partido (e não commento nem defino a significação do termo) promette a reforma essencialissima da camara hereditaria, e assevera hoje que a nomeação de novos pares prova o respeito que ao governo merece esta camara, fazendo em termos claros a apologia d'esta instituição? O que vale para nós? O que vale para o paiz? O que vale para o partido que s. exa. representa? É a declaração que acaba de fazer, ou aquella que em nomeias exigencias do partido, e todos pensarão que com a annuencia e accordo do seu chefe, fazem na tribuna da outra casa do parlamento aquelles dos oradores que o governo assevera ter como o mais prestante apoio da sua politica e como a mais eloquente affirmação das suas idéas?
Se somos incompativeis com o espirito do seculo, como pretendem governar comnosco?
Se guardâmos no nosso seio o monstro horrendo do privilegio, porque pretendem e procuram antes viver com elle n'uma paz accommodaticia do que tentar esmagal-o em lucta apertada e intransigente, como tão energicamente apregoaram no seu programma?
Sr. presidente, de tudo se tem accusado esta camara, accusaram-na até, de ter reflexos vermelhos na palavra da sua tribuna. Eu não os vi nunca, nem sei que nenhuma palavra os tenha; mas se alguma vez, sem illusão optica, se póde affirmar que um reflexo vermelho veiu contrastar com a monotonia das côres sombrias d'esta sala foi de certo quando o governo, esquecendo o que devia á dignidade do episcopado portuguez, trouxe a esta casa em occasião solemne, na ultima hora de um debate renhido e apertado, em uma questão a que não estava vinculado nenhum inte-