56 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
seu rigor uma phrase parlamentar) fizesse isso arranjo a s. exa.? Pois se estas palavras eram offensivas dos brios ministeriaes de s. exas. porque não provocaram, logo que d'ellas tiveram conhecimento, o conflicto parlamente? Pois a susceptibilidade do governo considera hoje indigno o que ha um anno era licito e decoroso?
Sr. presidente, não senhor, não foi esta a rasão da nomeação de novos pares, alem dos vinte e seis nomeações na sessão passada, era necessario propor este anno a nomeação de mais dezeseis. E sabe v. exa. porque e para que? Porque, alterada na fórma a condição do programma, não investindo contra o rei, era necessario investir contra esta camara.
Fôra curioso conhecer a rasão constitucional e as rasões politicas que o governo teria empregado para convencer o poder moderador da necessidade impreterivel da nomeação de novos pares. E creio que são estas mesmas rasões as que o governo devia, produzir perante o parlamento e perante o paiz. Porque as não diz? por que as não confessa? Pois basta dizer: propozemos ao poder moderador a nomeação de novos pares, porque sem essa nomeação não podiamos conservar dignamente o poder? Foi isso o que se disse? Foi isso apenas? ou mais do que isso? ou nem isso mesmo se disse?
Sr. presidente, as relações do poder executivo com o poder moderador não se estabelecem, creio eu, nem se determinam por conversas particulares, e se os srs. ministros a quem cabe a responsabilidade do pedido da nomeação de novos pares, tomam tambem sobre si a responsabilidade do acto do poder moderador, comecem por nos dizer o que allegaram perante elle.
Não invocarão, creio bem, como rasão justificada do seu pedido o contrato de Torres Vedras ao qual o governo não dá a importancia de uma questão politica. Não foram dizer que tinham tido um conflicto com esta camara, porque estava encerrado o parlamento. Que disseram pois, ou que diriam ainda se essa responsabilidade que dizem assumir se lhes podesse tornar effectiva?
Sr. presidente, não disseram nada. O que porém s. exas. não querem dizer dizem-nos os factos que fallam bem alto, dizem-no as circumstancias que se deram e que justificam a rasão da occasião que eu pedia ao illustre presidente do conselho que dissesse e confessasse. S. exa. não quiz ou talvez mesmo não o possa fazer, mas o que s. exa. não diz digo-o eu, que posso e quero dizel-o.
A nomeação de novos pares deu-se porque o governo necessitava de uma rasão de força artificial para poder viver.
Expliquemos o facto.
O governo, como a camara sabe, como sabe todo o paiz, e como o proprio governo o não póde negar, deixou de cumprir todas as condições do seu programma. Peior ainda, não só não compriu o que prometteu, como continuou seguindo na pratica do governo todas as praxes que tinha condemnado na opposição. Disseram que o seu fim principal, que a sua missão providencial era organisar a fazenda publica, equilibrar a receita com a despeza, tirar a ordem do chaos e nem sequer aliás poderam tirar partido das questões favoraveis que deviam ter protegido a iniciativa de tal regeneração. Encontraram cerca de 4.000:000$000 réis nos cofres do thesouro; 25.000:000:000 de francos no Comptoire d'escumpte; a subida do cambio do Brazil permittiu que por fortes remessas se melhorassem as condições economicas do paiz, na instituição da caixa gora dos depositos, cuja apologia eu não insiste em fazer agora com, quanto me não cance nunca de a celebrar, encontraram o mais prestante de todos os concursos, recebendo d'ella fortes sommas com emprego na divida fluctuante e obtendo sob a sua concorrencia com os outro prestamistas do estado uma reducção importante nos encargos da mesma divida. Alem d'isto as condições externas influiam tambem favoravelmente em Portugal. A crise industrial o mercantil, que por tanto tempo se fizera sentir na Europa, chegára ao seu termo e o proprio sr. ministro na fazenda confessa no seu relatorio que se sente bafejado pela aura bemfazeja que hoje sopra na Europa.
E como aproveitaram tão favoraveis condições?
Crearam pela falta de espirito pratico, de prudencia e de tino, na apreciação do estado economico de paiz, da sua justificada reluctancia ao imposto que temos sempre procurado desacreditar, tornando-o impopular pelos vexames inuteis que lhe temos sempre dado por cortejo; crearam, repito, uma fatal reacção que está dando já elementos de uma agitação compromettedora, que a menor imprudencia póde aggravar. O governo sabe bem o que se está passando no norte do paiz, e póde avaliar desde já que reluctancias terá de vencer na execução do regulamento do imposto de rendimento, cujas disposições eu ainda hontem li, e cuja leitura tão desfavoravelmente me impressionou o espirito.
Em taes condições a prudencia aconselha a que se não irrite a opinião, a que se não affrontem as opposições parlamentares exaltando se lhes o espirito com actos injustificados e injustificaveis, como o da nomeação de novos pares.
A opposição n'esta casa do parlamento faz o seu dever apreciando esse acto como um acto de politica violenta, por isso mesmo que vale tanto como um acto de politica facciosa contraria ao espirito do systema parlamentar. Combatendo-o com energia, a opposição d'esta casa faz ainda, um bom serviço ao governo e ao paiz. Abre, por assim dizer, um a valvula de segurança á força expansiva do espirito de opposição que agita e move o espirito publico. E, com confiança o declaro, sr. presidente, e desassombradamente sustento e affirmo, que se a opposição saísse d'esta sala e deixasse o ministerio entregue a si mesmo, elle não podia ter, não póde dizer que teria, força para garantir a ordem publica.
Isto constitue já de si uma situação difficil para o governo. Tentou elle desaffrontal-a de tão graves difficuldades? Imprudente e dir-se-ía quasi, se não fosse absurdo, que, intencionalmente, veiu ainda complicar mais essa situação, praticando actos irreflectidos, cuja responsabilidade procurou evitar por meio de evasivas e expedientes contradictorios, que ainda mais o comprometteram perante a opinião do paiz e até mesmo perante o seu proprio partido.
Fallo da chamada questão dos coroneis. Refiro-me aos decretos pelos quaes foi concedida para os effeitos da reforma a antiguidade retroactiva a uns certos officiaes militares. Eu não trato, não quero tratar, não é a occasião propria de tratar de similhante assumpto. Ninguem levanta um corpo morto para o interrogar; se o levantam e tomam em mão é para com o escalpello fazer a dissecção d'elle; e eu dispenso-me de tão repugnante trabalho anatomico. Esta questão é de tal modo desgraçada que o governo não tem senão um unico meio a que se soccorrer para a sustentar e defender; é o de resar contricto o penitet me e pedir a absolvição das suas culpas. Graças, porém, a esta questão deu-se um conflicto entre os membros de governo, e s. exas. resolveram não assumir a responsabilidade do decreto que fôra o pomo da discordia e atirar ás feras o seu collega que lhes offerecêra com elle tamanhas rasões de divergencia.
Tendo saído do ministerio o sr. João Chrysostomo de Abreu,, foi suspenso o decreto. Tiveram igual sorte o decreto e o ministro que o referendára; o decreto foi suspendo e o ministro foi guindado, sim, foi elevado ao pariato. N'esta questão ha duas cousas notaveis: a benevolencia, do ministro demissionario para com o governo acceitando a nomeação de par; e o espirito conciliador do governo offerecendo a s. exa. nomeação.
(Áparte do sr. Vaz Preto e de outros dignos pares.)
Bem, se a não acceitou, tanto melhor. Procedeu s. exa. perfeitissimamente bem e d'aqui declaro a s. exa., que sabe quanto aprecio o seu caracter e qualidades, e que deve fazer justiça á franqueza d'esta declaração, que tenho pena