DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 59
proposito sem que se levante uma grave questão de principios, ou de administração, e no momento em que o governo empenha todos os seus esforços na restauração da fazenda e no melhoramento dos outros ramos da administração do paiz é na verdade inexplicavel. É n'esta occasião, em que o ministerio mais assignalados serviços está prestando á causa publica, que a opposição da camara do pares, esquecendo-se da missão moderadora que está confiada a esta camara, vem levantar uma questão politica, e accusar o governo por haver proposto á corôa a nomeação de dezeseis pares! Grande attentado constitucional!
E não haverá n'este paiz nenhum partido que procedesse da mesma fórma? Será este o primeiro?
(Interrupção do sr. visconde de Chancelleiros, que não se ouviu.)
A theoria constitucional firma-se nos precedentes. São elles que a explicam e lhes servem de commentario.
Mas voltemos á questão.
Eu pergunto: Qual foi o crime do governo? Foi o propor á corôa a nomeação de novos pares sem se ter travado nenhum conflicto com esta camara?
É necessario desconhecer completamente a nossa historia contemporanea para ousar affirmar aqui que já alguma vez n'este paiz se fez nomeação de pares em condições differentes d'aquellas em que este governo as tem aconselhado.
Tenho aqui, sr. presidente, uma relação de todos os pares, e entre elles figura n'uma das maiores fornadas - sirvo-me d'esta phrase porque já está admittida nos usos parlamentares - o digno par que ha pouco fallou, o sr. visconde de Seabra.
S. exa. não se envergonhou então d'esse facto, e não deixou, qual outro Cincinato, a rabiça do arado, as suas flores queridas, as suas dilectas plantas e a sua amantissima familia, para vir no ultimo quartel da vida dar á patria o seu conselho e a sua inspiração, e condemnar em phrases doloridas esse violentissimo attentado!
O digno par não achou então offensivo dos principios, constitucionaes, nem entendeu que atacava a constituição, a nomeação de vinte e cinco pares do reino, tendo havido outra de quinze no anno anterior! Não se lhe afigurou n'esse momento que perigasse a liberdade! Agora, é que ha perigo! Agora é que as nuvens se acastellam no horisonte! Agora é que estremecem as liberdades publicas! Agora é que a constituição, sacudida nos seus fundamentos, está ameaçada de imminente ruina!
E por isso o digno par vem da sua mansão obscura, do seio da sua tranquilla aldeia, abandonando com pungente saudade as suas arvores, em cuja plantação tanto se deliciava, como s. exa. aqui nos referiu, deixando a sua familia, a sua casa e a venturosa cultura dos seus amados campos, para condemnar o governo por ter proposto á corôa a nomeação de mais dezeseis pares do reino, feita em condições iguaes ás que se têem feito anteriormente.
Aqui está o grande crime do governo: aconselhar á corôa a nomeação de mais dezeseis pares do reino quando todos os governos têem aconselhado a mesma nomeação!
E entre elles avultam os ministerios regeneradores, não digo só o ultimo que acabou em 1879, mas o que anteriormente presidíra á gerencia dos negocios publicos, chegando o gabinete regenerador de 1852 a propor tres fornadas, das quaes só duas se realisaram, porque a corôa não concordou com a terceira, tendo por isso aquelle ministerio de largar o poder. E todas essas fornadas foram propostas antes de se haver manifestado conflicto com a camara dos pares. Entretanto só o governo actual é que offendeu a constituição por propor á corôa a nomeação de novos pares antes de se manifestar conflicto entre, elle e esta camara.
Portanto ás accusações feitas ao actual gabinete por esse motivo - peço licença para o dizer - não são serias, porque carecem de fundamento. Nós usámos dos mesmos direitos de que têem, usado os nossos antecessores. Não se póde dizer que o governo offendeu os principios e as praticas constitucionaes. Se for preciso citar n'esta camara a opinião de um homem eminente que me está ouvindo para defender a doutrina que estou sustentando, não hesitarei em fazel-o, não para condemnar os meus antecessores, mas para auctorisar o procedimento do governo.
Peço agora licença para fazer uma rectificação a respeito de uma asserção do sr. visconde de Seabra, que me pareceu ter sido apoiada pelo sr. Fontes. Disse s. exa. que sempre pertenceu ao partido regenerador, e que quando saíu do ministerio em 1852 foi com bastante sentimento dos seus collegas e até contra vontade d'elles.
Permitta-me o digno par que lhe avive a memoria, citando-lhe um facto que é do dominio da historia contemporanea. Não me referiria ao assumpto se s. exa. o não trouxesse para a discussão.
O sr. visconde de Seabra fez parte do ministerio que referendou o decreto de 7 de agosto de 1852 sobre agravos. S. exa. pediu a sua exoneração a 19, e após ella o decreto foi suspenso por outro de 21 do mesmo mez. A rasão por que s. exa. saíu do gabinete foi a divergencia com os seus collegas, os quaes alias tinham assignado o referido decreto de 7 de agosto de 1852, que foi suspenso após a saída de s. axs. Aqui está a rasão porque s. exa. deixou os conselhos da corôa.
A historia é recente, e não póde facilmente ser alterada.
Accentuo do proposito o facto da assignatura de todos os seus collegas, porque provavelmente terei que referir-me a elle quando tratar da questão dos coroneis.
Admirou-me, porém, bastante, confesso, um apoiado dado pelo sr. Fontes ao sr. visconde de Seabra, quando s. exa. disse que havia saído do gabinete, muito contra vontade dos seus collegas, que o rogavam e instavam para permanecer entre elles. Admirou-me o apoiado, porque a historia e os registos publicos dizem exactamente o contrario, como posso provar com um trecho do discurso pronunciado pelo sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães em fevereiro de 1863, na sessão em que se discutiu a saída do sr. Seabra do ministerio.
Disse s. exa.
(Leu.)
Eis-aqui sr. presidente, como o sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, então ministro do reino, explicava que a saída do sr. visconde de Seabra tinha sido motivada em divergencia com os seus collegas.
É isto o que affirma a historia.
Sr. presidente, quiz o sr. visconde de Chancelleiros saber do governo, com a maxima insistencia, para que foram nomeados os novos pares. A resposta é facil. Para fazer aqui, n'esta camara, o mesmo que o digno par está fazendo, para usar dos mesmos direitos de que s. exa. usa, para exercer um direito que a constituição e a prerogativa real lhes conferiram. Se s. exa. quer resposta mais categorica não lh'a posso dar, nem é a mim que cabe dar-lh'a.
Quer s. exa. saber a rasão por que o governo nomeou os novos pares, e porque aconselhou a corôa a usar da sua prerogativa?
Porque entendeu, bem ou mal, que não podia fazer triumphar n'esta camara as providencias de sua iniciativa sem que fossem nomeados mais pares.
Nem mais, nem menos.
Quando o poder moderador, usando do seu direito, faz uma nomeação de pares, nem a camara, nem nenhum dos dignos pares póde considerar offensivo o uso d'esse direito. Aliás ficaria annullada a prerogativa real.
Não foi intenção do governo atacar esta camara, que elle respeita, nem podia deixar de respeitar, e cujos direitos acata, tendo por elles a maior consideração.
O governo entendeu que podia propor a nomeação de mais dezeseis pares, como tantas vezes fizeram os seus antecessores, e não julgou, nem julga, que esse facto seja