166 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
"Para a applicação d'este artigo 170.° é indifferente que sã tenha praticado o delicto no acto do serviço ou fóra d'elle, e que o inferior esteja ou não ás ordens do offendido. Basta que este seja superior e que exerça auctoridade por motivo do seu cargo. E para evitar todo o subterfugio e perigosa interpretação, diremos que a superioridade ha de ser dentro da milicia assim, se o offendido é o alcaide, o governador civil, o presidente do tribunal, o bispo, não será applicavel o artigo que commentamos, pois ainda quando os acima referidos exercem auctoridade, não são superiores hierarchicos (o italico é do comrnentador) do soldado. Mas proceder-se-ha quando o offendido seja o governador militar da praça, o sub-inspector de um corpo, o auditor do districto, o chefe de um estabelecimento, o de um corpo, etc., sempre que o offensor seja inferior, em posto. E por ultimo é preciso que a auctoridade se exerça por motivo do posto militar; nos casos propostos não se fará uso do artigo 171.° para castigar o soldado que maltrata o governador civil, ainda quando seja este um official do exercito, a quem Sua Magestade haja conferido aquella commissão, que não ande annexo ao poste militar, antes pelo contrario, a torne incompativel com elle."
Já se vê, pois, que o acatamento d'estas disposições fundamentaes, no que diz respeito á insurbodinação e aos crimes de offensa ou injuria, exige que se dêem simultaneamente dois requisitos: que o offendido seja militar e superior e que como tal exerça um cargo de auctoridade.
Na legislação franceza encontram-se os mesmos principios.
A ordenança do serviço das tropas de infanteria, de 2 de novembro de 3833, diz o seguinte:
"A subordinação deve entender-se rigorosamente de grau a grau, a exacta observancia das regras que a garantem, pondo de parte qualquer arbitrariedade, deve manter cada um nos seus direitos como nos seus deveres.
"O soldado deve obedecer ao cabo, o cabo ao furriel e ao sargento, o furriel e o sargento ao primeiro sargento, o primeiro sargento ao ajudante, o ajudante ao alferes, o alferes ao tenente, o tenente ao primeiro ajudante e ao capitão, o primeiro ajudante e o capitão ao major e ao chefe de batalhão, o major e o chefe de batalhão ao tenente-coronel, o coronel ao marechal de campo, o marechal de campo ao tenente general, o tenente-general, ao commandante em chefe e ao marechal de França."
Se formos ler o relatorio da commissão que em França foi encarregada de examinar o projecto do codigo de justiça militar, ahi encontrámos o seguinte:
s O superior é para todo o exercito o militar que tem um grau mais elevado."
Victor Faucher, o eminente jurisconsulto, auctor d'esse mesmo codigo de justiça militar, adopta a definição e com elle todos os jurisconsultos militares.
Por onde se vê que o sr. ministro da marinha, adoptados estes principios, não tem entre nós grau hierarchico militar.
E esta mesma disposição que é fundamental, na legislação militar da Hespanha e da França, encontra-se igualmente na Belgica. O artigo 1.° do regulamento de disciplina militar belga diz o seguinte:
"A subordinação é a alma do serviço militar. Portanto, todo o militar, de qualquer arma, de qualquer posto que seja, é obrigado a testemunhar respeito e obediencia aos seus superiores em grau e em igualdade de grau, aos que forem mais antigos no serviço."
O commentador do codigo penal belga diz o seguinte:
"É preciso entender por estas palavras: seu superior, todo o militar de um grau mais elevado, tendo sobre elle uma auctoridade hierarchica."
Já se vê, portanto, que, em toda a parte, quando se trata de offensa ou injuria de inferior a superior, se entende o - superior em grau hierarchico.
E a este respeito, sr. presidente, não posso deixar de ler á camara a decisão de um tribunal belga, muito apropriada ao caso de que tratamos. As considerações que se encontram nos accordãos d'este tribunal, são sobremaneira notaveis:
"Considerando mostrar-se que Lenders, em 25 de janeiro de 1873, em Bruxellas, em audiencia do conselho de guerra, onde comparecia como réu offendido o coronel Kenens, no exercicio das suas suas funcções do dito conselho de guerra;
"Considerando que este facto deve ser considerado como um delicto que recaiu em um magistrado no exercicio das suas funcções e na audiencia de um tribunal; e que pouco importa que o coronel Kenens seja superior em grau ao soldado Lenders;
"Considerando que os tribunaes militares não são compostos exclusivamente de militares; e que, comquanto para os militares seja o grau uma condição para que d'elles façam parte, os officiaes, membros dos tribunaes respectivos não exercem menores funcções de verdadeiros juizes investidos, como os civis, da auctoridade judiciaria, porquanto julgam como elles nos limites da sua competencia;
"Considerando que as funcções judiciarias absorvem n'estas circumstancias a qualidade e grau dos officiaes que têem assento nos tribunaes militares; que todos os membros d'estes tribunaes, depositarios do mesmo titulo de auctoridade publica, tendo uma mesma missão a cumprir, não poderão admittir que a repressão possa ser differente, segundo os ultrages ou as violencias, no exercicio ou por motivo do exercicio de suas funcções, se dirijam aos juizes militares ou áquelles que não têem esta qualidade; que, para estes ultimos, evidentemente, as infracções commettidas para com elles não estão submettidas ás disposições das leis militares;
"Considerando, que não se trata, na especie, de violencias para com um superior em grau, em virtude do que o conselho de guerra applicou indevidamente ao réu o artigo 34.° do codigo penal militar;
"O tribunal, etc." .
Tratava-se de um conselho de guerra em um tribunal militar presidido por um coronel. O accusado é um soldado. Fere e aggride o presidente do tribunal. Instaura-se o processo, e remette-se o soldado para o foro commum. Porque?
Em primeiro logar, porque as funcções que exercia o coronel não eram propriamente militares, mas sim judiciaes. Depois, porque o tribunal entendia não ser licito applicar uma jurisprudencia para uns e outra para outros, completamente diversa, e que todos deviam estar sujeitos á mesma legislação.
Pois se se entende, que um membro de um tribunal, embora militar, perde de um momento para o outro a sua qualidade de militar para o effeito do privilegio do foro, póde acaso negar-se que tambem as funcções legislativas absorvem a qualidade de militar n'um official que é deputado da nação?
Se acolá era absurdo que se perseguisse militarmente um soldado que offendia um coronel, porque este figurava como juiz n'um tribunal, aliás militar, não será absurdo tambem suppor que n'uma camara onde todos são iguaes, um delinquente qualquer possa ser sujeito a jurisdicção diversa d'aquella que aos demais se póde applicar?
Sr. presidente, o facto de ser militar o delinquente, não arrasta comsigo o foro militar.
O codigo penal de justiça militar não allude aos crimes praticados pelos officiaes da armada. O codigo não tem applicação directa á armada, porque ainda não houve lei que preceituasse.
Mas sendo a legislação de marinha tão obsoleta, deficiente e obscura no que respeita á penalidade e ao processo criminal, não será bem mais apropriado recorrer subsidiariamente para a armada ao codigo penal de justiça militar, do que erguer em norma de processo e de julga-