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SESSÃO DE 16 DE MAIO DE 1887 167

mento o puro e exclusivo arbitrio de quem haja de processar e julgar? De certo.

E por isso, segundo me informam, os preceitos d'esse codigo se applicam aos crimes de deserção, praticados pelos que fazem parte da armada.

Appliquemos pois.

O codigo penal de justiça militar regula o que?

"Artigo 2.°, n.° 2.° As infracções que em rasão da qualidade militar dos delinquentes, do logar e circumstancias em que são commettidas, tomam a natureza de crimes militares."

Logo, não basta que o delinquente seja militar. É necessario avaliar as circumstancias que revestem o crime, o logar em que elle se praticou, se foi attentatorio da disciplina.

O sr. Presidente: - Peço licença ao digno par para lhe observar que se vae desviando do fim principal da questão. V. exa. póde analysar os actos do governo, mas não póde apreciar o crime, .que não é objecto de discussão.

O Orador: - Como quer v. exa. que eu aprecie a responsabilidade do governo, sem entrar na analyse, não digo do facto succedido, mas dos principios que podem regular qualquer, hypothese com um caracter generico e que digam respeito á legislação geral do paiz ou ao fôro?

É evidente que para apreciar o acto do governo, hei de ver quaes foram os motivos que o determinaram. (Apoiados.) Os motivos não são outros senão os confessados pelo sr. presidente do conselho; e eu, seguindo as declarações de s. exa., hei de forçosamente acompanhal-o nos fundamentos com que s. exa. pretende illibar-se da accusação que lhe foi feita.

Aqui está a rasão.

Sr presidente, é um crime militar a offensa corporal feita por um inferior a um superior? É, está previsto no artigo 81.° do codigo penal militar, e será punido conforme as circumstancias com uma pena mais ou menos grave.

Mas o sr. ministro da marinha não era um superior hierarchico, como já mostrei; portanto, é claro que o codigo penal militar pelos seus principios não póde ter applicação para o caso.

Desde o momento que o crime não seja militar (e eu refiro-me a elle como a uma hypothese que responde a uma affirmativa do sr. presidente do conselho) deve considerar-se um crime commum.

V. exa., sr. presidente, recebeu um officio do sr. ministro da justiça, pedindo-lhe licença para um digno par ir depor como testemunha.

Pergunto eu agora: se o crime fosse militar o sr. ministro da justiça tinha alguma cousa com isso?

Se o crime fosse militar em relação á armada, quem devia fazer o pedido era e sr. ministro da marinha, e se o crime fosse commettido por um official do exercito de terra, quem devia fazer o pedido era o sr. ministro da guerra; nunca o sr. ministro da justiça.

(Interrupção que se não percebeu.)

Peço perdão. Melhor que eu poderá dizer v. exa., sr. presidente, se o officio foi remettido por intervenção do sr. ministro da justiça.

O sr. Presidente: - O officio veiu pelo ministerio da justiça.

O Orador: - Nem podia deixar de ser. É expresso no artigo l:125.° da novissima reforma judiciaria:

"Os membros do poder legislativo não poderão,, durante o periodo das sessões, ser citados para comparecer como testemunhas, sem licença da respectiva camara, passada a instancia do ministro da justiça; fóra d'este caso, os seus depoimentos serão tomados pelos juizes de direito da comarca em que residirem, pela fórma estabelecida no artigo 1:123.°"

Está expresso na lei, nem podia ser outra auctoridade senão o sr. ministro da justiça.

Em todos os tempos se entendeu que era a legislação commum a applicavel aos delictos praticados pelos deputados.

E demonstrado que é a legislação commum a applicavel, bem poderia eu ler á camara um artigo do codigo penal, mas não o faço, porque não quero antecipar o juizo da camara com relação ao crime praticado.

Limito-me apenas a citar o artigo 183.° do codigo penal.

Sr. presidente, vou entrar na questão constitucional; na questão do attentado que o governo praticou.

A camara vae ver até que ponto é grave a responsabilidade do governo, calcando aos pés as immunidades parlamentares, e todos os preceitos que regulam a liberdade dos membros do corpo legislativo.

Eu dizia na semana passada que o procedimento do governo era extraordinario, assombroso, e não carregava o quadro.

Creio que v. exa. n'esta parte não terá que me interromper.

Sr. presidente, o artigo 26.° da carta constitucional diz:

"Nenhum par ou deputado, durante a sua deputação, póde ser preso por auctoridade alguma, salvo por ordem da sua respectiva camara, menos em flagrante delicto de pena capital."

Este artigo foi alterado pelo artigo 3.° do acto addicional de 1885 só numa parte:

"Nenhum par vitalicio, ou deputado, desde que for proclamado na respectiva assembléa de apuramento, póde ser preso por auctoridade alguma, salvo por ordem da sua respectiva camara, menos em flagrante delicto, a que corresponda, a pena mais elevada da escala penal.

"Igual disposição é applicavel aos pares temporarios desde a sua eleição até que termine o mandato."

O principio fundamental é o mesmo; ficou respeitado.

Ora, o sr. presidente do conselho, de cujo talento e caracter faço o melhor conceito, quando se confessar a si proprio, no intimo da sua consciencia, não julgo que ouse sustentar a legalidade do acto que praticou, considerando a prisão do sr. Ferreira de Almeida como realisada em flagrante delicto a que corresponda a pena mais elevada da escala penal.

Mas, diz o sr. presidente do conselho, o governo apresentou-se perante a camara dos senhores deputados e deu-lhe conta do seu procedimento, porque era a ella que tinha de pedir licença para ser preso um da seus membros, e por ella foi absolvido em virtude de uma moção de confiança. Desde então a responsabilidade do governo caducou.

Esta doutrina, sr. presidente, é que eu não desejo ver estabelecida.

O que fez o governo?

Mandou prender um deputado.

Podia fazel-o? Não.

Logo o governo incorreu n'uma infracção constitucional e não basta uma moção de confiança para o absolver.

Se para o governo ficar absolvido por ter violado uma lei, e sobre tudo uma lei fundamental, basta uma moção de confiança votada pela camara dos deputados, e não é necessario um bill de indemnidade votado pelas duas casas do parlamento, então acabou se o systema parlamentar!

Onde está o bill de indemnidade, pelo qual o governo foi absolvido de ter arbitrariamente mandado prender um membro do corpo legislativo?

Não se apresentou ainda.

Não póde, pois, o governo escudar-se na moção de confiança, para defender-se de ter offendido o codigo politico da nação portugueza.

Ainda se o governo, forçado por circumstancias, verdadeiramente extraordinarias, se visse obrigado a prender um deputado, apesar das immunidades parlamentares, e logo depois viesse pedir ás camaras que sanassem por si uma tal irregularidade, poderia ter desculpa o seu procedimento.