168 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Mas não o fez ainda, e, emquanto o não faz, o deputado continua illegalmente preso á ordem do governo, sem mesmo lhe haver sido entregue nota de culpa!
Está preso ha rnais de oito dias, sem culpa formada, sem que oficialmente se lhe diga qual o crime que lhe imputam!
Está-se procedendo com elle como se não procede com um ladrão ou um faccinora que commette um crime horroroso, porque, para esses, a novissima reforma judiciaria diz no artigo 988.º:
"Se algum dos querelantes estiver preso, a pronuncia contra elle será feita no espaço de oito dias, contados d'aquelle em que se fez a prisão; passado este praso sem pronuncia, o preso será logo posto em liberdade; e se pela continuação do summario, apparecer culpado, depois de pronunciado será novamente preso."
Mas aqui nós!
Está preso um deputado da nação portugueza, sem culpa formada, passam-se oito dias sem ninguem lhe dizer, oficialmente por que está preso, e conserva-se preso?! Isto não póde ser! (Apoiados.)
Eis aqui como se applicam os principies constitucionaes: E comtudo como é differente a linguagem do parlamento de hoje da de outrora! Eu vou demonstrar como em 1834 o parlamento pugnava pela conservação das liberdades publicas e pelo respeito aos principios constitucionaes; coroo o poder legislativo defendia as suas prerogativas.
Em 1834, sr. presidente, estando suspensas as garantias individuaes por decreto de 10 de julho de 1832, levantaram-se suspeições contra o conde da Taipa, que era par do reino. O governo, fundando-se em que ás garantias estavam suspensas, deu mandado de prisão contra o conde da Taipa; mas este recusou entregar-se á prisão. Alguns membros da camara, que se achavam em Lisboa, como n'essa occasião não estavam as côrtes reunidas, juntaram-se e dirigiram ao Imperador a seguinte representação:
"Senhor. - Os abaixo assignados têem a honra de representar a Vossa Magestade Imperial e Real, que esta manhã foi intimado ao conde da Taipa, par do reino, uma ordem de prisão, assignada por um dos ministros criminaes d'esta cidade, a qual se intentou levar a effeito; e como n'este facto lhes pareça envolver-se manifesta infracção do artigo 26.°da carta constitucional, visto não se apresentar caso de flagrante delicto de pena capital, unico caso exceptuado no sobredito artigo que se expressa d'esta maneira: (Segue o artigo 26.° da carta.)
"Julgam-se os abaixo assignados na necessidade de rogar a Vossa Magestade Imperial e Real a fim de manter a immunidade da camara dos pares, que se digne mandar-lhes declarar se os artigos da carta constitucional, que garantem a inviolabilidade dos pares, se acham suspensos pelo decreto de 10 de julho de 1832, para que a mesma declaração lhes possa servir de regra."
Esta representação teve o seguinte despacho:
" Á ordem de prisão, dada pelo corregedor do crime do bairro alto contra o conde da Taipa, e por este reconhecida, teve logar em consequencia de pronuncia. Se o pronunciado tem que allegar em seu favor, ou se algum dos dignos pares se julgar lesado em seus direitos, póde usar dos meios que as leis permittem. A sua inviolabilidade, marcada no artigo 25.° da carta constitucional, ser-lhes-ha inteiramente guardada. Quanto ao decreto de 10 de julho de 1832, como não faz distincção de pessoas, comprehende a todas; porque, segundo o artigo da carta 145.° § 12.°, a lei é igual para todos, quer proteja, quer castigue.
"Paço das Necessidades, 9 de dezembro de 1833. = José da Silva Carvalho.))
Em vista d'este despacho, os signatarios da representação redigiram em termos energicos um protesto, que dia o seguinte:
"Tendo sido publicada na Chornica de 10 do corrente mez (dezembro de 1833), debaixo do titulo de requerimento, a representação que alguns pares do reino levaram á presença de Vossa Magestade Imperial em data de 7 do mesmo mez, por occasião da ordem de prisão expedida pelo corregedor do Bairro Alto contra o conde da Taipa, e em seguimento á dita representação, um despacho, assignado pelo ministro e secretario d'estado encarregado dos negocios de justiça; os pares abaixo assignados se vêem na dura necessidade de protestar perante Vossa Magestade Imperial, tanto contra a alteração essencial da representação, pela denominação der requerimento que lhe foi dada, como contra a fórma, de despacho ordinario, por que foi respondida, como, final e principalmente, contra a doutrina, quanto a elles, errónea e perniciosa, que no dito despacho se contem.
"Protestam contra o titulo de requerimento dado á representação, por quanto os requerimentos são supplicas ao poder executivo sobre objectos de sua competencia, e o decidir sobre assumptos constitucionaes, qual o da violação das immunidades dos orgãos, sejam permanentes, sejam electivos, do poder legislativo, não póde ser attribuição de um poder ã que este não é subordinado. Foi, portanto, a Vossa Magestade Imperial que, como regente, em nome da Rainha, exerce o poder moderador a quem, pela carta, pertence velar sobre a manutenção da independencia dos mais poderes politicos (titulo v, capitulo i, artigo 71.°), que os pares tiveram recurso na representação, impossibilitados, como se achavam, de submetter este objecto á consideração das côrtes.
"Protestam contra a resposta por despacho ordinario, pelas mesmas rasões pelas quaes o fazem contra o titulo de requerimento dado á representação.
"Protestam, finalmente, contra a doutrina inserta no despacho; por quanto, o decreto de 10 de julho de 1832 não fez, nem podia fazer mais do que pôr em execução a prerogativa que em casos extraordinarios é concedida ao governo pelo § 34.° do artigo 145.° do titulo viu da carta, o qual paragrapho permitte a suspensão, por tempo determinado, de algumas das formalidades que garantem a liberdade individual. Ora, a immunidade dos pares e deputados não é garantia de liberdade individual, mas sim de independencia do poder legislativo, e a sua suspensão nada menos importa do que a escravisação d'este poder, isto é, total aniquilação do governo representativo. Embora sophisticamente se inculque no despacho, como para fazer ver que a liberdade legislativa não periga, que sé guardará aos pares a inviolabilidade de opiniões emittidas, determinada no artigo 25.°, titulo IV, capitulo i. Esta só não basta para a independencia do poder legislativo, porque o governo que quizer opprimir os orgãos d'elle, o poderá fazer debaixo de qualquer pretexto que não seja o de opiniões emittidas em exercicio de suas funcções, e por isso o sabio auctor da carta estabeleceu como palladio da liberdade constitucional dos portuguezes, a immunidade dos membros de ambas as camaras, no artigo 26.° do mesmo titulo e capitulo.
"Não são, senhor, os privilegios de um individuo, não são as prerogativas legaes annexas a uma dignidade, e ainda menos as pretensões de uma classe, que os pares abaixo assignados defenderam perante Vossa Magestade Imperial na sua representação, e de novo sustentam no presente protesto. Se de taes objectos se tratasse, se a questão fosse estranha á liberdade legal de todos os portuguezes, os pares guardariam o silencio e fariam voluntarios mais este sacrificio, a bem da harmonia interior. São, porém, as condições fundamentaes, sem as quaes o governo, representativo, pelo qual tanto sangue tem sido derramado, se tornaria um simulacro vão, que elles, se vêem na rigorosa obrigação de sustentar e defender.
"Os pares abaixo assignados, na fatal ausencia da camara electiva, que, com Vossa Magestade Imperial, e com a outra camara, completaria a representação nacional, não conhecem recurso algum legal que não seja o de que lan-