170 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Facão, se não ha, juiz, como póde haver deliberação da camara dos deputados? E se não existe essa deliberação, como póde o governo ter preso á suas ordens um deputado que não está suspenso do exercicio das suas funcçoes, pelo unico poder competente para o suspender, que é a camara a que pertence?
O artigo 4.° do novo acto addicional contem disposições tendentes a resalvar o exercicio das funcçoes de par ou deputado, e não a supprimil-as.
Eu não costumo nunca citar jornaes, mas chegámos até ao ponto de num, orgão da imprensa, que dizem ser inspirado pelo sr. ministro das obras publicas, sustentar-se que a camara dos deputados póde manter em custodia durante tres annos, que tanto é o periodo de duração de uma legislatura ordinaria, o sr. deputado Ferreira de Almeida, e só depois d’isso proseguir o processo contra elle. Pois, para qualquer delinquente segue o processo o mais rapidamente que póde seguir, para a sua absolvição ou condemnação, e póde conservar-se preso um deputado a fim de que só, quando terminada a legislatura, prosiga o processo e elle responda perante o juiz?
É impossivel.
Eu comprehendo que a camara dos deputados ou esta camara, póde, em relação a alguns dos seus membros, attenta a maior ou menor gravidade do delicto de que seja accusado, adiar o julgamento até que finde a Cessão legislativa ou a legislatura ordinaria, para o não privar do exercicio do seu mandato, para que todos os representantes do paiz exprimam livremente a sua opinião sobre os negocios publicos. Mas tel-o preso durante tres annos sem processe, sem julgamento, para o inhibir de responder perante o tribunal competente, que é a camara dos pares, é uma anomalia tamanha que. parece impossivel ter o assentimento de alguem!
Não respondo aqui a um jornal, combato uma idéa que vejo aventada, e que tão perigosa e subversiva é que me basta para a contrariar ler o relatorio do actual sr. ministro da justiça na causa Pinto Bessa. Tinha-se dado um conflicto desagradavel, entre os sr. Pinto Bessa e uma auctoridade constituida do paiz. Quer saber a camara o que dizia então o actual sr. ministro da justiça?
«Considerando que o facto incriminado não foi preme ditadamente concebido, preparado de antemão e executado com firme e unico proposito criminoso, mas antes devido a excessos momentaneos e inesperados, muito para lamentar, provocados de certo pelo zêlo com que a queixoso e o querelado pretendiam- sustentar os seus direitos como auctoridades;
«Considerando que,, passando-se o facto alludido só entre o queixoso e o querelado, as narrações d’elles divergem em pontos importantes, e a que os respectivos exames provam terem sido encontrados em ambos varios signaes de contusões.
Considerando que tal facto não pôde. classificar-se entre os crimes que pelo proposito deliberado, e pelo modo cruel ou infame com que são executados, despertam em todos um sentimento profundo de horror ou de desprezo contra o auctor d’elles, sentimento que exige immediata e completa reparação;
Considerando que o interesse publico exige a presença de todos os deputados na camara quando se controvertem projectos de leis tributarias, e quando dentro em pouco deve começar a discussão do orçamento, não convindo por isso, sem motivos ponderosos, suscitar embaraços que pôs sara interromper, ainda por pouco tempo, a assidua frequencia dos representantes da nação no parlamento:
«É de opinião que não deve conceder licença para a continuação do processo referido.»
A opinião do actual sr. ministro da justiça tão claramente manifestada, dá vontade de perguntar, não a s. exa., que não está presente, mas a qualquer dos membros do gabinete, se ao está para vir á tela do debate a discussão do orçamento e a apreciação de leis tributarias, ou se a legislação do paiz só podia ser favoravelmente interpretada para o sr. Pinto Bessa.
As circumstancias de hoje não são diversas das de então, e actualmente, como outrora, se póde julgar indispensavel que todos os representantes da nação emitiam a sua opinião ácerca d’estes pontos importantissimos da governação publica.
Sr. presidente, eu concluirei dizendo, que, sendo completamente alheias á minha apreciação aqui as circumstancias pessoaes que originaram o conflicto desagradavel entre o sr. Ferreira de Almeida e o sr. ministro da marinha, não posso deixar de apreciar o procedimento politico do governo e o acto illegal e arbitrario que praticou, mandando prender aquelie deputado. O governo violou a constituição do estado quando prescindiu do concurso da camara competente para prender um deputado da nação portugueza, e essa camara ainda não tornou conhecimento de qualquer bill de indemnidade que releve o governo da falta commettida, e nem mesmo tratou de apurar se esse deputado devia ou não ser suspenso das. suas funcçoes legislativas.
O sr. Ferreira de Almeida está preso, está privado de exercer o seu mandato, e isto simples e unicamente por um acto violento, despotico e arbitrario do governo que nos rege.
Mas cuidado!
Não queira o governo ir até ao ponto de tanto desprezar as liberdades publicas, os principios constitucionaes e as immunidades parlamentares que tamanha celeuma levante que de vez ponha termo a estas insistentes veleidades de despotismo que, tão viva indignação estão suscitando no paiz.
Reflicta o governo emquanto é tempo, e não queira que mais energicas manifestações de opinião publica venham affirmar que por vezes se torna necessario que uma convulsão violenta traga comsigo o renascimento dos principios de liberdade que todos temos obrigação de sustentar e defender.
Tenho dito.
O sr. Barros e Sá: — Principiou por ler a sua moção:
«A camara dos pares do reino, desejando conservar integra e illesa a sua jurisdicção quando constituida em tribunal de justiça; e considerando que para isso é forçoso não antecipar juizos nem. tomar resoluções extemporaneas, fóra dos autos e sem exame das provas; aguardando que o processo judicial a que se tem referido a presente discussão seja submettido ao seu julgamento, passa á ordem do dia.»
Disse que esta sua moção não envolvia pensamento algum politico; que não era de louvor ou de censura, de confiança ou desconfiança. Era simplesmente uma moção regimental, e fôra inspirada pelo discurso do sr. visconde de Moreira de Rey, quando aquelle digno par disse que a apreciação do facto estava naturalmente reservada para occasião mais opportuna.
Não apreciará, pois, o facto. Se o fizesse caíria na mesuma contradicção dos oradores precedentes, que, dizendo sempre que não queriam aprecial-o, não trataram de outra cousa.
Tambem não responderá ás considerações de natureza essencialmente politica, porque não milita no partido que está representado no actual governo, nem já sente o calor das paixões politcas.
O sr. Hintze Ribeiro, fazendo um discurso inspirado por essas paixões, patenteara mais uma prova da sua habilidade parlamentar, que lhe dá direito a um logar proeminente na carreira publica e n’um futuro não muito longo, a uma posição suprema, porque o partido regenerador está carecendo de uma profunda e radical organisação.
Postas estas considerações, entrará na questão de que se trata. E- qual é ella? Saber se um deputado, que é ao mesmo tempo official de marinha; está preso? Não, porque