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N.º 11

SESSÃO DE 3 DE FEVEREIRO DE 1892

Presidencia do exmo. Sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios - os exmos. srs.

Conde d'Avila
Visconde da Silva Carvalho

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - O sr. conde de Thomar manda para a mesa dois requerimentos, pedindo esclarecimentos. - O gr. Camara Leme apresenta uma proposta, renovando a iniciativa de um projecto de lei, e pedindo a nomeação de uma commissão para, com urgencia, dar parecer sobre, esse projecto, e requer a urgencia. Le-se na mesa a proposta. É admittida. É approvada a urgencia.- O sr. Barros e Sá propõe que a mesa nomeie a commissão especial a que a proposta se refere.- O sr. Camara Leme declara que isto mesmo se inclue na proposta. - O se. Barros e Sá retira o seu requerimento.-É approvada a proposta do sr. Camara Leme. - O sr. Pinto de Magalhães justifica as faltas do sr. Ferreira de Mesquita a algumas sessões.

Ordem do dia: le-se o parecer n.° 129.-Usam da palavra os srs. Gusmão, Tavares Pontes (relator), Gusmão (segunda vez), Marçal Pacheco, Tavares Pontes (segunda vez), Barros e Sá, Firmino João Lopes, Julio de Vilhena, conde de Lagoaça e Barros e Sá (segunda vez).- O sr. Ornellas requer: 1.°, que se consulte a camara sobre se julga a materia discutida; 2.°, que, dispensado o regimento, seja nominal a votação do parecer. É approvado o primeiro requerimento.-O sr. presidente dá esclarecimentos sobre o uso seguido em casos analogos. - O sr. Julio de Vilhena pede um esclarecimento ao sr. presidente.- O sr. presidente responde ao sr. Julio de Vilhena.-É approvada a proposta, para votação nominal, por 47 votos.- O sr. presidente declara a significação precisa, conforme as praticas, da approvação do parecer, se for approvado.- O sr. Marçal Pacheco pretende affirmar o sentido do seu voto na commissão. - Procede-se á votação nominal. É approvado o parecer.-A requerimento do sr. Lencastre le-se na mesa a inscripção que ainda havia sobre a materia. - O sr. Oliveira Monteiro manda para a mesa um requerimento. - O sr. Julio de Vilhena. explica o seu voto.- O sr. presidente declara que lhe serve de norma uma deliberação da camara, que só ella póde revogar. - O sr. Marçal Pacheco manda para a mesa uma proposta, provocando uma nova deliberação da camara, e pede a urgencia. É admittida a proposta e rejeitada a urgencia. - O sr. Gusmão explica o seu voto.- O sr. Camara Leme, tendo a palavra para um negocio urgente, refere-se a uma carta publicada n'um jornal pelos empreiteiros do tunnel e estação do Rocio; pede que seja lida na mesa e publicada no Diario.-O sr. conde de Thomar informa que a carta foi publicada em grande numero de jornaes, parecendo-lhe por isso menos conveniente a leitura na mesa e a publicação pedida.-O sr. Camara Leme requer, e a camara permitte que possa retirar o seu requerimento.

Ás duas horas e tres quartos da tarde, achando-se presentes 27 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da ultima sessão.

Não houve correspondencia.

O sr. Conde de Thomar: - Pedi a palavra para mandar para a mesa dois requerimentos, que são os seguintes:

(Leu.)

Peço a v. exa. que lhes de o destino conveniente.

O sr. Presidente: - Vão ler-se os requerimentos mandados para a mesa pelo digno par.

Leram-se na mesa, e são do teor seguinte:

Requerimentos

Requeiro que, pelo ministerio da marinha e ultramar, se mande a esta camara uma nota detalhada de todas as despezas feitas pelo estado com os commissarios regios mandados á provincia de Moçambique, comprehendendo as despezas de viagens, ajudas de custo, ordenados e toda e qualquer despeza acrescida,

Requeiro igualmente uma nota das despezas com a organisação, transporte e conservação em Moçambique da expedição militar, estado do material á sua chegada a Moçambique e á partida para a metropole.

Sala das sessões em 3 de fevereiro de 1892. = O par do reino, Conde de Thomar.

O sr. Presidente: - Estes requerimentos vão ser immediatamente expedidos, e logo que venham os documentos pedidos, serão entregues ao digno par.

O sr. camara Leme: - Sr. presidente, a camara deve estar lembrada do que nos foi dito, quando aqui se apresentou o novo governo, e deve lembrar-se tambem das perguntas que eu tomei a liberdade de dirigir ao sr. presidente do conselho, uma dellas relativa a incompatibilidades politicas e parlamentares, e outra em relação ás responsabilidades ministeriaes.

S. exa. disse nessa occasião que a carta constitucional prevenia tudo e referiu se á lei de 15 de novembro de 1849.

A carta constitucional, efectivamente, no artigo 103.° diz o seguinte:

(Leu.)

Por conseguinte, na carta estão consignados os casos em que os ministros podem ser processados, que são os crimes .e traição, peita, suborno, concussão, abuso do poder, falta de observancia das leis, e dissipação dos bens publicos.

Mas disse-nos o sr. presidente do conselho que não havia lei regulamentar.

Effectivamente o artigo 104.° da carta constitucional estabelece que esta lei será regulamentada.

Sr. presidente, eu tinha elaborado um projecto sobre responsabilidades ministeriaes, mas lembrei-me de que existia já um excellente trabalho a este respeito, e fazia parte do programma do partido progressista, um projecto que tinha sido apresentado por um illustre membro desta camara, homem muito competente pela sua illustração, o sr. Adriano Machado, sobre responsabilidades ministeriaes, trabalho feito ha tempo e que chegou a ser discutido e approvado na outra casa do parlamento. Ora, eu vou mandar para a mesa uma proposta renovando a iniciativa desse projecto, e pedindo á camara que tenha a complacencia de nomear sete membros para tratar com urgencia d'este assumpto; permitta-me a camara que em muito poucas palavras eu justifique a minha proposta.

Sr. presidente, ainda no sabbado passado, na camara dos senhores deputados, se passou um facto que elle só bastaria para me determinar a fazer a minha proposta. Refiro-me a um projecto que foi apresentado pelo illustre deputado o sr. Mattozo Côrte Real, e que deu logar a que o illustre ministro da fazenda dissesse o que aliás do seu relatorio de fazenda já se deprehendia, que todos os abusos de confiança com relação a desvios de dinheiros publicos feitos sem que o governo estivesse auctorisado para isso, montavam a uma quantia não inferior a 13:000 contos de réis, de que os srs. ministros dispozeram a seu bel

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prazer, sem responsabilidade nenhuma effectiva. Assombroso!!

Disse ainda n'essa sessão o sr. ministro da fazenda que havia mais factos, mas que não teve ainda tempo de os estudar; por consequencia ainda temos a esperar mais algumas d'estas tristes surprezas!!!

Deduz-se do seu lucido relatorio:

Syndicato de Salamanca 5.350:000$000

Banco lusitano, desembolso 500:000$000

Banco lusitano, avales 1:044:000$000

Companhia real, desembolso 4.390:000$000

Companhia real, avales 672:000$000

Companhia nacional de caminhos de ferro 60:000$000

Banco do povo 50:000$000

Companhia de fundição e forjas 20:000$000

Theatro de S. Carlos 10:000$000

Mala real portugueza 910:000$000

13.006:000$000

Juntando á somma d'estes verdadeiros latrocinios a quantia de 23:011 contos de réis, que a tanto monta a divida fluctuante, vê-se que sobe a 36:017 contos de réis.

Referiu-se o illustre deputado de que acabo de fallar a uns adiantamentos que se tinham feito á direcção do caminho de ferro através de Africa, caminho de ferro de Ambaca.

O sr. ministro da fazenda relata varios pormenores das negociações entaboladas entre o governo e aquella companhia, e termina por encontrar um contrato pelo qual o governo de Sua Magestade se compromettia a entregar mensalmente á companhia dos caminhos de ferro através da Africa 30:000 libras, desde outubro de 1891 até fevereiro de 1893.

Quando o sr. ministro acaba de fazer esta revelação levanta-se o sr. Franco Castello Branco e declara que o conselho de ministros não foi ouvido a respeito d'aquelle contrato.

É este, pois, mais um desvio fraudulento dos dinheiros do estado?!

Eu pergunto a v. exa. e á camara sinceramente se isto póde continuar assim, se os srs. ministros podem dispor dos dinheiros publicos d'este modo, sem responsabilidade nenhuma, bastando que qualquer dos srs. ministros ao ser aqui interrogado sobre factos d'esta ordem se levante batendo com força no peito e exclamar: "A responsabilidade é minha", e depois irem tratar da lavoura, ou para alguma sinecora rendosa ou alto cargo do estado.

Qual responsabilidade? Corno é que se póde tornar effectiva essa responsabilidade?

Estes factos dão-se ahi todos os dias.

V. exa. não viu o que se deu com o ministerio da instrucção publica? O governo arrendou uma casa por uma renda elevada. Pergunto, foi ouvido o tribunal de contas, cumpriu-se a lei de contabilidade, que expressamente determina que nenhum arrendamento que exceda a 500$000 réis póde ser feito sem o visto do tribunal de contas e sem a approvação do parlamento?

Este contrato está nullo como o dos potris.

Póde continuar isto assim?! Pois os srs. ministros dispõem a seu bei prazer dos dinheiros publicos, e depois vão tranquillos gosar os prazeres dos lares domesticos?!

Por conseguinte, já a camara vê a alta importancia que tem a minha proposta, para que os artigos da lei não sejam letra morta; por isso é indispensavel que a camara se occupe de um assumpto de tão alta importancia.

Sr. presidente, todos estes abusos que vem já de longa data, repito, sabe v. exa. a quanto montam? A mais de 36:000 contos de réis; os jornaes trazem essas contas todos os dias, e a camara póde verificar.

Ai do governo se não entra no bom caminho, se não trata de conjurar a tempestade, que póde vir impetuosa e com seu sopro candente queimar a peste que invadiu a sociedade politica do paiz, arrastando na sua marcha furiosa todo o entulho que obstrue o edificio social, privado de ar e luz, para que ella emfim traga nova vida de juventude e honestidade. (Vozes: - Muito bem.)

Sr. presidente, não quero n'este momento alongar mais as minhas considerações, limitando-me a mandar para a mesa a minha proposta, e como não a posso ler aqui peço a v. exa. a bondade de a mandar ler na mesa, bem como de consultar a camara se permitte a urgencia da discussão d'esta proposta.

(O digno par não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo digno par o sr. Camara Leme.

Leu-se na mesa. É do teor seguinte:

Proposta

Renovo a iniciativa do projecto de lei sobre responsabilidades ministeriaes, apresentado na camara dos senhores deputados pelo fallecido par do reino Adriano Machado, projecto publicado no Diario do governo n.° 29, de 1880.

Proponho que o mesmo projecto seja submettido a uma commissão especial, composta de sete membros, nomeada pela mesa, a fim de dar o seu parecer com a brevidade possivel.

Sala da camara, 3 de fevereiro de 1892. = O par do reino, D. Luiz da Camara Leme.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão esta proposta, tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida.

O sr. Presidente: - O digno par pede a urgencia da sua proposta, para poder entrar desde já em discussão.

Os dignos pares que approvam a urgencia tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta.

Leu-se na mesa e puz-se em discussão.

O sr. Barros e Sá: - Eu proponho que a commissão que tem de dar parecer sobre o projecto, a que se refere a proposta do sr. D. Luiz da Camara Leme, seja nomeada pela mesa.

O sr. camara Leme: - A minha proposta é para que fique a mesa auctorisada a nomear a commissão.

O sr. Barros e Sá: - Então retiro a minha indicação.

O sr. Presidente: - Ninguem mais pede a palavra, vae votar-se a proposta.

Os dignos pares que a approvam tenham a bondade de se levantar.

(Pausa.)

Está approvada.

A mesa desempenhar-se-ha da missão que a camara acaba de lhe conferir.

O sr. Pinto de Magalhães: - Pedi a palavra para participar a v. exa. e á camara que o sr. conselheiro Ferreira de Mesquita falta hoje á sessão por incommodo de saude, e talvez tenha de faltar a mais algumas.

O sr. Presidente: - Lançar-se-ha na acta a declaração do digno par.

Como não ha mais ninguem inscripto, vae passar-se á ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Discussão do parecer da commissão de legislação sobre o processo instaurado contra o digno par Mendonça

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.° 129.

Leu-se na mesa.

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É do teor seguinte:

PARECER N.° 129

Senhores.- A vossa commissão de legislação, a quem foi presente o processo de querela por abuso de confiança em que vem pronunciado o digno par do reino; conselheiro João José de Mendonça Cortez;

Considerando que, conforme o artigo 4.° da lei de 24 de julho de 1885, a esta camara, como corpo politico, compete decidir se o par pronunciado deve ser suspenso das funcções legislativas, e outrosim se o processo deve seguir no intervallo das sessões, ou depois de findas as funcções do indiciado:

Considerando que o facto imputado ao referido digno par, conforme o despacho de pronuncia, é de tal natureza e gravidade, que bem justificam a suspensão das suas funcções;

Considerando que o indiciado é par vitalicio, e portanto que tem de ser julgado no intervallo das sessões:

É de parecer:

1.° Que o digno par indiciado seja suspenso das funcções legislativas;

2.° Que siga, o processo seus termos para ser julgado no intervallo d'esta para a seguinte sessão legislativa.

Sala da commissão de legislação, 1 de fevereiro de 1892. =A. E. Brandão = Firmino J. Lopes == Mexia Salema = Conde de Lagoaça = Luiz de Lencastre- Conde de Paraty =Alves de Sá = Luiz Bivar = Thomás Ribeiro = J. Ferraz, relator.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

O sr. Vasconcellos Gusmão: - Sr. presidente, pedindo a palavra sobre este parecer não é intuito meu vir esclarecer a camara ácerca de uma questão juridica. Trata-se de privar um dos membros d'esta camara, das funcções legislativas, que por direito lhe assistem.

O acto addicional de 1885 diz que a camara é a encarregada de decidir em primeiro logar se o pronunciado deve ou não ser suspenso das suas fonações, e em segundo logar se o processo deve seguir no intervallo das sessões, ou depois de findas as funcções do accusado.

É isto o que diz o artigo 4.° do ultimo acto addicional á carta.

Ora eu creio que o referido acto addicional não revogou o regulamento d'esta camara constituida em tribunal na parte em que a camara tem de se pronunciar ácerca da ratificação ou não ratificação da pronuncia.

Eu sei que o artigo 4.° do ultimo acto addicional diz que pelas suas disposições fica substituido o artigo 27.° da carta constitucional; mas declarando a commissão de legislação no seu parecer que o processo deve seguir os seus termos, eu não vejo que seja revogado por aquelle artigo a parte do regulamento da camara constituida em tribunal e que se refere á ratificação de pronuncia.

Creio, pois, que esta é a doutrina que deve vigorar para o caso de que se trata.

É esta a minha opinião, salvo o devido respeito para com os membros da commissão de legislação, cavalheiros muito illustrados e dignos do toda a consideração pela seriedade do seu caracter.

A verdade, porém, é que ás vezes, mesmo sem querermos ser muito austeros, a opinião publica leva-nos mais longe do que deviamos, mais longe do que os preceitos constitucionaes talvez o consentem.

Eu não quero demorar-me mais, discutindo esta questão; no emtanto devo dizer que ao meu espirito repugna o acceitar que nós vamos julgar um individuo sem que primeiro decidamos sobre a procedencia ou improcedencia da pronuncia, conforme determina o regulamento da camara Constituida em tribunal de justiça.

Eu sei que se diz ser grave o facto imputado ao accusado; mas por isso mesmo, se é grave, é que devia haver o maior cuidado de verificar se é verdadeiro e só então derivar dos factos, quando provada a sua criminalidade, as consequencias logicas e só então justas. O contrario parece-me violento e arbitrario.

Parece-me que o digno par o sr. Mendonça Cortez não deve ser privado das funcções legislativas sem primeiro se saber se a accusação é baseada em factos verdadeiros. O contrario será privar das suas funcções legislativas um cavalheiro que sempre foi considerado pelo partido progressista e pelo partido regenerador, que até o julgou benemerito da patria em uma portaria.

Sr. presidente, eu hei de occupar-me d'este assumpto com toda a gravidade, porque n'este ponto nem affeição de camaradagem poderia influir sobre mim para deixar de fazer a minha apreciação como devo, e por isso entendo que é conveniente apontarem-se os factos em que se baseia a accusação e apreciar a sua veracidade, porque de uma suspeita não deve resultar logo uma condemnação.

O sr. Tavares de Pontes: - Sr. presidente, pedi a palavra pelo dever que me impõe a qualidade de relator do parecer em discussão.

A questão levantada pelo digno par, que acaba de usar da palavra, é puramente de direito.

Deverá ser ratificada por esta camara a pronuncia, a que se refere o parecer?

É este e só este o ponto que se controverte.

Parece-me que os argumentos em que se funda o digno par a quem respondo, para sustentar a affirmativa, são de todo o ponto destituidos de fundamento legal.

É certo que o artigo 27.° da carta constitucional dispunha que, se algum par ou deputado fosse pronunciado, o juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, daria conta á respectiva camara, a qual decidiria se o processo devia continuar, e o indiciado ser ou não suspenso do exercicio das suas funcções.

Mas este artigo, na parte relativa a decisão sobre a continuação do processo, foi evidentemente revogado pelo artigo 4.° do segundo acto addicional á carta constitucional de 24 de julho de 1885, pois que ahi clara e expressamente se restringem as attribuições das camaras a decidir se o par ou deputado indiciado deve ser suspenso, e se o processo deve seguir no intervallo das sessões, ou depois de findas as funcções do indiciado.

D'este modo tenho por sem duvida que a jurisprudencia do parecer da commissão é a unica legal e acceitavel.

Sr. presidente, depois da camara resolver que o par indiciado seja suspenso e que o processo siga no intervallo das sessões, como prescreve o citado artigo 4.° do segundo acto addicional, seria contradictorio submetter as mesmas questões a nova decisão, pois que tanto importaria a pretendida ratificação da pronuncia.

Seria mais ainda, seria invalidar a alteração principal, que o referido acto addicional fez no artigo 27.° da carta constitucional, e contrariar a praxe que esta camara, depois d'aquelle acto addicional, t"m invariavelmente seguido em todos os processos, que a ella têem subido.

Parece-me ter dito quanto basta para justificar o parecer em discussão.

A camara, approvando-o, penso que prestará á lei o respeito que lhe é devido.

O sr. Vasconcellos Gusmão: - Poucas palavras direi.

Não quero n'este assumpto mostrar nenhuma paixão, nem a tenho. Move-me simplesmente a minha consciencia.

Baseia-se a accusação em factos que não estão fundamentados, e por isso entendo que devemos ser o mais minuciosos possivel na apreciação d'esses factos.

Não me convence o que o sr. relator acaba de dizer. S. exa. dá como assentado que o acto addicional de 1885 revogou a carta constitucional no artigo 27.°, e esta sua

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affirmativa tenho eu por incontestavel; mas o que não revogou de certo foi o artigo 9.° do regulamento da camara dos pares quando constituida em tribunal de justiça. Nem as palavras nem o sentido da nova legislação declaram ou implicam tal revogação.

A unica differença do acto addicional é não conceder este á camara como corpo politico o poder de resolver que o processo não continue.

Resolvido, porém, quando deva continuar, segue o processo indicado no citado regulamento, constituindo-se a camara em tribunal de justiça e ratificando ou não a pronuncia.

Ou a lei não exprime aquillo que as palavras claramente estão dizendo, ou a continuação do processo não quer, apenas significar julgamento.

A primeira cousa de que se deve tratar, estando a camara constituida em tribunal, é de saber se a pronuncia deve ou não ser ratificada. Assim se costumava fazer, assim deve continuar.

Eu estranho, salvo o devido respeito pelos membros da commissão, que tão de leve se tratasse de privar um membro d'esta camara dos direitos que lhe assistem.

Ora, sinceramente, o que acaba de dizer o digno par relator do parecer não destruiu absolutamente nada o que eu objectei, porque, embora o segundo acto addicional revogue o artigo 27.° da carta constitucional, a disposição do artigo 9.° do regulamento da camara constituida em tribunal de justiça é que não foi ainda derogada. Ora, o que ahi se dispõe é que o tribunal dos pares é que ha de decidir sobre o procedencia ou improcedencia da pronuncia.

Portanto, antes de se achar confirmada a pronuncia acho que não tem logar castigarmos antecipadamente o par processado, prohibindo-lhe o exercicio das suas funcções parlamentares. É esta a minha convicção e não a sacrifico a nenhumas imposições de qualquer natureza que ellas sejam.

Tenho dito.

O sr. Marçal Pacheco: - Sr. presidente, eu concordo com a doutrina do parecer, mas não com as rasões apresentadas agora pelo illustre relator.

Eu assignei as conclusões do parecer por julgar que o simples despacho de pronuncia, lançado pelo juiz sobre uma accusação tão grave, quasi que inhibia moralmente o sr. Mendonça Cortez de exercer as suas funcções legislativas. E tanto julgo ser esta a verdade, que estou persuadido de que o proprio digno par accusado, ainda que o não privassem, se privaria elle de exercer as suas funcções n'esta casa, emquanto não podesse provar a sua innocencia. (Apoiados.)

Mas isto não significa de modo nenhum que eu formulasse já o meu juizo sobre os factos em que assentou a pronuncia, os quaes eu não conheço, nem conheceu a commissão, porque na commissão, posso asseverai-o, nem sequer sã leram os peças do processo.

Portanto, sou de opinião que só depois da camara estar constituida era tribunal de justiça, é que se ha de resolver sobre a ratificação da pronuncia. O contrario seria absurdo.

Pois se qualquer cidadão póde aggravar de um despacho de pronuncia, havia de se tirar essa garantia a um par do reino! Seria collocal-o em condições inferiores ás de outro qualquer cidadão.

Pois se qualquer cidadão, depois de um despacho da primeira instancia, póde aggravar para o tribunal superior, não ha de a mesma garantia ser concedida a um membro d'esta casa? Mo póde ser.

Quanto ao facto da suspensão ou não suspensão das funcções legislativas, não estou de accordo com o digno par o sr. Gusmão. Dizer que o processo siga, não é dizer que se supprima uma das garantias d'esse processo, mas tambem não é cohibir a camara de pronunciar-se desde logo pela suspensão ou não suspensão das funcções do par accusado.

Concordando, pois, com o parecer e discordando nesta parte do digno par o sr. Gusmão, não concordo todavia com as ras5es apresentadas pelo sr. relator da commissão, emquanto diz que não tem de haver ratificação ou confirmação de pronuncia. Tem de haver.

Eu entendo que esta camara depois deste primeiro acto da suspensão ainda tem de constituir-se em tribunal de justiça para dar o seu parecer sobre a procedencia da pronuncia, e só depois, no caso da pronuncia ser confirmada, se passará ao julgamento.

D'outra fórma seria absurdo, como disse, alem de ser contrario ao espirito da constituição e á letra, expressa, e não revogada, do regimento d'esta camara, para casos d'esta ordem. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par o sr. Barros e Sá.

O sr. Barros e Sá: - Se o sr. relator da commissão tem desejo de fallar em primeiro logar, eu teria muito gosto em que v. exa. lhe concedesse agora a palavra, e eu fallaria depois de s. exa.

O sr. Presidente: - Nesse caso tem a palavra o sr. relator da commissão.

O sr. Tavares de Pontes (relator): - Sr. presidente, surprehenderam me bastante as ponderações do digno par que acaba de fallar. E s. exa. um dos mais distinctos membros da commissão que deu o parecer que se discute e que o acceitou e assignou sem declaração alguma. N'estas condições não esperava que o impugnasse. Propugnar pela ratificação da pronuncia depois da promulgação do segundo acto addicional á carta constitucional de 24 de julho de 1885, importa contrariar a disposição expressa d'esta lei, que o digno par reconhecera e acatara no parecer em que distinctamente collaborou e que assignou. Desde que o primeiro acto, que esta lei incumbe á camara, é resolver sobre a suspensão do indiciado, e se o processo ha de seguir no intervallo das sessões, ou depois de findas as funcções daquelle, é evidente que a ratificação da pronuncia foi posta de parte. E desde que as disposições d'esta lei são incompativeis com as do artigo 27.° da carta constitucional e com as do regulamento de 8 de agosto de 1861, é consequente que aquellas revogaram estas.

Seria um contrasenso que a camara resolvesse num dia que o indiciado fosse suspenso de suas funcções e quando deve ser julgado e no dia seguinte podesse resolver o contrario. Se o pensamento dos legisladores fosse manter a ratificação da pronuncia, deveria esta preceder aquellas resoluções. O contrario seria um absurdo.

Finalmente, sr. presidente, todos os que conhecem a historia contemporanea sabem que a disposição do artigo 4.° do segundo acto addicional á carta teve principalmente em vista pôr fim aos abusos que se praticavam negando-se a ratificação da pronuncia em quasi todos os processos que vinham ao parlamento com pronuncia de algum de seus membros.

Parece-me, portanto, que o parecer da commissão deve ser approvado nos seus precisos termos.

E tenho dito.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno paro sr. Barros e Sá.

O sr. Barros e Sá: - Sr. presidente, eu approvo o parecer da commissão tal qual está, e baseado nos principios em que elle se funda.

Eu devo dizer a v. exa. que nesta questão tenho uma posição excepcionalissima, e peço licença á camara, para dizer a rasão em que me fundo.

Quando n'um dos annos passados se instauraram e julgaram aqui dois processos relativos a deputados da nação, estava eu desempenhando o logar que v. exa. tão dignamente occupa.

Levantou-se então a questão, que agora se suscita, e

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eu, desejando proceder com reflexão, entendi que para não abusar da jurisdicção que a lei me dava, devia formular quatro ou cinco perguntas, ás quaes a illustre commissão de legislação me devia responder, e uma d'ellas era se, em virtude do ultimo acto addicional, podia ter logar a rectificação de pronuncia.

A estas perguntas, todos os membros da commissão, excepto um, resolveu pela negativa; apenas o sr. Navarro de Paiva sobre este ponto, teve duvidas; ora duvidar, não é affirmar.

Por essa occasião, tambem um dos membros mais respeitaveis da magistratura portugueza, e meu intimo amigo, o sr. Cardoso Avelino, levantou esta questão, e apesar da grande auctoridade moral inherente ao seu nome, eu indeferi todos os requerimentos, em vista do que s. exa. passou os autos ao sr. Sequeira Pinto.

Nestas circumstancias, como a camara vê, sustentando hoje a doutrina da commissão, sustento os meus actos, não só como par e como jurisconsulto, mas tambem como juiz.

Mas alem de rasões juridicas, ha tambem rasões historicas. No projecto de reforma da carta constitucional, o governo de então, que era presidido por Fontes Pereira de Mello, não fazia indicação alguma ácerca da reforma do artigo 27.° Mas as commissões na camara dos pares e na camara dos deputados entenderam que esse artigo carecia de reforma; e nos respectivos pareceres d'essas commissões e na proposta definitiva do governo muito clara, expressa e textualmente se indicou que o artigo 21,e devia ser reformado no sentido de não dar ás camaras o direito de fazer sustar um processo iniciado pelo poder judicial. Eu vou referir á camara o que então se disse:

(Leu.)

E ultimamente, na proposta definitiva do governo, redigida pelo punho de Fontes, do que eu fui testemunha, dizia-se o seguinte:

(Leu.)

Ora, á vista destas manifestares de pareceres, parece-me que não ha motivos para duvidas. Em primeiro logar, a lei é terminante; mas se houvesse duvida, tanto os pareceres das referidas commissões, como o relatorio de Fontes Pereira de Mello, desfaziam-as.

Isto quanto á parte historica.

Cumpre-me agora fazer algumas reflexões mais, e devo dizer que essas reflexões contrariam um pouco certas praxes parlamentares.

Não ha a resolver a faculdade que a carta constitucional dá ás duas camaras legislativas de mandar continuar ou sustar o processo, ou da ratificação da pronuncia. São dois casos completamente differentes. E tanto assim, que quando mesmo não existisse a carta constitucional e houvesse licença para continuar o processo, havia depois a ratificação da pronuncia.

A carta dizia que a camara podia mandar continuar o processo ou sustal-o; mas tambem dizia que ella faria a ratificação da pronuncia. São portanto dois casos differentes; e sendo differentes, e dados em epochas differentes, é claro que não poderá ter a mesma significação. Têem uma indole e uma significação differente.

Em segundo logar:

Quando a carta dá ás duas camaras a faculdade de mandar sustar o processo, ou de mandal-o seguir, nada tem de juridica esta faculdade.

Para que o fosse, necessario era que as camarás, para tomarem tal resolução, tivessem de constituir-se em tribunal.

O que quer isto dizer?

Quer dizer que essa faculdade é meramente politica, para garantia da independencia, inviolabilidade e immunidade dos seus membros.

Tanto assim é, que, para se tomar essa decisão quanto ao processo, nem as camaras o vêem, nem sequer olham para a natureza do crime.

Todos sabem que a nossa carta constitucional foi quasi toda copiada da carta constitucional franceza de 1818.

Ora, a carta constitucional franceza de 1818 dizia:

(Leu.)

Eu confesso a verdade.

Sei perfeitamente que os parlamentos têem sido os causadores de todas estas faltas, e eu proprio talvez tenha sido réu de culpas iguaes ás que apontei.

Isto posto, permitta-me v. exa. que eu diga que não acho completamente inutil discutir o assumpto que está na tela do debate, se bem que reconheça que elle não possa dar motivo a largas controversias.

A questão reduz-se a muito pouco.

A carta estabeleceu umas disposições que foram revogadas pelo acto addicional. (Apoiados.)

Esta é que é a questão.

A carta foi contrariada nas suas disposições pelo que se acha preceituado no segundo acto addicional, mas a verdade é que as disposições d'esse acto addicional são incompativeis com as disposições regulamentares de 1861.

Póde isto succeder?

Não, e é por isso que se torna preciso pôr o regulamento em harmonia com as novas disposições constitucionaes.

O acto addicional, bem ou mal, é lei do para e assim temos de o cumprir e não póde ser supprimido por esta camara numa simples deliberação de momento.

Não digo mais nada por agora, e, se for necessario, pedirei de novo a palavra.

(O digno par não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso.)

O sr. Firmino Lopes. - Sr. presidente, sou um dos signatarios do parecer, e como alguns oradores condemnam ou contestam as suas conclusões, vejo-me forçado a dar explicações á camara. Serei resumido.

Foi a commissão de legislação que elaborou este parecer. Esta commissão pertence ao corpo politico chamado camara dos dignos pares do reino; mas esta camara no momento actual não tem attribuições de tribunal criminal.

Agora cumpre-me sómente averiguar se as conclusões do parecer correspondem aos principios estabelecidos.

A commissão considerou:

1.° Que tem presente um processo de querella por crime de abuso de confiança, em que foi pronunciado um digno par;

2.° Que pelo artigo 4.° da lei de 24 de julho de 1885 a esta camara, como corpo politico, compete decidir se deve ser suspenso das funcç5es legislativas e se o processo deve seguir no intervallo das sessões ou depois de findas as func-ç5es do indiciado;

3.° Que a natureza e gravidade do facto conforme o despacho de pronuncia justificam a suspensão das funcções;

4.º Que o indiciado é par vitalicio, e conclue que fique suspenso das funcções legislativas e o processo siga seus termos para ser julgado no intervallo d'esta para a seguinte sessão legislativa.

O proprio parecer distingue a competencia do corpo politico da competencia do tribunal, que é constituido sou a denominação de tribunal dos pares, de tantos juizes quantos forem os pares que tiverem assento na camara e residencia no continente do reino, em conformidade do artigo 41.° da carta constitucional e artigo 1.° do regulamento interno da camara, constituida em tribunal de justiça.

N'este regulamento encontrâmos disposições para tres periodos distinctos.

1.° Desde que chega o processo ata que seja remettido ao tribunal dos pares.

2.° Desde que por escrutinio for nomeado um de seus membros para relator até ao julgamento. É o processo preparatorio.

3.º Desde que se constituo a audiencia solemne ou de até a sentença. A ordem do juizo não póde

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6 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

alterar-se. As formulas são as garantias do direito e da liberdade. Quero para a sociedade a franqueza da accusação, quero justiça até á severidade e quero para a defeza a maxima amplitude. Tudo se consegue não preterindo as formalidades.

Sr. presidente, dou estas explicações á camara, porque não concordo em parte com o que disse o digno par, meu amigo, sr. Tavares de Pontes, illustre relator do parecer.

O artigo 7.° diz que o sr. presidente enviará o processo á commissão de legislação para que com o seu parecer a camara possa resolver se o processo deve ou não seguir os seus termos ulteriores e se a camara deve constituir-se em tribunal de justiça, o artigo 4.° do segundo acto addicional tirou esta faculdade, limitando as funcções a resolver se o par indicado deve ficar suspenso e quando deve ser julgado.

O processo ha de sempre caminhar os seus termos ulteriores exactamente como quando a camara resolvia que o processo seguisse os termos legaes.

Seguir o processo por disposição da ultima lei ou pela resolução da camara em nada altera a forma do juizo.

Portanto, o acto addicional em nada alterou as disposições do regimento, como lei do processo.

E tanto que o artigo 8.° manda que o sr. presidente designe o dia em que o tribunal se ha de reunir.

Esta reunião póde ser emquanto duram as sessões da camara, segundo o artigo 1 da lei de 15 de fevereiro de 1849, para dizer da pronuncia e organisar o processo preparatorio; para o julgamento no intervallo das sessões, se o parecer for approvado, precedendo decreto do poder executivo.

O contrario dá em resultado que o tribunal dos pares nunca se constituo senão para o julgamento das pessoas comprehendidas no artigo 41.° da carta.

Hoje a camara dos pares, como corpo politico, não tem a faculdade de dizer que o processo não caminha. Como tribunal de justiça ha de seguir o regulamento e leis citadas.

Sr. presidente, pois póde admittir-se que um individuo accusado por crime de qualquer ordem, ainda que as circumstancias do crime sejam graves, tenha direito de recorrer aos tribunaes da relação e supremo tribunal com referencia a pronuncia, e o membro da familia real, o ministro d'estado, conselheiro de estado, par ou deputado seja julgado, sem verificar a validade e procedencia do processo, por tribunal de que não ha recurso?

Não póde ser: são cidadãos. Ninguem será sentenciado senão por virtude de lei e na fórma por ella prescripta, artigo 145.° da carta, § 10.°

Portanto, ouso affirmar que tem hoje completa execução o regulamento e lei de 1849, perfeitamente conciliaveis com o artigo 4.° do acto addicional, que substituiu sómente o artigo 27.° da carta constitucional.

A conciliação das leis pelas regras de interpretação é um dever de todos.

Ninguem se preoccupe, nenhum membro do grande tribunal faltará ao cumprimento da justiça, e justiça se fará conhecendo o facto, as circumstancias pelo estudo do processo e relatorio do respectivo relator perante o tribunal, segundo os artigos 9.° a 11.° do mesmo regulamento.

O parecer, dizendo que o processo siga seus termos para ser julgado no intervallo para a seguinte sessão legislativa, nem de longe envolve a idéa de supprimir o exame da pronuncia.

A questão sobre o modo de proceder o tribunal é extemporanea. Não é essa a materia a discutir, nem qualquer votação póde derogar leis do Paiz em que assenta o regulamento da camara, que tambem obriga a propria camara para exacto cumprimento.

Sr. presidente, ouvi tambem dizer que as disposições do artigo 15.° do citado regulamento estavam em opposição com as disposições dos artigos anteriores; é este o grande argumento dos que seguem opinião contraria á que tive a honra de expor.

Mas prova contra, como vou demonstrar.

Diz o artigo que nos crimes dos deputados, cuja accusação é mandada continuar nos termos do artigo 27.° da carta, não terá logar o que fica disposto ácerca da pronuncia, e só haverá logar a instrucção do processo plenario perante a presidencia para a final ser julgado em audiencia solemne.

Primeiro convem notar que o indiciado de que se trata é par. Logo, o artigo, fazendo uma excepção, confirma a regra.

Depois, como para mandar-se proseguir o processo era preciso o conhecimento e discussão na camara dos deputados, ficava supprimida a disposição do artigo ll.° do regulamento.

Mas hoje, retirada a faculdade de apreciar se o processo prosegue, pois que sempre ha de seguir, é na verdade levar a interpretação por caminhos desconhecidos.

Pois agora, que não vigora a disposição, é que serve para da antiga excepção fazer nova doutrina, contraria á regra estabelecida?

Resumindo direi que do parecer em discussão não se póde inferir que a camara tenha de pronunciar se, ou emittir opinião sobre a confirmação da pronuncia n'esta occasião, em que ainda não está constituida em tribunal de justiça.

Se tal se podesse deduzir, eu, como membro da commissão de legislação, não assignaria o parecer sem declarações, porque a minha opinião é que a camara tem ainda de julgar sobre a procedencia ou improcedencia da pronuncia, o que é diverso da procedencia do processo.

Por isso, sem prejuizo do direito que a camara tem de approvar ou rejeitar o parecer em discussão, julgo que deve occupar-se exclusivamente de conhecer da natureza e gravidade do facto, para concluir se o digno par deve ou não ficar suspenso.

E parece-me tambem que v. exa., como digno presidente d'esta camara, deve fazer cumprir as disposições do referido regulamento.

Quanto ao que disse o digno par o sr. Barros e Sá, relativamente aos ultimos processos que vieram a esta camara, sem querer agora contradictar as opiniões então emittidas, devo observar que de tal assumpto se tratou por occasião do julgamento, já quando o tribunal de justiça tinha de proferir sentença.

Procuraram remediar ou supprir a falta e erro anterior, cobrindo os actos da presidencia dignamente exercida pelo proprio digno par sr. Barros e Sá.

Fizeram bem talvez.

A opinião geral reage sempre contra o capricho que possa retirar o supposto culpado ao julgamento.

Persuade-se que o favor substituo a justiça.

Já em tempo houve julgamento de pares do reino - ahi tem a praxe-em condições identicas - n'um processo criminal seguindo seus termos até ao julgamento. Aonde está a conveniencia de attribuir ao acto addicional effeitos que nem pela mente passaram aos legisladores? Prohibir que o processo se archive por simples deliberação da camara? Sim. Prohibir que o tribunal da camara dos pares exerça suas funcções? Não.

Creio que tenho sufficientemente explicado a minha opinião com respeito ao parecer que se discute, e por isso termino aqui as minhas observações.

O sr. Julio de Vilhena: - Diz que entra na discussão, não tanto com o fim de discutir a hypothese, como pelo desejo de que por uma vez se estabeleça a verdadeira doutrina e se definam os principies que devem regular o procedimento da camara dos pares em hypotheses analogas á que se discute. Reputa indispensavel que se fixe definitivamente a verdadeira interpretação da lei constitucional, de modo que fique sendo a norma invariavel a seguir-se toda

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SESSÃO N.° 11 DE 3 DE FEVEREIRO DE 1892 7

a vez que um processo crime suba á camara dos pares para ser julgado.

Não ignora a camara a parte que ao orador coube na iniciativa da proposta para a ultima reforma politica, e por isso não estranhará que elle pretenda esclarecel-a sobre os verdadeiros intuitos da lei d'essa reforma, a fim de melhor se poder fixar a sua verdadeira interpretação.

O pensamento do governo que propoz a reforma, ou pelo menos o pensamento daquelle que maior ingerencia teve na redacção da proposta de lei, e que fôra o proprio orador, esse pensamento não foi, nem nunca poderia ter sido, o de collocar os representantes da nação, pares e deputados, numa situação de inferioridade manifesta com relação a qualquer cidadão, privando-os no fôro especial das garantias e elementos de defeza que todos os outros cidadãos têem assegurados no fôro commum.

Não podia pois estar na mente do legislador, nem no espirito da lei, portanto, se póde presumir, o intuito de privar o par ou deputado a quem fosse imputada qualquer responsabilidade criminal de interpor o aggravo de injusta pronuncia, quando as leis do paiz no fôro commum reconhecem a qualquer accusado o direito d'esse recurso para os tribunaes superiores.

Não deseja que os pares ou deputados accusados de crimes tenham mais direitos do que qualquer cidadão, mas tambem não podem ter menos.

Fez varias considerações desenvolvendo os fundamentos da sua opinião, e concluiu indicando a conveniencia de que se votasse o parecer, com a declaração de que o processo seguiria os seus termos depois de verificada a existencia do crime e a justiça da pronuncia.

(O discurso do digno par será publicado na integra, logo que s. exa. restitua as respectivas notas tachygraphicas.)

O sr. Conde de Lagoaça: - Diz que, salvo o devido respeito a todos Os dignos pares que têem usado da palavra, parece-lhe inopportuna esta discussão.

Já têem vindo a esta camara casos identicos a este, de dignos pares pronunciados por crimes diversos, e nunca se levantou uma discussão como esta. Alem d'isso, nesta conjunctura, o publico póde apreciar mal similhante debate.

Não vem nada para o caso discutir agora qual o caminho que ha de seguir o processo. O que está em discussão é um simples parecer, o qual está em perfeita harmonia com o artigo 4.º do segundo acto addicional de 1885

N'estes casos o criterio a seguir-se é a gravidade do facto, e assim entende o orador que o digno par contra quem foi instaurado processo deve ser suspenso das suas funcções.

Lendo o artigo, foi successivamente confrontando os termos seguidos até ao presente momento com aquelles que a lei preceitua, mostrando como em nenhum dos termos do processo até este momento deixou de ser rigorosamente seguido o que a lei prescreve; e se no momento presente o processo se acha no termo em que a camara tem de mandar ou não que elle siga até final, parece-lhe, respeitosamente o repete, extemporaneo tudo o que não seja votar ou regeitar o parecer da commissão.

(O discurso do digno par será publicado na integra, logo que s. ea. o restitua.)

O sr. camara Leme: - Eu peço a palavra para antes de se fechar a sessão, a fim de tratar de um negocio urgente

O sr. Barros e Sá: - Realmente eu tenho uma certa repugnancia em voltar a esta discussão; mas não posso deixar de o fazer, e peço licença á camara para occupar a sua attenção por mais alguns minutos.

Nós não tratâmos de fazer leis nem de apreciar leis. (Apoiados.) Se tratessemos de apreciar leis então eu dizia que o segundo acto addicional á carta é a lei mais calamitosa que tem vindo a este paiz. É d'essa lei que resulta asfalta de auctoridade e e força politica do parlamento, para poder sustentar ou derribar um ministerio; é d'ahi que lhe vem a grande devoção patriotica para sustentar seguidamente quatro ministerios de differentes partidos, com maneiras differentes e differentes programmas.

Uma voz: - É por causa dos homens.

O Orador: - É por causa da lei. É d'esta lei que resultam fatalmente quasi todas as desgraças que ultimamente têem assoberbado o paiz, porque della resultou a decadencia completa do systema parlamentar. Então eu discuti e votei, por isso não discuto agora essa questão.

Não foi então que eu me desviei do meu partido; já estava desviado; mas n'essa occasião ratifiquei esse afastamento.

Eu desviei-me do meu partido quando aqui se tratou da questão do cabo submarino. Não digo mais nada.

Não posso deixar de referir-me, sempre com muito respeito, ao dignissimo par do reino o sr. Julio de Vilhena; mas permitta-me s. exa. que eu lhe observe que eu não podia adivinhar qual era a sua intenção. O que eu sabia, porque ouvi ler e discutir, era a intenção do governo de que s. exa. fazia parte. S. exa., como redactor das reformas constitucionaes, podia ter a intenção que agora nos disse; mas certamente que essa intenção era differente d'aquella que foi enunciada pelo governo de então.

A intenção approvada foi a do evitar que um despacho de pronuncia lançado por um juiz podesse ser sustado por uma resolução de qualquer das camaras, sem ter havido uma audiencia plenaria, na presença de todos, com audiencia do réu e do procurador geral da corôa.

A votação da camara foi no sentido de nunca se consentir que a resolução de uma camara abafasse um despacho do poder judicial, porque se entendeu então que isso era invadir as attribuições do poder judicial. Eu não era completamente d'esta opinião, mas o que se resolveu e foi consignado na lei foi isto.

Muito embora o digno par o sr. Julio de Vilhena tivesse outra intenção, s. exa. não o disse então, ou os seus collegas do ministerio ou do parlamento não a acceitaram.

Eu já li aqui as palavras formaes que estão nos differentes relatorios da commissão da camara dos deputados, da commissão d'esta camara e do projecto definitivo do governo, e conclue-se d'ahi que é preciso que o processo siga até ao fim. É este o espirito da lei. Se o digno par tinha outra intenção, porque não o disse então? Para que consentiu que se escrevesse o contrario? S. exa. diz que não foi essa a sua intenção, mas a intenção do governo foi evitar que qualquer das camaras annullasse, com uma, resolução, um despacho do juiz.

A um despacho de pronuncia segue-se sempre um juizo plenario; e, ainda mesmo que houvesse uma sentença em vez de uma resolução, eu não sei se seria bem ou mal cabida, ou, se o sei, não o digo agora.

Mas agora, sr. presidente, como se póde, mesmo por hypothese, admittir a aniquilação, n'um momento dado, n'uma resolução de occasião, d'aquillo que a homens de estudo e de grande competencia tanto tempo preoccupou? Eu não creio possivel, acho mesmo a bypothese inacceitavel.

Diz-se mais, sr. presidente, que nós ficamos em posição inferior á de qualquer outro cidadão!...

Ora, onde provam e como provam s. exas. similhante asserção? Onde está a nossa inferioridade? Qual é o trecho da lei em que v. exas. se baseiam para avançar similhante proposição, ou mesmo opinião do escriptor que a tanto se abalançou? Como se comprehende isto, se antes da rectificação de pronuncia ha a interposição do aggravo?

(Áparte que não se ouviu.)

Eu realmente, sr. presidente, desconheço esta doutrina, vejo-me na necessidade de dizer mais alguma cousa porque se me afigura que rectificação de pronuncia é completamente differente, senão contradictoria, ao despacho de pronuncia. Um vem depois do outro.

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8 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Ora, sendo assim, como é que se está aqui argumentando com a pretendida inferioridade?

Vejamos o que diz a lei.

A lei diz que n'estes casos devemos obrar pelos processos seguidos pelo supremo tribunal de justiça.

Sendo este o preceito estabelecido, nós precisâmos de tempo sufficiente para organisar qualquer processo.

O sr. Conde de Lagoaça: - Não é processo do demorado. Póde ler-se n'um dia...

O Orador: - Pois o nosso regulamento preceitua.

(Ápartes aos srs. Firmino João Lopes, Marçal Pacheco e Julio de Vilhena que não se ouviram.)

É muito difficil, sr. presidente, n'uma assembléa tão numerosa estar a argumentar com o espirito de uma lei; encontram-se sempre opiniões contradictorias, mas o que é facto é que o nosso regulamento n'este poeto é explicito, porquanto diz que quando o tribunal de justiça julgar procedente a accusação, não ha pronuncia, e por consequencia não havendo pronuncia não ha rectificação, porque a lei não o diz.

Nos processos de erro de officio não ha rectificação de pronuncia.

(Interrupção do sr. Firmino João Lopes que se não ouviu.)

Mas o que diz a lei?

Pois a lei manda que os pares ou os deputados sejam collocados em posição inferior aos outros cidadãos?

Ratificar a pronuncia?

No fôro commum não ha ratificação da pronuncia para ninguem.

Attenda bem a camara. Digo e repito que no fôro commum não ha hoje ratificação da pronuncia para ninguem.

Como é que ficâmos nós em posição inferior?

A nomeação do tribunal é uma garantia"

Não se pede dizer que as attribuições da primeira instancia, coroo o tribunal da Boa Hora, sejam iguaes ás de um tribunal superior.

A attitude d'este tribunal tem garantias especiaes que dispensam as formalidades a que estão sujeitos os outros tribunaes.

Pois a camara dos pares não quererá usar d'essa garantia?

De certo que quer, e de resto, sr. presidente, ha em tudo isto um equivoco.

Se se disser que o par póde interpor aggravo, contra uma dada injustiça, não me opponho e tenho para isso varias rasões.

A lei determina que o processo seja votado na camara dos pares.

Póde dizer-se, e com muita rasão, que seria mister que o despacho de pronuncia tivesse passado em julgado; mas a verdade é que o despacho de pronuncia não passou em julgado.

Seria necessario, seria justo, seria conveniente que aos pares e deputados fosse licito interporem aggravo contra a injusta pronuncia para a relação?

Não vejo lei que obste a isto; não vejo, que neste procedimento haja infracção de lei; mas os dignos pares não querem isso.

(Interrupção do sr. Julio de Vilhena que não se ouviu.)

V. exa. vê bem que eu não tenho espirito de contradição.

Quer v, exa. estabelecer a questão n'este ponto?

Deve ser permittido o aggravar da injusta pronuncia?

Completamente de accordo.

Não me opponho.

Mas uma cousa é aggravar da injusta pronuncia, outra é a ratificação da pronuncia.

Se o digno par de que se trata tivesse? feito um requerimento ao juiz da primeira instancia, eu sendo juiz acceitava-o.

Sr. presidente, diz o digno par que estabelecemos doutrinas e que não traiamos de hypotheses. Se assim é, está resolvido.

N'estes termos entendo que devemos continuar o processo seguido até hoje, de dar a commissão o seu parecer.

(O digno par não reviu as notas tachygraphicas do seu discurso.)

O sr. Ornellas: - Sr. presidente, em primeiro logar requeiro a v. exa. se digne consultar a camara sobre se julga este parecer sufficientemente discutido.

Em segundo logar se permitte que, dispensado o regimento, se tanto for preciso, haja votação nominal sobre as conclusões do parecer.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam a primeira parte do requerimento do sr. Agostinho de Ornellas, para que o parecer se julgue sufficientemente discutido, tenham a bondade de se levantar.

Está approvado.

O digno par, o sr. Agostinho de Ornellas tambem requereu que, dispensado o regimento, se tanto fosse preciso, haja votação nominal sobre as conclusões do parecer.

Eu devo lembrar os precedentes que ha a este respeito. Com respeito a dois pareceres da commissão de legislação ácerca de dois processos crimes julgados nesta camara, a votação foi por levantados e sentados, sendo para isso dispensado o regimento.

Com relação ao ultimo processo que veiu a esta casa, processo que se referiu ao digno par sr. conde de Gouveia, a votação do parecer foi feita na conformidade do regimento.

Agora vou consultar a camara sobre a segunda parte do requerimento do digno par sr. Ornellas.

Os dignos pares que entendem que se deve dispensar o regimento, a fim de que o parecer da commissão de legislação seja votado nominalmente, tenham a bondade de se levantar.

Vozes: - Nominalmente não póde ser.

O sr. Ornellas: - Eu no meu requerimento pedia a v. exa. que consultasse a camara sobre se dispensava o regimento para que a votação fosse nominal.

Sendo o regimento dispensado, póde a votação ser nominal.

O sr. Presidente: - Eu disse ha pouco que, em relação a dois processos que vieram a esta casa, a votação sobre os respectivos pareceres tinha sido por levantados e sentados.

O sr. Julio de Vilhena: - Mas esses pareceres concluiam igualmente pela suspensão de funcções?

O sr. Presidente: - São, senhor.

Um era pela suspensão das funcções do accusado, e o outro pela não suspensão.

O sr. Julio de Vilhena: - Exactamente. Um d'esses pareceres referia-se a um sr. deputado, e concluia por que o accusado fosse suspenso das suas funcções parlamentares, e o outra dizia respeito a um digno par, e era pela não suspensão de funcções.

Por consequencia, a hypothese analoga ao processo de que se trata é só uma.

O sr. Presidente: - Desde o momento em que a camara dispense o respectivo artigo do regimento, póde o parecer ser votado nominalmente.

Vou, por isso, consultar novamente a camara.

Os dignos pares que, dispensando o regimento, entendem que o parecer em discussão deve ser votado nominalmente, tenham a bondade de se levantar.

(Pausa.)

Está approvado.

Vae proceder-se á chamada.

O sr. Julio de Vilhena: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Peço perdão ao digno par. Eu não posso dar agora a palavra a s. exa., porque, em vista da resolução que a camara acaba de tomar, vae votar-se o

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parecer. Antes, porém, de se proceder á chamada eu peço a attenção da camara para o seguinte:

O parecer vae ser posto á votação, e, se a camara o approvar, a sua approvação importa a não ratificação da pronuncia, continuando o processo a seguir os seus termos, conforme a pratica seguida nos processos precedentes; e digo isto porque quando pela ultima vez, a camara se constituiu em tribunal, esta questão da ratificação ou não ratificação da pronuncia foi levantada n'esta casa pelo er. visconde de, Moreira de Rey, que apresentou a este respeito uma proposta.

O sr. presidente do tribunal entendeu que o ministerio publico, que estava representado pelo sr. Sequeira Pinto, devia pronunciar-se sobre a questão.

O sr. Sequeira Pinto foi de parecer que o ministerio publico não tinha que intervir nas decisões da Acamara; comtudo, acrescentou que, se a camara desejava que emittisse a sua opinião, s. exa. não tinha nisso duvida nenhuma, e s. exa. assim o fez.

A camara decidiu então que o processo continuasse a seguir os seus termos, como continuou, e que não houvesse a ratificação de pronuncia.

Por consequencia, votando-se o parecer, votasse a não ratificação de pronuncia.

Era isto o que eu queria dizer á camara, e ella votará como entender na sua sabedoria.

Agora vae proceder-se á chamada.

O sr. Marçal Pacheco: - Eu pedia a v. exa. que me concedesse a palavra antes de ser votado o parecer.

O sr. Presidente: - Tem o digno par a palavra.

O sr. Marçal Pacheco: - Sr. presidente, v. exa. declarou que a votação d'este parecer implicava a negação da ratificação da pronuncia...

Eu preciso dizer como foi que na commissão se deu este parecer: nem sequer foi lido o processo; leu-se apenas o despacho de pronuncia, e votou-se, pelo menos assim aconteceu commigo, na supposição de que havia ratificação de pronuncia. Creio que foi este o intuito de todos os membros da commissão. Do outra sorte, haveria sido indispensavel ler o processo.

O precedente que v. exa. acaba de invocar demonstra o que eu digo. Quando se tratou do parecer relativo ao digno par sr. conde de Gouveia, a commissão, para dar as suas conclusões, firmou-se em tudo quanto constava do processo, desde a primeira até á ultima linha.

Agora a commissão assentou o seu parecer unicamente no despacho de pronuncia, e nem sequer leu o processo. Portanto, se v. exa. entende que a negação da ratificação de pronuncia...

O sr. Presidente: - Não sou eu, é a camara que assim o entende, e que julgou já a materia discutida. (Muitos apoiados.)

Vozes: - Votos, votos.

O sr. Marçal Pacheco: - Ainda quero dizer a v. exa. que tambem voto o parecer, mas uma cousa é votar o parecer, outra cousa é a votação da camara significar a negação de ratificação da pronuncia.

O sr. Presidente: - Eu já me referi a uma resolução da camara, que hei de manter emquanto não houver outra que venha contrarial-a.

O sr. secretario principiou a fazer a chamada paro a votação nominal.

O sr. Vasconcellos Gusmão: - Eu desejava apresentar...

Vozes: - Votos, votos.

O sr. Presidente: - Vae fazer-se a chamada.

Fez se a chamada.

Disseram approvo os dignos pares srs.: Baixos e Sá, Condes: de Alemtem, de Bertiandos, do Bomfim, de Castro, do Ficalho, da Folgosa, de Lagoaça, de Linhares, de Paraty, da Ribeira Grande, de Thomar, de Valbom, Barão de Almeida Santos, Agostinho de Ornellas, Braamcamp Freire, Antonio Candido, Antonio José Teixeira, Oliveira Monteiro, Botelho Faria, Pinto de Magalhães, Cau da Costa, Ferreira Novaes, Augusto José da Cunha, Neves Carneiro, Basilio Cabral Teixeira de Queiroz, Carlos Palmeirim, Hintze Ribeiro, Firmino João Lopes, Barros Gomes, Jeronymo Pimentel, Alves de Sá, Bandeira de Mello, Tavares Pontes, José Horta, Barbosa du Bocage, Julio de Vilhena, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Pessoa de Amorim, Luiz Bivar, Marçal Pacheco, Franzini, Rodrigo Pequito, Sebastião Carneiros, Thomás de Carvalho, Mathias de Carvalho, Bernardino Machado, Visconde da Silva Carvalho, Conde de Avila, Telles de Vasconcellos.

Disse rejeito o digno par sr. Vasconcellos Gusmão.

O sr. Presidente: - Está approvado o parecer por 51 votos contra 1.

Tem a palavra para um requerimento o sr. Luiz de Lencastre.

O sr. Luiz de Lencastre: - Peço a v. exa. queira ter a bondade de mandar ler os nomes dos dignos pares que tinham pedido a palavra antes de ser votado o requerimento do sr. Ornellas.

O sr. Presidente: - Estavam inscriptos Os srs. Luiz de Lencastre e Marçal Pacheco.

Tem a palavra o sr. Oliveira Monteiro.

O sr. Oliveira Monteiro: - Envio para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos.

Leu-se na mesa

É o seguinte:

Requerimento

Roqueiro que, pela repartição competente, me seja enviada uma nota circumstanciada das dividas á fazenda, procedentes de direitos de mercê por graças concedidas.

Esta nota deve comprehender o nome do agraciado, data do despacho e importancia da divida.

Sala das sessões da camara dos pares, em 3 de fevereiro de 1892. = Antonio de Oliveira Monteiro.

Mandou-se expedir.

O sr. Julio de Vilhena: - Sr. presidente, pedi a palavra sómente para declarar a v. exa. e á camara que votei o parecer sem que me julgue obrigado por isso a reconhecer a doutrina apresentada por v. exa., de que se não fazia rectificação de pronuncia no processo de que o parecer trata.

Continuo a sustentar o meu voto, que é separado da questão, mas julgo indispensavel a rectificação da pronuncia, antes de se proceder ao julgamento.

O sr. Presidente: - Desde o momento que é uma resolução da camara o dispensar-se a rectificação, ha de acceitar-se. Só uma nova deliberação da camara póde alterar ou revogar o que ella estabeleceu como norma; antes disso hei de mantel-a, como é meu dever. (Apoiados.)

O sr. Marçal Pacheco: - Em conformidade com as declarações que v. exa. acaba de fazer á camara, entendo ser necessaria uma nova resolução della, e para a provocar mando para a mesa a seguinte proposta.

(Leu.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta mandada para a mesa pelo digno par o sr. Marçal Pacheco.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

Proposta

Proponho que na prevenção do processo relativo ao digno par Mendonça Cortez se cumpra a disposição contida no artigo 9.° do regulamento interno da camara constituida em tribunal de justiça.

Sala das sessões, em 3 de fevereiro de 1892.= Marçal Pacheco,

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem á discussão esta proposta tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida.

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O sr. Marçal Pacheco: - Sr. presidente, requeiro a urgencia da minha proposta.

O sr. Presidente: - Tem-se seguido até aqui, e o mesmo se fez quando foi julgado o digno par sr. conde de Gouveia, não se acceitar a rectificação de pronuncia...

Vozes: - Leia-se o artigo 9.°, leia-se o artigo 9.°

O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 9.°

Leu-se na mesa.

O sr. Presidente: - O sr. Marçal Pacheco requer a Urgencia da sua proposta.

Os dignos pares que approvam a urgencia tenham a bondade de se levantar.

O sr. Presidente: - Não está approvada. Fica, pois, para segunda leitura a proposta do digno par.

O sr. Vasconcellos Gusmão: - Pedi a palavra para declarar a v. exa. que rejeitei este projecto, simplesmente porque não foi admittida uma indicação minha, para se separarem as conclusões.

Uma vez que o processo continua, eu entendi que sobre este ponto não havia duvidas nenhumas; o meu voto não prejudica em nada o andamento d'elle, e entendo mesmo que deve continuar.

A conclusão com que eu não estou de accordo é aquella em que o digno par é desde já condemnado a não continuar a exercer as suas funcções legislativas.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. camara Leme: - Sr. presidente, eu peço a attenção da camara e sinto que não esteja presente algum dos srs. ministros, porque queria chamar a attenção de s. exas. para um facto gravissimo que acabo de ler num jornal do Porto.

Nada mais, nada menos que uma carta do sr. Bartissol e do sr. Duparchi, contestando o que se disse na assembléa da direcção do caminho de ferro do norte, em que dois dos seus membros diziam que o tunnel e a estação central de Lisboa tinham custado 7:000 contos de réis.

O sr. Bartissol e o seu collega, publicaram uma carta num jornal do Porto, contestando isto, e dizendo que apenas receberam 2:850 contos de réis. Para 7:000 contos de réis ha uma differença de 4:650 contos de réis.

Pergunto a v. exa. o que foi feito deste dinheiro?

Para se ver a importancia do assumpto para que desejo chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas e do governo, que infelizmente não está presente, não me permittindo a minha vista o ler a carta que vem publicada n'este jornal, por estar impressa n'um typo muito pequeno, pedia a v. exa. que tivesse a complacencia de a mandar ler na mesa.

(a. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

Vozes: - Isso não póde ser.

O sr. Presidente: - Eu julguei que v. exa. mandava qualquer documento para ser lido, mas manda um jornal; não é de certo para ser lido na mesa (Apoiados.} e pergunto ao digno par se o que pede é a publicação.

O sr. Camara Leme: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que seja publicada no Diario do governo a carta que acabo de mandar para a mesa.

O sr. Conde de Thomar: -- A carta a que se acaba de referir o digno par o sr. D. Luiz da Camara Leme foi já publicada, não só nos jornaes do Porto, como tambem em alguns da capital; é por consequencia conhecida pelo publico; não me parece necessario que seja lida na mesa, nem publicada no Diario do governo. (Apoiados.)

O sr. Camara Leme: - Sr. presidente, a carta a que me referi, e que não pude ler aqui, por não mo permittir a minha vista, acha-se publicada em varios jornaes da capital, como acaba de dizer o digno par o sr. conde de Thomar; eu peço, portanto, para retirar o meu requerimento, visto a camara ter já conhecimento d'este assumpto.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que consentem que o sr. Camara Leme retire o seu requerimento tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - A primeira sessão será sexta feira; a ordem do dia a apresentação de pareceres.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e quarenta minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 3 de fevereiro de 1892

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Antonio José de Barros e Sá; Condes: de Alemtem, d'Avila, de Bertiandos, do Bomfim, de Castello de Paiva, de Castro, de Ficalho, da Folgosa, de Lagoaça, de Linhares, de Paraty, da Ribeira Grande, de Thomar, de Valbom; Viscondes: da Silva Carvalho, de Sousa Fonseca; Barão de Almeida Santos; Agostinho de Ornellas, Braamcamp Freire, Antonio Candido, Antonio José Teixeira, Oliveira Monteiro, Botelho de Faria, Pinto de Magalhães, Cau da Costa, Ferreira Novaes, Augusto Cunha, Neves Carneiro, Bazilio Cabral, Bernardino Machado, Palmeirim, Sequeira Pinto, Hintze Ribeiro, Firmino Lopes, Barros Gomes, Jeronymo Pimentel, Alves de Sá, Gusmão, Bandeira Coelho, Ferraz de Pontes, Ponte Horta, Bocage, Julio de Vilhena, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Pessoa de Amorim, Bivar, Marçal Pacheco, Franzini, Mathias de Carvalho, Rodrigo Pequito, Sebastião Calheiros, Thomás de Carvalho.

O redactor = Fernando Caldeira.

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