SESSÃO N.° 11 DE 10 DE FEVEREIRO DE 1896 97
dencia, e não se verem obrigados a andar mendigando um emprego.
A Belgica, que deve ser o modelo de todos os governos constitucionaes, tem isso na sua constituição.
Ninguem ali póde ser senador vitalicio, quando não tenha um rendimento de 30:000 francos, approximadamente 6 contos de réis.
Não exijo tanto para o nosso paiz, onde as fortunas são muito mais pequenas, mas o que digo é que não se sophismem as leis, appliquem-nas conforme a intenção de quem as fez, e verão que para a maioria dos casos não precisamos de novas leis, as que temos são mesmo de mais.
Por consequencia, já v. exa. vê que neste ponto sou mais reaccionario do que o governo, porque vou ainda alem do pensamento do governo.
Eu sinto não ver presente o nobre ministro do reino, porque s. exa., na resposta que deu ao sr. conde de Bertiandos disse que o governo tinha feito uma ampla, larga e não mesquinha dictadura.
Ora, sr. presidente, é para louvar a franqueza do sr. ministro do reino, mas é exactamente n'estas palavras que está a sua contradicção.
S. exa. diz: "as camaras hão de julgar e apreciar". Mas apreciar como?
Pois o governo dissolve a camara, faz em dictadura uma lei eleitoral que traz á camara os deputados um a um, porque não ha ninguem, por mais popular, por mais serviços que tenha prestado ao paiz, que se possa apresentar em opposição ao ministerio.
S. exa. preparou tudo muito bem.
Assumiu a dictadura publicando uma lei que só permitte que venha á camara quem elle quizer. Dissolveu a parte electiva da camara dos pares, acompanha-a de um projecto sobre incompatibilidades parlamentares que foi alem de tudo quanto nós desejavamos, esquecendo-se, porem, das incompatibilidades administrativas, que são as mais perigosas, e eu direi as rasões quando o projecto vier á camara.
Publicou-se uma lei eleitoral em dictadura, organisou-se, trouxe-se a Lisboa uma camara dos amigos do governo, porque ninguem podia luctar com a influencia do governo e da sua lei.
Ha um unico deputado que disse perante o parlamento que não devia a sua eleição ao governo, mas sim a um amigo, sendo esta eleição muito curiosa, pois que o numero de votos que esse cavalheiro obteve é igual ao numero de votos que teve o sr. ministro da guerra. Já v. exa. vê, sr. presidente, que nem mesmo este sr. deputado se póde dizer da opposição. É uma camara eleita pelo governo, e dadas estas circumstancias, todos os decretos hão de ser approvados, e só para isso se modificou a lei eleitoral.
N'esta camara a opposição entendeu que se não devia apresentar, porque não podendo os seus amigos concorrer á urna, deviam acompanhai-os na sua desgraça.
Quer v. exa. saber o que se passa na Italia, n'este momento?
A opposição parlamentar reunida ante-hontem votou por unanimidade o seguinte:
" Attendendo a que por flagrantes e continuadas violações da lei, a Italia foi arrastada a uma guerra desastrosa, que se pretende prolongar por motivos inconfessaveis,, os deputados presentes denunciam a dissipação do thesouro publico e pedem a convocação immediata da camara, como direito de ha muito desconhecido, e que a corôa é convidada a fazer respeitar."
Aqui tem v. exa. a differença de modo de proceder: lá, em Italia, o partido da opposição entende que deve não só tomar parte nas eleições e em todos os assumptos de interesse publico, e vir á camara, mas até que deve convidar o governo a abrir o parlamento para lhe tomar contas; aqui, em Portugal, a abstenção.
Mas, diz-nos o governo: " o paiz está comnosco; aprova é que tendo-o nós consultado depois de nos acharmos em dictadura, elegeu uma camara que nos é quasi que unanimemente affecta ". Na camara dos senhores deputados não ha effectivamente opposição; mas quer isto dizer que o paiz está com o governo? Não, certamente. O que quer dizer é que a opposição não foi á urna, que com a actual lei eleitoral só póde vir á camara quem o governo queira.
Veja-se, porem, a popularidade que o governo tem na opinião publica do paiz; veja-se a imprensa periodica. Não fallo da imprensa avançada, contem os jornaes monarchicos e verão quantos censuram a politica do governo.
Por consequencia o apoio ao governo não é tão unanime como os srs. ministros dizem.
Alem d'isso ha uma prova em contrario ainda mais eloquente e incontestavel, que e a seguinte.
Em qualquer paiz, não só onde houvesse unanimidade a favor do governo, mas onde elle apenas não fosse muito impopular, em seguida ás victorias como as que tivemos agora em África, tendo o governo collaborado para a organisação das expedições, o que é incontestavel, o governo devia ter quinhão nas ovações a que essas victorias deram logar; e comtudo o actual governo da dictadura não participou dos applausos e das manifestações feitas em honra dos expedicionarios. Apenas no Porto um regenerador se lembrou de levantar um viva que foi logo abafado. Será isto um symptoma de que o paiz está satisfeito com o governo?!...
Se quando ha as ovações em honra do governo, se quer logo provar que elle tem por si a opinião do paiz, tambem devem acceitar a ausencia de ovações como prova de impopularidade e de descontentamento.
E agora, sr. presidente, refiro-me ao que o sr. ministro do reino disse a proposito do opusculo do sr. condo do Casal Ribeiro, de quem se confessou admirador e por quem diz professara maior estima e consideração, como eu e todos professámos.
Disse o illustre ministro que aquelle abalisado estadista tinha vindo pela primeira vez ao parlamento em virtude de uma lei eleitoral decretada em dictadura. Effectivamente veiu, e não só elle, vieram n'essa occasião muitos vultos distinctos. Mas a justificação d'essa dictadura uma grande maioria a reconhece. Essa dictadura seguiu-se a uma revolução ou pronunciamento militar; dizia se que era necessario entrar n'um periodo de acclamação e que era necessario alargar as regalias populares. Quem deixaria de a apoiar? Pois houve, e entre esses homens figuram os nomes de Mendes Leal, Rebello da Silva, Correia Caldeira e outros nomes illustres, o que prova que a lei eleitoral era bem mais liberal que a actual.
Essa lei eleitoral, em virtude da qual o sr. Casal Ribeiro veiu á camara, póde comparar-se com a lei eleitoral da actual dictadura?
Não estavam as opposições representadas n'aquella epocha?
Estavam, e até por homens importantes, todos de alta capacidade; mas diga-me v. exa. se agora ha algum chefe ou partido politico que tenha influencia para vir á camara?
Nem um só!
Sr. presidente, nem na discussão de resposta ao discurso da coroa, nem na da questão do bill ha a mais pequena allusão ás repetidas recomposições ministeriaes que se deram durante a dictadura.
Não terá a camara o direito de saber o motivo da mudança de actores na scena politica?
A anarchia está, pois, da parte do governo!
Pois ha lá nada mais anarchico do que a vida deste governo?
O sr. Hintze Ribeiro organisou este ministerio o, qual Saturno, devorou todos os seus filhos, devorou até o seu