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N.º 11

SESSÃO DE 10 DE FEVEREIRO DE 1896

Presidencia do exmo sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os dignos pares

Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Não houve correspondencia. - O sr. presidente declara que vae enviar ás commissões de marinha e fazenda uma representação que lhe foi entregue pela commissão permanente de defeza da marinha mercante portugueza. - Entre o digno par conde de Lagoaça e o sr. presidente trocam-se algumas explicações ácerca do encerramento da sessão anterior. - E lido na mesa, e fica para segunda leitura, um projecto de lei do digno par conde de Lagoaça, que tende a dar postos por distincção ao coronel Galhardo e ao capitão Mousinho de Albuquerque. - O digno par arcebispo-bispo do Algarve, citando que varias au-ctoridades administrativas exigem que os parochos passem gratuitamente algumas certidões, pede ao governo que adopte a este respeito as necessarias providencias. Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. - O digno par Margiochi participa que está constituida a commissão de agricultura, e propõe que seja aggregado a esta commissão o digno par visconde de Athouguia. Esta proposta é approvada.

Ordem do dia: continuação da discussão do parecer sobre o bill de indemnidade. - Discursa sobre o assumpto o digno par conde de Thomar, e responde-lhe o relator da commissão o digno par Antonio de Serpa. - O digno par conde de Lagoaça apresenta uma moção, e justifica-a. E lida na mesa, admittida e considerada em discussão conjunctamente com o projecto. - O digno par Margiochi requer que a sessão seja prorogada até se votar o parecer em ordem do dia. Este requerimento é approvado. - Discursam sobre o parecer o sr. ministro da guerra e o digno par conde de Bertiandos. - Esgotada a inscripção, são rejeitadas as propostas dos dignos pares conde de Bertiandos e Marçal Pacheco, approvado o projecto, considerada por isto prejudicada a moção do digno par conde de Lagoaça e approvada tambem a proposta do digno par arcebispo-bispo do Algarve. - O sr. presidente declara que na seguinte sessão nomeará a deputação que tem de apresentar a Sua Magestade o autographo do projecto hoje approvado. - Levanta-se a sessão, designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão ás duas horas e vinte e cinco minutos da tarde, estando presentes 22 dignos pares.

Foi lida e approvada sem discussão a acta da sessão anterior.

(Assistiram á sessão os srs. presidente do conselho e ministro das obras publicas.)

O sr. Presidente: - Tenho a honra de apresentar á camara uma representação que á sua esclarecida e justa apreciação, respeitosamente e sobre assumpto importante, submette a illustre commissão permanente da defeza da marinha mercante portugueza. Esta representação vae ser enviada ás illustres commissões de marinha e fazenda que, de certo, a tomarão na consideração que merecer.

O sr. Conde de Lagoaça: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tem o digno par a palavra.

O sr. Conde de Lagoaça: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei annunciado ha tres ou quatro dias, mas como não vejo presente o sr. ministro da guerra, rogo a v. exa. o obséquio de me reservar a palavra para quando s. exa. se achar presente, a fim de lhe perguntar se acceita ou não o meu projecto, e farei mais algumas considerações a este respeito. Já o li o outro dia, por isso dispenso-me agora de o ler novamente.

Sr. presidente, antes de continuar desejava lavrar um pequeno protesto. Eu tenho o maximo respeito e consideração por v. exa.; pessoalmente é um cavalheiro muito distincto; magistrado integerrimo e que, pela alta posição que occupa n'esta casa, é credor de toda a nossa consideração; mas pela minha parte parece-me que nunca procedi de maneira que auctorisasse v. exa. a proceder com tanta violencia como a usada para commigo na ultima sessão.

N'esse dia, sr. presidente, eu tinha pedido a palavra a v. exa. para antes de encerrar-se a sessão, tendo já tido previamente a attenção de ir á mesa dizer a v. exa. o fim para que a pedira.

V. exa. deu-m'a um minuto antes de fechar a sessão; mas, quando eu estava em meio da leitura do meu projecto, v. exa. encerrou a sessão, pondo o chapéu na cabeça.

Creio que da parte de v. exa. não houve a intenção de me maguar, mas pedia, em homenagem ao respeito que todos devemos á camara, e para que se sustente bem alto o decoro que deve haver nas discussões parlamentares, pedia a v. exa. o favor de evitar que de futuro eu volte a protestar, em defeza do meu direito.

Consta-me que v. exa. já disse a alguem que houve um mal entendido nesta questão, da parte de v. exa., e por esse motivo não apresento um protesto mais solemne.

Se v. exa. me tivesse concedido dois minutos, com isso não perigava o governo nem o regimento, e eu não estaria agora a fazer este protesto.

Creio que estas palavras hão de calar no animo alevantado e recto de v. exa.

(O orador não reviu.)

O sr. Presidente: - Não posso deixar de dar breves explicações ao digno par que justificarão, no seu conceito, o meu procedimento, que me pareceu e ainda agora o tenho por correcto.

O regimento é, como v. exa. sabe, deficientissimo, mas eu entendo que a cordura da camara suppre essa deficiencia, e por isso tenho sempre procurado e envidado todos os esforços para conquistar e merecer a benevolencia dos meus dignos collegas; todavia, alem de outros ha dois pontos em que eu não posso de maneira alguma transigir: um é consentir que a camara funccione sem ter numero legal; outro e prorogar a sessão depois de dada a hora, sem haver resolução da camara n'esse sentido.

Desde o momento em que se estabeleça precedente em contrario, eu verme-hei na impossibilidade de dirigir os trabalhos da camara.

Já tive um conflicto identico a este na primeira sessão em que se constituiu a camara, na sessão legislativa passada, com o illustre estadista o digno par José Luciano de Castro, e no dia immediato o digno par pediu explicações; eu dei-lh'as, e foram ellas de tal natureza que o digno par se deu por satisfeito.

Creio que o mesmo succederá agora com o digno par que acaba de me interpellar.

Quando o digno par na sessão anterior entrou na sala, estava a concluir o seu discurso, já na ordem do dia, o sr. arcebispo-bispo do Algarve.

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Pareceu-me que s. exa. fez algum reparo em que se estivesse na ordem do dia e, comtudo, a sessão tinha corrido com a maxima regularidade e sem reclamação da parte de qualquer digno par.

Depois s. exa. perguntou se podia apresentar o seu projecto durante a discussão do bill, e eu respondi a s. exa. que não me parecia regular interromper a discussão que estava pendente.

Perguntou-me mais s. exa. se eu podia dar-lhe a palavra para antes de se encerrar a sessão.

Respondi que só, se me fosse impossivel, não daria a palavra a s. exa., antes de se encerrar a sessão, a flui de que s. exa. podesse apresentar um projecto de lei.

Quando o sr. bispa-conde de Coimbra concluiu o seu discurso, faltavam apenas tres ou quatro minutos para dar a hora de se encerrar a sessão.

N'essa occasião o sr. ministro dos negocios estrangeiros pediu a palavra, e eu observei a s. exa. que a hora estava muito adiantada.

O sr, ministro dos negocios estrangeiros declarou que desejava apenas que fosse consultada a camara sobre se consentia que o digno par sr. Frederico Arouca se ausentasse por algum tempo do reino.

Foi consultada a camara no sentido do pedido feito pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros, e a camara resolveu affimativamente.

O digno par lembrou, n'essa occasião, que estava inscripto antes do sr. ministro dos estrangeiros, para antes do encerramento da sessão, e eu observei lhe que, segundo o regimento, os srs. ministros tinham a preferencia aã concessão da palavra.

Em seguida dei a palavra ao digno par, e pedi a s. ex. que se limitasse a mandar para a mesa o seu projecto.

O digno par, fazendo uso da palavra, começou referindo-se a um incidente, que tinha já sido largamente discutido na sessão anterior, qual o das recompensas aos expedicionarios, o que obrigou o sr. ministro da guerra a pedir a palavra.

Depois começou s. exa. fazendo a leitura do relatorio do seu projecto; ora, é de notar que, sendo omisso a esse respeito o nosso regimento, o da camara dos senhores deputados, ainda hoje em vigor, no artigo 106.° torna essa leitura simplesmente facultativa e não obrigatoria. Tambem devo lembrar que e. aturara, a esse tempo, j u não podia ouvir a leitura do re[...]torio, assim como não era ella ouvida na mesa. Os dignos pares estavam de pé, alguns já saiam da sala, outros conversavam em grupos, e a confusão era tal que, na mesa, até não se ouviu o sr. presidente do conselho pedir por duas vezes a palavra quando o sr. bispo-conde terminou o seu discurso.

N'estas condições, que são frequentes, no acto de dar a hora e do encerramento da sessão, era impossivel restabelecer a ordem e, portanto, depois de advertir e pedir, por duas vezes, ao digno par que, tendo já dado a hora, enviasse o projecto para a mesa, a final fui obrigado a declarar-lhe que, visto insistir na leitura, fechava a sessão e tambem não podia conceder a palavra ao sr. ministro da guerra, e depois de breve pausa encerrei a sessão. E esta a verdadeira e fiel exposição dos factos. Foi o meu procedimento arbitrario, violento e despotico? Parece-me que não. Teve por base a expressa e terminante disposição dos artigos 10.° n.° 1.°. 53.° e 54.° do regimento.

" Artigo 10.° n.° 1.° Compete ao presidente da camara dos pares, fora do que lhe é prescripto na carta constitucional: 1.°, dirigir os trabalhos da camara, manter a pontual observancia do regimento interno e fazer guardar em tudo a ordem e o decoro.

" Artigo 03.° O presidente deverá interromper o orador, se este se desviar da questão, infringindo o regimento ou por qualquer modo offender as considerações de civilidada e de respeito devidas á camara.

" Artigo 54.° Todo o par chamado á ordem pelo presidente deve immediatamente submetter-se, mas tem direito de reclamar para a camara d'esta decisão do presidente. "

O digno par chamado á ordem não se submetteu, como devia, nem recorreu para a camara. Insistiu na leitura e eu, desde que já tinha dado a hora e a sessão não estava prorogada, encerrei-a, podendo afiançar-lhe que, sobremaneira, me maguou este rigor que não está nos meus habitos, mas julguei necessario e indispensavel, para não estabelecer um pequeno e perigoso precedente, sem que por forma alguma tivesse intenção de melindrar o digno par a quem sempre desejo ser agradavel e muito respeito.

O sr. Conde de Lagoaça:- Sr. presidente, agradeço as explicações de v. exa., e declaro que não tive, nem podia ter, a menor idéa de malsinar as intenções de v. exa.

Estou convencido de que não houve tambem da parte de v. exa. intenção de me offender, porque se a tivesse havido não seria eu o offendido, mas a camara, a que v. exa. tão dignamente preside.

Realmente, declaro que não ouvi v. exa. chamar-me á ordem. Ouvi v. exa. dizer:
" já deu a hora ". E eu, em vista d'isso, não acabei de ler o relatorio, passei a ler o projecto. Quando estava no artigo 2.° v. exa. fechou a sessão!

Não ouvi, pois, v. exa. chamar-me á ordem; ouvi, sim, a advertencia de que a hora estava dada.

Agradeço novamente as explicações de v. exa., e quero que fique bem assente que não houve da minha parte intenção de desobedecer a essas indicações quando me chamou á ordem.

Effectivamente, o artigo do regimento diz que a sessão não se póde prolongar depois de dada a hora, a não ser que seja prorogada; mas o que é certo é que se v. exa. me concedesse mais dois minutos, seriam elles sufficientes para eu poder acabar a leitura do projecto.

(O digno par não reviu.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto.

Foi lido.

O sr. Presidente: - Como o digno par não pediu a urgencia, fica para segunda leitura.

Tem a palavra o sr. Arcebispo-Bispo do Algarve.

O sr. Arcebispo-Bispo do Algarve: - Sr. presidente, pedi a palavra para chamar a attenção dos srs. presidente do conselho e ministro das obras publicas, que vejo presentes, sobre a fórma, a meu ver, menos regular com que se está dando execução a diversos diplomas expedidos pelas respectivas secretarias destado.

E simples o caso.

A carta de lei de 8 de novembro de 1841 determina muito expressa e claramente, que, emquanto por ler geral não for convenientemente regulada a dotação do clero, sejam as congruas parochiaes preenchidas em conformidade com. os arbitramentos, provisoriamente fixados na lei de 20 de julho de 1839.

Tem decorrido desde então mais de cincoenta annos, e, comtudo, os arbitramentos, classificados de provisorios, subsistem ainda hoje.

Apesar das instantes e repetidas supplicas e reclamações que, sempre em termos prudentes, cordatos e respeitosos, têem sido feitos pela veneranda e prestimosa classe parochial. a lei de dotação, muitas vezes promettida, e, tantas outras, qualificada de urgentemente necessaria, não foi por emquanto promulgada. Este esquecimento, que não deixa de envolver um gravame injustificado para o paro-cho, cujas elevadas funcções redundam todas a bem não só dos interesses religiosos, mas ainda da felicidade temporal dos povos, explica e dá origem ás privações e lamentavel miseria, a que está sujeita a maioria do clero parochial do paiz, pela insufficiencia das congruas fixadas em 1839.

E, como se isso fora pouco para crear embaraços a uma classe, que tão digna é da consideração dos poderes publicos, e que, em geral, tão escrupulosamente procura des-

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empenhar os complexos e variadissimos encargos que lhe são impostos pelas leis do estado e determinações da auctoridade civil, não raro com preterição de importantes deveres meramente ecclesiasticos, acontece, sr. presidente, que os diminutos e minguados proventos que constituem e fazem parte da sua côngrua, estio a ser-lhe reduzidos e cerceados, com offensa da lei, e, por certo, com injustiça manifesta.

Nos arbitramentos das congruas em vigor foram computados os emolumentos do cartorio parochial, e, em harmonia com esses arbitramentos, foram e são liquidados os direitos de mercê, que o parocho tem de satisfazer pela sua apresentação em qualquer beneficio ecclesiastico. Não ha, por isso, direito algum de prival-o dos emolumentos, que lhe pertencem, pelas certidões extrahidas dos livros do registo parochial. É, porém, assim que se está procedendo, pelo menos na diocese do Algarve, que eu tenho a immerecida honra de reger e administrar.

Entende-se ali que, por virtude do disposto na lei de 12 de setembro de 1887 sobre recenseamento militar, no decreto de 14 de abril de 1891 ácerca da industria fabril, e na portaria de 30 de outubro de 1893 com respeito a instrucção publica, têem os parochos obrigação de passar gratuitamente a todos os interessados, sejam ricos ou pobres, os-attestados ou certidões de que elles carecem, para serem admittidos nas fabricas e officinas, ou abrirem matricula nas escolas de ensino primario. Aos que são pobres não se recusa, nem póde o parocho recusar-se, a passar por similhante modo taes documentos; impor-lhes, porém, o mesmo ónus com relação aos individuos que estiverem nas condições de, sem sacrificio, poderem satisfazer o emolumento devido, parece-me injusto e completamente illegal.

Peço ao governo que, tomando em consideração as ponderações que acabo de fazer, se digne adoptar as providencias e fazer expedir as instrucções, que tiver por mais acertadas, para que n'este assumpto se observe a pratica que melhor se conforme com a lei.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Campos Henriques): - Sr. presidente, ouvi o venerando prelado do Algarve com o respeito que é devido ás suas virtudes e aos seus aprimorados talentos, e declaro a v. exa. que, das leis emanadas do ministerio das obras publicas, especialmente pelo que diz respeito á admissão dos menores nas fabricas, o pensamento da disposição legal é que os serviços a que s.º exa. se referiu sejam apenas prestados gratuitamente áquelles menores que, sendo pobres, não possam occorrer á respectiva despeza, tendo assim em vista o legislador evitar que os menores, por falta de meios, não sejam privados de um trabalho honesto que lhes permitta prover á sua sustentação.

Posso ainda acrescentar que, em varias circumscripções industriaes, as disposições reguladoras do assumpto se cumprem como acabo de expor; mas como s. exa. me affirma que no Algarve não é esta a praxe seguida, vou dar as devidas ordens para que, absolutamente em tudo, se executem as disposições relativas a este assumpto.

Aproveito tambem a occasião para dizer a s. exa. que o governo não descura a veneranda e prestante classe dos parochos, e que emprega todas as diligencias ao seu alcance no intuito de poder regular definitivamente a sua dotação.

E isto que eu tenho a dizer a v. exa., sr. presidente, e ao venerando prelado do Algarve.

(O orador não reviu.)

O sr. Arcebispo-Bispo do Algarve: - Pedi a palavra unicamente para agradecer ao nobre ministro as explicações que se dignou dar-me e que me satisfizeram completamente.

O sr. Presidente: - Como está quasi esgotada a meia hora antes da ordem do dia, peço ao digno par sr. Margiochi, a quem vou dar a palavra, que não se alongue muito.

O sr. Margiochi: - Participo a v. exa. e á camara achar-se constituida a commissão de agricultura. O digno par sr. conde de Bertiandos é o presidente, e eu tive a honra de ser escolhido para secretario, havendo relatores especiaes para os pareceres que a commissão tiver de submetter á consideração da camara.

Mando para a mesa, por escripto, esta participação.

Em nome da mesma commissão, peço a v. exa., sr. presidente, que consulte a camara sobre se annue a que a ella seja aggregado o digno par sr. visconde de Athouguia.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente, e em seguida foi lida a participação, que é do teor seguinte;

Participação

Tenho a honra de participar á mesa da camara dos dignos pares que está constituida a commissão de agricultura e que elegeu para presidente o digno par conde de Bertiandos e a mim para secretario.

Sala das sessões, em 10 de fevereiro de 1896. = Francisco Simões Margiochi.

O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, desejo perguntar a v. exa. se mantem a inscripção da outra sessão, porque eu desejava fazer algumas considerações em resposta ao ultimo discurso do sr. ministro da guerra. Por isso pergunto a v. exa. se mantem essa inscripção, ou se preciso inscrever-me novamente.

O sr. Presidente: - Eu mantive a inscripção até á sessão de sabbado, e como s. exa., tendo nesse dia a palavra, não se referiu ao assumpto, suppuz que tivesse desistido. A vista; porém, da declaração do digno par, mantenho a sua inscripção para a proxima sessão.

Vae passar-se á ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 3 sobre o "bill de indenmidade

O sr. Conde de Lagoaça: - Eu desejo fazer uso da palavra depois do sr. conde de Thomar, e por isso peço a v. exa. que me inscreva sobre a materia.

O sr. Presidente: - Como o digno par sr. conde de Lagoaça desistiu da palavra sobre a ordem, fica inscripto sobre a materia; portanto, antes de s. exa. está o digno par sr. conde de Thomar, a quem dou a palavra.

O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, antes de entrar para a camara, quando se abriu o debate sobre este assumpto, o digno par sr. conde de Bertiandos teve a bondade de mostrar-me a sua moção de ordem; e como ella se parecia muito com aquella que tencionava mandar para a mesa, entendi superfluo pedir a palavra sobre a ordem.

Deixei, portanto, de parte a minha moção, esperando que me coubesse a vez de fazer algumas considerações sobre o projecto em discussão.

Começarei por dizer o que mais de uma vez já aqui tenho dito, isto é, que parece estar tudo mudado.

Ao que vejo, temos uma innovação no regimento, porque este debate não póde ser considerado senão como a discussão na generalidade, de um projecto que tem a sua especialidade, e representada nas differentes medidas decretadas pelo governo, e que têem de vir a esta camara, para serem discutidas cada uma por sua vez.

Parecia-me, portanto, mais lógico seguirmos as praticas antigas, havendo uma discussão sobre a generalidade, e outra sobre a especialidade, na qual os dignos pares podessem apresentar as modificações que entendessem, ás medidas dictatoriaes publicadas no intervallo das sessões parlamentares.

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Sr. presidente, era imponente o aspecto da sala na ultima sessão!

Fez-me lembrar a basilica de S. Pedro, em quarta feira de Endoenças.

Nas suas cadeiras estavam os prelados do reino, como se fossem os representantes do santo officio; o os ministros, contrictos e arrependidos, vinham pedir absolvição a s, exas. revmas. dos peccados constitucionaes que tinham praticado durante o intervallo das sessões parlamentares.

S. exas. revmas., como representantes de Christo, ouviram a confissão dos arrependidos e deram-lhes a sua absolvição plena e completa.

Ninguem respeita mais do que eu os representantes do alto clero que têem assento n'esta camara, pela sua intelligencia, pelo seu patriotismo, pela sua moral, pelos seus sabios conselhos e pelos seus exemplos, mas permittam-me s. exas.; uma vez que vieram a terreno defender e absolver os actos do governo praticados em dictadura, permittam-me s. exas. que lhes diga, que d'aquellas portas para dentro eu não vejo em s. exas. senão pares do reino.

Esta idéa já não é nova. esta idéa foi apresentada pelo digno par, o sr. conde de Bertiandos.

A carta dá effectivamente a s. exas. logar n'esta camara, mas s. exas. aqui são pares de reino e têem de apreciar segundo a sua consciencia os actos d'esta ou d'aquella situacção.

Permittam-me s. exa. que lhes diga que a theoria apresentada, de que a missão de s. exas. é de paz e de cordura, e que leva s. exas. a absolver o governo do peccado commettido não é inteiramente constitucional.

O que e que s. exas. juraram quando entraram n'esta casa?

Observar e fazer observar quanto couber nas suas attribuições a carta constitucional, os actos addicionaes, ser fiel ao Rei e á patria, e promover o bem geral da nação.

a uma confusão de idéas com relação á maneira de interpretar a missão de s. exas. n'esta camara; é confundir a carta ou codigo politico que nos rege e o poder moderador, com o poder executivo.

Ámanhã, sr. presidente, podem sentar-se n'aquellas cadeiras, não aquelles cavalheiros que ali estão, mas outros de idéas inteiramente oppostas.

E se s. exas. quizerem seguir á risca a doutrina e principios que s. exas. expuzeram, terão necessariamente de apoiar esses cavalheiros cujos actos estarão em opposição aquelles approvados por s. exas.

Ora, na alta posição em que s. exas. estão collocados, é claro que não podem cair n'uma contradicção, e por isso repito que são menos constitucionaes as declarações que os nobres prelados fizeram nesta camara, com relação ao modo como entendem absolver o governo deter usado largamente da dictadura e ter infligido os preceitos constitucionaes, tocando na propria carta constitucional, que é a lei fundamental do para e que s. exas. juraram defender.

Sr. presidente, no parecer da commissão pouco ha por onde se possa fazer qualquer arguição ao governo.

Ha apenas esta phase.

É certo que as circumstancias que presidiram a todos os actos de dictadura governamental foram graves.

Mais nada se diz sobre o assumpto.

ergunto ao governo quaes foram os actos graves?

Sei que o governo se apresentou n'esta camara e obteve as auctorisações que desejava, e que a opposicão 0da camara dos senhores deputados se mostrava um pouco irrequieta mas não reconheço n'estes facto as circumstancias graves que levassem o governo a praticai- tal dictadura.

De que especie de gravidade foram essas circumstancias?

Foram politicas?

Não.

Porque se algum facto grave se deu foi a ruptura das nossas relações com a Italia, mas esse facto deu-se depois de publicados todos os decretos dictatoriaes e postos em execução.

Politicas não foram. Financeiros muito menos, porque nós temos o relatorio do sr. presidente do conselho que nos dá um orçamento com um saldo.

Por consequencia, navegamos em mar de rosas.

De ordem publica?

Disse o governo na resposta ao discurso da corôa que a ordem publica não foi alterada, que tudo correu o melhor possivel, que o periodo eleitoral foi tranquillissimo e liberrimas as eleições.

Por conseguinte não me parece tambem que fosse por uma questão de ordem publica, porque se algum acontecimento grave se deu, esse teve logar ha dias, apesar da lei de segurança publica, que já condemnei, o decreto sobre a policia, que lhe dá attribuicões de tal natureza que amanhã o sr. juiz Veiga pôde, se assim o entender, ordenar que sejam presos metade dos habitantes de Lisboa e conserval-os sob prisão emquanto isso lhe parecer conveniente e lhe aprouver.

Pergunto, pois, quaes foram as circumstancias graves que se deram no interregno parlamentar?

Que circumstancias foram essas que, levaram o governo a usar de uma dictadura, como não ha exemplo nem memoria em Portugal, e em qualquer paiz que se governe pelo systema representativo? Não as conheço.

O sr. Antonio de Serpa: - Peço a palavra.

O Orador: - Folgo de ver que o sr. relator da commissão pede a palavra. De certo s. exa., com aquella longa pratica e tirocinio que, tem das cousas parlamentares e dos negocios publicos, dará explicações de tal ordem que convençam a todos da justiça que assiste ao governo por haver assumido a dictadura.

O nobre arcebispo-bispo do Algarve referiu-se aos negocios externos e internos.

Sobre os primeiros já eu disse o que se passou; houve a questão com o Brazil, que foi liquidada de uma forma não muito lisonjeira para o governo, mas muito lisonjeira para o paiz.

Quanto aos negocios internos, tambem já demonstrei que a ordem publica não tinha sido alterada. Todavia s. exa. absolve o governo pelos actos dictatoriaes que praticou.

Comprehende-se que da parte do digno prelado e dos seus collegas, haja mais benevolencia do que de qualquer de nós, por isso que a nossa missão é muito diversa d'aquella que s. exas têem.

Sr. presidente, não é o espirito nem o desejo de fazer opposição que me leva a tomar a palavra, porque, quando se discutir aqui o projecto em que se trata da reforma d'esta camara, o governo encontrar-me-ha a seu lado.

Não me conformo com o modus faciendi, mas, quanto a essa medida em si, approvo-a, e sou coherente com as minhas idéas, por isso que, tendo declarado que era conservador, evidentemente quanto mais conservadora esta camara for, mais se approximará das minhas idéas. E, acrescentarei ainda, creio que ha intenção de fazer certas modificações ou alterações no respectivo decreto.

Pois tenha o governo a coragem de fazel-as completa e radicalmente.

A camara dos pares tem rasão de ser, se é hereditaria e de nomeação regia, cercando essas nomeações de todas as condições de uma lei, que não seja modificada ou sophisniada, como sempre succede entre nós. Leis temos de sobejo o que é, é que se não cumprem.

E quando digo hereditaria, supponho-a cercada de condições taes que a hereditariedade recáia sempre em cavalheiros que, possuindo um titulo de capacidade, disponham dos meios necessarios para terem a indispensavel indepen-

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dencia, e não se verem obrigados a andar mendigando um emprego.

A Belgica, que deve ser o modelo de todos os governos constitucionaes, tem isso na sua constituição.

Ninguem ali póde ser senador vitalicio, quando não tenha um rendimento de 30:000 francos, approximadamente 6 contos de réis.

Não exijo tanto para o nosso paiz, onde as fortunas são muito mais pequenas, mas o que digo é que não se sophismem as leis, appliquem-nas conforme a intenção de quem as fez, e verão que para a maioria dos casos não precisamos de novas leis, as que temos são mesmo de mais.

Por consequencia, já v. exa. vê que neste ponto sou mais reaccionario do que o governo, porque vou ainda alem do pensamento do governo.

Eu sinto não ver presente o nobre ministro do reino, porque s. exa., na resposta que deu ao sr. conde de Bertiandos disse que o governo tinha feito uma ampla, larga e não mesquinha dictadura.

Ora, sr. presidente, é para louvar a franqueza do sr. ministro do reino, mas é exactamente n'estas palavras que está a sua contradicção.

S. exa. diz: "as camaras hão de julgar e apreciar". Mas apreciar como?

Pois o governo dissolve a camara, faz em dictadura uma lei eleitoral que traz á camara os deputados um a um, porque não ha ninguem, por mais popular, por mais serviços que tenha prestado ao paiz, que se possa apresentar em opposição ao ministerio.

S. exa. preparou tudo muito bem.

Assumiu a dictadura publicando uma lei que só permitte que venha á camara quem elle quizer. Dissolveu a parte electiva da camara dos pares, acompanha-a de um projecto sobre incompatibilidades parlamentares que foi alem de tudo quanto nós desejavamos, esquecendo-se, porem, das incompatibilidades administrativas, que são as mais perigosas, e eu direi as rasões quando o projecto vier á camara.

Publicou-se uma lei eleitoral em dictadura, organisou-se, trouxe-se a Lisboa uma camara dos amigos do governo, porque ninguem podia luctar com a influencia do governo e da sua lei.

Ha um unico deputado que disse perante o parlamento que não devia a sua eleição ao governo, mas sim a um amigo, sendo esta eleição muito curiosa, pois que o numero de votos que esse cavalheiro obteve é igual ao numero de votos que teve o sr. ministro da guerra. Já v. exa. vê, sr. presidente, que nem mesmo este sr. deputado se póde dizer da opposição. É uma camara eleita pelo governo, e dadas estas circumstancias, todos os decretos hão de ser approvados, e só para isso se modificou a lei eleitoral.

N'esta camara a opposição entendeu que se não devia apresentar, porque não podendo os seus amigos concorrer á urna, deviam acompanhai-os na sua desgraça.

Quer v. exa. saber o que se passa na Italia, n'este momento?

A opposição parlamentar reunida ante-hontem votou por unanimidade o seguinte:

" Attendendo a que por flagrantes e continuadas violações da lei, a Italia foi arrastada a uma guerra desastrosa, que se pretende prolongar por motivos inconfessaveis,, os deputados presentes denunciam a dissipação do thesouro publico e pedem a convocação immediata da camara, como direito de ha muito desconhecido, e que a corôa é convidada a fazer respeitar."

Aqui tem v. exa. a differença de modo de proceder: lá, em Italia, o partido da opposição entende que deve não só tomar parte nas eleições e em todos os assumptos de interesse publico, e vir á camara, mas até que deve convidar o governo a abrir o parlamento para lhe tomar contas; aqui, em Portugal, a abstenção.

Mas, diz-nos o governo: " o paiz está comnosco; aprova é que tendo-o nós consultado depois de nos acharmos em dictadura, elegeu uma camara que nos é quasi que unanimemente affecta ". Na camara dos senhores deputados não ha effectivamente opposição; mas quer isto dizer que o paiz está com o governo? Não, certamente. O que quer dizer é que a opposição não foi á urna, que com a actual lei eleitoral só póde vir á camara quem o governo queira.

Veja-se, porem, a popularidade que o governo tem na opinião publica do paiz; veja-se a imprensa periodica. Não fallo da imprensa avançada, contem os jornaes monarchicos e verão quantos censuram a politica do governo.

Por consequencia o apoio ao governo não é tão unanime como os srs. ministros dizem.

Alem d'isso ha uma prova em contrario ainda mais eloquente e incontestavel, que e a seguinte.

Em qualquer paiz, não só onde houvesse unanimidade a favor do governo, mas onde elle apenas não fosse muito impopular, em seguida ás victorias como as que tivemos agora em África, tendo o governo collaborado para a organisação das expedições, o que é incontestavel, o governo devia ter quinhão nas ovações a que essas victorias deram logar; e comtudo o actual governo da dictadura não participou dos applausos e das manifestações feitas em honra dos expedicionarios. Apenas no Porto um regenerador se lembrou de levantar um viva que foi logo abafado. Será isto um symptoma de que o paiz está satisfeito com o governo?!...

Se quando ha as ovações em honra do governo, se quer logo provar que elle tem por si a opinião do paiz, tambem devem acceitar a ausencia de ovações como prova de impopularidade e de descontentamento.

E agora, sr. presidente, refiro-me ao que o sr. ministro do reino disse a proposito do opusculo do sr. condo do Casal Ribeiro, de quem se confessou admirador e por quem diz professara maior estima e consideração, como eu e todos professámos.

Disse o illustre ministro que aquelle abalisado estadista tinha vindo pela primeira vez ao parlamento em virtude de uma lei eleitoral decretada em dictadura. Effectivamente veiu, e não só elle, vieram n'essa occasião muitos vultos distinctos. Mas a justificação d'essa dictadura uma grande maioria a reconhece. Essa dictadura seguiu-se a uma revolução ou pronunciamento militar; dizia se que era necessario entrar n'um periodo de acclamação e que era necessario alargar as regalias populares. Quem deixaria de a apoiar? Pois houve, e entre esses homens figuram os nomes de Mendes Leal, Rebello da Silva, Correia Caldeira e outros nomes illustres, o que prova que a lei eleitoral era bem mais liberal que a actual.

Essa lei eleitoral, em virtude da qual o sr. Casal Ribeiro veiu á camara, póde comparar-se com a lei eleitoral da actual dictadura?

Não estavam as opposições representadas n'aquella epocha?

Estavam, e até por homens importantes, todos de alta capacidade; mas diga-me v. exa. se agora ha algum chefe ou partido politico que tenha influencia para vir á camara?

Nem um só!

Sr. presidente, nem na discussão de resposta ao discurso da coroa, nem na da questão do bill ha a mais pequena allusão ás repetidas recomposições ministeriaes que se deram durante a dictadura.

Não terá a camara o direito de saber o motivo da mudança de actores na scena politica?

A anarchia está, pois, da parte do governo!

Pois ha lá nada mais anarchico do que a vida deste governo?

O sr. Hintze Ribeiro organisou este ministerio o, qual Saturno, devorou todos os seus filhos, devorou até o seu

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proprio irmão politico, o sr. Fuschini, a quem s. exa. declarou estimar como se fosse seu irmão!

Corno se explica isto?

A primeira recomposição teve logar com a saida do sr. Aro uca.

Porque saiu s. exa.?

Foi por não estar de accordo com os seus collegas?

Não, porque se assim fosse, não iria o governo escolher agora s. exa. para representar em Londres o nosso paiz, logar de confiança, e para o qual o não iria nomear se n'elle não tivesse confiança.

Saiu depois o sr. Fuschini, e ainda estamos por saber porque s. exa. deixou de fazer parte do governo. Pela questão politica não me parece, porque s. exa. subscreveu a reforma da policia e a dissolução da camara.

Digam-nos, pois, porque se fizeram as modificações ministeriaes.

Isto pelo que toca ao ministerio da fazenda.

Vamos ao da marinha.

Isso então ainda foi caso peior.

O sr. Neves Ferreira, uma bella manhã, desappareceu do governo e foi substituido pelo sr. Ferreira de Almeida, que foi no governo um verdadeiro luctador.

E possivel que tenha praticado actos que não agradassem; mas durante a sua estada no ministerio praticou outros, pelos quaes eu seria o primeiro a felicital-o se s. exa. ainda se sentasse n'aqnellas cadeiras.

O sr. Ferreira de Almeida foi o principal organisador das forcas do ultramar e da expedição, e quando se fazia opposição no gabinete a que o couraçado Vasco da Gama fosse á India por não ser um navio proprio para navegar n'aquelles mares, o sr. Ferreira de Almeida entendeu que podia ir e foi, prestando relevantissimos serviços.

Depois disse-se que saira por causa da acquisição de um navio que elle julgava poder, n'aquella occasião, obter em boas condições para o thesouro, a que os seus collegas se oppozeram, não sei porque, preferindo o concurso.

Não creio que s. exa. saisse dos conselhos da corôa simplesmente por esse facto; deveriam ser, por certo, outros os motivos, e mais importantes, de que o governo deve dar conta á camara e ao paiz.

Depois veiu o sr. Jacinto Candido, o actual ministro da marinha.

No ministerio dos estrangeiros succedeu, como já disse. o mesmo, saindo o titular d'aquella pasta o sr. Arouca, tambem sem ninguem saber porque foi substituido pelo sr. Hintze Ribeiro; depois o sr. presidente do conselho larga a pasta dos estrangeiros e vem o sr. Carlos Lobo d'Avila, depois aquelle talentoso joven ministro desapparece levado pela morte, e é substituido pelo sr. Hinfcze, depois o sr. Hintze torna a largar a pasta e é chamado o sr. Luiz do Soveral. Ninguem tem qualidades mais sympathicas do que s. exa.; mas pergunto eu quaes foram as indicações politicas que o levaram a ser chamado aos conselhos da corôa?

O sr. Luiz do Soveral é um diplomata distinctissimo, foi nomeado nosso ministro em. Londres para nos salvar d'aquella grande carrapata, permitta-se-me a expressão, do tratado com a Inglaterra, e n'este ponto eu não posso ser taxado de suspeito, pois n'essa occasião a unica voz que aqui se levantou para defender o tratado do sr. presidente do conselho foi a minha humilde voz, e fil-o, porque estava convencido, aparte a questão de redacção que serviu de pretexto para levantar as arruaças nas das de Lisboa; que esse tratado era muito mais vantajoso do que aquelle que foi feito depois. (Apoiados.)

Eu pergunto, quem foi o negociador nomeado para corrigir os pretendidos erros do sr. Hintze Ribeiro? Foi ò sr. Soveral.

Como se explica, pois, a presença de s. exa. ao lado do sr. Hintze Ribeiro?

Eu não comprehendo como é que se foi buscar aquelle cavalheiro que, como já disse, é um diplomata distinctissimo, mas que foi quem deu o golpe de graça, como se costuma dizer, no tratado do sr. Hintze.

O tratado feito pelo sr. Bocage e pelo sr. Luiz do Soveral foi recebido de braços abertos; a experiencia, porem, tem demonstrado que as difficuldades das delimitações em Africa, não acabaram e são de tal importancia que o governo entendeu que devia nomear um commissario regio, para o que escolheu o sr. conselheiro Antonio Ennes, e estas delimitações ainda não estão feitas.

Disse então, que dificilmente se fariam as delimitações, porque a questão era de limites e o tratado era de limites.

O tratado do sr. Hintze tinha a vantagem de acabar com esta questão.

Porque se fez o outro? Porque se approvou?

O sr. Hintze Ribeiro, que é quem indica ao chefe do estado os collegas que mais convem no ministerio, porque indicou o sr. Soveral? S. exa., repito, não era conhecido do paiz como homem parlamentar, era apenas um diplomata. Aqui está a anarchia no governo.

Nas obras publicas não me recorda agora quem foi o primeiro ministro que acompanhou o sr. Hintze Ribeiro. Sei que entrou depois o sr. Carlos Lobo d'Avila, que foi substituido pelo actual sr. ministro das obras publicas, a quem nós não temos senão a felicitar, pois que, cavalheiro distincto e zeloso, tem mostrado a maior boa vontade em desempenhar tão elevado cargo.

Ora, sr. presidente, eu pergunto onde está a anarchia? Está no governo, pois os seus membros nunca se entenderam entre si.

Como disse o sr. conde de Bertiandos, a anarchia está no proprio governo, porque foi no governo que se deram circumstancias graves, tão graves que as recomposições succediam-se de uma maneira vertiginosa, tão graves que o publico era surprehendido quasi todos os dias por novas recomposições.

E vem-se dizer que, para justificar as medidas de dictadura, circumstancias graves levaram o governo a promulgar aquelles decretos! Não se comprehende!

Sr. presidente, estou um pouco fatigado e não estou mesmo bem de saude; não desejo, pois, alargar as minhas considerações por mais tempo, mas simplesmente pedir ao governo ou ao sr. relator da commissão que de algumas explicaçães a este respeito.

O assumpto a que eu tive a honra de me referir parece que não é tão insignificante que não mereça, da parte de s. exas. algumas explicações.

Sr. presidente, declaro a v. exa. e á camara que o meu voto é contrario ao projecto que se discute.

O sr. Antonio de Serpa (relator): - Como relator do projecto que está em discussão, entendo do meu dever pedir a palavra. Não o tenho feito ha mais tempo por isso que os srs. ministros se têem apressado a usar d'ella para responder a algumas arguições que lhe têem sido dirigidas. Vou, pois, dizer alguma cousa e sobretudo referir-me ás moções que foram mandadas para a mesa.

A primeira foi apresentada pelo sr. arcebispo-bispo do Algarve, a quem a, camara ouviu não só com toda a attenção, mas, posso dizel-o principalmente pela parte que me diz respeito, com todo o agrado e deleite; o seu discurso excellente na fórma, foi alem d'isso sympathico na idéa. (Apoiados.)

Qual foi a moção que apresentou o digno par? Uma moção que não contraria de modo nenhum o projecto que está em discussão, e que está perfeitamente de accordo com o parecer de que eu sou relator.

Qual é a idéa da moção do digno par? É que a camara, relevando o governo da responsabilidade em que incorreu pelos actos dictatoriaes que praticou, não quer dizer que esteja perfeitamente de accordo com todos elles, em todas as suas disposições, e reserva-se o direito de os alterar ou emendar.

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É isto o mesmo que se diz no parecer da commissão.

Releva-se o governo da responsabilidade, mas póde-se n'um ponto ou n'outro discordar do que foi decretado.

Isto succede muitas vezes com as leis ordinarias. A camara vota uma lei, e no dia seguinte, se vê algum inconveniente, vota outra lei, alterando num ou noutro ponto a lei que havia votado.

A segunda moção mandada para a mesa foi a do meu illustre vizinho o sr. conde de Bertiandos. Esta moção, entendo eu, que a camara não póde votar nem mesmo a sei explicar, porque o digno par parte do principio de que esta camara é uma camara illegal, porque lhe faltam os pare vitalicios e os pares que, pelas incompatibilidades de exercicios, não podem aqui vir em virtude do decreto dictatorial.

Esta camara não pôde, pela illegalidade da sua constituição, relevar o governo da responsabilidade em que incorreu; mas se isto assim é, tambem póde fazer leis, assim como não póde fazer nada do que está fazendo, porque as suas votações não teem valor legal.

Como é, pois, que o digno par tem tomado parte em votações, se ellas são illegaes? Mesmo a votação da propria moção do digno par nada significa.

O digno par está representando aqui um papel original, mas sympathico, porque, representando opposição ao governo, representa ao mesmo tempo opposição á opposição, permitta-se-me a phrase, e, sobretudo, a um dos partidos mais distinctos da opposição.

Ora, repito, se o digno par entende que esta camara não está legalmente constituida, que não é a camara dos pares, tudo quanto n'ella se votar não tem validade.

Como é, pois, que o digno par vem tomar parte nas votações, e manda para a mesa propostas, a fim de serem votadas?!

A terceira moção foi apresentada mui habilmente, o que não admira, pelo digno par o sr. Marçal Pacheco.

O digno par entende que a camara não póde votar a lei que se discute, em que o governo é relevado dos actos dictatoriaes que praticou, continuando estes mesmos actos em vigor até que as camaras os approve especialmente, ou os altere ou modifique de qualquer maneira. Diz s. exa. que era necessario que estes decretos aqui estivessem, mas não estão por que o governo os não trouxe, e não sabe onde estão.

Eu digo ao digno par.

Estão no Diario do governo, que é a folha official.

E verdade que os dignos pares não têem obrigação de ler o Diario do governo, mas, neste caso, ainda que o governo os trouxesse para aqui, para serem lidos na mesa, o digno par poderia tambem dizer que os não ouvira ler, ou por não estar presente ou pelas más condições acusticas d'esta sala:

O que é, porém, certo é que não ha ninguem n'esta camara, nem nenhum homem politico, que não saiba quaes são os actos praticados pelo governo em dictadura, e por consequencia a camara está no direito de relevar ou não o governo das responsabilidades em que incorreu.

A camara sabe muito bem quaes são os actos de cuja responsabilidade o governo deseja ser relevado, e a camara está no seu direito de relevar ou não o governo d'essa responsabilidade.

A questão é saber se as circunistancias em que o governo praticou esses actos eram ou não graves, e se d'essa gravidade resultava, no interesse da nação, a conveniencia da de os decretar dictatorialmente.

Eu tenho a convicção de que as circumstancias eram graves, de que exigiam providencias extraordinarias, immediatas, e de que o governo, de boa fé, e no interesse do paiz, as decretou.

Ao parlamento pede o governo ser relevado da responsabilidade em que incorreu, e a camara está perfeitamente ao facto de qual é essa responsabilidade.

Eis-aqui o que eu tenho a dizer, por parte da commissão, relativamente ás moções que foram mandadas para a mesa.

Agora, em relação ao que disse ultimamente o digno par sr. conde de Thomar, permitta-me s. exa. que lhe diga que s. exa. fez opposição ao governo, occupou-se de muitos dos seus actos, mas os actos de que s. exa. ultimamente se occupou não têem absolutamente nada com os decretos dictatoriaes.

Fallou s. exa. em modificações ministeriaes, mas as modificações no pessoal do ministerio nada teem com os actos dictatoriaes.

O que nós aqui discutimos é o bill que releva o governo da responsabilidade em que incorreu pelos actos que praticou em dictadura; não é a saida de um ou outro ministro e a entrada de outros para o gabinete.

N'este ponto devo dizer que póde um individuo ser nomeado ministro e sair mais tarde do ministerio sem estar em desaccordo com os seus collegas.

E até digo isto, porque me lembra perfeitamente de que uma vez eu sai do ministerio sem estar em desaccordo com os meus collegas.

Eu digo á camara o que succedeu commigo a este respeito.

Eu não desejava entrar para um dos ministerios de que fiz parte presididos por Fontes Pereira de Mello.

Não gostava então, como não gostei nunca, de ser ministro, mas o sr. Fontes instou commigo para entrar, e depois da minha primeira recusa viemos a um accordo.

Combinámos em que eu pediria a minha demissão quando houvesse qualquer recomposição ministerial.

Houve uma recomposição e eu aproveitei o ensejo para sair do ministerio, sem estar em desaccordo com os meus collegas, nem na politica geral, nem em nenhum dos seus actos.

Póde qualquer ministro sair do ministerio por qualquer motivo pessoal e particular, sem deixar de estar de accordo com a politica e com os actos dos seus collegas.

A entrada, pois, e a saida de alguns ministros no actual gabinete, nada tem que ver com os actos dictatoriaes do governo.

Sr. presidente, vou concluir, porque me parece ter respondido ás observações feitas pelos dignos pares que têem tomado parte na discussão contra o projecto de lei que se discute.

Os srs. ministros têem respondido pela sua parte a algumas arguições que lhes teem sido feitas, e creio que têem respondido bem. Até o sr. ministro do reino, respondendo ao sr. conde de Bertiandos, a respeito da legalidade dos actos d'esta camara, lembrou um facto succedido em 1852, de que eu já me não lembrava bem, e que é um precedente importante da nossa historia constitucional.

Uma camara eleita pelo systema decretado por um acto dictatorial approvou esse systema eleitoral.

Portanto, sr. presidente, entendo que a camara deve e pôde, se o julgar conveniente, approvar a moção apresentada pelo digno par o sr. bispo do Algarve, mas não póde de modo nenhum, entendo eu, votar a que foi apresentada pelo digno par o sr. conde de Bertiandos, porque isso seria condemnar a sua existencia legal como camara de pares.

Tambem sou contrario á moção apresentada pelo sr. Marçal Pacheco, que aliás é apenas uma moção de adiamento.

O sr. Conde de Lagoaça (sobre a ordem): - Obedecendo ás prescripções regimentaes, manda para a mesa a sua moção de ordem.

(Lê.)

Foi com verdadeiro prazer que ouviu a palavra sempre eloquente, fina e litteraria do antigo chefe do seu antigo partido, o sr. conselheiro Antonio de Serpa Pimentel.

Realmente, depois de ouvir discutir com tanta clareza, com tanta logica e com tanto vigor de argumentação, não

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póde precisar qual a rasão por que s. exa. teve baixa de posto.

Parece-lhe que s. exa. tem, como sempre teve, quando era chefe d'aquelle partido, o direito de responder aos dignos pares que o precederam no uso da palavra.

Felizmente, o governo, desmentindo os boatos que ha tempos leu nas gazetas, não mandou para Roma o sr. Antonio de Serpa.

Se por um lado se perdeu, porque a administração da Santa Sé ficaria o mais bem entregue possivel, por outro lado lucrou-se, porque nos é sempre muito sympathico ouvir a sua voz auctorisada.

Posto isto, entraria no assumpto.

Ia condemnar os actos do governo.

Nenhuma rasão de interesse publico obrigou o governo a entrar no caminho da dictadura.

Refere-se especialmente ao sr. ministro do reino., que muito sente não ver presente.

N'outros tempos, quando se discutiam estes assumptos, era costume comparecerem todos os ministros, hoje só dois ou tres tinham vindo á camara assistir á discussão dos seus actos.

Já toda a gente dizia que a camara dos pares não se achava actualmente organisada como devia ser; que não era esta a verdadeira camara dos pares, e que tudo isto não passaya de uma comedia.

Os nobres ministros não querem dar o prazer da sua comparencia nesta camara.

Sente deveras a sua falta, mormente a do sr. ministro do reino, que é inegavelmente o patrão da lancha ministerial.

Queria que s. exa. aqui viesse para discutir a resposta que houve por bem oppor ás considerações sensatissimas do seu illustre collega o sr. conde de Bertiandos.

Que rasões teve o governo para assumir a dictadura?

Pois é rasão ou argumento justificativo da dictadura aquillo que o sr. ministro do reino expoz á consideração desta camara na ultima sessão?

S. exa. argumentou com os disturbios da camara dos senhores deputados.

Não fallou senão no que se passou .na camara dos senhores deputados, dizendo que ella interrompia os trabalhos, que evitava os debates, que fazia obstruccionismo.

Era esta a unica rasão allegada pelo sr. ministro do reino em defeza da dictadura.

Em que paiz d'este mundo se via um governo invocar, como rasão maxima do seu procedimento arbitrario, violento, illegal, discrecionario, um barulho ou um simples disturbio na camara dos senhores deputados?

O governo alterava tudo, saltava por cima de todas as leis e da propria constituição, e respondia apenas que a issa fôra compellido porque o sr. Beirão, o sr. fulano e mais o sr. sicrano tinham feito barulho na camara dos senhores deputados!

S. exas. procederam como procede o mestre em qualquer collegio de meninos.

Se os meninos fazem barulho, ameaça-os com palmatoadas, com a privação do recreio, etc.

O paiz é alguma cousa mais elevado; e quem tem a responsabilidade do mando precisa de ter outra comprehensão das cousas publicas, e não se arrojar a dizer nos seus relatorios que os tumultos da camara dos senhores deputados foram a causa unica, por assim dizer, de todas essas violencias, de todas essas arbitrariedades, que elle, orador, considerava nefastas, e que o futuro diria se sim ou não tinham sido fataes ao paiz e talvez ás instituições.

Crê que as intenções eram. boas, e aproveitava o ensejo para fazer uma declaração.

Tem sido violenta nos seus ataques ao governo, e ha de continuar a combatel-o com toda a vehemencia de que era capaz; mas as palavras que tem proferido, aquellas que está proferindo e ainda as que vier a proferir, não tem o
intento de offender pessoalmente seja quem quer que for. Tem pelas pessoas dos srs. ministros a consideração que deve tributar-se aos seus caracteres, ás suas qualidades e ainda ás suas intenções, mas o certo é que os factos não correspondem ás suas intenções.

As intenções eram boas, podiam mesmo ser óptimas, mas os factos eram péssimos.

Tinha-os atacado com violencia, mas s. exas., que tinham feito a sua carreira principalmente no parlamento, sabiam perfeitamente que a vehemencia de certas phrases não deprime, não offende o caracter pessoal de ninguem. Repetia, pois, que, nas palavras que tem proferido, n'aquellas que está pronunciando, e ainda nas que vier a dizer, não póde haver a intenção de melindrar a susceptibilidade pessoal de qualquer dos membros do governo, porque a todos respeita e considera.

Politicamente acha-os os mais nefastos que tem vindo a este paiz, sobretudo n'estes ultimos tempos.

Ninguem lhe pediu esta explicação; mas entendia na sua consciencia que devia dal-a, e se havia alguem que a inquinasse de suspeita, declarava bem alto que não tinha na sua vida politica, que é curta, nenhum acto do qual se deprehendesse que se associava a qualquer cousa.

Nunca exerceu senão uma unica funcção publica, a de secretario geral de S. Thomé.

Acceitou essa posição, que estava inferior aos seus merecimentos e á sua posição social. Não queria ser modesto porque a modéstia era a cortezia dos tolos.

Espera que os seus collegas tambem lhe façam a justiça de reconhecer que essa funcção era inferior aos seus meritos.

N'um momento doloroso da sua vida escrevera uma carta ao sr. Julio de Vilhena, seu amigo particular, e fora s. exa. quem lhe obtivera essa collocação.

Passados tempos o governo exonerou-o arbitrariamente, sem lhe dar a honra de ouvil-o. Se, porém, sabiam de algum acto menos correcto que o orador houvesse praticado que o declarassem.

No tempo do sr. Neves Ferreira o orador provocara explicações sobre o assumpto; mas não tinham sido bem claras. Se, porém, algum ministro tem conhecimento de qualquer acto seu que, ao de leve, podesse parecer menos correcto, que o diga. Não tem medo algum. A sua consciencia está tranquilla.

Emquanto esteve em S. Thomé, quer como particular, quer como funccionario publico, nunca praticou acto algum menos digno. Póde haver funccionarios correctos; mas mais do que elle foi, nenhum. Desafia a que o contestem.

Esclarecidos estes dois pontos, como julgava necessario, ia continuar na sua ordem de idéas.

Diria, em primeiro logar, que os disturbios da outra casa do parlamento não podiam ser a rasão da violação das leis e da carta constitucional.

Bastava uma singela exposição dos factos para se ver a verdade do que affirma.

O actual ministerio subiu ao poder em fevereiro de 1893. Adiou as côrtes durante dois mezes, e n'esse intervallo, devia dizel-o, trabalhou com vontade; negociou o arranjo com os credores estrangeiros, resultando d'essa negociaçõa ficar em vigor o decreto do sr. Dias Ferreira, que respeitava á reducção da divida publica.

Justiça devia ser feita; foi um dos maiores serviços prestados ao paiz n'estes ultimos tempos.

No fim dos dois mezes de adiamento o governo reabriu o parlamento.

Está na memoria de todos que a sessão de 1893 correu no meio do maior socego. Reinava a concordia entre governamentaes o opposicionistas.

Tudo quanto o governo quiz foi approvado. Legislou sobre orçamentos, sobre impostos, sobre tudo, emfim; e nunca ninguem lhe oppoz obstaculos.

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A opposição progressista d'esse tempo foi de uma correcção verdadeiramente irreprehensivel.

O illustre chefe d'aquelle partido muitas vezes poz o seu auxilio á disposição do governo, para acalmar quaesquer dificuldades que porventura se levantassem no meio dos seus correligionarios; e sempre o conseguiu, pela sua boa vontade, usando até muitas vezes da palavra.

Estavam, por exemplo, na memoria de todos, aquella phrase memoravel que s. exa. aqui proferiu, quando, elogiando o governo e as suas medidas financeiras, dissera: " que nenhum outro governo podia fazer melhor ".

Tudo corria, pois, admiravelmente.

Chegou-se ao periodo natural do encerramento da sessão, e ella foi encerrada.

Era de esperar que o governo aproveitasse esse ensejo de paz e concordia para reorganisar convenientemente o paiz, na sua ordem economica e financeira, onde mais urgentes se tornavam os cuidados governativos.

O governo, porem, - era uma verdade que havia sempre de sustentar - o governo não tinha idéas; vivia au jour le jour, não sabia o que havia de fazer; caminhava segundo a phantasia de alguns ministros. Por isso, n'essa occasião, quando tudo aconselhava serenidade, quando tudo indicava que deviam occupar-se serenamente dos negocios publicos, sem alimentar luctas politicas e partidarias, os ministros, no socego dos seus gabinetes, olhando uns para os outros, tinham dito: " O que havemos de fazer agora? "

" Vamos dissolver as camarás. "

Fôra ao acaso!

Pergunta agora que rasão houve para se proceder assim?

Se algum dos srs. ministros ou algum membro da commissão lhe responder, pede-lhe que explique a rasão que houve para se dissolverem as côrtes.

Estava na consciencia de todos que não houvera rasão nenhuma.

O governo dissolveu-as com o pretexto futil de consultar a opinião do paiz.

O governo tinha maioria nas camarás, e tanto assim que derrubara o sr. José Dias Ferreira.

O que era facto é que o governo dissolvera as côrtes em 7 de novembro, convocando-as para 7 de março.

O governo convocando as côrtes para 7 de marco sabia já que havia de infringir este preceito da carta constitucional.

O governo já sabia que não podia reunir as côrtes n'aquella epocha.

Para que as dissolvera sem haver necessidade?

O governo, convocando as côrtes para 1 de outubro, tirou á corôa todos os poderes que lhe confere o § 4.° do artigo 74.° da carta constitucional. Se o bem do estado e a salvação publica exigissem que a corôa usasse de qualquer d'elles, estava inhibida de o fazer, pela leviandade com que os srs. ministros lhe arrancaram nova convocação para 1 de outubro.

Se a opposição progressista não estava, quando as camaras então se abriram, animada dos intuitos de paz e concordia, de quem era a culpa?

Não era progressista, era independente. Deixou de acompanhar os srs. ministros, porque falsamente se chamam regeneradores, porque rasgaram os principios que estavam inscriptos na bandeira gloriosa do seu antigo chefe.

Mas, emfim; uma vez que os dignos pares, membros do partido progressista, tinham entendido não vir á camara, houvesse ali quem os defendesse.

Como correspondêra o governo á maneira por que foi recebido pela opposição progressista? Encerrando o parlamento, batendo-lhe com as portas na cara e entrando depois em dictadura. O que esperava que acontecesse em outubro? Que os membros d'essa opposição viessem mansos como cordeiros? Evidentemente não podia esperar isso. Quem tinha pregado a guerra senão os srs. ministros? Foram s. exas. que travaram a lucta. Todos os factos provenientes da dictadura pertencem á sua inteira e completa responsabilidade; ninguem mais tivera culpa d'isso.

Como se podia admittir que um disturbio causado por seis, oito ou mesmo dez homens, fosse motivo para praticar actos violentos e saltar por cima da constituição do paiz? Pois não tem havido desordens em todos os parlamentos do mundo, na Hespanha, na França, na Itália e até na Inglaterra, o paiz exemplar do parlamentarismo?!

E acaso se lembrou já algum governo d'essas nações de tomar taes desordens e disturbios como pretexto para encerrar o parlamento?

Acaso o governo progressista encerrou as camaras perante as arruaças que n'aquelle tempo eram capitaneadas pelo sr. Franco Castello Branco, actual ministro do reino, que tão saudosas recordações deixou no coração enternecido dos carpinteiros da outra casa do parlamento?

O mais que o partido progressista fizera n'essa conjunctura fôra pedir á corôa o adiamento das côrtes; mas governou tres mezes durante o anno, não infringiu o preceito da constituição, como fizera o governo actual.

Uma das rasões por que não approvava o bill era a convicção em que estava de que, votado elle, viriam novas infracções.

Dizia-se que o governo estava morto, começava a entrar em decomposição, e que, depois de passar o bill, haveria novidade. Não acredita em tal cousa. S. exas. gostavam muito de estar ali; não se iam embora; e o sr. ministro do reino, que sente não ver presente e tem muito amor áquellas cadeiras, só se retira n'um hypothese que não diz.

O orador prosegue criticando o procedimento do governo por occasião dos tumultos na camara dos deputados, especialmente a forma como ali foi proposto o novo regimento.

O governo já contava entrar em dictadura, por isso animava os tumultos.

O orador lê alguns artigos da carta, e em face d'elles accusa o governo de illegalidade no acto do encerramento das côrtes.

O orador cita phrases do livro do sr. conde do Casal Ribeiro: A carta e o pariato, e depois de largas considerações affirma que o que deu algum alento aos srs. ministros foram as victorias de Lourenço Marques e principalmente o fecho brilhante que lhe poz o heróico capitão Mousinho de Albuquerque, assegurando ali o nosso prestigio e o nosso dominio.

Passa a analysar a reforma eleitoral do sr. ministro do reino, e pergunta depois que tem feito até hoje a camara dos senhores deputados.

Sabe que não se póde ali alludir ao que se passa na outra casa do parlamento, mas póde fallar no que vem no Diario das sessões.

Consta-lhe que alguns deputados têem dito: " Esta camara não é como as outras. Venham para cá o orçamento. as propostas de fazenda e reino ".

O sr. Presidente: - Peço licença para observar ao digno par que lhe não é permittido referir-se aqui ás opiniões e pessoas dos membros da outra casa do parlamento.

O Orador: - Diz que acceita e acata a indicação do digno presidente; mas observa que foi o proprio sr. ministro do reino quem ali fallou na camara dos deputados. Demais elle estava alludindo á reforma eleitoral.

O sr. Presidente: - Uma cousa é discutir a reforma eleitoral, outra discutir as pessoas e opiniões dos srs. deputados.

O Orado?:-Apenas perguntava ao governo o que que tem feito a camara dos deputados, ou o que tem feito a reforma eleitoral até 10 de fevereiro?

Apenas votou o discurso da corôa.

A camara anterior, a que votou a lei de salvação publica, não mereceu consideração alguma j e agora o go-

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102 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

verno associa-se aos que procuram deprimir as antigas camaras.

Vae terminar, declarando que vota contra o projecto pelos motivos que acaba de expor, e por mais alguns que terá occasião de expender pela sessão fora, se o governo e a camara lhe derem licença.

No meio dos decretos dictatoriaes havia especialmente um que não podia deixar passar em claro, por mostrai bem o affecto que o governo tem pelas instituições e pelo parlamento.

O decreto de 25 de setembro de 1895 diz:

(Leu.)

Isto era, como muito bem diz o sr. conde do Casal Ribeiro, a completa abolição do regimen parlamentar. Não se votando o orçamento subsistia o do anno anterior; o governo, se tiver o favor da corôa, continua vivendo quantos annos quizer, vigorando sempre o orçamento do ultimo anno.

Bastava só isto para destruir a obra de todo este ministerio.

O artigo 15.° da carta constitucional diz:

C Leu.)

O acto addicional, entendendo que isto não era bastante garantia, no artigo 12.° estabeleceu o seguinte:

(Leu.)

Que cuidados havia n'aquelles tempos por parte dos legisladores, que respeito pelas leis e pelas liberdades publicas.

Na carta constitucional estabelece-se no artigo 18.° o seguinte:

(Leu.)

Não contentes com isto estabelece-se no acto addicional o seguinte:

(Leu.)

Vem o actual governo e diz:

Isto não é preciso para nada, se as côrtes não votarem o orçamento, fica pervalecendo o do anno anterior.

Bastava este facto para que elle, ainda que outros motivos não houvesse, rejeitasse o projecto em discussão.

Alguma cousa mais teria a dizer, mas como naturalmente alguem lhe responderá, e como está ainda inscripto o sr. conde de Bertiandos, não quer cansar por mais tempo a attenção da camara e termina as suas considerações.

(O discurso de s. exa. será publicado na integra, quando haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Simões Margiochi: - Pedi a palavra, sr. presidente, para rogar a v. exa. consulte a camara sobre se quer se prorogue a sessão até se votar o projecto em discussão.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o requerimento do sr. Margiochi para que se prorogue a sessão até se votar o projecto em discussão, tenham a bondade de se levantar.

Está approvado, e portanto a sessão prorogada até se votar o projecto.

O sr. Ministro da Guerra (Pimentel Pinto): - Começou por dizer que não eram as maiores ou menores violencias de phrase que podiam determinar o governo a tomar parte n'esta discussão.

O governo deve tratar sempre de responder a argumentos e não simplesmente de apreciar phrases que sejam pronunciadas n'esta ou na outra casa do parlamento.

Subordinado a esta consideração, podia dizer que o governo estava dispensado de tomar de novo a palavra, visto que o digno par o sr. conde de Lagoaça, a quem tinha a honra de responder, não apresentara argumento novo sobre o projecto em discussão, a não ser um que, permitta-se-lhe que o diga, se lhe affigurava um pouco presumpçoso: que havia patenteado mais de uma vez as culpas do governo.

Se não havia rasão para que o governo entrasse de novo no debate, menos a havia para que fosse elle, orador, quem se propozesse responder ás considerações politicas do digno par, visto que, como a camara sabe, era mais soldado que politico.

Accentua, pois, que não é por prazer que está fallando, mas desde que o digno par, o sr. conde de Lagoaça, assim o quiz, desde que s. exa. o intimara a responder, vae satisfazer-lhe o desejo, mesmo porque não costuma fugir nunca ás responsabilidades que lhe competem.

Perguntou o digno par porque dissolveu o governo as côrtes em 1893.

Já por diversas vezes se expozeram, n'esta e na outra casa do parlamento, quaes as rasões que determinaram essa dissolução; mas vae agora repetil-as, visto que o digno par assim o quer.

É porque, sendo este um governo partidario, e tendo praticado actos de grande alcance, entendeu que devia consultar o paiz sobre se tinha ou não procedido de accordo com a opinião publica. Isto em primeiro logar. Em segundo logar, para poder apresentar ao parlamento medida" de sua iniciativa sem precisar de combinações com os partidos opposicionistas.

Perguntou ainda o digno par por que não se abriu a camara em março. Vae tambem dizer a s. exa. os motivos por que o governo assim procedeu.

Havendo n'esse momento no paiz uma grande agitação produzida pelo acto do governo que dissolveu as associações commercial e industrial de Lisboa e a dos lojistas, era indispensavel adoptar medidas que assegurassem a ordem publica.

Tambem s. exa. fez uma pergunta ao governo, a qual foi de todas a mais grave.

Perguntou s. exa. qual a rasão por que o governo dissolveu a camara dos senhores deputados, não se tendo ainda completado os tres mezes que devia durar a sessão legislativa. Foi n'este ponto do seu discurso que s. exa. lhe chamara distincto jurisconsulto.

Não é jurisconsulto, mas não é preciso sel-o para bem se comprehender que o governo procedeu legalmente dissolvendo a camara dos srs. deputados.

Para censurar o governo pelo acto que praticou dissolvendo a camara dos srs. deputados, fundara-se o digno par no que dispõe o artigo 17.° da carta constitucional.

Que diz esse artigo?

(Leu.)

Veja-se, porém, o que diz o § unico do artigo 2.° do segundo acto addicional á carta.

(Leu.)

Quer dizer, a sessão que durar menos de tres mezes não será contada para o acto da duração da legislatura.

Por consequencia, a sessão legislativa póde durar menos de tres mezes.

Ou isto é lógico, ou não ha logica.

O sr. Conde de Lagoaça: - É que não ha lógica.

O Orador: - Desde que o referido artigo diz que a sessão que durar menos de tres mezes não é contada para o acto da duração da legislatura, é claro que a sessão legislativa póde durar menos de tres mezes.

Isto, afigura-se-lhe evidente.

Crê ter respondido ás perguntas que o digno par dirigiu ao governo, senão a contento de s. exa., pelo menos em harmonia com os preceitos da logica.

Dissera tambem o digno par que o governo não tinha, idéas, e quiz demonstrar esta sua asserção declarando que o governo nada até hoje havia feito.

S. exa., porém, não se lembrou de que tinha dito já que o governo durante o periodo da dictadura legislou sobre todos os assumptos.

O governo não tem idéas, segundo a opinião de s. exa., comtudo, os decretos dictatoriaes formam um enorme volume.

O sr. Conde de Lagoaça: - Não tem plano governativo, idéas, sim.

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SESSÃO N.° 11 DE 10 DE FEVEREIRO DE 1896 103

Eu não podia dizer que s. exas. não têem idéas.

Orador: - O que é facto é que, como s. exa. disse, os decretos dictatoriaes formam um grosso volume, e ninguem póde negar que o governo tem procurado por todos meios restaurar o prestigio do parlamento.

(Interrupção do digno par o sr. Marçal Pacheco, que não ouviu.)

O sr. Presidente: - Peco aos dignos pares que não interrompam o orador.

O Orador: - O que se discute é se houve ou não motivos que levassem o governo a assumir poderes extraordinarios, e n'estas condições não ouviu ao digno par, a quem está respondendo, um unico argumento que negasse a existencia d'esses motivos.

Dissera o digno par que não havia necessidade, que não era urgente que o governo assumisse poderes extraordinarios, porque a rasão que o governo tem dado até hoje para fundamentar o seu procedimento, é o ter havido na camara dos senhores deputados continuos disturbios, e o digno par não via que os disturbios fossem rasão para o governo assumir poderes extraordinarios.

Disse o digno par que em todos os parlamentos do mundo se faz obstruccionismo, mas em todos elles ha um regimento que é seguido, que é acatado, que dá ao presidente auctoridade para regular convenientemente os debates.

O que succedeu na outra camará?

Ninguem ignora que tres ou quatro homens são os bastantes para evitarem que uma assembléa possa funccionar regularmente.

Tres ou quatro homens decididos a não deixarem trabalhar, conseguem o seu fim, recorrendo a tumultos como os que se presencearam em 1894.

Na camara dos senhores deputados, em 1894, chegou a haver pateada, e a pateada não é argumento para discussões parlamentares.

A bulha e a pateada, quer num theatro, quer em uma assembléa, não consentem que as cousas deslisem com a regularidade precisa.

Foi o que succedeu na camara dos senhores deputados, e o presidente d'aquella assembléa legislativa não tinha então no regimento o meio de obstar a esses barulhos, e s. exa. sabe, sabe-o toda a camara, que para o regular func-cionamento das instituições é necessario que todos os seus elementos sejam livres, que possam exercer sem peias a sua acção.

Era o que não succedia na camara dos senhores deputados, isto é, havia quatro ou cinco homens que impediam que os outros trabalhassem.

Foi para obstar a este estado de cousas, foi para fazer cessar estas irregularidades que se apresentou um novo regimento, regimento que a opposição declarou formal e terminantemente que nunca acceitaria.

O sr. Conde de Lagoaça: - E fizeram muito bem.

O Orador: - Pois se fizeram muito bem, melhor fez então o governo encerrando a camara e dissolvendo-a depois, visto que ella impedia o regular funccionamento do poder legislativo.

O digno par a quem está respondendo manifestara o desejo de que o orador lhe dissesse, muito precisa e concretamente, o que pensava sobre um assumpto em que lhe attribuira auctoridade.

Fallou s. exa. no projecto de recompensas aos militares que se distinguiram na campanha da Africa e disse que bom seria que eu concordasse com s. exa. no que dispõe na sua proposta.

Veiu na ultima sessão disposto a dizer o que pensava sobre o assumpto mas como o projecto a que o digno par se referira, e que já mandara para a mesa, ia ser submettido ao exame da commissão de guerra, o orador ahi dirá as rasões que tem para não estar de accordo com s. exa.

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra quando s. exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção que o digno par conde de Lagoaça mandou para a mesa.

(Lida na mesa, foi admittida, e considerada em discussão conjunctamente com o parecer, a seguinte proposta:

Proposta

A camara, reconhecendo que nenhum motivo de interesse publico levou o governo" a entrar no caminho violento da dictadura, e rejeita o projecto de lei em discussão; e sentindo que não haja uma lei de responsabilidade ministerial, passa á ordem do dia.

O sr. Conde de Bertiandos: - Sr. presidente, não desejava tomar, n'esta occasião, tempo á camara, mas fui forçado a pedir a palavra a v. exa., na occasião em que me dava a honra de responder-me o illustre relator da commissão, por quem eu tenho a maxima estima, o que succede a toda a gente que o conhece.

S. exa., com uma phrase de effeito, disse que eu estava fazendo opposição á opposição; tambem eu poderia dizer-lhe que, n'esse caso, se s. exa. está em opposição a mim, está de accordo com a opposição ao governo.

Sr. presidente, eu já expliquei a rasão por que estava aqui.

Creio que no sacrificio que faço, e isto que digo não envolve nenhuma falta de respeito para com a camara, presto um serviço ás instituições.

Venho porque, apesar de ter nesse ponto de estar em divergencia com amigos que muito considero, entendi que o meu logar era aqui, no parlamento; não vim, porém, para dizer ao governo Amen; não para dizer que elle fez muito bem, que a camara está bem constituida, etc.

Se a camara me quer aqui para isso, então tenho que sair.

Creio que, apresentando-me assim com esta franqueza, presto respeito e homenagem á camara dos dignos pares, e mostro toda a minha consideração por esta assembléa.

Disse o digno relator:

" Se nós não estamos constituidos legalmente, para que está aqui o digno par? Se nós não estamos legalmente constituidos, qual a rasão de ser das moções? "

E eu pergunto a s. exa.:

Se nós estamos completa e legalmente constituidos, para que discutirmos os actos de dictadura que modificaram esta camara?

Para que precisâmos sanccionar o que o governo fez?

O illustre relator entende que de um salto se póde proceder a essa sancção, e eu entendo que é necessario um estádio, para que tudo fique perfeitamente sanccionado. E essa apenas a differenca.

É, pois, uma questão de processo.

Parece-me, portanto, que se a camara votar a minha moção, não praticará nenhum acto contrario ao respeito que deve a si propria.

Ninguem mais atacou a moção. Eu deveria até estar contente, esperando que ella seja approvada, porque não vi ninguem pronunciar-se contra, a não ser o sr. relator, com aquelle argumento a que respondi mal, como sempre respondo a argumentos subtis como são os de um espirito tão culto e habituado ás discussões parlamentares.

Da parte do governo, sim, alguem me deu a honra de uma resposta; foi o sr. ministro do reino, que eu sinto não ver presente, e a quem já prestei na sessão anterior, todo o preito da minha consideração e estima pessoal.

S. exa. deu-me a honra de uma resposta; mas se bem me lembro, nada disse com relação especial á moção.

S. exa. respondeu-me na parte em que eu disse que não houvera ainda precedente que tivesse auctorisado o governo a fazer o que fez.

Sr. presidente, eu sabia tambem que havia precedente", mas eram precedentes de revolução, e não queria eu que fossem lembrados, mas o sr. ministro do reino não teve duvida em os recordar, fallando-nos da revolucionaria con-

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104 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

stituição de 1838 e da constituição de 1842 a contra revolução. É para que não tenha de haver outro 42, é que eu não desejava que esta reforma actual fosse um 38; por isso eu queria ver em volta das instituições todos os partidos monarchicos, e de forma que não houvesse uma unica divergencia.

O governo veiu lembrar o exemplo, exemplo que eu deixei ficar no escuro, prudentemente, porque não quero que após 1838 venha 1842.

O que vier a ser resolvido quereria eu que fosse lei constitucional acceita por todos.

Por isso os meus votos são de que tudo se faça com sangue frio, por processos legaes e sem paixões senão aquellas que são permittidas nestes debates, porque as paixões politicas, segundo alguem diz, são a poesia da politica.

Sr. presidente, eu appello para a cordura da camara.

Deus nos livre que o governo, levado por quaesquer más vontades politicas, é claro, contra qualquer partido monarchico, venha como o cego Sansão abalar a columna do templo e nós o auxiliemos; ficâmos todos esmagados. mas nas ruinas ficará o governo tambem, ficarão as instituições e o paiz!

Sr. presidente, eu ouvi com toda a attenção o que disse o episcopado portuguez, que eu respeito, como toda a camara, e cujos representantes merecem a affeição filial de seus diocesanos.

Houve um momento em que eu dei um apoiado ao sr. bispo-conde 5 foi quando s. exa. fallou no sr. Antonio Brandão Pereira, cavalheiro respeitabilissimo, de quem sou amigo, e que é um caudilho notavel do catholicismo.

Veio que o governo desejou ter na camara dos senhores deputados um orador catholico.

Mas que pena que eu tenho de não saber que o governo andava nesse intento. Eu, que sabia de tres candidatos catholicos que se apresentavam pelo Porto e que eram combatidos com toda a força pelos amigos do governo: o sr. Senna Freitas, que julgo estar no gremio catholico; esse homem a quem ahi açularam a jacobinagem n'essas das e que bem merecia ter alguma prova de consideração da parte do governo; o meu amigo sr. D. José de Saldanha, que já por vezes se tem apresentado como candidato catholico, e bem conhecido, é em todo o paiz pelos seus grandes serviços e o sr. D. Thomás de Almeida, moço muitissimo sympathico, um dos oradores do congresso e presidente da Mocidade catholica, associação que, segundo creio, deve merecer ao episcopado portuguez toda a consideração.

Tenho pena de que n'essa occasião o sr. bispo-conde não lembrasse ao governo que havia aquelles tres candidatos, que os amigos do governo estavam combatendo a todo o transe e procurando que não viessem ao parlamento.

Sr. presidente, não quero cansar a attenção da camara; comtudo devo dizer ainda ao nobre bispo-conde que gostei muito de ouvir o que s. exa. disse com relação ao nenhum receio que deve haver das pretensões da Igreja. A Igreja não vera como catadupa que alaga os valles, mas como a agua que se infiltra por toda a terra, dá viço ao prado e faz que brotem flores da campina; mas nem por isso a sua doutrina deve estar só nos templos, mas tambem no coração do hamem, no lar, na escola, na officina, onde é necessario que se ensine o que deve ser o salario, não o que é hoje, sujeito á concorrencia desenfreada, mas o necessario para o sustento de uma familia e para que o operario, quando for velho, não precise de recorrer á caridade publica. A doutrina da Igreja deve estar ahi e tambem nas nossas leis e em todos os nossos actos, porque nós em parte nenhuma devemos esquecer-nos de Deus. Pois, sr. presidente, eu que jurei a Deus guardar e cumpri a carta constitucional, defendo-a; defendo-a, porque é a pedra angular do nosso edificio social.

Cuidado, dignos pares do reino, no que ides porventura fazer. Ergueis-vos contra a desordem e haveis de approvar processos de desordem!?

Sr. presidente, bem sei que não convenço a camara, mas entendo que ella praticaria um acto de bom criterio, de boa prudencia, se votasse a minha moção. Atrevo-me a suppor que será assim, não pelo que vale o seu auctor, mas pelo que valem as idéas ahi affirmadas, e que me parecem justas e dignas de serem attendidas.

Tenho dito.

O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção. Vou classificar as propostas.

Peço a attenção da camara.

A primeira moção enviada para a mesa é a do sr. arcebispo-bispo do Algarve, a qual, por me parecer da natureza de additamento, se ha de votar depois do projecto, sem que, no caso de approvada, possa ser n'elle incluida.

A segunda moção, que é do sr. conde de Bertiandos, como adiamento do projecto, tem de ser votada antes.

A terceira, do sr. Marçal Pacheco, tambem como adiamento do projecto, tem de ser votada antes, e a quarta do sr. conde de Lagoaça, que é uma substituição, fica para depois.

Vae ler-se a moção do sr. conde de Bertiandos.

Leu-se na mesa.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam a moção que acaba de ser lida, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada por cinco dignos pares e rejeitada pela maioria.

Vae ler-se a segunda proposta de adiamento do sr. Marçal Pacheco.

Leu-se na mesa.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam a proposta que acaba de ser lida, tenham a bondade de se levantar.

Está rejeitada por toda a camara com excepção do sr. conde de Lagoaça.

Vae ler-se o projecto.

Leu-se na mesa sendo approvado por vinte e oito dignos pares e rejeitado por cinco.

O sr. Presidente: - Está, portanto, prejudicada a moção do digno par, o sr. conde de Lagoaça.

Vae ler-se a do sr. arcebispo-bispo do Algarve.

Leu-se na mesa e foi approvada.

O sr. Presidente: - Na proxima sessão nomearei a deputação que ha de apresentar o autographo a Sua Magestade.

A primeira sessão terá logar amanhã, 11 do corrente, sendo a ordem do dia a continuação da que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e dez minutos da tarde.

Dignos pares presentes à sessão de 10 de fevereiro de 1896

Exmos. srs. Luiz Frederico de Bivar Cromes da Costa; Cardeal Patriarcha de Lisboa; Marquezes, de Fronteira, das Minas; Arcebispo de Évora; Arcebispo-Bispo do Algarve; Bispo Conde de Coimbra; Condes, da Azarujinha, de Bertiandos, do Bomfim, de Cabral, de Carnide, de Lagoaça, de Macedo, de Magalhães, de Thomar; Bispos, de Beja, de Bragança, de Vizeu; Viscondes, de Athouguia, da Silva Carvalho; Moraes Carvalho, Sá Brandão, Serpa Pimentel, Arthur Hintze Ribeiro, Cau da Costa, Ferreira Novaes, Cypriano Jardim, Sequeira Pinto, Ernesto Hintze Ribeiro, Costa e Silva, Margiochi, Jeronymo Pimentel, Vellez Caldeira, Gomes Lages, Baptista de Andrade, José Maria dos Santos, Pessoa de Amorirm, Marçal Pacheco, Frederico Arouca, Sebastião Calheiros.

O redactor = Urbano de Castro.

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