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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REMO

SESSÃO N.° 11

EM 26 DE AGOSTO DE 1905

Presidencia do Exmo. Sr. Antonio Candido Ribeiro da Costa

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira
Coelho Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta.- Expediente.- O Sr. Ministro da Marinha manda para a mesa uma proposta de accumulação de funcções legislativas com outras. E approvada.- O Digno Par Sebastião Baracho manda para a mesa uma nota de interpellação ao Sr. Ministro do Reino, e um requerimento pedindo esclarecimentos ao Governo. São expedidos, tinto a nota de interpellação como o requerimento. - O Sr. Presidente do Conselho aponta as causas que determinaram a ultima crise ministerial, e a maneira por que ella foi resolvida. Discursam sobre a crise o Digno Par Alpoim e o Sr. Presidente do Conselho.-O Sr. Ministro da Justiça manda para a mesa uma proposta de accumulação de funcções legislativas. É approvada.- Sobre a crise falaram novamente o Digno Par Alpoim, o Sr. Presidente do Conselho e o Digno Par Hintze Ribeiro.- Encerra-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Assistiu á sessão todo o Ministerio.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde, verificando-se a presença de 61 Dignos Pares o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida e seguidamente approvada a acta da sessão antecedente.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Sr. Ministro da Marinha, respondendo a um requerimento do Digno Par D. Luiz de Sousa Holstein.

Para a secretaria.

Officio da mesma procedencia, remettendo as providencias de natureza legislativa que, sendo julgadas urgentes, foram promulgadas por aquelle Ministerio.

Para a secretaria.

Officio do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, remettendo 120 exemplares da 1.ª parte do Livro Branco, relativo ao commercio de vinhos.

Para distribuir.

Officio do Sr. Ministro da Marinha, satisfazendo um requerimento do Digno Par Sebastião Baracho.

Para a secretaria.

Officio do Sr. Ministro da Justiça, satisfazendo a um requerimento do Digno Par Sebastião Baracho.

Para a secretaria.

Officio do Sr. João de Paiva, membro do Conselho da União Interparlamentar da Paz, chamando a attenção do Sr. Presidente d'esta Camara, respectivamente á representação de Portugal na conferencia que, sobre a paz, se realiza no proximo dia 28 em Bruxellas.

Ficou sobre a mesa.

Officio do Sr. Director Geral de Marinha, remettendo informações sobre a remissão das praças da armada.

Para a secretaria.

Representação da commissão delegada das associações de classe dos operarios tecelões de ambos os sexos do Porto, pedindo protecção para a crise que, afflige aquella classe.

A respectiva commissão.

O Sr. Ministro da Marinha (Moreira Junior): - Pediu a palavra para mandar para a mesa uma proposta para que possa accumular, querendo, as funcções legislativas com as de commissão dependente do Ministerio da Marinha e Ultramar o Sr. Conselheiro José Maria de Alpoim.

É lida na mesa e approvada a proposta de accumulação enviada pelo Sr. Ministro da Marinha, que é do teor seguinte:

Em conformidade do disposto no artigo 3.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia,
Governo pede á Camara dos Dignos Pares do Reino permissão para que possa accumular, querendo, o exercicio das funcções legislativas com o da sua commissão dependente d'este Ministerio o Digno Par José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral. Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, em 25 de agosto de 1905. = Manoel Antonio Moreira Junior.

O Sr. Sebastião Baracho: - Manda para a mesa o seguinte requerimento e nota de interpellação:

Requeiro que, pelo Ministerio do Reino, me sejam enviados, com urgencia, os seguintes documentos:

1.° Copia da reclamação entregue na Direcção Geral da Instrucção Publica pelo revisor de 1.ª classe da Imprensa Nacional, Luis Carlos Guedes Derouet, contra actos injustos e illegaes praticados pela administração do mesmo estabelecimento;

2.° Copia da informação dada pelos funccionarios superiores da Imprensa a essa reclamação;

3.° Copia do despacho do Sr. Ministro do Reino, em face d'essa informação, á reclamação do referido revisor;

4.° Copia fiel, extrahida do livro de matricula da Imprensa, do que constar acêrca do mesmo revisor, e em especial o que disser respeito a zelo, comportamento e competencia profissional. = Sebastião Baracho.

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122 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Nota de interpellação

Desejo interpellar os Srs. Presidente do Conselho e Ministro do Reino acêrca dos attentados commettidos contra a livre emissão do pensamento e assumptos correlativos. = Sebastião Baracho.

O Sr. Presidente do Conselho (José Luciano de Castro):-Vae expor succintamente á camara as razões que determinaram a ultima modificação que se deu na constituição do Gabinete.

Quando se discutiu, na commissão de fazenda o projecto sobre o contrato provisorio de 4 de abril ultimo, deu-se uma grave dissidencia entre o Governo e a maioria da mesma commissão.

Ao examinar-se o artigo 14.° do contrato provisorio, foi apresentada uma proposta, assignada por quatro membros da mesma commissão, e apoiada por outros dois, na qual se propunha, entre outras cousas, a separação das duas operações a do exclusivo e a da conversão das obrigações dos tabacos o que atacava fundamentalmente a proposta do Governo.

Apesar dos esforços pelo orador empregados no intuito de levar os membros da referida commissão a desistirem da sua proposta, nada pudera conseguir. A commissão insistiu na sua proposta.

No dia seguinte, a 8 de maio, reuniu o Conselho de Ministros, e, exposta ahi a questão, o Sr. Ministro da Justiça, que era o Sr. Conselheiro José de Alpoim, declarou que perfilhava a proposta apresentada pela maioria da commissão de fazenda; e, como os outros membros do Gabinete mantivessem as suas anteriores opiniões, declarou-se a crise, que foi resolvida pela exoneração do Sr. Conselheiro Alpoim e a sua substituição pelo Sr. Conselheiro Montenegro, cuja vida publica a Camara conhece bem.

As suas qualidades como parlamentar, os distinctos serviços que na sua vida publica teto prestado ao paiz e ao partido a que S. Exa. pertence, as suas primorosas qualidades de caracter e de intelligencia davam-lhe incontestavel direito a entrar nos Conselhos da Coroa, e o orador espera que S. Exa. se desempenhará digna e briosamente das altas responsabilidades que contrahiu ao entrar para o Governo.

D'estes acontecimentos resultou naturalmente uma tal ou qual excitação politica, cuja reflexão nos debates parlamentares podia ser prejudicial aos interesses do paiz} e aos do proprio Parlamento.

Por isso, e porque o Governo desejava obter algumas modificações ou aclarações em differentes artigos do contrato dos tabacos, que tinham soffrido mais insistentes impugnações na imprensa, entendeu o Governo que devia propor á Coroa o adiamento das sessões parlamentares por periodo que lhe pareceu conveniente.

Este adiamento foi acceito e decretado, como a Camara sabe.

Taes são, resumidamente, os factos que a Camara, com o seu alto criterio e a reflexão ponderada que deve distinguir esta alta assembleia politica, apreciará em sua alta sabedoria.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José de Alpoim: - Dirige á memoria querida de Emygdio Navarro a expressão da sua saudade, dizendo condensar em breves palavras as lagrimas e que chorou ao saber da morte d'esse glorioso vulto que deu ao partido progressista muito esplendor e muita gloria, que verteu o sangue do seu corpo pelo chefe e o sangue da sua alma pelas ingratidões soffridas. Descanse em paz na morte quem nunca descançou na vida. Consola falar nos mortos, n'uma epoca em que, ás vezes, é tão triste falar nos vivos.

Recorda depois que, no dia 10 de maior recebera a demissão de Ministro da Justiça, sem a ter pedido.

Curvou-se respeitoso perante esse decreto de El-Rei. Não discute esse acto da Coroa, como nunca discutiu outros. Os responsaveis por elle são o Sr. Presidente do Conselho e todos os seus collegas. Todos, sim. O Sr. José Luciano de Castro bem teve o cuidado de lhe fazer saber que todos os Ministros tinham approvado a sua demissão. Elle, orador, não tem na sua consciencia remorso algum de ter faltado ao que deve ao seu Rei. Como Ministro, nunca publicou decreto algum que não fosse inspirado na liberdade e na justiça, sem as quaes a Coroa não pode fulgir. Acatou sempre a lei, que é superior ao Rei. Como jornalista, durante uma larga carreira, acarretou sobre si, em defesa do Throno e da sua causa, aggressões que, por vezes, degeneraram em conflictos pessoaes. Não Aquelle acto não é, nem pode ter sido, da iniciativa de El-Rei. É um acto politico: da responsabilidade do chefe do Governo e do chefe do seu partido. É, como tal, elle, orador, pediu aos seus amigos da imprensa que não o discutissem.

Refere depois que, mal guardada ainda, na arca a sua farda de Ministro, já da imprensa officiosa do partido progressista começava contra si uma campanha odienta.

O Sr. Presidente do Conselho aggride-o na Camara dos Deputados, onde, elle, orador, não pode falar. Vem para a Camara dos Pares e aggride a commissão de fazenda, que ali não tem voz!

Censura depois o Sr. Alpoim a sem-cerimonia com que o Sr. Presidente do Conselho vem cá para fora dizer o que se passou no Conselho de Ministros. E cita, a proposito, o nobre exemplo de Urzaes, em Hespanha, ainda recente. Tambem elle, orador, poderia contar o que se passou com o Ministro da Fazenda. Não o fará, apesar do Sr. Presidente do Conselho se ter esforçado por collocar-lhe no tornozello uma golilha de infamia e deslealdade. Chamou-lhe conspirador o sr. José Luciano. Pois, apesar d'isso, confessa que pediu a esse conspirador que ficasse ao seu lado, offerecendo-lhe tudo quanto era possivel.

Conta depois o Sr. Alpoim que o Sr. José Luciano não o queria, nem ao Sr. Antonio Candido, para Ministro do Reino... com medo do Sr. Hintze Ribeiro!

Passa depois o Sr. Alpoim a demonstrar que prestigio politico do Sr. José Luciano se extinguiu. Os proprios correligionarios de S. Exa. nada teriam hoje do Governo se não fosse elle, orador. Ninguem falou em patrulhas, ao contrario da insinuação do Sr. José Luciano. Elle e os seus amigos sempre se declararam progressistas fieis. Que lucra o Sr. Presidente do Conselho em envenenar intenções ? As suspeições infamantes repelle-as. O Sr. José Luciano accusou-os de vendidos á Companhia dos Phosphoros! E veiu hoje fallar na bandeira do partido progressista. Essa bandeira não é a que aqui se ergue; não pode ser o contrato da tabacos!

Dissera o Sr. Presidente do Conselho que não exclue ninguem do seu partido. O orador declara que nada quer do Sr. José Luciano, nada espera, nada acceitaria.

Mas não depende do Sr. José Luciano o expusal-o ou admittil-o" Ser ou não ser progressista depende apenas d'elle, orador, e de mais ninguem. Com respeito a ter trazido a pesssoa do Rei para o debate, accusação que lhe fez o Sr. José Luciano, o Sr. Alpoim. repelle-a, affirmando que, se o quizesse fazer, o faria, franca e lealmente. Mas não quiz. Disse apenas que a sua demissão não podia ter sido um acto de iniciativa da Corôa por não corresponder ao alto e magnanimo espirito do Chefe do Estado, mas sim da exclusiva responsabilidade do Sr. Presidente do Conselho, ou de todos os seus collegas, porque S. Exa. teve o cuidado de insistentemente lhe fazer saber que todos os Ministros se tinham congraçado com S. Exa. no sentido de lhe infligir a demissão, o que está nos processos e nos costumes do Sr. Presidente do Conselho.

(Este discurso será publicado na integra, quando o orador entregar as notas tachygraphicas).

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SESSÃO N.º 11 DE 25 DE AGOSTO DE 1905 124

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Quer os partidos fortemente organizados. Tambem detesta as castas ou agremiações politicas que são escravas da vontade de um só homem.

N'esse ponto está inteiramente de accordo com o Digno Par; mas S. Exa. esteve longos annos no partido progressista, nunca se revoltou contra a tyrannia do seu chefe; nunca entendeu que no seio d'esse partido havia uma disciplina de ferro que se impunha aos seus corregionarios.

Nunca a sua voz se levantou, ou nos Conselhos da Coroa, ou nas assembléas politicas do seu partido, contra a sujeição a que o orador queria obrigar o seu partido.

E como é que durante tantos annos o Digno Par militou no partido progressista, tendo recebido d'esse partido todas as provas de consideração que ] eram compativeis com as suas qualidades pessoaes, e só agora, depois de ter recebido essas demonstrações de consideração e estima, é que S. Exa. se lembra de vir accusar o seu chefe.

Nunca por uma palavra, nem por um gesto, sequer, se pronunciou contra o seu partido, e só agora, depois de longos annos de metas e canseiras ao lado do seu chefe, é que S. Exa. se lembra de o accusar?

Peor que os partidos são as patrulhas, são os grupos indisciplinados, que' dizendo-se agremiados em volta da mesma bandeira apenas trabalham, por todas as maneiras, para a derrubar.

Assim não se fortalecem os partidos. Não é com essas questões intestinas que os partidos podem prosperar.

Os partidos para se fortificarem e avigorarem carecem da força que lhes dão a cohesão e a disciplina. Sem estes dois elementos não podem existir partidos fortes que concorram para a administração do Estado.

Está o Digno Par bem certo, com a mão na consciencia, de que não tem concorrido pelos seus actos, pelas suas palavras, para enfraquecer o partido progressista, que S. Exa. diz amar apaixonadamente, mas que está procurando arruinar por todas as maneiras?

Permitta o Digno Par que lhe diga que os actos de S. Exa. protestam contra as suas palavras; as suas palavras de hontem são desmentidas pelas suas expressões de hoje, e de ha um certo tempo para cá. Quando no principio da sessão elle, orador, usou da palavra fez uma exposição singela do que tinha a dizer á Camaras, desataviada de phrases e de commentarios. Não aggrediu o Digno Par, não lhe fez allusão alguma desagradavel. Limitou-se a expor os factos, taes quaes se passaram. Pois o Digno Par, sem necessidade de defesa.

visto que não foi atacado, vem aggredir o orador e aggredir o Governo.

Agora ha de permittir que se defenda.

A primeira arguição funda-se em que elle, orador, não podia tê-lo exonerado, de Ministro sem ter pedido a sua demissão.

Disse S. Exa. que esse acto não podia ser attribuido a El-Rei.

De passagem dirá que seria bom não trazer para as nossas discussões a pessoa do Rei, entidade que deve estar sempre muito acima dos debates parlamentares. Effectivamente não pode esse; acto ser attribuido a El-Rei. A exoneração de S. Exa. é toda da responsabilidade do orador e do Governo.

Todos os membros do Governo assumem inteira essa responsabilidade, e não podem, mesmo declinal-a.

O Sr. Alpoim foi ouvido sobre o contrato dos tabacos; assistiu a todos os Conselhos de Ministros em que esse assumpto se discutiu largamente e sabe j que, com o consenso de todos, foram acceitos os pontos fundamentaes do contrato.

Depois de approvados esses pontos fundamentaes, foi o Sr. Ministro da Fazenda? encarregado de redigir o contrato, approximando-se, tanto quanto possivel, do contrato de 16 de julho de 1904. Usando d'este voto de confiança, o Sr. Ministro da Fazenda redigiu o contrato de acordo com os negociadores, e assim o fez assignar. Depois do contrato assignado, e quando estava para ser apresentado á Camara, precedido de um relatorio, pediu o Sr. Ministro que fosse convocado o Conselho de Ministros, para novamente se occupar d'esses assumptos. Foram estes dois documentos apresentados em Conselho de Ministros.

Se o Sr. Alpoim os não leu ou não ouviu ler, foi porque não quiz. Foi mais uma vez, repete, convocado o Conselho de Ministros para tratar do assumpto; foi lido e discutido o relatorio do Sr. Ministro da Fazenda, e apresentado o contrato. Se não se leu artigo por artigo, foi porque nenhum Sr. Ministro reclamou essa leitura.

O Sr. Alpoim assistiu a esse Conselho, ouviu essa discussão; o orador não se lembra se S. Exa. entrou n'ella, mas approvou tudo quanto se fez, O contrata foi apresentado á Camara com o sou assentimento.

Nada lhe disse S. Exa. de reparo, ou critica, contra o contrato.

Nada, absolutamente nada lhe disse.

A commissão de fazenda foi eleita, e, depois de eleita, começou o obstruccionismo na mesma commissão, e na escolha de relator.

Ao cabo de muitas e demoradas fadigas, elegeu um relator.

Foi então que o orador resolveu, de acordo com o Sr. Ministro da Fazenda, apresentar-se na segunda sessão da commissão.

O que se passou n'essa commissão é muito conhecido do publico.

Foi então apresentada uma proposta assignada por um dos membros d'essa commissão e apoiada por outros dois, na qual se alvitrava que fossem separadas as duas operações, exclusivo e conversão, o que importaria pôr inteiramente de lado o contrato.

Desde que a commissão, depois da insistencia do orador, entendia que não devia retirar a sua proposta, reunira o Conselho de Ministros, no dia 8 de maio, e foi só então que o Sr. Alpoim, pela primeira vez, declarou que, tendo sido ouvido e consultado pelos seus amigos da commissão de fazenda, não podia separar-se d'elles, e que approvava inteiramente a proposta que elles tinham apresentado.

O orador, n'esse Conselho de Ministros, empregou quantos argumentos pôde, recorreu a todos os meios suasorios para ver se levava o Sr. Alpoim a desistir da sua proposta.

S. Exa. disse-lhe que no dia seguinte lhe daria a resposta, depois de ouvir os seus amigos.

No dia seguinte o orador recebeu uma carta de S. Exa., na qual insistia na ideia de que o Governo devia cingir-se á proposta da commissão de fazenda.

É claro que, depois do Sr. Alpoim declarar que acceitava a proposta da commissão de fazenda, a crise estava naturalmente declarada.

Os collegas do Sr. Alpoim no Governo mantiveram as suas antigas opiniões, e desde que Si Exa. divergia da, opinião dos seus collegas, claro está que estava aberta uma crise.

O que havia de fazer o Governo em face d'estas occorrencias?

Devia fazer o que fez, isto é propor á Coroa a exoneração do Sr. Alpoim. Que queria o Sr. Alpoim que o Governo fizesse?

Queria S, Exa. ficar no Governo depois de se ter manifestado tão contrario á opinião dos seus collegas?

A exoneração de S. Exa. era a unica solução possivel ou acceitavel.

Queria porventura S. Exa. a queda do Ministerio?

Evidentemente o Sr. Alpoim não podia esperar outra solução que não fosse aquella que se deu, e que é perfeitamente constitucional.

Teem-se dado casos d'estes mais de uma vez, não só em Portugal, como n'outros paizes.

Quando um dos Ministros não está de accordo com os seus collegas não ha outra solução.

O Sr. Alpoim foi exonerado porque quiz sel-o.

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124 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O orador empregou todos os esforços para que S. Exa. desistisse dos seus propositos; mas essas diligencias não lograram o exito desejado.

Quando os factos se apresentam pela maneira como os descreveu, a unica solução que elles pediam era a que lhes foi dada.

Escusado é dizer mais uma vez que o Governo assume inteira a responsabilidade da exoneração dada ao Sr. Alpoim. Não é preciso recorrer a quaesquer allusões a poderes estranhos; não houve n'este ponto outra intervenção que não fosse a do Governo.

O Governo entendeu que, desde que tinham occorrido divergencias entre um Ministro e os seus collegas, a solução da crise devia ser aquella.

O Sr. Alpoim falou muito da sua pessoa e das campanhas que lhe foram movidas pelos jornaes progressistas Enumerando S. Exa. os seus serviços ao partido, repetiu mais uma vez os grandes sacrificios que tinha feito pela causa progressista, declarou-se amante apaixonado d'este partido; emfim, teceu o elogio da sua pessoa e dos seus serviços em termos taes que o orador não carece de commental-os. Deixa inteiramente a S. Exa. a responsabilidade das suas palavras e das apreciações que a Camara ouviu; nem S. Exa. appellou para o testemunho do orador.

Não contesta que S. Exa. tivesse trabalhado pela causa do partido progressista; mas houve n'isso algumas intermittencias, é certo, o que não faz que elle, orador, possa esquecer serviços dedicados e leaes que o Sr. Alpoim por muitos annos prestou ao mesmo partido.

ão o pode negar. Mas no partido progressista ha muitos homens de valor e merecimento que lhe teem prestado tantos ou mais serviços do que o Sr. Alpoim, e nenhum d'elles se queixa.

A verdade é que o Sr. Alpoim sahiu do Ministerio muito queixoso, ao que parece, muito triste e desconsolado, muito magoado com o orador e com os seus collegas, mas não levou comsigo senão poucos e raros amigos. Basta dizer que dos homens que teem sido Ministros, nem um só o acompanhou. Ora francamente, entre esses homens, repete, ha muitos que teem tantos ou mais serviços ao partido progressita do que o Sr. Alpoim.

Se não são jornalistas como S. Exa., são homens de Estado, Deputados, Pares do Reino, com assignalados serviços a este partido.

E vem o Sr. Alpoim collocar-se sobre o pedestal que elle proprio ergue e, de pé sobre esse pedestal, dizer: "Aqui estou eu, que tenho feito mais serviços ao partido progressista! Aqui i estou en que ha longos annos lido pela sua causa, e afinal pagam-me estes serviços, expulsando-me do Governo!"

Ora é de notar que foram os actos e as opiniões de S. Exa. que deram logar á sua demissão.

Não estejamos a illudir-nos. Quem pode acreditar que foi o movimento de opposição que se levantou contra o contrato dos tabacos que obrigou o Sr. Alpoim a tomar a posição que assumiu?

Esse movimento de opposição, esse clamor da imprensa contra o contrato dos tabacos, esse vozear de descontentes contra o Governo que tinha feito esse contrato, existia ha mezes. Pois então foi só desde 8 de maio, em que a commissão de fazenda se pronunciou contra, foi só então que esses clamores chegaram aos ouvidos do Sr. Alpoim e que S. Exa. entendeu que devia dar-lhes ^ satisfação, voltando as costas ao seu passado e aos seus collegas?

Esse movimento de opposição datava do principio de janeiro. Como é que S. Exa. só no dia 8 de maio prestou attenção a essa violenta opposição ao contrato, que lá fora provocava as ira do publico, a indignação geral contra o Governo?

Se havia movimento de opposição já se manifestara quatro mezes antes; e então o Sr. Alpoim devia ter prevenido o seu chefe e amigo sobre semelhante movimento que se notava na imprensa da capital e que devia determinar uma modificação nos actos politicos do Gabinete. Mas S. Exa. guardou um silencio discreto, não disse nem uma palavra ao Presidente do Conselho.

Deixou que a commissão de fazenda conspirasse contra o seu chefe, e contra o seu amigo. Deixou que os membros da commissão de fazenda se reunissem sem prevenir o seu chefe, o seu amigo, e só no dia 8 de maio, só então, é que pela primeira vez vem dizer que, tendo sido consultado pc4os seus amigos, approvara inteiramente o procedimento d'elles, e a proposta que elles tinham apresentado, e que tendia, como disse, á separação das duas operações.

Appella para todos os que o ouvem, e pede que lhe digam se approvam um procedimento de tal ordem. Havia um collega do orador, um amigo seu, e um seu afeiçoado, que todos os dias lhe dizia que desde a primeira vez que foi Ministro nunca mais lhe daria nenhum desgosto, e ao contrario, quantos desgostos S. Exa. lhe tem causado.

Esse amigo estava no seio do Gabinete conspirando contra o Governo que lhe fazia favores, e, no momento dado, descarrega o golpe fatal sobre o seu chefe, e sobre aquelles que o acompanhavam!

Quem é que pode louvar, quem é que pode applaudir um procedimento d'esta ordem?

S. Exa., com os seus collegas, em Conselho de Ministros, entra na discussão do assumpto que fazia objecto principal da reunião, approva tudo quanto se fez, e depois de approvar o que se havia combinado, depois de dar o seu voto ao contrato, depois de ouvir o Sr. Pereira de Miranda dizer que todas as resoluções tomadas acêrca do mesmo contrato tinham sido approvadas em Conselho de Ministros por todos os membros do Governo, vem depois, em 8 de maio, dizer que concordava plenamente com a proposta que a maioria da commissão de fazenda tinha apresentado, proposta que era contraria ao que o Governo tinha deliberado.

Deixa á consciencia de todos os que o ouvem a apreciação de um tal procedimento.

Pede á consciencia dos que o escutam, que lhe digam o que devia pensar um Chefe de Governo que, tendo ao seu lado um companheiro, que suppunha leal e dedicado, o descobre tramando na sombra, e por todos os meios que a sua alta posição lhe proporcionava, contra o seu chefe, e contra os seus collegas de Gabinete.

Digam-lhe se este procedimento é plausivel, se é acceitavel, se merece galardão ou recompensa.

Disse S. Exa. que um accentuado movimento de opinião se tinha manifestado contra o contrato.

Se S. Exa. se impressionava com esse movimento de opinião, natural seria que procurasse o Chefe do Governo e lhe dissesse que o não podia acompanhar, porque as manifestações contra o que se projectava eram muito nitidas, muito significativas e muito clamorosas.

Sendo assim, ou tendo S. Exa. assim procedido, natural seria tambem que o orador entrasse em discussão com S. Exa. H, e quem sabe até se em virtude das ponderações do Sr. Alpoim o orador chegaria a acceitar as indicações de S. Exa.

Mas S. Exa. guardou a tal respeito o mais discreto silencio, e continuou a collaborar com o Chefe do Governo, e deixou que contra elle conspirassem os membros da commissão de fazenda.

Refere-se ao que se passou em Conselho de Ministros, porque o que n'elle occorreu é do dominio publico.

S. Exa. declarou deante dos seus collegas que já havia tres meses estava tramando contra o seu chefe, porque julgava que o seu chefe o queria esmagar.

Elle, orador, que o fez Ministro por duas vezes, que concorreu para que tivesse a Gran Cruz de Christo, que o fez Par do Reino, tendo já motivos bastantes para não o fazer! Fez tudo quanto podia por S. Exa. Só o que não pôde foi conseguir que elle fosse seu amigo, apesar da boa vontade e dos seus sinceros e leaes esforços.

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SESSÃO N.° 11 DE 20 DE AGOSTO DE 1905 120

Esta é a questão.

A questão dos tabacos foi um pretexto.

S. Exa. nunca falou no contrato dos tabacos; S. Exa. podia dizer quaes eram as razoes que tinha para não concordar com o que se havia pactuado. S. Exa. nunca examinou o contrato dos tabacos, de modo que pudesse descobrir qualquer disposição que menos conviesse aos interesses do paiz.

S. Exa., mesmo fôra do Governo, ainda não estudou o contrato nem pode dizer quaes as razões que tem para se pronunciar contra elle.

Se perguntassem a S. Exa. alguma coisa a respeito do contrato dos tabacos, S. Exa. havia de ficar embaraçado e nada podia dizer.

Por consequencia o contrato dos tabacos foi um pretexto, e nada mais.

S. Exa. podia declarar quaes as razões que tinha para não acompanhar o Governo na approvação do contrato.

S. Exa. não disse nada d'isso.

S. Exa. declarou na presença de todos os seus collegas que estava descontente com o orador, porque se persuadiu que elle o queria esmagar, mas não falou no contrato dos tabacos.

Não diria nada d'isto se não tivesse que o dizer, era vista do que a Camara acabou de ouvir.

Então o Governo, depois de ter discutido e approvado a tal base relativa á separação das duas operações, depois de estarem todos compromettidos a acceitar aquella base, podia porventura acompanhar o Digno Par, rompendo por tudo, e á ultima hora, unicamente para servir os intuitos politicos de S. Exa.?

Era impossivel.

O orador foi coherente.

O Digno Par, o Sr. Alpoim, sabia muito bem quaes os esforços que o Governo empregou para conseguir que se realizasse primeiramente a conversão e as diligencias empregadas no sentido de acautelar os interesses do paiz.

Todos sabem que se abriu concurso e que se fez o possivel para desligar as duas operações.

S. Exa. sabe isto muito bem, porque assistiu a todas as deliberações do Conselho de Ministros, nas quaes tomou parte.

Como é que S. Exa., depois de associado ás responsabilidades dos seus collegas, vem aqui dizer que foi o movimento da opinião a causa do que se passou?

Só em 8 de maio é que a attitude da maioria da commissão de fazenda actuou sobre S. Exa., só n'esse momento lhe fez impressão?

A maioria da commissão de fazenda era simplesmente uma maioria politica de accordo com S. Exa.: o que se passou não foi uma sublevação contra o contrato dos tabacos, mas sim contra o Governo.

Nada de illusões.

Aproveitaram o pretexto para conspirar politicamente contra o chefe do Governo. Esta é que é a verdade, e se assim não é, digam-lhe por que foi que estiveram calados até então?

Só em 8 de maio é que o Sr. Alpoim vem dizer ao seu chefe que estava de accordo com a proposta da commissão de fazenda.

Nunca, nem na imprensa, nem nas conferencias com o Governo, S. Exa. disse uma unica palavra a este respeito, e só em 8 de maio se manifesta pela primeira vez em desaccordo com o Governo.

O orador deixa á Camara a apreciação d'estes factos, mas não pode deixar de dizer que não acredita que tudo o que se passou fosse por causa do contrato dos tabacos; está plenamente convencido de que foi um pretexto para conspirar contra o chefe do Governo. Talvez que, se S. Exa. occupasse hoje o logar que pertence ao Sr. Eduardo José Coelho, não tivesse acontecido o que aconteceu, e o contrato seria menos ruinoso para o paiz; mas tudo isto se daria mais tarde, porque o fermento revolucionario estava lançado.

Tudo isto lhe custa; mas quando ouve o Sr. Alpoim fazer taes declarações não pode ficar silencioso.

Faz-se um contrato d'esta importancia, e S. Exa. não o conhece!

Vejam como o Sr. Alpoim é dedicado e leal amigo do Governo!

Desejaria responder mais largamente ainda ao Sr. Alpoim; mas a Camara bem sabe que elle, orador, alem dos achaques proprios da idade, está doente. Respondeu ás considerações pouco benévolas do Sr. Alpoim, mas não pode terminar sem declarar, da maneira mais positiva, que sentiu profundamente o procedimento de S. Exa.

Sabe S. Exa. que, em Conselho de Ministros, aquelle que se effectuou em 8 de maio, fez tudo quanto póde para convencer o Sr. Alpoim no sentido de que fosse retirada a proposta a que se tem referido.

Sabe tambem que empregou igualmente todas as diligencias para que S. Exa. continuasse ao seu lado.

Houve um momento em que chegou a ter esperança de que assim succedesse, porque a argumentação do orador correspondia á verdade dos factos; mas tudo foi baldado.

Os seus collegas tambem empregaram todos os esforços n'aquelle sentido, mas o unico resultado que obtiveram foi a promessa de que S. Exa. daria no dia seguinte uma resposta definitiva.

Quando, findo o Conselho de Ministros a que se referiu, o Sr. Alpoim apontou que tinha de consultar os seus amigos, o orador dissera-lhe: "Então, do que succeder, a responsabilidade é sua".

Elle, orador, não deu pretexto para a dissidencia. Fez tudo quanto pôde, empregou todos os esforços para evitar estes acontecimentos, que evidentemente podem ter consequencias funestas.

Ainda hoje não expulsa ninguem.

S. Exa. disse que continua a ser progressista. O que espera é que os actos de S. Exa. sejam concordantes em as suas palavras.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Justiça (Arthur Montenegro): - Manda para a mesa a seguinte proposta:

Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, pede o Governo á Camara dos Dignos Pares do Reino a necessaria permissão para que possam accumular, querendo, as funcções legislativas com as dos seus logares dependentes do Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça os Dignos Pares do Reino:

Francisco Antonio da Veiga Beirão.
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral.

Secretaria de Estado dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, em 25 de agosto de 1905. = Arthur Pinto de Miranda Montenegro.

O Sr. José de Alpoim: - Começa por accentuar a impressão de magua pelo que acabava de ouvir.

Nunca assistiu a um espectaculo mais doloroso e deprimente, de maior depressão moral e de maior depressão politica, do que a que acaba de dar ao Parlamento o chefe do seu partido, o primeiro responsavel depois do Rei.

É triste que um homem chegado á idade do Sr. José Luciano de Castro, e doente, manche a sua alma de odios ruins, de paixões mesquinhas e de pequenas miserias. O Sr. Presidente do Conselho injuriou-o e insultou-o. Que miseria e que vergonha! Quando no seu leito de enfermo, poucos ou nenhuns partidarios tinha a seu lado, elle, orador, foi sempre d'esses poucos. Invocou o Sr. José Luciano cartas particulares, que não teem fundamento. Não estranha. Está acostumado a ouvir informações inexactas do Sr. José Luciano, até sobre a sua honra. E pede perdão a Deus de ter confiado em semelhante homem!

Lançou lhe em rosto o Sr. Presidente do Conselho o ter recebido d'elle uma gran cruz e o pariato. É falso. A gran-cruz de Christo recebeu-a das

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mãos delicadas de uma rainha. Se a tivesse recebido das mãos de S. Exa. nunca mais a usaria, porque lhe manchava o peito a insidia e a fraude de quem lh'a dera. Quanto ao pariato, os arminhos brancos estão hoje cheios de sangue.

Refere-se depois ao periodo de doença do Sr. Presidente do Conselho, em que o orador esteve sempre a seu lado, chegando o Sr. José Luciano a dizer-lhe: "Você foi o meu braço. Sem você, pouco ou nada poderia ter feito."

Affirma o Sr. Presidente do Conselho que o contrato dos tabacos foi a Conselho de Ministros. O orador affirma que não, e a Camara decidirá entre os dois. O contrato não foi aprovado, nem discutido, nem sequer lido! A nenhum Ministro foi mandado o contrato.

Em poucos dias perdeu todos os predicados e todas as qualidades, como uma figura luxuosa de magica se transforma, em mutação de effeitos, n'um pobre coberto de farrapos. O "tribuno poderoso" da vespera converteu-se n'um "dissertador sem talento"; o "jornalista vigoroso" n'um "forrageador de Camillo e de Vieira", o "luctador insigne" n'um "Hercules de feira", o "estadista de arrojada iniciativa" n'um "ministro sem emprehendimentos de especie alguma.". Mas nada d'isso o feriu. Porque essas accusações só podiam attingir a sua vaidade. E elle, orador, leve sempre o cuidado de calafetar todas as fendas da alma, por onde a vaidade pudesse entrar.

Pouco depois levanta-se outra campanha, não já contra a sua vaidade, mas contra a sua honra, contra a honra do seu partido que ama com ardor, como se amam ás vezes as mulheres, mais pelas recordações dos soffrimentos, do que das alegrias que nos deram.

Lançaram-lhe em rosto as honras e benesses que recebera do seu partido.

Conta o que succedeu com o marechal Lefebvre, duque de Dantzig.

Um dia, visitava a sua casa, repleta de preciosidades, um amigo seu. Falou-se de muitas cousas. Lefebvre levou o seu amigo a uma sala com muitas janelas e exclamou: "Vou collocar em cada uma d'estas janelas uns poucos de criados com espingardas, e mando-os, quando atravessares o pateo que ali vês, fazerem todos fogo sobre ti; se conseguires vencer e sair illeso da lucta, dou-te todas as preciosidades da minha casa, porque foi assim que obtive o que possuo".

Poucos dias passados sobre a sua demissão surgiu, por parte do Governo, a ameaça da dissolução da Camara dos Deputados e das incompatibilidades destinadas a expulsar da Camara alta, ou a ferir na sua bolsa, os Pares do Reino que não fossem submissos e doceis ao contrato dos tabacos. Esse boato parecia ter sahido de casa do Sr. Presidente do Conselho para tirar todo o prestigio á Coroa. Tres mezes antes de agosto apparentava-se dispor da Coroa para tudo e dava-se ao paiz a impressão de que nada valiam os Conselheiros de Estado, considerados ainda menos do que "jarrões decorativos da sala do Throno", na phrase espirituosa de Casal Ribeiro.

Se esses projectos se houvessem realizado, equivaleriam, segundo alguem disse, a transformar a Camara dos Deputados em assembleia geral da Companhia dos Tabacos, e a Camara da Pares em Conselho Fiscal da mesma companhia.

Cita uma phrase de Gambetta: que todo o homem publico deve comer logo de manhã um sapo, para estar apto a aguentar os casos repulsivos que o cercam.

O orador expõe depois os motivos do seu procedimento.

Não conhecia o contrato dos tabacos. O texto d'esse contrato nunca foi apresentado em Conselho de Ministros. Nunca! Apenas ali foram as suas linhas geraes. O contrato, nunca! É certo, que elle, orador, podia ter pedido esclarecimentos 'e informações sobre o assumpto. Mas esse pedido representaria uma ameaça de desconfiança. Alem d'isso a indole e a natureza da sua pasta não justificavam que o fizesse. Conheceu o contrato pelos jornaes e pelo Diario ao Governo. Mas, mesmo que assim não fosse, mesmo que o houvesse conhecido antes, feria o que fez. Não seria outro o seu procedimento, de que assume inteira responsabilidade perante o Rei e perante o paiz.

É moda, hoje, desdenhar-se da imprensa. Mas os que desdenham d'ella não se recordam de que os pedacinhos de chumbo dos caracteres typographicos teem mais luz do que a aurora e mais força do que pelouros e canhões. A imprensa expressou bem a extraordinaria corrente de opinião publica que havia no paiz contra o contrato dos tabacos. Para qualquer outro estadista que não fosse o Sr. José Luciano seria como que uma indicação constitucional. Foi-o, para elle orador,

Em Inglaterra muitas vezes os Ministros teem reconsiderado em propositos seus, por motivo de manifestações da opinião publica. Alem d'isso, a commissão de fazenda, que é "ma delegada da Camara, manifestou-se contra o contrato por maioria de votos. Essa commissão compunha-se, e compõe-se, de Deputados que só fazem parte d'ella porque o Governo os escolheu, porque não foram suspeitos para o Sr. Presidente do Conselho. Se elle, orador, em vez de ser Ministro da Justiça, fosse Ministro da Fazenda, não teria a menor duvida em obedecer ás indicações parlamentares da commissão, sobrestando no contrato.

Accusou o Sr. José Luciano de Castro, nos seus jornaes officiosos, de incoherencia, de indisciplina e de ambição. Elle, orador, não mudou de opinião, porque não conhecia o contrato dos tabacos. Mas, mesmo que tivesse mudado. A sociedade é um mar que obedece a correntes diversas e outros phenomenos de varia especie. Bismarck atacou o clericalismo para depois o defender; incarnou a suprema autocracia de chanceller de ferro para depois fomentar o socialismo. Robert Peel renegou as suas doutrinas proteccionistas para se lançar no mais avançado livre-cambismo. Gambetta foi o grande politico opportunista que todos conhecemos e admiramos.

Recorda depois que o proprio Sr. Presidente do Conselho combatera a juncção das duas operações, conversão e exclusivo, defendendo-a agora.

A campanha do Dia, contra a juncção das duas operações, por exemplo, foi encorajada pelo Sr. Presidente do Conselho, que a elle, orador, mandou até as provas de um artigo d'aquelle jornal com algumas notas a lápis, approvando a sua doutrina.

N'esta altura, como o Sr. Alpoim tenha notado como que um gesto de negativa no Sr. José Luciano, exclama;

- O Sr. Presidente do Conselho diz que não com a cabeça. Não é dos que guardam cartas para d'ellas fazer uso contra quem as escreve. Mas afirma á Camara que o Sr. Presidente do Conselho lhe mandou as provas de um artigo, do Sr. Moreira de Almeida, para o Dia, com diversas annotações a lápis, defendendo a separação das duas operações.

Com respeito á segunda accusação, a da indisciplina partidaria, tem a dizer que deseja e defende a existencia de dois grandes partidos., como são exemplo o tory e o wigh, a que a Inglaterra deve tanta gloria. Mas não admitte partidos-castas, verdadeiras oligarchias, onde são abafadas todas as iniciativas.

Não admitte partidos em que os chefes, em vez de serem directores supremos, são apenas pastores que conduzem o submisso e servil rebanho.

O orador pede depois perdão ao Rei e ao paiz, de ter contribuido, porventura, de alguma maneira, para este estado de cousas.

Invoca a alma franca e rude do Bispo de Vizeu e o espirito gentilissimo do Duque de Loulé, pondo uma e outro em contraste com as caracteristicas dominantes do Sr. José Luciano de Castro.

Se a sua carreira politica terminou e se extinguiu que importa isso? As pessoas são nada ante a causa publica.

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SESSÃO N° 11 DE 25 DE AGOSTO DE 1905 127

Se foi um crime o que praticou repeti-lo-hia hoje, sem hesitar um momento. Danton, accusado, um dia, de ser o autor ou cumplice de um dos episodios mais sangrentos da Revolução, exclamou: "Olhei o meu crime rosto a rosto e pratiquei-o". Elle, orador, dirá tambem: "Olhei o meu crime rosto a rosto, e praticá-lo-hei, de novo, ámanhã, se for necessario".

(Este discurso será publicado na integra quando o orador entregar as provas tachygraphicas).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro):- Ali estava o correligionario e amigo dedicado, o defensor esforçado do partido progressista, o tribuno cuja palavra esteve sempre, leal e desinteressadamente, ao serviço do seu chefe e dos seus amigos politicos!

Não era preciso que elle, orador, exagerasse o valor das palavras do Digno Par; bastava vel-o e ouvil-o nas retaliações em que empregara a sua vigorosa eloquencia, bastava vel-o e ouvir-lhe as palavras inflammadas de rancor com que se dirigia ao seu chefe politico.

(O Digno Par Sr. Alpoim pede a palavra).

Agora mesmo as suas palavras cheias de calor e de violencia continuavam a mostrar quanto era dedicado, leal e sincero amigo do partido progressista; comtudo, não declarou que o orador deixasse de ser o seu chefe politico. Se fosse precisa alguma justificação, bem clara e bem evidente, das palavras que elle, orador, ha pouco proferira a seu respeito, ella ahi estava na maneira como S. Exa. se lhe referiu, no modo como procurou desfazer a impressão das suas palavras. Quem fala com aquelle impeto, com aquella violencia contra o seu chefe politico, contra o seu amigo de tantos annos, contra aquelle que sempre lhe deu provas de consideração, de dedicação e de amizade, mostra evidentemente quanto é leal amigo do partido a que pertence! Quizera que todo o partido progressista estivesse ali assistindo ao discurso que S. Exa. acabava de pronunciar e ouvisse bem os termos que S. Exa. empregou, para poder apreciar a dedicação, o amor, a paixão politica que o Sr. Alpoim consagra ao partido a que ainda se honra de pertencer.

Podia S. Exa. dizer o que quizesse; o que não podia era affirmar que o contrato dos tabacos não fora presente ao Conselho de Ministros.

O Sr. Alpoim, (interrompendo): - Affirma que o contrato dos tabacos não foi presente ao Conselho de Ministros e não haverá ninguem que tenha a coragem de dizer o contrario.

Tem em seu poder uma carta...

O Orador: - Estava fora do Governo um Ministro, o. Sr. Pereira de Miranda, que poderia ratificar a sua affirmação.

O Sr. Alpoim: - Garante á Camara, sob a sua honra, que é falso.

O Orador: - Garante á Camara, pela sua honra, que é verdade.

O Sr. Pereira de Miranda: - Preza muito a dignidade da Camara, e por isso pede licença para interromper o Sr. Presidente do Conselho, para pedir a S. Exa. e ao Sr. Conselheiro José de Alpoim que ponham termo aquelle debate, e com isso julga prestar um relevante, serviço á Camara dos Pares e ao partido progressista.

O Orador: - Sobre este ponto não dirá mais nada.

O Sr. Alpoim: - Desiste da palavra.

O Orador: - Annue inteiramente ao pedido que lhe fez o Sr. Pereira de Miranda.

Deve dizer á Camara, e essa foi a razão por que pediu a palavra, que, acêrca do projecto de incompatibilidades a que se referiu o Sr. Conselheiro Alpoim, attribuido ao Governo, e tambem quanto á dissolução da Camara, em que nunca pensou, nem de que jamais falou aos seus collegas, declara que nunca foi intenção sua publicar decreto ou providencia que se referisse a estes assumptos.

Na imprensa diaria appareceu esse debate, formulando-se até graves accusações contra o Governo e especialmente contra o orador, a quem attribuiam o pensamento de afastar d'esta Camara alguns dos seus membros.

Aproveita pois a occasião para affirmar á Camara que não tem fundamento algum tal boato.

E a respeito da dissolução da Camara entende que não ha de ter necessidade de a propor á Corôa. Espera, confiado nos seus correligionarios, na maioria da Camara, que os projectos que o Governo julga conveniente apresentar ao Parlamento possam merecer a necessaria votação. Nunca pois teve ideia assente, definida, de propor á Corôa a dissolução da Camara.

Está perfeitamente convencido de que o Governo tem na Camara maioria bastante para governar.

Depois da feição que tomou este debate, não deseja entrar em discussões meramente pessoaes, nem combater as accusações do Sr. Alpoim.

Mantem tudo quanto disse. O contrato dos tabacos suppõe no um pretexto para a conspiração politica que se faz contra o Governo, e especialmente contra elle, orador.

Por sua parte não quer concorrer para o aggravamento da situação.

Mas tambem não quer terminar sem. dizer ao Sr. Alpoim que nunca procurou ággredil-o; respondeu simplesmente ás accusações que S. Exa. fez ao Governo.

S. Exa., sob o pretexto de definir a sua situação, fez affirmações que envolvem graves accusações contra o Governo.

Com isso é que elle, orador, não concorda; para as rebater é que se levantou e usou da palavra.

Qualquer que seja a posição que o Sr. Alpoim assuma, hoje, ámanhã, ou no futuro, creia S. Exa. que o orador ha de defender sempre com o mesmo ardor de convicções a bandeira do partido que se honra de dirigir, porque sabe bem as responsabilidades que a todos impõe aquella bandeira.

(0 Digno Par não reviu.)

O Sr. E. Hintze Ribeiro: - Não pertence ao partido progressista, nunca pertenceu, foi sempre adversario intransigente d'esse partido. Militou constantemente em campos oppostos aos do Sr. Presidente do Conselho, e ainda bem. Não é porque não respeite os adversarios politicos, não é porque não tenha na consideração que deve a fé e a convicção d'aquelles que militam em campo adverso, mas é porque, a avaliar pelo impeto do sentimento que fez levantar d'aquella cadeira o Sr. Pereira de Miranda e impôr o silencio ao Sr. Presidente do Conselho e ao Sr. Alpoim com as palavras que todos lhe ouviram, palavras que reçumavam todo o desgosto que lhe ia na alma, a elle um velho partidario, um symbolo de pureza das tradições do partido, que lhe davam autoridade para n'aquelle momento proceder assim, a bem do seu partido e do Parlamento, folgou de não pertencer a esse partido, tão grande era a magua, tão profunda era a dor que lhe inspiravam as palavras do Sr. Pereira de Miranda, tão sentida devia ser a mortificação de quantos n'esse partido militam, ao ouvir o que n'aquella sessão se passou.

É adversario intransigente do Sr. Presidente do Conselho e do Governo que ali está.

Tem, não só por dever seu politico, mas por inspiração da sua consciencia e com a convicção mais profunda de entrar n'este debate com a vehemencia intransigencia de quem absolutamente não pode concordar, nem com os actos, nem com os propositos, nem com o procedimento d'este Governo, e de quem tem n'este momento, mais do que nunca, a convicção de que o Governo que ali está, n'uma situação absolutamente insustentavel, por dignidade sua, por dignidade do Parlamento e do seu partido, o melhor serviço que podia prestar

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era retirar-se (Apoiados) para ver se j aquella atmosphera ficava mais pura.

Mas ha uma cousa que na lealdade do seu sentir tambem não sabe: é abusar da situação em que se encontra.

Está acostumado a luctar a peito aberto, quando os seus adversarios se encontram em iguaes circumstancias; mas o Sr. Presidente do Conselho não estava em condições, nem de o ouvir, nem de lhe responder.

Permittam-lhe que lance um véu sobre aquella sessão parlamentar, porque se alguma cousa é necessaria, a bem do prestigio da Camara, é deixar que o tempo venha aquietar os animos e porventura que se amorteçam as paixões, para que os debates politicos possam ter a direcção e a compostura que são proprias d'esta Camara.

Não pertence ao partido progressista, mas não deseja tornar mais agudo o debate ali travado. É estranho ás affirmações que de um e outro lado da Camara foram proferidas, mas a sua intensidade chegou até o ponto do Sr. Pereira de Miranda, caracter austero e antigo progressista, entender que, para bem de todos, era bom, era conveniente o silencio. Elle, orador, que não pertence ao partido progressista, não quer fazer reviver o debate, não quer aggravar a situação e acha melhor que se fique por ali.

É, na sessão do dia seguinte, quando estiverem mais desanuviados os espiritos, quando o Sr. Presidente do Conselho, mais sereno e calmo, lhe puder responder, se é que puder, então usará da palavra.

Tem S. Exa. vinte e quatro horas para reflectir sobre uma situação tão anomala como aquella em que elle e o seu Governo se encontram. Permitta-lhe a Camara que elle, lutador de muitos annos, e antigo membro d'aquella casa, onde fala ha mais de vinte, reserve as suas palavras feitas de ponderação, de completa intransigencia no ataque, para a sessão do dia seguinte.

É necessario que esta impressão tão dolorosa desfalleça ou pelo menos amorteça um pouco, para que ao debate parlamentar volte a serenidade e a reflexão. Deixe se ao Sr. Presidente do Conselho a reflexão sobre o que ali se passou naquella sessão, e na proximo, se S. Exa. estiver em situação de poder responder á opposição parlamentar a Camara lhe permittirá a elle, orador que continue no uso da palavra.

Por hoje deixemos ver se, depois de tão extraordinaria successão de phrases, de acontecimentos, de factos, de investidas, impera a legalidade, a compostura, a tranquilidade para parlamentarmente se dirimir uma questão politica.

Não se lembra de ter jamais visto ouvido o que n'aquella sessão vira e ouvira, n'uma assembleia politica, através dos debates mais serios, das situações mais difficeis, das discordancias mais acerbas.

Scisões dentro de um partido, teem-se visto, e entre homens publicos é natural que cada um tenha a sua razão e a sua consciencia em presença dos factos; mas como n'aquella sessão nunca vira nem ouvira.

Parece-lhe que interpreta o sentir de todos, pedindo ao Sr. Presidente que levante a sessão e deixe que a Camara dos Pares recupere a serenidade que lhe, é precisa.

É esta a razão por que não deseja continuar com a palavra.

Estranho ao partido progressista, não pode entrar no que é pessoal, no debate travado entre o Sr. Alpoim e o Sr. José Luciano; mas como membro da Camara e parlamentar antigo, deseja falar, sim, mas quando o Sr. Presidente do Conselho estiver em condições de lhe poder responder.

O Sr. Presidente: - Não pode acceder aos desejos de S. Exa.

Não pode encerrar a sessão antes de tempo, infringindo o regimento da Camara.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Fez um pedido muito simples.

Pediu que lhe fosse permittido ficar com a palavra reservada e que se encerrassem os trabalhos a bem da dignidade da Camara.

O Sr. Presidente: - Já disse a S. Exa. que não podia encerrar arbitrariamente a sessão.

Ouviu as palavras de S. Exa.; S. Exa. manifestou o seu desejo de que a Camara se encerrasse já. Mas não houve proposta de S. Exa. ou de algum outro Digno Par; a sessão continua, e vae dar a palavra a quem ella cabe segundo a inscripção.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Mas pode ser consultada a Camara.

O Sr. Presidente: - S. Exa. propõe que se consulte a Camara?

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Não propõe outra cousa.

O Sr. Veiga Beirão: - A maioria protesta e não pode acceitar a proposta do Sr. Hintze Ribeiro.

Não sabe o que se discute; mas, discuta-se o° que quer que seja, todos estão ali promptos a responder a todas as considerações que se apresentarem

Estão promptos a responder, repete; não pedem nem acceitam favores, e por isso votam contra a proposta do Digno Par o Sr. Hintze Ribeiro.

O Sr. João Arroyo: - Pergunta se algum Digno Par pode falar sem lhe ser concedida a palavra?

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Entendia que o melhor era ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte; mas desde que o Sr. Beirão pensa que, pelo contrario, o momento é opportuno para a discussão continuar, deixa a S. Exa. a responsabilidade da discussão, e continua o seu discurso.

O Sr. Presidente: - Pode S. Exa. continuar no uso da palavra.

O Sr. Hintze Ribeiro: - Desde que o obrigam a falar n'este momento, a primeira cousa que tem a perguntar ao Sr. Presidente do Conselho, é o seguinte:

Porque é que S. Exa. pediu o adiamento das Côrtes?

Pediu o adiamento das Côrtes para a modificação ou melhoramento das clausulas do contrato dos tabacos?

Ou pediu esse adiamento levado por motivos politicos?

E quaes foram esses motivos?

Ainda pergunta a S. Exa.:

Entende que as actas do Conselho de Estado, onde S. Exa. levou o seu pedido, podem ser presentes a esta Camara?

S. Exa. responderia o que entendesse, porque, alem de Presidente do Conselho, era o vogal mais antigo do Conselho de Estado.

Se S. Exa. entender que não quer ou não pode mandar as actas do Conselho de Estado, dignar-se-ha expor, e a isso se não pode furtar, as razões em que assentou o pedido de adiamento.

Para elle, orador, poder apreciar os actos do Governo precisa de ouvir previamente as respostas a estas perguntas.

Ao Sr. Presidente da Camara pede que lhe seja reservada a palavra, para sobre a resposta do Sr. Presidente do Conselho fazer as apreciações que entender.

(8. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Perguntou-lhe o Digno Par para que solicitou o orador o adiamento das Côrtes.

O Governo tinha pedido o adiamento das Côrtes para acalmar a exaltação politica resultante dos acontecimentos que determinaram a recomposição ministerial, e ao mesmo tempo para obter algumas modificações no contrato dos tabacos, em differentes artigos que tinham soffrido mais vigorosa impugnação na imprensa.

Foi isto o que já disse, e é o que repete.

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O Governo entendeu que, dos acontecimentos que acompanharam a ultima recomposição ministerial, resultou uma tal ou qual agitação politica que havia de se reflectir nos debates parlamentares, sem proveito algum para o paiz.

Ao mesmo tempo entendeu que devia empregar as suas melhores diligencias para obter a aclaração e modificação de algumas clausulas do contrato dos tabacos, as quaes haviam soffrido critica mais ou menos violenta por parte da imprensa.

A outra pergunta do Digno Par foi relativa de actas do Conselho de Estado.

O Digno Par não ignorava, por certo, que, segundo o regulamento de 9 de janeiro de 1800, ainda em vigor, as actas do Conselho de Estado são secretas e, portanto, não podem ser attendidos os desejos do Digno Par. Não sabe se ha algum precedente de terem vindo á Camara algumas d'essas actas. Crê porém que não.

Até, se bem se recorda, tem sido essa uma questão debatida no Parlamento por mais de uma vez, mas julga que nenhuma resolução se tomou no sentido contrario ao regulamento em vigor.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. E. Hintze Ribeiro: - A resposta do Sr. Presidente do Conselho não veio senão confirmar a razão, que ao orador assistia, para propor que a sessão se encerrasse e que a continuação d'este debate ficasse para a sessão immediata.

Elle, orador, não podia terçar armas com quem, n'aquelle momento, não tinha a serenidade de espirito necessaria para o escutar.

Veja a Camara quanto a sua attitude era fundada, correcta e deferente para com todos; para com o Sr. Presidente do Conselho, dando lhe tempo para socegar e reflectir; para com o Parlamento, dando tempo a que a impressão dolorosa d'este debate angustioso se dissipasse do espirito dos seus membros. Á primeira pergunta que dirigiu ao Sr. Presidente do Conselho, é elle, o antigo parlamentar, o antigo homem de Governo, quem se encarrega de demonstrar que não tem n'este momento a serenidade e a reflexão necessarias para responder.

A resposta de S. Exa. só por uma ironia mal cabida pode ser tomada. Perguntou, no pleno uso do seu direito, ao Governo, para que pedira o adiamento das Côrtes.

Pois é o Sr. Presidente do Conselho com a sua resposta no dia de hoje, ainda sob a impressão do que ali se passou, quando o sentimento de todos está angustiado, quando a alma de todos se sente confrangida por debates absolutamente anomalos, é n'este momento que o Sr. Presidente do Conselho, evidentemente perturbado pelo debate, sem ter ainda a reflexão e serenidade necessarias para responder como homem do Governo, nem comprehender toda a plenitude de razão que o orador tinha para pedir que o debate ficasse para o dia seguinte; é n'este momento que o Sr. Presidente do Conselho, com palavras que só por ironia podem ser tomadas, vem dizer á Camara, sob a impressão de momento, quando ainda o debate está vivo e acceso, quando n'esta sala ainda resoam palavras que nunca foram n'ella proferidas, vem dizer que pediu o adiamento das Côrtes para acalmar paixões!

Nem ao menos reflectiu, nem ao menos viu na resposta que dava ao orador, elle, um velho parlamentar, encanecido nas luctas da palavra, elle, um homem de Estado, que tem exercido muitos annos o cargo de Ministro, elle, o chefe do Governo que tem hoje a responsabilidade de uma situação, nem ao menos viu que era improprio da sua pessoa, da dignidade do poder, e até da comprehensão de todos os que ali se juntavam, que era, emfim, a suprema ironia, a ultima das irrisões, o dizer n'este momento, quando o Sr. Pereira de Miranda acabava de levantar-se para intimar silencio a uns e a outros, em nome do seu partido e do Parlamento, o dizer, em resposta á pergunta do orador, que pedira o adiamento das Côrtes para... acalmar as paixões! Não teve outra resposta. E isso lhe dá o direito a elle, orador, de perguntar depois do que ali tem ouvido, quem é provocou essas paixões? quem é que ateou esses debates? quem é que se esqueceu de que era chefe do Governo e do que devia ao seu partido?

Antigo parlamentar, que occupa n'este paiz uma situação eminente, de tudo se esqueceu, e, em vez de usar da prudencia, cordura e moderação, como é proprio de um homem de Governo e, sobretudo, de quem tem de dar exemplo aos outros; em vez de vir prudentemente, generosamente, o que não fica mal a ninguem, tratar de aquietar os animos sopear as paixões, unir os elementos do seu partido, congregar tudo quanto havia de mais vital nas forças politicas da sua parcialidade; em vez d'isso, é S. Exa. quem, fora do Parlamento, lança pelo sua imprensa palavras as mais ásperas, investidas as mais duras, apreciações as mais crueis contra aquelle que n'um assumpto qualquer dissentira do seu procedimento.

Esquecendo-se de que esse era hontem seu collega, esqueceu-se ainda o Sr. Presidente do Conselho de quaes são as obrigações do chefe de um Governo, quaes são os deveres de um j chefe de partido, esqueceu-se, sobretudo, de que nunca a um homem, por i mais cruelmente atacado que seja nem por mais difficil que seja a situação em que se encontre, nunca, e muito menos quando occupa a posição de Ministro, muito menos quando tem um partido em redor, quando está presidindo a um Governo, nunca lhe é licito dizer qualquer palavra como as que S. Exa. proferiu n'aquella casa, que possam atear um debate até o ponto a que este chegou, até o ponto de confranger o sentimento de todos os que ali estavam e que prezam a dignidade e a compostura d'aquella Camara.

Quanto melhor não fora ter deixado para ámanhã o debate do que dar ensejo a que esta sessão, já de si memoravel, contristadora, tivesse um epilogo... nem quer dizer a palavra que lhe occorre para o caracterizar.

Assim, o Sr. Presidente do Conselho, esquecido do que devia a tudo e a todos, não medindo o alcance das suas palavras, tão perturbado estava no seu espirito, que não viu o effeito da sua resposta á pergunta: "por que é que adiou o Parlamento?" dizendo que fôra para acalmar as paixões! As paixões que elle irritara hontem na imprensa, hoje no discurso que proferiu.

Estranho ao partido progressista, não lhe cabe a elle, orador, nem pôr-se ao lado do Sr. Presidente do Conselho, nem ao lado do Sr. José de Alpoim.

Estranho é ao que o debate tem de pessoal e folga de o ser e completamente.

A questão pessoal n'este debate é-lhe inteiramente alheia.

Não pode nem deve entrar n'ella.

Para elle, orador, ha só a questão politica, e pela questão politica não é o Sr. Alpoim quem lhe responde.

Quem lhe responde é o chefe do Governo.

Como membro da opposição tem o direito de apreciar os actos do Governo, e a sua linha de conducta n'este procedimento é dictada pela sua consciencia.

Como membro da opposição e como membro d'esta Camara tem o direito de defrontar-se com o Sr. Presidente do Conselho e dizer-lhe que o principal culpado, com bastante sentimento o affirma, mas com a convicção mais profunda, o principal culpado do triste epilogo que veio ali explodir, é o Sr. Presidente do Conselho.

A paixão, o despeito, os impetos do sentimento não podem actuar nas responsabilidades do homem publico.

O Sr. Presidente do Conselho ficou sem defeza.

Por que pediu o adiamento das Côrtes? Para acalmar paixões? Pois a Camara acabava de ver como essas paixões romperam, vivamente, impetuosamente.

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130 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O Sr. Presidente do Conselho pediu o adiamento para um fim que não quiz, não pôde ou não soube attingir.

Se o pediu para acalmar paixões, todos viram como ellas estão apaziguadas.

O Sr. Presidente do Conselho não tem a força nem a tranquilidade necessaria para sustentar os direitos do poder.

Dil-o sem impaciencias e sem preoccupações de Governo que o não assaltam.

Dil-o sem má vontade pessoal para com S. Exa., porque tal má vontade não existe em seu animo, mas affirma-o com a convicção de um homem de Governo, de um homem que sabe ò que deve á dignidade do poder e á dignidade do Parlamento.

S. Exa. deixou; hoje de ter a tranquilidade necessaria para, como chefe do Governo, continuar a assistir a esta discussão.

Ficaria por ali, até a sessão seguinte, visto que deu a hora.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Um dos artigos do regimento diz que as sessões terminam ás cinco horas, mas uma outra disposição regimental prescreve que as sessões, em que haja assumpto a tratar, não deve durar menos de tres horas. Tendo a sessão começado ás duas e meia, tenciona encerral-a ás cinco e meia.

O Sr. Hintze Ribeiro: - Se a sessão continua, prosegue no uso da palavra.

O Sr. Francisco Beirão: - Mas o Sr. Hintze Ribeiro já acabou de falar.

O Sr. João Arroyo: - Parece-lhe que não é permittido usar da palavra sem a Presidencia a conceder.

O Sr. Hintze Ribeiro: - Como o Sr. Presidente diz que a sessão termina ás 5 horas e meia, elle, orador, continua no uso da palavra.

Desejava manter-se quanto possivel fora do campo politico, desejava abster-se de explicações relativas ás discussões a que a camara acabava de assistir.

Não era seu intento intervir já no debate politico, mas quem a isso o leva é a propria Camara.

Queria deixar o debate para outra sessão, na esperança de que após os acontecimentos d'aquelle dia viria a reflexão.

A Camara, porém, não quiz; o orador deixa lhe a responsabilidade do facto.

Ao Sr. Presidente do Conselho tem de se dirigir, como chefe do Governo, como responsavel pela situação em que ficou collocado.

Pergunta ao Sr. Presidente do Conselho como é que S. Exa. pode manter-se no seu posto elevado?

S. Exa. o chefe de um partido, vê quebrantar-se-lhe nas suas proprias mãos a força d'esse partido.

S. Exa. chefe de um partido que está ligado á nossa historia por factos bem vivos, esquecendo as proprias tradições d'elle, deixa-o naufragar d'aquella maneira.

S. Exa., chefe do Governo, deixou que esse Governo, sem cohesão, sem unidade e sem homogeneidade entre si, se tornasse inefficaz para a causa publica.

Porque veio o Sr. Presidente do Conselho offerecer aquelle triste espectaculo na Camara?

Foi acaso porque acontecimentos absolutamente extraordinarios, factos inteiramente anormaes tivessem corrido mais fortes do que a sua vontade?

Não.

É a politica que S. Exa. tem feito, é a maneira por que S. Exa. se tem conduzido. S. Exa. fez com que dentro do, seu partido não houvesse cohesão, não houvesse unidade, que tanto é necessaria para dar força a uma agremiação d'esta natureza.

O Sr. Presidente do Conselho julga ter o Ministerio comsigo e praticou o acto de levar ao Chefe do Estado o decreto que dava a demissão ao Sr. Conselheiro Alpoim.

Mas quem ficou com o Sr. Presidente do Concelho, quem é que S. Exa. tem a seu lado, quem é esse que o acompanha, que collabora com S. Exa.?

Tem na pasta do Ministerio do Reino o Sr. Eduardo José Coelho.

O Sr. Eduardo José Coelho, que atacando, combatendo um acto do Poder Moderador, dizia:

"Deve dizer que ha muito, o domina a ideia fixa, o pensamento absorvente de que, desde o inicio do actual reinado, ou seja desde 1890, predomina no paiz o regimen de um governo pessoal e; absoluto em lucta Com o poder legal e com o poder constitucional, É preciso, que isto se liquide e que uma d'essas forças succumba. Se triumpha o governo pessoal, acabe-se o Parlamento".

(Sessão de 5 de abril de 1902).

Este é o Ministro do Reino, o homem que deve ser moderado nos seus actos, o homem que ataca vivamente a Corda, dizendo que desde o inicio do actual; reinado não havia mais do que um poder absoluto. Esse é hoje o Ministro do Reino e...o Sr. Alpoim sae.

Passava-se pouco tempo e vinha o o Sr. Eduardo José Coelho dizer ainda:

"Portugal foi durante largos annos elogiado e louvado pelo seu affecto ao regimen constitucional; mas o poder pessoal fez perder ao paiz a designação de Belgica do Occidente e á Casa de Bragança a gloriosa tradição de fazer respeitar o codigo politico. Vê-se, pois, que o poder moderador não tem medrado em prestigio nem em amor e respeito dos seus subditos".

(Sessão de 8 de abril de 1902).

É este homem é hoje o Ministro do Reino, e... o Sr. Alpoim sae.

Debatia-se na Camara uma questão agricola em que interesses economicos estavam em jogo, e então o Sr. Eduardo José Coelho levantava-se e dizia:

"Não é o Chefe do Estado que sustenta uma oligarchia politica pessoal: é então o Chefe do Estado tornado chefe de uma classe de viticultores, contra outra classe de viticultores, é o Chefe do Estado dirimindo questões de interesses mais ou menos legitimos contra outros interesses mais ou menos legitimos".

(Sessão de 23 de junho de 1903).

É este homem é hoje o Ministro do Reino, e... o Sr. Alpoim sae.

Mais ainda. Entrava-se n'um debate politico em que as ideias se frisam, as convicções se apregoam, os pensamentos se definem, e então o Sr. Eduardo José Coelho dizia:

"Affirma á Camara, para não se perder em considerações prehistoricas, que pelo menos, de ha 30 annos para cá, nunca um Governo, qualquer que fosse, nunca o poder executivo commetteu um attentado, uma violencia contra as immunidades parlamentares que não tivesse prompto apoio, ou voto consultivo favoravel na sua maioria. Se não é exacto o que diz tragam-se para o dominio publico as actas do Conselho de Estado".

(Sessão de 26 de janeiro de 1904).

E todavia é este homem hoje o Ministro do Reino, é quem está sentado ao lado do Sr. Presidente do Conselho, o mais antigo vogal do Conselho de Estado, d'essa instituição contra a qual o Sr. Eduardo José Coelho proferiu palavras que a desprestigiam e abatem na sua dignidade.

Pois esse homem, que assim falou contra a mais alta magistratura do paiz, esse homem é o companheiro do Sr. Presidente do Conselho, esse homem é o Ministro do Reino que diz da Corôa que, desde 1890, ha uma lucta entre o poder real e o poder legal, sendo necessario que um d'elles succumbisse; que disse que a Casa de Bragança perdera o affecto dos seus subditos; que

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SESSÃO N.º 11 DE 25 DE AGOSTO DE 1905 131

retratou El-Rei como chefe de uma classe de viticultores contra outra classe de viticultores, onde se debatiam interesses mais ou menos legitimos. E o Sr. Alpoim sae.

E pergunta o orador - porque emfim é seu direito perguntar- por que saiu o Sr. Alpoim e ficou o Sr. Espregueira?

Ao Sr. Espregueira, Ministro da Coroa, responsavel pelos seus actos, investido de uma alta magistratura, pergunta, com o direito que lhe assiste, pondo S. Exa. a mão na sua consciencia, e respondendo-lhe alto e firme, sem ambages, sem paliativos, sem subterfugios, sem tergiversações, se é ou não verdade que já depois de S. Exa. ter apresentado ás Camaras o contrato dos tabacos, apresentado por elle proprio, firmado pela sua propria assignatura, publicado na folha official, tanto descria da efficacia d'esse contrato que julgava preferivel que o mesmo contrato se afundasse e com elle o Governo?

Aos seus mais intimos S. Exa. communicou as suas duvidas e as razões que lh'as suggeriam. Não fez mysterio d'ellas aos seus collegas do Gabinete.

Só as palavras do Sr. Presidente do Conselho, com argumentos que o orador ignora, conseguiram tranquilizar o espirito de S. Exa. e leval-o a acceitar aquillo que S. Exa. fizera primeiro, emendara depois, e, por ultimo, se dispunha a rejeitar.

Membro do Parlamento, tem o direito de perguntar e S; Exa. tem obrigação de, com absoluta, inteireza e verdade, dizer-lhe se é ou, não exacto que, depois do que acaba de referir, depois de ter o Sr. Ministro da Fazenda assumido a responsabilidade plena do contrato, S. Exa. estava prompto, decerto porque acima de tudo estão os interesses do paiz, a renegar a sua primeira obra, a deixar até que o Governo se retirasse e entregasse a outros a missão de governar?

É ou não verdade que, só depois de uma entrevista com o Sr. Presidente do Conselho, S. Exa.? esquecendo os desabafos que tivera com os mais intimos, esquecendo-se das palavras que proferira até para com os seus proprios collegas, confiou na obra que fizera e desfizera, guardando só para si aquella convicção final para caminhar ao lado do Sr. Presidente do Conselho, e deixando que a crise se declarasse e o Sr. Alpoim saisse?

Ora isto tem o Parlamento direito de saber, porque traz a convicção de que o Governo, mau grado as suas pá lavras, as suas afirmações de coherencia, está n'uma situação absolutamente insustentavel, que o Sr. Presidente do Conselho não tem comsigo senão os que por dever ou posição official se lhe acham presos, que ninguem é interessado na sua causa, ninguem conhece os seus planos, porque S. Exa. dentro do seu proprio partido, dentro do seu proprio Governo se isola, não tendo a sustentar a sua causa, boa ou má, nem o impulso sincero dos seus amigos, nem a adhesão afortunada e segura d'aquelles que o seguem.

Que triste espectaculo o d'aquella sessão e ao mesmo tempo que triste impressão que resta da situação!

O Sr. Presidente do Conselho é assim chefe de um partido, mas de um partido que deixou de acreditar n'elle; é assim chefe de um Governo, mas de de una Governo em que os Srs. Ministros não sabem para onde S. Exa. caminha:

Irrisão suprema! Está pendente a questão mais grave que, financeiramente, a Camara pode discutir, a questão dos tabacos; á o Sr. Presidente do Conselho quem caminha com ella, quem a leva ;até o ponto de a resolver e contratar, e entrega ao Sr. Espregueira a redacção do contrato segundo as bases que foram contratadas, mas com a condição de que se aproximasse quanto possivel do contrato de 16 de julho.

O orador podia envaidecer-se com o insucesso, podia rejubilar com o erro dos quê o arguiam, se no seu espirito pudesse caber consolação ou alegria ao ver como aquelles que mais viva, injusta e acerbamente o combateram, não o poupando a todas as insinuações, ao ver como os que levantaram esta campanha tenebrosa contra o contrato de 16 de julho, apodando-o de traidor, de homem publico sem comprehensão de seus deveres, obcecado pela paixão politica ao ver como procederam quando tomaram a responsabilidade do Governo, ao ver como o Sr. Presidente do Conselho proclama que era impossivel a separação dos dois contratos e que só conjuntamente se poderiam fazer.

Tem o nobre Presidente do Conselho de se penitenciar, tem de retirar as palavras que proferiu, as impulsões que deu á sua imprensa. S. Exa. não soube medir as suas palavras quando opposição, não teve a reflexão que é propria de um homem de Estão, a comprehensão nitida dos problemas economicos e financeiros, propria de quem conta largos annos de Governo.

Quem assim procede não tem auctoridade de arguir de incoherencia o Sr. Conselheiro José de Alpoim, desde que, falseando a sua propria opinião, investiu doidamente contra o contrato de 16 d& julho para depois, quando Governo, vir penitenciar-se do seu erro e renegar o que tinha dito.

Mas, notavel cousa, é que o Sr. Presidente do Conselho, entendendo que devia haver novas negociações, que, quasi exclusivamente com elle proprio correram, até o ponto de estarem definidas as bases e aceitas as clausulas, até ahi não tinha confiado a ninguem as negociações.

Mas quando crê que tinha as clausulas contratuais definidas e assentes e que bastava dar-lhe a forma externa e redacção, quero é que elle vae buscar para isso? E o Sr. Espregueira, o Ministro de quem quasi se esquecera, emquanto elle proprio negociara, o Ministro de quem só se lembrou á ultima hora, para lhe entregar a responsabilidade da redacção do contrato, para, a salvo, dizer depois que a redacção atraiçoara o seu pensamento, se porventura a opinião publica se levantasse contra o contrato?

O Sr. Presidente: - Previne o Digno Par de que deu a hora.

O Orador: - Deseja saber a que hora quer o Sr. Presidente levantar, a sessão.

O Sr. Presidente: - Levantará a sessão ás 5 horas e meia.

O Orador: - Vae concluir em duas palavras o que n'aquella sessão tinha a dizer.

O Sr. Presidente do Conselho tem decerto uma confiança absoluta no Ministro da Fazenda. E seu collega. Mas quem negoceia é o Sr. Presidente do Conselho! O Sr. Presidente do Conselho tem o sentimento da responsabilidade que lhe cabe no assumpto, e, porque a não quer tirar d'elle proprio, chama a si a negociação, segue-a, acompanha a, emfim, é elle que faz tudo; mas, quando se trata da forma a dar-lhe, lembra-se do Sr. Ministro da Fazenda, e quando se levantam justos clamores, porque as clausulas contratuais não correspondem aquillo que ao paiz era licito esperar, o Sr. Presidente do Conselho deixa sair do Governo os seus amigos, com a impressão de que o culpado é o Sr. Espregueira, porque a redacção não correspondeu ao pensamento!

Cousa mais estranha ainda, é ver que um Ministro da Coroa, um Ministro que sobraça a pasta que n'este momento mais interessa aos destinos do paiz - a da Fazenda - é posto de lado durante uma negociação, entrega-se-lhe apenas á redacção do contrato, vê depois rasgada essa redacção, vê que é o proprio Presidente do Conselho quem vae ante o Conselho de Estado e a Coroa pedir o adiamento para, como elle proprio confessa, emendar a obra feita pelo Sr. Espregueira, em virtude do voto de confiança que seus collegas lhe tinham dado e esse Ministro fica!

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132 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Assaltam-o duvidas ponderosas, dominam-o receios muito graves de que porventura e apesar de tudo, (veja a Camara que modestia a do Sr. Ministro da Fazenda) a obra de S. Exa. não fosse nem tão completa nem tão perfeita como devia ser, para corresponder aos lidimos interesses do paiz. S. Exa. é assaltado por esse receio, e elle, que é um homem de sã consciencia, descrê da situação e quasi vae até o ponto de desejar o naufragio do Governo, a fim de que o contrato não vingue.

Aos que mais de perto estão, communica este desabafo que é a expressão da sua alma porque é a verdade, e, depois de o annunciar, fica n'esta situação temerosa em que o Ministro que fez um contrato o apresenta, o approva, e depois hesita, retira-o, não sabe em que sentido melhor pode servir o seu paiz se é saindo, se é ficando, e, assaltado d'estas duvidas, acolhe-se ao seio generoso e benemerito do Sr. Presidente do Conselho, pede-lhe palavras de incitamento e exemplos de vida para continuar a sua obra, com aquelle desprendimento e aquella inteireza que todos conhecem, e, n'essa altura, a palavra balsamica do chefe do Governo vem adoçar a sua dor, vem tirar o seu receio e, na commissão de fazenda, declara que está ao lado do Sr. Presidente do Conselho. Simplesmente de uma cousa se esqueceu, e foi o não communicar aquelle, a quem devia, o seu desabafo. E assim ficou o Sr. Espregueira, o homem que, em relação ao contrato mais importante do nosso paiz, não sabia se o devia manter ou se o devia abandonar.

Sae o Sr. Alpoim e fica o Sr. Eduardo Coelho, aquelle que na propria Camara investe contra a Coroa, contra a Casa de Bragança e contra o Conselho de Estado! E depois de tudo isto e da triste e desgraçada sessão d'aquelle mesmo dia, ainda ha quem fique: é o Sr. Presidente do Conselho.

Ficará: mas se S. Exa. pensar e se se lembrar durante a noite - e a noite traz bom conselho - do que deve á dignidade do poder e á acção e vitalidade do seu partido, e sobretudo se se lembrar de que, na posição em que está, uma cousa existe sobre todas - o interesse do paiz - faz-lhe elle, orador, n'esse caso, a justiça de que alguma resolução tomará ainda que revele ter comprehendido a sua situação.

Dito isto, pede ao Sr. Presidente que lhe consinta ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - O Sr. Presidente do Conselho acabava de pedir a palavra. Vae consultar a Camara.

Vozes: - Não pode ser! Não pode ser!

(Sussurro).

(O Sr. Presidente agita a campainha).

O Sr. Presidente: - O Sr. Presidente do Conselho não pode usar da palavra depois da hora regimental, mas a Camara é soberana; pode conceder-lh'a.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Não consente que os seus direitos sejam menoscabados! Não consente que, no seu discurso, se intercalle outro, visto ficar com a palavra reservada. Se o Sr. José Luciano quer falar para responder a elle, orador, declara que tal não consente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Presidente do Conselho pediu a palavra para antes de se encerrar a sessão.

Vae consultar a Camara.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Não se propõe responder agora ao Sr. Hintze Ribeiro. Na sessão seguinte o fará.

Pedindo n'este momento a palavra, tem unicamente por fim dizer a S. Exa. que pode estar tranquillo acêrca da attitude d'elle, orador.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: Pede a palavra.

0 Sr. Presidente: - Observa ao Sr. Presidente do Conselho que S. Exa. não pode responder ao discurso do Sr. Hintze Ribeiro, porque não foi para esse fim que pediu a palavra.

O Sr. Presidente do Conselho: - Acata a observação do Sr. Presidente, e apenas dirá que todas as informações que Chegaram ao conhecimento do Sr. Hintze Ribeiro são inexactas.

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Mas S. Exa. está respondendo ao seu discurso.

O Orador: - Referia-se apenas ao que se passou na commissão de fazenda da Camara dos Senhores Deputados.

O Sr. Hintze Ribeiro: - O Sr. Presidente do Conselho pode depois, quando lhe responder, fazer todas as perguntas que entender; tem largussimos tempo para isso.

O Orador:- Quanto ás outras considerações feitas pelo Sr. Hintze Ribeiro, responderá ámanhã quando usar da palavra.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - A primeira sessão será ámanhã, e a ordem do dia a continuação da discussão da crise ministerial e a resposta ao Discurso da Coroa.

Está levantada a sessão.

Dignos Pares presentes na sessão de 25 de agosto de 1905

Exmos. Srs.: Antonio Candido Ribeiro da Costa; Marquezes: de Alvito, de Ávila e de Bolama, de Fontes Pereira de Mello, do Lavradio, de Penafiel, da Praia e de Monforte (Duarte); Condes: de Castello de Paiva, de Figueiró, de Lagoaça, de Monsaraz, de Paraty, da Ribeira Grande, de Tarouca, de Villa Real; Visconde de Monte São; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Eduardo Villaca, D. Antonio de Lencastre, Costa e Silva, Santos Viegas, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Augusto José da Cunha, Palmeirim, Carlos Maria Eugênio de Almeida, Eduardo José Coelho, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Tavares Proença, Ressano Garcia, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, Mendonça Côrtez, João Arroyo, Gusmão, Jorge de Mello, Avellar Machado, Correia de Barros, José de Azevedo, Dias Ferreira, Frederico Laranjo, José Luciano de Castro, José de Alpoim, Rodrigues de Carvalho, Silveira Vianna, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Pimentel Pinto, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Macario de Castro, Affonso de Espregueira, Pereira Dias, Raphael Gorjão, Pedro de Araujo, Pedro Victor, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho, Ornellas Bruges, Wenceslau de Lima.

Os Redactores,

FELIX ALVES PEREIRA
(De pag. 121, a pag. 125, col. 3.ª)

ALBERTO BRAMÃO
(De pag. 125, col. 3.a, a pag. 132, col. 3.ª)

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