4 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Consignados estes factos, que imprimem caracter, notarei a desastrada imprevidencia com que se reuniu, no mesmo diploma, a liquidação dos adeantamentos illegaes e a dotação do Chefe do Estado. Não disponho hoje de tempo para fundamentar a minha affirmativa, cujo esboço fica traçado. Reservo-me, porem, para voltar ao assunto quando o julgar conveniente, aproveitando agora os poucos minutos que me restam para, mais uma vez, pôr em relevo a infelicidade, ou antes a falta de tino politico com que o Sr. Presidente do Conselho pretendeu e pretende dar alentos ao rotativismo, o qual aganizava patentemente, no advento de S. Exa. aos Conselhos da Coroa. E baldadas foram e são as suas pretensões. A desaggregação rotativa é, com effeito, evidente. Basta, para formar esse juizo. recordar o que se passou hontem nesta casa. O ataque, aliás fundamentado, do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, acêrca da proposta do bill de indemnidade, e a resposta agridoce que lhe deu o Sr. Ministro da Justiça, deixando a descoberto os dois chefes rotativos, são indiscutivelmente de valor e peso, pela sua significação. O que depois se passou, tão expressivo foi, tambem, que dispensa referencia pormenorizada.
O Digno Par, Sr. Arroyo, na sua acção batalhativa, recordou o annexim: — baralhar para tornar a dar.
Por meu turno, e attenta a circunstancia do meu isolamento de todos os partidos, tenho para meu uso, no caso sujeito, um velho adagio que li ha bem cincoenta annos, no immortal D. Quichote de la Mancha, do não menos immortal Miguel de Cervantes Saavedra. Ei-lo:
— Paciencia y barajar.
E nesse norteamento me mantenho desde 1902, baralhando tanto quanto me tem sido possivel as diversas entidades marcantes, e cultivando simultaneamente, nesse intuito, a verdade, exclusivamente a verdade, e a fiel narrativa dos factos.
A quem competir, a quem para tal fim dispuser de apoio e meritos, complete o meu trabalho, fazendo resurgir o país do chaos e da anarchia em que elle jaz mergulhado, proporcionando-lhe ainda dias felizes, no concerto das nações que se prezam, e reciprocamente se respeitam.
É esta, sem a menor duvida, a generosa aspiração de todos os portugueses, para quem o patriotismo e a liberdade, nas suas formulas mais intensas, constituem o seu mais dilecto apanagio.
(S Exa. não reviu).
O Sr. Ministro das obras Publicas (Calvet de Magalhães): — Ouvi com a maior attenção as observações apresentadas pelo Digno Par Sr. Baracho.
Relativamente ao milho, tenho a declarar que, logo que tive conhecimento da crise que se manifestava em certos pontos do país, tratei de promulgar um decreto que reduziu o imposto a 6 réis por kilogramma, a fim de attender quanto possivel a esse mau estado de cousas.
As determinações do Governo a tal respeito, não permittindo que o preço do milho ultrapasse uma determinada cifra, teem sido cumpridas, parecendo-me, portanto, que não são absolutamente exactas as informações que o Digno Par recebeu.
Quanto á questão da exploração do porto de Lisboa, logo que tive conhecimento de que o contrato de arrendamento não tinha sido feito em harmonia com a lei, avoquei o respectivo processo, e mandei ouvir a Procuradoria Geral da Coroa, que era favoravel á rescisão.
O Governo, conformando-se com esse parecer, rescindiu o contrato.
O Sr. Sebastião Baracho: — Essa rescisão importa o pagamento de qualquer indemnização?
O Orador: — Não, porque o contrato previu essa circunstancia.
Ha poucos momentos, e já aqui na Camara, disseram-me que os jornaes noticiaram que o Conselho de Administração tinha solicitado a sua exoneração.
Não me chegou informação official a tal respeito.
Quanto aos documentos pedidos pelo Digno Par, ordenarei que lhe sejam enviados com a possivel urgencia.
(S. Exa. não reviu).
O Sr. D. João de Alarcão: — Communico a V. Exa. a constituição da commissão de fazenda, a qual elegeu para seu presidente o Sr. Moraes Carvalho, e a mim secretario.
Aproveitando a occasião de estar com a palavra, sinto que não esteja presente o chefe do Governo; porque era a S. Exa. que desejava dirigir-me; todavia, peço a qualquer dos Srs. Ministros presentes que communique a S. Exa. as considerações que vou fazer, sobre graves acontecimentos occorridos hoje em Lisboa, e que são uma vergonha, para um país que se preza de civilizado. (Muitos apoiados).
Um grupo de estudantes de Coimbra, no uso do seu direito, e talvez até no cumprimento dos seus deveres civicos, veio a Lisboa cumprimentar Sua Majestade El-Rei.
Chegados a Lisboa, e esperados na estacão por uma malta de discolos, — pois se não pode ter na conta de estudantes quem tão condemnavelmente procede — foram alvo de doestos, bengaladas e pedradas.
O Sr. Conde de Arnoso: — São os amnistiados...
O Orador: — Tenho bastante pena de que o Sr. Presidente do Conselho não esteja presente, para lhe mostrar quanto estranho a forma por que a policia procedeu, pois que assistia impavida e tranquilla a todas estas scenas, incontestavelmente vergonhosas.
Um sobrinho meu, estudante da Universidade, e que fazia parte do grupo, appareceu-me em casa com um ferimento na cabeça.
Fiquei indignadissimo, e resolvido a defender-me, quando me aggravarem, já que a força publica assim esquece o cumprimento do seu dever.
O Sr. Conde de Arnoso: — A policia não procedeu para não ter «nervosismos».
O Orador: — Desculpe a Camara a vehemencia das minhas palavras, mas a minha indignação é justificada.
Termino, pedindo ao Governo providencias immediatas, a fim de que os arruaceiros sejam severamente punidos. (Apoiados).
(S. Exa. não reviu).
O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): — Transmittirei ao Sr. Presidente do Conselho as considerações do Digno Par.
Desconhecia por completo os pontos a que S. Exa. alludiu. Lastimo-os profundamente, expressando muito especialmente o meu sentimento pelo desgosto experimentado pelo Digno Par.
Creia o Sr. D. João de Alarcão que as ordens do Governo, nestes casos, são sempre para que se respeite a liberdade e para que se respeite a ordem. Respeitar a lei, é manter a ordem publica. (Apoiados). Respeitar a liberdade, não é permittir que cada um faça o que quer. (Apoiados).
Se realmente houve desmandos que, como o Digno Par disse, e muito bem, envergonham a civilização, elles serão rigorosamente punidos.
É essa a obrigação do Governo, e a ella não faltará. O Governo é liberal, sem duvida nenhuma; mas isso não excluo a obrigação de manter a ordem publica, e castigar quem pretenda alterá-la.
Um Governo que não sabe manter a ordem publica, é absolutamente incapaz de se sentar nestas cadeiras.
São estas as considerações que se me offerece adduzir em resposta ao Digno Par.
(S. Exa. não reviu).