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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

da autoridade em toda a altura a que elle devia ser mantido, sem exaltações, mas sem tibiezas, e sem complacencias que são cumplicidades criminosas.

Clemencia e tolerancia, Sr. Presidente, posso eu tê la como particular, mas não a pode ter o Governo no exercicio das altas funccões que lhe impendem.

Tolerancia?!

Clemencia?! Que é isto em direito publico constitucional? Que principio, que dever ou que direito constituciona é este para os poderes do Estado ou para os cidadãos?

Cumpra-se a lei, tal como ella é; não se exorbite, não se deixe que sejam calcados aos pés os nossos direitos.

Quem é que deve fazer observar a leis?

São os poderes publicos. Nem as leis podem ser interpretadas ao arbitrio de cada um!

O Governo pode porventura tolerar aquillo que a lei prohibe?

Pode porventura o Governo tolerai &o que a lei não consente?

Ao contrario, se a lei o consente, o cidadão não precisa do favor do Governo.

Mas se a lei não permitte um determinado facto, o Governo não pode infringir a lei, nem ser superior a ella, offendendo todos os principios mantenedores da ordem e das instituições.

Sr. Presidente: bem andaram os Dignos Pares que, nesta casa, no uso da palavra antes da ordem do dia, trouxeram á Camara esta questão.

Eu associo-me do coração, do fundo da minha alma, a todas as considerações que foram produzidas por S. Exas., e d'aqui, do alto d'esta tribuna, como representante legitimo da nação, protesto, neste momento, contra o abuso que se introduziu de se dizer que nós aqui não representamos nada.

Os que isto dizem são tumultuarios e arruaceiros.

Nós, que estamos aqui na defesa dos interesses publicos, não representamos cousa nenhuma?!

Nós, temos, como o povo, os nossos direitos.

Como é que neste país, e nesta epoca, se vem hoje ainda fazer a distincção do povo, como se povo não fossemos todos nós? (Apoiados).

Então para ser povo é preciso ser arruaceiro, promover disturbios, armar desordens nas das e nas praças publicas?

Quem é o povo?

Que impropriedade é essa de pre tender designar por tal palavra, nos tempos de hoje, uma classe social?

Povo sou eu, tambem povo é V. Exa., Sr. Presidente, povo são todos os Dignos Pares, povo são todos os cidadãos

portugueses, todos com direitos iguaes perante a majestade da lei.

É um anachronismo essa invocação do povo, como no tempo das tres ordens do Estado.

Hoje ha uma só ordena: o povo, que somos nós todos.

Sr. Presidente: sejam quaes forem as posições sociaes, quer a boa ou má sorte nos favoreça ou prejudique, lançados uns nas opulencias da riqueza e outros nas miserias da indigencia ninguem deve faltar ao respeito, á consideração, e á estima e apreço que e devido aos seus semelhantes.

Eu não quero, Sr. Presidente, ter mais direitos do que o meu sapateiro o meu barbeiro, o meu feitor ou o meu guarda Campestre. Não quero ter mais mas não quero ter menos, porque só mós iguaes.

Sr. Presidente: a Camara vê que ei cedi a um impulso de temperamento e que uma indignação, por longo tempo comprimida, explodiu agora a proposito d'este caso, que profundamente lamento.

E ponho aqui ponto ás minhas considerações, que poderiam ser levadas á conta de uma especulação de caracter politico, em face da attitude que mantenho perante o Governo.

Não conheço pormenorizadamente os factos apontados, mas pelo que ouço dizer, e pela declaração feita aqui pelo Digno Par Sr. D. João de Alarcão, digno collega nosso, do que aconteceu uma pessoa de sua familia, associo-me ao desgosto de S. Exa.

Deve rasgar o coração da mocidade academica tal acontecimento; e creio que interpreto o sentir de nós todos, enviando a essa mocidade uma saudação calorosa. (Apoiados}.

O Sr. Conde de Bertiandos (interrompendo): — Dizem ainda que querem fazer peor de dia ou de noite. De rara agora em matar gente...

O Orador: — Aguardo a sequencia dos acontecimentos, e devo crer que o Governo, apesar de tudo, se compenetrará do seu imperioso dever, assumindo a responsabilidade que lhe compete.

Entro agora na ordem do dia, e na apreciação do projecto que se discute.

Devo dizer a V. Exa. que este projecto deixa no meu espirito a mesma impressão que outros analogos apresentados ao Parlamento.

Fique, tambem, desde já assente um facto perante V. Exa. e perante a Camara, um facto que me causou viva estranhesa, e que me feriu profundamente como membro d'esta casa do Parlamento.

O Governo faltou a uma formalidade, a uma antiga praxe, que é a de se apresentar ao Parlamento dando a sua razão de ser, e explicando os motivos por que subiu aos Conselhos da Coroa.

O Governo não fez a sua apresentação perante as Côrtes, perante os representantes directos do mais alto poder do Estado.

Essa formalidade tem a mais alta significação, porque importa o reconhecimento da soberania nacional.

O Governo, fugindo a essa formalidade, não se apresentando ao Parlamento, faltou ao cumprimento do que um poder do Estado deve a outro poder do Estado.

O Governo nada disse da sua propria existencia; nem mesmo ao apresentar o Discurso da Coroa teve uma unica palavra a tal respeito.

Sr. Presidente: lamento e sinto esta falta, que demonstra a reincidencia em um espirito de rotina e de anarchia. E esta rotina que eu tantas vezes aqui combato.

Impulsionado pela minha consciencia, e pelos ditames da minha razão, já o anno passado me insurgi, contra o que eu reputo de uma grande inconveniencia.

Quando o anno passado se discutia a resposta ao Discurso da Coroa, fiz publicar um folheto, a que chamei Resposta a El-Rei, em que eu verberava os graves erros da governação do Estado.

Disse, repetindo argumentos adduzidos em outras occasiões, que era preciso que o poder legislativo deixasse de ser apenas a chancella de um outro poder do Estado.

Ao Digno Par Sr. Beirão, que era então, como hoje é, relator de parecer identico, tive occasião de dizer que me congratulava por ver que S. Exa. vinha associar-se a esta cruzada, proclamando do alto d'esta tribuna, com a sua palavra ouvida por todos com attenção, que era necessario que o executivo não mais reincidisse em faltas que conculcam os nossos mais sagrados direitos.

Logico e coherente, venho novamente hoje assinalar esta falta de cumprimento de um dever politico e, mais ainda, de uma simples cortesia rudimentar, do executivo para com o legislativo.

O Governo devia ter vindo aqui dizer as razões da sua constituição e apontar o seu plano governativo, e pedir ao poder legislativo uma cooperação, ou aquella cordialidade de relações, que deve existir entre os dois poderes do Estado.

Lamento que na propria resposta da amara ao Discurso da Coroa, que é o parecer em discussão, o nobre relator d'este projecto, o mesmo que no anno passado nos aconselhava, nos estimulava a que zelassemos e defendessemos os nossos direitos, não fizesse registar essa falta de cortesia do poder