SESSÃO N.º 11 DE 27 DE MAIO DE 1908 7
executivo para com o legislativo, e não significasse o nosso descontentamento; porque só assim, obrigando o Governo a não faltar a estas pequenas obrigações de caracter meramente cortês; só assim é que o poder legislativo ha de reconquistar o justo prestigio de que carece e a que tem direito perante o país inteiro, para o bom desempenho da sua alta missão.
Não nos enganemos, Sr. Presidente: — o tempo dos convencionalismos e ficções passou.
É preciso que nós saibamos corresponder, pelo nosso procedimento, em tudo coherente, ao nosso alto dever, á nossa funcção politica, tal como a Constituição nô-lo assinala.
Não é só por nós, Sr. Presidente, é pelo interesse do país.
É justamente o interesse do país, que tem sido sempre a norma inspiradora d'esta campanha publica, em que me tenho empenhado ha cerca de sete annos.
É que eu tenho a convicção profunda de que a maioria, senão a quasi totalidade dos males de que enferma o Governo e a nação, provem d'esta concentração absoluta de todos os poderes no executivo, e de se não observar o salutar principio da Carta, mantendo-se a independencia, a autonomia e divisão dos poderes do Estado.
A subalternização do poder legislativo tem sido um facto de gravissimas consequencias, na nossa vida publica.
Sr. Presidente: eu quisera pôr ordem e methodo nas considerações que sobre o Discurso da Coroa tenho que apresentar a esta Camara.
Devo dizer a V. Exa. qual a minha attitude, visto que todos os Dignos Pares que me teem precedido no uso da palavra começaram por definir a sua, perante um Governo que, aliás, é o primeiro a faltar a este dever primordial.
Devo declarar que a minha attitude é a mesma que tenho conservado perante todos os Governos.
Não sou opposição systematica, nem sou governamental de carreira.
Não estou aqui para o apoiar nem para o combater systematicamente. Estou aqui obedecendo aos principios e ás doutrinas que constituem o programma do partido que tenho a honra de representar nesta Camara, e aos ditames da minha consciencia.
Aos actos que forem bons hei de dar o meu apoio, sem me preoccupar com a entidade que os pratica.
Se entender em minha consciencia que esses actos offendem os legitimos interesses do país, hei de combatê-los com toda a energia, orientado, nos mesmos principios; e hei de prestar ao meu Pais todos os serviços que possa, consentaneos com as minhas forças intellectuaes.
Neste momento em que parece existir o receio de se proclamarem certas ideias, envaideço-me em affirmar que sou essencialmente conservador.
Mas, Sr. Presidente, é preciso saber-se o que é ser conservador, é preciso definir os termos, e não estabelecer confusões, que levam aos peores erros, e ás mais funestas consequencias.
Conservador, não quer dizer improgressivo, ou regressivo.
Conservador quer dizer, o progresso dentro da ordem, o acatamento ás liberdades constituidas, e o respeito, á effectivação da lei.
Ser conservador é exercer uma alta funcção social, é seleccionar de entre o actual estado de cousas, o que deve ser conservado, e o que deve ser banido.
Conservador não é ser inimigo da liberdade. Neste momento é necessario dizer com todo o desassombro a inteira verdade ao país, combatendo todos os erros, todos os aggravos calumniosos que se espalham acêrca dos homens publicos.
Devo dizer a V. Exa. e á Camara que, honrando-me de pertencer ao partido nacionalista português, rio-me com bastante desdem e altivez d'aquelles que dizem que sou um reaccionario, ou absolutamente contrario a todos os progressos, um embaraço a todas as liberdades.
A todos que assim me arguem, direi que leiam, que estudem o programma do partido nacionalista, e, se quiserem, venham depois discutir e encontrarão um grupo politico que, desde que se constituiu, só tem tido em vista o bem servir o seu país.
O Digno Par, e meu amigo, o Sr. Baracho, numa das ultimas sessões a que eu não tive a honra de assistir, segundo o que S. Exa. me disse, e outros Dignos Pares me repetiram depois —- e digo isto, porque tenho inteira confiança nas qualidades do Digno Par e na sua lealdade — numa phrase de momento, sem intuito do melindrar-me ou offender-me, disse que eu era um nacionalista estrangeiro.
Sr. Presidente: em vista d'isto, não pelo Sr. Baracho, nem por mim, nem pelos membros d'esta casa, mas pelo publico, eu não posso deixar sem protesto essa referencia.
Eu tenho aqui um programma do partido nacionalista, que offereço ao Digno Par o Sr. Baracho para o ler.
O Sr. Sebastião Baracho: — Já o li, conheço-o muito bem; agora o que não sei é o que será na pratica.
O Orador: — Vamos á pratica. Permitta-me V. Exa., Sr. Presidente, e permitia me a Camara que eu leia nesta tribuna um trecho em que se accentua bem quanto de patriotico ha no programma do partido nacionalista.
(O orador lê).
O Sr. Sebastião Baracho: — Mas todos os caminhos vão dar a Roma.
O Orador: — Ora vamos ver onde estava o objectivo da arguição do Digno Par.
O Sr. Sebastião Baracho: — Arguição não, reparo.
O Orador: — É possivel que eu empregasse qualquer palavra que não traduzisse o meu pensamento, mas declaro ao Digno Par que o partido nacionalista mantem o principio religioso, porque a religião é o conjunto dos principios de moral, e da moral resulta a ordem.
Estabelecida esta ligação lógica, d'aqui resulta a necessidade de manter o principio religioso.
Não é só o partido nacionalista que está sujeito á jurisdição espiritual do Papa em assunto religioso: são todos os catholicos portugueses. Não é uma condição privativa, exclusiva, do partido nacionalista. Todos os catholicos portugueses estão sujeitos ao Chefe Supremo da Igreja Catholica.
O Sr. Sebastião Baracho: — Mas não é como partido.
O Orador: — Eu não sei se o Digno Par conhece um livro que ha, muito interessante, que sustenta esta these:
«Um atheu pode ser um nacionalista».
O Sr. Sebastião Baracho: — Mas não um nacionalista catholico.
O Orador: — No programma nacionalista não se está sujeito á autoridade de ninguem, mas sim a um programma.
O partido nacionalista não vae mesmo inquirir das crenças dos seus correligionarios O que lhes exige é que cumpram o programma nacionalista. Não- tem, pois, razão de ser o reparo do Digno Par, nem a classificação que me dá de nacionalista estrangeiro.
Sr. Presidente: no Discurso da Coroa começa-se por dizer o seguinte:
(Leu).
A Camara sabe e conhece de sobejo isto.
O parecer em discussão diz:
(Leu).
Sr. Presidente: lamento profundamente e sinto que o Governo desse esta redacção ao Discurso da Coroa; mas, ao mesmo tempo, não posso deixar de dizer que estimei ver que o illustre