SESSÃO N.° 11 DE 27 DE MAIO DE 1908 9
a formação da Camara successora e fixe qual o systema distributivo do suffragio que o Parlamento prefere para a expressão fiel e integral da representação collectiva da nação.
De maneira que o Governo vem e diz: É necessario reformar a Carta.
Mas em que sentido se requer essa reforma? Em que bases deve assentar essa reforma? Não se sabe.
Sempre de Conrado o prudente silencio — como diz o Digno Par o Sr. Baracho.
O Governo só diz: «É preciso reformar a Carta; o sentido em que essa reforma deve ser feita os Srs. o dirão».
Não se comprehende.
Então quem disse ao Governo que tal reforma é precisa, visto elle não saber como deve ser effectuada?
É pois sobre uma incognita que se ha de fazer a reforma, como tambem sobre incognitas se hão de lançar as bases politicas do novo reinado?
A proposito: como sempre, quando se trata de reformas constitucionaes
ouve-se falar na reforma da Camara dos Pares!
A camara dos Pares é o pesadelo chronico para toda a gente.
Reformar a Camara dos Dignos Pares parece ser uma monomania politica Hontem, com magua minha o digo, estranhei que o Digno Par Sr. Julio de Vilhena, illustre chefe do partido regenerador, viesse dizer-nos que era sua opinião a reforma da Camara dos Pares, no sentido de lhe introduzir o elemento electivo e até o elemento republicano.
Sr. Presidente: noutro tempo via que o partido regenerador advogava ou perfilhava os principios conservadores.
Comprehende-se a dualidade partidaria que existe em Inglaterra. Ali, os dois partidos, um conservador, o outro progressista, correspondem a duas funcções publicas.
Um lança-se no caminho do progresso, no empenho de conquistar novos principios, novas ideias e novos meios de bem estar. Depois de realizadas essas conquistas, vem o partido conservador, e selecciona as medidas adoptadas, mantendo as que considera boas, e derogando as que julga más ou nocivas. Ali sim, que se comprehende excellentemente esta alta noção das funcções publicas.
Entre nós não ha razão que justifique a existencia de dois partidos, porque ambos elles professam os mesmos principios, e iguaes normas de governação.
Podem perfeitamente fundir-se e constituirem assim uma unica collectividade.
Mas, emfim, como disse, antigamente o partido regenerador dizia-se conservador.
Mas agora é differente. Ninguem quer ser conservador; todos querem pertencer ao elemento progressivo. Parece que a funcção de conservador é deprimente.
Ora eu declaro a V. Exa. e á Camara que a respeito da Camara dos Dignos Pares, entendo que ella deve ficar como está. (Apoiados}. Sob o ponto de vista da sua organização, o que se não deve manter é esta chamada disciplina partidaria, este acorrenta mento de cada um dos seus membros a um grupo politico, o que importa um insubordinação inacceitavel, quando se trata dos superiores interesses do país. (Apoiados).
Não ha razão para introduzir aqui Pares electivos, fazendo d'esta Camara uma duplicação da Camara Electiva Não ha mesmo necessidade d'isso Que é que nós devemos ser aqui? Noutros tempos não se ouvia falar da maioria e da minoria da Camara dos Pares. Ninguem ousava perguntar, ao Par se estava filiado no partido regenerador ou no progressista ou noutro qualquer.
O Par é que se adaptava ás circunstancias, em presença do assunto que se tratava.
Vem a proposito lembrar um caso passado nesta Camara.
Ha annos, sendo Presidente o Sr. Andrade Corvo, e chefe do Governo o Sr. Fontes Pereira de Mello, discutia-se aqui um projecto importantissimo, que o Ministerio desejava que fosse votado com a maxima urgencia.
Estava-se na discussão d'esse projecto, e o Sr. Fontes pediu a um Par do Reino que fosse com todas as cautelas e reservas precisas, falar ao Presidente da Camara para ver sé conseguia, que elle prorogasse a sessão até se votar o projecto, ou, se isso não fosse possivel, que marcasse sessão para o outro dia immediato.
Foi de facto um emissario á Presidencia, e procedeu, como lhe havia sido indicado, com bastante diplomacia. Andrade Corvo ouviu o que tal emissario lhe disse, em cumprimento da sua incumbencia, mas nada respondeu.
Passados alguns minutos era interrompido pelo Presidente da Camara o Digno Par que estava falando, que lhe disse achar-se um pouco incommodado e que, por isso, encerrava a sessão, aprazando a proximo para d'ahi a oito dias.
Assim é que a Camara dos Pares mantinha a funcção que lhe é propria. De facto nós não estamos aqui para servir o Governo; estamos aqui para dizer o que entendermos de justiça sobre as cousas publicas.
O Governo leva aqui nesta Camara um cheque?
Mas esse cheque não importa cousa nenhuma para a vida do mesmo Governo.
Na Camara dos Senhores Deputados sim, porque essa é que tem influencia para derrubar Governos; a Camara dos Pares, não.
Querem introduzir aqui o elemento electivo?
Então é melhor irmos para casa, porque passará esta Camara a ser uma segunda edição da dos Srs. Deputados.
Incommoda a acção do Governo a intervenção dos Pares do Reino que estão aqui? Incommoda?
Pois por isso mesmo se deve manter esta Camara tal como está.
E por minha causa? Não é.
A Camara sabe que poucas vezes faço uso da palavra, apenas entro nos debates, quando a isso me julgo obrigado pelo que devo ao meu país e á minha situação politica.
Entendo, porem, que é preciso haver uma insuspeita fiscalização sobre os actos do Governo, para dar integra satisfação á opinião publica.
Sabe V. Exa. o que penso a respeito de reformas constitucionaes e politicas? E que se torna indispensavel abandonar o velho vicio de apenas se dar andamento aos projectos de lei da iniciativa governamental.
É preciso que as commissões trabalhem independentemente da acção dos Governos.
Que sejam ellas a convidarem o Governo a ir ás suas reuniões, e não o Governo que as convide.
É preciso que essas commissões formulem os seus pareceres sobre os projectos da iniciativa dos Pares do Reino, e não continuemos a ver os nossos trabalhos dormindo no seio das commissões.
Numa das sessões passadas referiu-se o Digno Par o Sr. Baracho a um seu projecto de lei.
D'esse projecto sei apenas, de uma maneira geral, que se refere ao inventario dos bens da Coroa. Dei d'aqui um apoiado a S. Exa. porque estou a seu lado neste assunto.
Desejo que sobre todos os assuntos, e principalmente sobre aquelles que revestem uma feição de escandalo, e que trazem a opinião publica numa desconfiança constante, seja feita luz completa.
Entendo que o caminho a seguir nesta conjuntura é o que indiquei.
Nada de mysterios, nada de mystificações, nada de segredos.
Mas sabe o Digno Par? Estas minhas palavras vão para o archivo das sessões, e continua tudo na mesma.