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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 11

EM 27 DE MAIO DE 1908

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios — os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Marquez de Sousa Holstein

SUMMARIO. — Leitura e approvação da acta. Expediente. — O Sr. Ministro da Fazenda dá explicações, que lhe foram pedidas pelo Digno Par Sebastião Baracho em uma das sessões anteriores, com respeito á divergencia entre a Companhia dos Tabacos e os seus operarios. — O Digno Par Sebastião Baracho refere-se ao mesmo assunto, lê um telegramma de Guimarães, queixando-se de que o decreto Casa Real. Responde a algumas das observações do Digno Par o Sr. Ministro das Obras Publicas. — O Digno Par D. João de Alarcão participa que se installou a commissão de fazenda. Em seguida occupa-se dos desacatos de que foram alvo os estudantes de Coimbra que vieram a Lisboa cumprimentar o Augusto Chefe do Estado. Responde a S. Exa. o Sr. Ministro da Justiça. — O Digno Par Conde de Bertiandos allude tambem ás manifestações hostis aos estudantes de Coimbra, e por ultimo, pede que se olhe para o mau estado em que se encontra a estrada que vae de Ponte de Lima a Braga. — O Digno Par Rebello da Silva participa a constituição da commissão de agricultura. — O Digno Par Mattoso Santos envia para a mesa um parecer da mesma commissão, sobre um projecto destinado á importação de centeio. Foi a imprimir.

Ordem do dia. — Usa da palavra o Digno Par Jacinto Candido. — Antes do encerramento da sessão, referem-se ás manifestações dos estudantes de Coimbra os Dignos Pares Almeida Garrett, Ministro da Justiça e José de Alpoim. — Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Ás 2 horas e 20 minutos da tarde, o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 20 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Ministerio da Marinha e Ultramar, satisfazendo, em parte, um pedido de documentos do Digno Par Teixeira de Sousa.

Para a secretaria.

Um officio do Ministerio das Obras Publicas, satisfazendo um pedido de documentos do Digno Par Teixeira de Sousa.

Para a secretaria.

Officio do Ministerio da Marinha, remettendo 150 exemplares da Collecção de decretos promulgados em virtude da faculdade concedida ao Governo pelo § 1.° do artigo l5.° do Primeiro Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia em 1907.

Mandados expedir.

O Sr. Ministro da Fazenda (Manuel Affonso de Espregueira): — Pedi a palavra para dar algumas explicações, que me foram pedidas pelo Digno Par Sr. Baracho. Só agora tenho occasião de satisfazer aos desejos de S. Exa.

Refiro-me aos processos intentados no Porto por motivo das divergencias da Companhia dos Tabacos com os seus operarios.

A companhia pediu explicações ao Governo, a respeito da interpretação de alguns artigos do novo contrato. Respondi que só lhe poderia dar taes explicações, depois de consultar os fiscaes da Coroa, como é praxe e obrigação do Governo.

Ao mesmo tempo determinei que os processos não tivessem seguimento, antes de se saber qual era a opinião dos mesmos fiscaes.

A resposta que me veio do Porto, foi de que existiam dois processos concluidos, e até já indicados para julgamento.

Tendo os processos chegado a taes termos, ordenei que seguissem os seus tramites.

Actualmente, no Porto, existe apenas um processo, que não diz respeito ao mesmo assunto.

Não se fez o mesmo para Lisboa, porque não consta que em Lisboa houvesse processos a semelhante respeito.

Com relação á distribuição de lucros, e á restituição das importancias pagas pela companhia, por motivo de contribuição industrial que lhe havia sido lançada, direi o seguinte.

Foi constituida no Ministerio da Fazenda uma commissão especial para verificar as importancias que a companhia devia ao Estado pela participação de lucros, o que fez, abstendo-se, porem, de apreciar se podia, nesse ajuste de contas realizar-se o encontro do que o Estado tinha recebido pela contribuição industrial paga pela companhia, cuja restituição ella reclamava em vista do accordão proferido pelo tribunal arbitral instituido para julgar as divergencias entre o Estado e a companhia sobre a execução de algumas clausulas do contrato.

A esse respeito a commissão dizia o seguinte no seu relatorio:

Em presença do parecer unanime dos fiscaes da Coroa e Fazenda, que não esclarece o assunto, a commissão resolveu apurar, em conformidade do mesmo parecer, as contas

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entre o Thesouro e a companhia, entendendo porem que, em relação á contribuição industrial paga pela companhia, compete ao Governo, e não á commissão, considerar o assunto, pois se a, consulta fiscal, que a commissão acata, não contraria o encontro nas receitas da companhia, a portaria da sua nomeação inhibe-a de o fazer, pois só pode operar e contar em face do julgado.

O Sr. Sebastião Baracho: — A companhia paga actualmente contribuição bancaria?

O Orador: — Actualmente não paga contribuição industrial. A divergencia consistia simplesmente sobre se a companhia deveria ou não ser embolsada do que já tinha pago a titulo d'essa contribuição, a que não estava sujeita, como foi resolvido pelo tribunal arbitral. O parecer unanime dos fiscaes da Coroa era de que se devia fazer a restituição da contribuição industrial paga pela companhia. Eu nada resolvi a semelhante respeito, por ter sai do dos Conselhos da Coroa; e o assunto ficou sem decisão, até que por despacho de 28 de novembro de 1907, lançado sobre nova consulta, datada de 20 do mesmo mês, da Procuradoria Geral da Coroa e Fazenda, se mandou fazer o encontro.

O Sr. Sebastião Baracho: — Peço ao Sr. Ministro da Fazenda a fineza de me enviar copia d'esse parecer.

O Orador: — Da melhor vontade.

Com relação á partilha com o Estado dos fundos de reserva, devo dizer ao Digno Par que, só depois de se deduzirem 10 por cento para fundo de reserva destinado, aos accionistas, é que o Estado tem direito a partilha de lucros. A lei de 23 de março de 1891, que estabeleceu as bases para a adjudicação do monopolio do fabrico dos tabacos, é expressa a esse respeito.

Lei de 23 de março de 1891:

Art. 5.° Os concessionarios do exclusivo ficam obrigados:

1.° A dividir os seus lucros liquido» com o Estado e com o pessoal operario pela forma seguinte:

Do producto liquido do fabrico e venda deduzir-se-ha, em primeiro logar, a importancia fixa de 5:150 contos de réis, comprehendendo a renda fixa — o dividendo do capital e dos titulos de fundador da sociedade, em conformidade dos estatutos — 5 por cento para o pessoal operario e 1 por cento para o pessoal não operario, estes 6 por cento do rendimento que exceder a 4:900 contos de réis.

Do resto deduzir-se-ha 10 por cento para fundo de reserva, destinado a completar dividendos e, em caso de necessidade, a attender a alguma despesa extraordinaria e á depreciação do activo; dividindo os 90 por cento restantes na proporção de 60 por cento para o Estado e 40 por cento para os concessionarios.

Como se vê, essa deducção é fixa e tem o fim especial designado. A partilha com o Estado é só do remanescente.

Ha ainda um outro fundo de reserva que proveio da deducção minima de 5 por cento dos lucros pertencentes aos accionistas, a qual cessaria logo que esse fundo attingisse uma quantia determinada.

Os primitivos estatutos da companhia approvados pelo Governo, no final do seu artigo 55.°, dizem o seguinte:

...Quando expirar o prazo da concessão e depois de liquidadas as responsabilidades da companhia, os fundos de reserva serão divididos na proporção de 10 por cento para os fundadores e de 90 por cento para os accionistas.

Não pode. pois, haver a menor duvida a esse respeito. O Estado nada tem a partilhar nesses fundos de reserva, de que a companhia pede dispor em conformidade dos seus estatutos e da lei.

Julgo ter dado ao Digno Par as explicações que S. Exa. desejava.

(S. Exa. não reviu}.

O Sr. Sebastião Baracho: — Pela resposta que acaba de dar o Sr. Ministro da Fazenda ás perguntas e considerações que formulei na sessão de 22 do corrente, reconhece-se que a doblez é um dos caracteristicos da poderosa Companhia dos Tabacos. Assim, reputa-se ella uma nova companhia, para o effeito de applicar uma parte do fundo de reserva, em dividendo pago aos accionistas; e exorbita ainda, não dando a correspondente compartilha ao Estado e aos operarios na distribuição do mesmo improvisado dividendo.

A prova de que ella não é uma nova companhia está em que usou do direito de opção para continuar na exploração da industria do tabaco — opção cujo significado é comprovativo da sequencia indubitavel da primitiva empresa.

A par d'isso, procede como antiga companhia para o effeito de não pagar contribuição bancaria, julgando-se para esse fim ao abrigo do juizo arbitral que a favor d'ella foi pronunciado na vigencia da primitiva exploração. E o mais tristemente curioso é que o Sr. Ministro da Fazenda, se elle, orador, bem o entendeu, declarou que, em qualquer dos dois assuntos a que se vem referindo, a Procuradoria Geral da Coroa consultou a favor das pretensões da potente empresa tabaquista. Razão tinha elle, orador, quando, por occasião de se discutir o novo contrato dos tabacos, em outubro de 1906, apresentou a seguinte proposta:

Por todo o periodo que durar a concessão, o confessionario fica isento do pagamento de contribuição industrial, na parte exclusivamente respeitante ao fabrico do tabaco. = Sebastião Baracho.

Esta proposta, bem como as suas treze companheiras, foram rejeitadas, por assim dizer, in limine, assegurando-se, concernentemente á que especialmente recordou, que era desnecessaria, visto a conjuncção e introduzida no texto do respectivo artigo, inserto no primeiro contrato, evitar que de futuro a companhia estivesse isenta de contribuição bancaria.

Não está má, na verdade, a conjuncção e a salvaguarda que a ella se confiou.

Não só foi completamente contraproducente a sua adopção, como tambem não teve melhor cabimento o digno acordão do Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de dezembro de 1906, ulterior á sentença arbitral favoravel á companhia, que a esta condemnava ao pagamento do imposto bancario, e bem assim nas custas do processo.

Conforme se observa, a poderosa empresa pode bem com a conjuncção divinizada e com as rectas sentenças do Supremo Tribunal Administrativo. A ambas esmagou, com a complacencia e autenticação do anterior Ministerio, que de virtuoso apenas, em regra, ostentava o rotulo.

Com respeito ás responsabilidades do actual Sr. Ministro da Fazenda, derivam ellas da illegal intervenção de S. Exa. na contenda entre a privilegiada companhia e os manipuladores de tabaco, no Porto.

Confessou o Sr. Ministro que mandara suspender a acção do tribunal arbitral, naquella cidade, para ouvir a Procuradoria Geral da Coroa, em conformidade com uma petição que lhe dirigira a companhia.

Note-se bem, é o proprio Sr. Ministro que confessa que suspendeu a doutrina estatuida expressamente no artigo 12.° da lei de 27 de outubro de 1906, e que relega para uma commissão arbitral os litigios que possam dar-se entre o Capital e o Trabalho. Tinham, pois, sobejos motivos os manipuladores do Porto para se dirigirem, no seu officio de 11 de maio corrente, ao Sr. Ministro da Fazenda, pela forma lapidar que resalta do seguinte periodo:

Dir-se-hia que houve o proposito de fazer sustar duas sentenças arbitraes sobre outros tantos pleitos que ultimamente foram julgados nesta cidade, e isto porque taes sentenças são desfavoraveis para a companhia.

É descaroavel, mas justa, a referencia feita pelos operarios manipuladores ao Sr. Ministro, cuja situação, em presença dos factos occorrentes, não é de molde a elevar-lhe o prestigio, nem tão pouco a respeitabilidade.

É triste, muito triste tudo isto. Os legitimos interesses do Estado e os dos operarios manipuladores são, indubitavelmente, sacrificados, em holocausto

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á voracidade insaciavel da companhia exploradora.

Registados todos estes atropellos e anomalias, propõe-se a voltar de novo ao assunto, que elle bem o merece, em todo o ponto.

Por agora vae-se dirigir ao Sr. Ministro das Obras Publicas, fazendo a leitura, que nem hontem, nem ante-hontem lhe foi licito fazer, por não lhe caber a palavra, de um telegramma que recebeu, concebido nestes termos:

Guimarães, 25, ás 11 m. — Peço licença para chamar a attenção de V. Exa. para os abusos que se praticam na venda do milho, que é o pão dos pobres. O decreto governamental, cuja intenção foi favorecer classes precisadas, reduzindo a 6 réis por kilogramma o direito alfandegario sobre aquelle genero, longe de beneficiar os pobres, serve apenas para enriquecer negociantes de cereaes.

O milho, que anteriormente á redacção do direito de 180 réis em alqueire (20 litros) se vendia a 720 réis, vende-se agora a 680 réis, de sorte que para os pobres ha apenas um beneficio de 40 réis, e um prejuizo para o Estado de 180 réis em alqueire. Como está autorizada a importação de 20 milhões de kilogrammas de milho, temos que o Estado perde 240 contos de réis, emquanto que os pobres nenhum beneficio auferem.

De resto, não era de esperar que as classes desprotegidas fossem favorecidas com tal decreto, pois que se provou ha tempos a vil exploração de alguns que não tiverem escrupulos em pôr á venda serrim e barro por farinha. Facilmente se demonstra que quem tem que fazer uso do milho não pode dispor de mais de 500 réis por cada alqueire de 20 litros, preço normal d'este genero.

Por tudo isto, peço a V. Exa. que, em prol dos necessitados, reclame providencias immediatas no sentido de conseguir que seja importado por conta do Estado o milho preciso para consumo. = José Pinto Teixeira Abreu.

Conforme se observa não é só a crise vinicola que faz sentir os seus funestos effeitos em todo o país, mormente na região duriense. A crise cerealifera é tambem um facto. O telegramma que acabo de ler, e que hontem particularmente mostrei ao Sr. Ministro das Obras Publicas, afigura se-me digno de ser ponderado pelos poderes publicos. Para elle chamo a attenção do Sr. Ministro; e, posto isto, vou occupar-me da administração do porto de Lisboa, na parte respeitante á exploração, pela Parceria dos Vapores Lisbonenses, das docas e officinas de reparação de navios, á Rocha do Conde de Obidos.

Segundo li nos jornaes, o contrato feito a tal respeito está rescindido, e tambem hoje li no Diario de Noticias que deram a sua demissão o presidente e vogaes do conselho de administração do porto.

Se assim succedeu, é caso para felicitar o país e para rogar ao Sr. Ministro das Obras Publicas que não faca tentativas de especie alguma, no intento de que as demissões se não tornem effectivas.

Pena é que, não desse tambem a demissão o engenheiro Straus, cujos serviços, por conta do Estado, mal se comprehendem depois dos que elle prestou á empresa Hersent, de deploraveis tradições.

Mas, com ou sem a demissão do pessoal do conselho, eu tenho de me occupar a fundo do assunto que verso desde 1902, e em que estive quasi desacompanhado nesta casa do Parlamento; quando bati persistentemente em brecha a concessão Hersent, cuja renovação, por processos mais ou menos mascarados, teve bastantes proselytos, e não menos interessados.

Para seguir nessa orientação, careço das informações constantes do requerimento que passo a ler.

REQUERIMENTO

Em sessão de 4 do corrente, reclamei varios documentos acêrca da exploração do porto de Lisboa e concomitancias — reclamação constante dos n.ºs 3.°, 4 °, 5.° e 6.° do questionario concernente ao Ministerio das Obras Publicas. Tendo sido, ao que consta, ulteriormente rescindido o contrato com a Parceria dos Vapores Lisbonenses para exploração das docas e officinas de reparação de navios. á rocha do Conde de Obidos, insisto pelos documentos, cuja designação se encontra nos articulados retro-referidos, e, demais, requeiro que me sejam fornecidos, com urgencia, os seguintes esclarecimentos complementares:

1.º Copia de todo o expediente relativo á rescisão, incluindo o respectivo despacho ministerial.

2.° Indicação de quanto tempo durou a concessão.

3.° Declaração sobre se houve qualquer indemnização correlativa com a rescisão; e, tendo-a havido, a sua pormenorização. = Sebastião Baracho.

Ao Sr. Ministro das Obras Publicas peço que me diga se a concessão á Parceria foi ou não rescindida, e que, alem d'isso, me forneça não só os documentos enumerados neste meu requerimento, mas tambem todos os outros respeitantes ao seu Ministerio.

Aos outros Srs. Ministros que estão presentes faço identica observação, rogando-lhes que no mesmo sentido se dirijam, pela minha parte, aos Srs. Ministros ausentes.

Em 4 do corrente deu ingresso nesta Camara o meu requerimento, reclamando informações pelos varios Ministerios e pela Junta de Credito Publico.

Até hoje ainda não me foi fornecido um unico esclarecimento dos que solicitei. Por agora, limito-me a formular este reparo, na certeza de que saberei corresponder devidamente á negligencia que se está patenteando em satisfazer as legitimas aspirações de um representante do país. O silencio, em casos taes, só é util aos criminosos. Registo-o, neste momento, como fruta do tempo, e d'este estranho facto saberei tirar as precisas illações, quando para esse fim se offerecer opportunidade.

Dito isto, reclamo de novo todas as informações requeridas em 4 do corrente, relativas aos morticinios de 5 de abril. Nos requerimentos que fiz, solicito todos os pormenores acêrca do assunto. Até hoje baldadas teem sido as minhas instancias, mas nem por isso deixarei de persistir teimosamente até que seja attendido.

Os discolos policiaes, os delinquentes, teem de ser castigados, por muito que, um ou outro, tenham lampada na casa de Meca. A dilação empregada, que não tem já explicação decente, ha de ter um termo, e então me será licito apreciar como se conduziram syndicantes e inquiridores, isto é, se se amoldaram pela verdade e rectidão, ou se preferiram compartilhar de responsabilidades, como deturpadores e cumplices das sinistras façanhas de todos conhecidas. A população da cidade tem jus á satisfação que tão nefando crime impõe. O exercito, a que tenho a honra de pertencer, não pode seguramente ver com bons olhos que deixem de ser punidos alguns dos seus membros, destacados na policia, militar e civil, infractores dos preceitos do brio e decoro profissionaes; e tanto mais que, quando lhe coube fazer policia, se desempenhou d'essa ardua missão, suave e suasoriamente, a contento geral. De resto, alem dos 14 mortos, de 5 de abril, e de dezenas de feridos civis, houve 5 soldados tambem feridos, de infantaria 5, cujos autores de tão negregada proeza ainda até hoje não receberam a punição que merecem.

Respeitantemente a documentos pedidos, insto de preferencia pelos relativos aos adeantamentos illegaes, ou que com elles sejam connexos, ou que tenham correlação com a lista civil. Convem recordar que fui eu quem primeiro nesta Camara se occupou dos adeantamentos illegaes, em beneficio da Fazenda Real.

No dia immediato ás respectivas declarações feitas na outra casa do Parlamento, pelo Presidente do Conselho de então, eu dei, nesta tribuna, o grito de alarme, exigindo a reintegração, no Erario, das quantias d'elle desviadas e ainda providencias de ordem criminal contra os transgressores das leis do reino, em materia tão genuinamente delicada.

Nesse sentido, apresentei um requerimento em 19 de novembro de 1906, repetido em 7 de janeiro de 1907, renovado em 4 de maio de 1908, e até hoje sem resposta.

Registo este acontecimento, como fundamentalmente typico, e que revela bem a sinceridade com que rotativamente se apregoa e enaltece a maxima conveniencia em trazer a publico todos os esclarecimentos, referentes a este candente assunto.

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Consignados estes factos, que imprimem caracter, notarei a desastrada imprevidencia com que se reuniu, no mesmo diploma, a liquidação dos adeantamentos illegaes e a dotação do Chefe do Estado. Não disponho hoje de tempo para fundamentar a minha affirmativa, cujo esboço fica traçado. Reservo-me, porem, para voltar ao assunto quando o julgar conveniente, aproveitando agora os poucos minutos que me restam para, mais uma vez, pôr em relevo a infelicidade, ou antes a falta de tino politico com que o Sr. Presidente do Conselho pretendeu e pretende dar alentos ao rotativismo, o qual aganizava patentemente, no advento de S. Exa. aos Conselhos da Coroa. E baldadas foram e são as suas pretensões. A desaggregação rotativa é, com effeito, evidente. Basta, para formar esse juizo. recordar o que se passou hontem nesta casa. O ataque, aliás fundamentado, do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, acêrca da proposta do bill de indemnidade, e a resposta agridoce que lhe deu o Sr. Ministro da Justiça, deixando a descoberto os dois chefes rotativos, são indiscutivelmente de valor e peso, pela sua significação. O que depois se passou, tão expressivo foi, tambem, que dispensa referencia pormenorizada.

O Digno Par, Sr. Arroyo, na sua acção batalhativa, recordou o annexim: — baralhar para tornar a dar.

Por meu turno, e attenta a circunstancia do meu isolamento de todos os partidos, tenho para meu uso, no caso sujeito, um velho adagio que li ha bem cincoenta annos, no immortal D. Quichote de la Mancha, do não menos immortal Miguel de Cervantes Saavedra. Ei-lo:

— Paciencia y barajar.

E nesse norteamento me mantenho desde 1902, baralhando tanto quanto me tem sido possivel as diversas entidades marcantes, e cultivando simultaneamente, nesse intuito, a verdade, exclusivamente a verdade, e a fiel narrativa dos factos.

A quem competir, a quem para tal fim dispuser de apoio e meritos, complete o meu trabalho, fazendo resurgir o país do chaos e da anarchia em que elle jaz mergulhado, proporcionando-lhe ainda dias felizes, no concerto das nações que se prezam, e reciprocamente se respeitam.

É esta, sem a menor duvida, a generosa aspiração de todos os portugueses, para quem o patriotismo e a liberdade, nas suas formulas mais intensas, constituem o seu mais dilecto apanagio.

(S Exa. não reviu).

O Sr. Ministro das obras Publicas (Calvet de Magalhães): — Ouvi com a maior attenção as observações apresentadas pelo Digno Par Sr. Baracho.

Relativamente ao milho, tenho a declarar que, logo que tive conhecimento da crise que se manifestava em certos pontos do país, tratei de promulgar um decreto que reduziu o imposto a 6 réis por kilogramma, a fim de attender quanto possivel a esse mau estado de cousas.

As determinações do Governo a tal respeito, não permittindo que o preço do milho ultrapasse uma determinada cifra, teem sido cumpridas, parecendo-me, portanto, que não são absolutamente exactas as informações que o Digno Par recebeu.

Quanto á questão da exploração do porto de Lisboa, logo que tive conhecimento de que o contrato de arrendamento não tinha sido feito em harmonia com a lei, avoquei o respectivo processo, e mandei ouvir a Procuradoria Geral da Coroa, que era favoravel á rescisão.

O Governo, conformando-se com esse parecer, rescindiu o contrato.

O Sr. Sebastião Baracho: — Essa rescisão importa o pagamento de qualquer indemnização?

O Orador: — Não, porque o contrato previu essa circunstancia.

Ha poucos momentos, e já aqui na Camara, disseram-me que os jornaes noticiaram que o Conselho de Administração tinha solicitado a sua exoneração.

Não me chegou informação official a tal respeito.

Quanto aos documentos pedidos pelo Digno Par, ordenarei que lhe sejam enviados com a possivel urgencia.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. D. João de Alarcão: — Communico a V. Exa. a constituição da commissão de fazenda, a qual elegeu para seu presidente o Sr. Moraes Carvalho, e a mim secretario.

Aproveitando a occasião de estar com a palavra, sinto que não esteja presente o chefe do Governo; porque era a S. Exa. que desejava dirigir-me; todavia, peço a qualquer dos Srs. Ministros presentes que communique a S. Exa. as considerações que vou fazer, sobre graves acontecimentos occorridos hoje em Lisboa, e que são uma vergonha, para um país que se preza de civilizado. (Muitos apoiados).

Um grupo de estudantes de Coimbra, no uso do seu direito, e talvez até no cumprimento dos seus deveres civicos, veio a Lisboa cumprimentar Sua Majestade El-Rei.

Chegados a Lisboa, e esperados na estacão por uma malta de discolos, — pois se não pode ter na conta de estudantes quem tão condemnavelmente procede — foram alvo de doestos, bengaladas e pedradas.

O Sr. Conde de Arnoso: — São os amnistiados...

O Orador: — Tenho bastante pena de que o Sr. Presidente do Conselho não esteja presente, para lhe mostrar quanto estranho a forma por que a policia procedeu, pois que assistia impavida e tranquilla a todas estas scenas, incontestavelmente vergonhosas.

Um sobrinho meu, estudante da Universidade, e que fazia parte do grupo, appareceu-me em casa com um ferimento na cabeça.

Fiquei indignadissimo, e resolvido a defender-me, quando me aggravarem, já que a força publica assim esquece o cumprimento do seu dever.

O Sr. Conde de Arnoso: — A policia não procedeu para não ter «nervosismos».

O Orador: — Desculpe a Camara a vehemencia das minhas palavras, mas a minha indignação é justificada.

Termino, pedindo ao Governo providencias immediatas, a fim de que os arruaceiros sejam severamente punidos. (Apoiados).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): — Transmittirei ao Sr. Presidente do Conselho as considerações do Digno Par.

Desconhecia por completo os pontos a que S. Exa. alludiu. Lastimo-os profundamente, expressando muito especialmente o meu sentimento pelo desgosto experimentado pelo Digno Par.

Creia o Sr. D. João de Alarcão que as ordens do Governo, nestes casos, são sempre para que se respeite a liberdade e para que se respeite a ordem. Respeitar a lei, é manter a ordem publica. (Apoiados). Respeitar a liberdade, não é permittir que cada um faça o que quer. (Apoiados).

Se realmente houve desmandos que, como o Digno Par disse, e muito bem, envergonham a civilização, elles serão rigorosamente punidos.

É essa a obrigação do Governo, e a ella não faltará. O Governo é liberal, sem duvida nenhuma; mas isso não excluo a obrigação de manter a ordem publica, e castigar quem pretenda alterá-la.

Um Governo que não sabe manter a ordem publica, é absolutamente incapaz de se sentar nestas cadeiras.

São estas as considerações que se me offerece adduzir em resposta ao Digno Par.

(S. Exa. não reviu).

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O Sr. Conde de Bertiandos: — Não foi para me referir ao ponto versado pelo Digno Par Sr. D. João de Alarcão que eu pedi a palavra; mas não posso deixar de dizer alguma cousa sobre o assunto, e de protestar vehementemente contra o que se passou hoje com os estudantes de Coimbra.

Disse o Sr. D. João de Alarcão que não estava sereno, porque tinha sido victima d'esses acontecimentos um sobrinho de S. Exa.

Essa pessoa é tambem da minha familia e, por consequencia, tambem eu me não encontro com o animo tranquillo.

O certo é que muitos estudantes de Coimbra chegaram a Lisboa convencidos, na sua boa fé, de que se encaminhavam para uma cidade civilizada, mas aguardava-os aqui uma multidão de garotos que os apedreja, que pretende, ao que parece, tirar-lhes a vida, pois, diz-se, chegou a haver facadas. Não sei se isto é verdade.

Mas quem são esses homens que andam por ahi á solta, a insultar toda a gente?

Será a mesma canalha que nos dias posteriores ás eleições andou por ahi a fazer disturbios, chegando a assaltar os carros da viação electrica para aggravarem senhoras?

Infelizmente ainda se ignora de onde procedia essa horda de barbaros.

Sr. Presidente: neste momento esqueço-me da idade que tenho: parece que ainda estou nos meus 20 annos, que me encontro em Coimbra, onde passei o melhor tempo da minha vida, e que o insulto é feito a mim, a todos quantos se honram de possuir um titulo universitario.

Não acredito que fossem estudantes os autores do desacato. Não pode ser.

Sr. Presidente: não se trata apenas de punir criminosos. Trata-se de salvaguardar a vida e a liberdade d'esses moços, que estão em Lisboa durante o dia de hoje, porque ouço dizer que a perseguição continua.

Sr. Presidente: é necessario que esses homens não tornem a ser atacados, e que a cidade se levante, se houver alguem que de novo ouse aggredi-los.

Eu não sou de Lisboa. Nasci no Porto e d'isso me honro, mas residindo habitualmente na capital, protesto contra taes selvajarias. Não sei em nome de quê se praticam estes disturbios.

Ouço dizer que é em nome da liberdade.

Então, uma liberdade d'este jaez tem de ser recolhida a um manicomio para receber o devido curativo.

Liberdade, ou o que quer que é que assim se denomina, quando attinge un tal estado de loucura, precisa de um collete de forças.

Sr. Presidente: tratando agora do assunto para que hontem tinha pedido a palavra, dirijo-me ao Sr. Ministro das Obras Publicas para lhe dizer que recebi ha dias um telegramma de alguns cavalheiros do Douro, pedindo-me que inste com o Governo no sentido de se attenuar a crise vinicola. Recebi este telegramma numa occasião bem triste para mim: no momento em que tinha de partir para a provincia, onde fallecera uma irmã minha.

É esta a razão por que só hoje dou conta á Camara do conteudo d'este telegramma.

O Sr. Conselheiro Teixeira de Sousa já falou a este respeito, e eu estou de acordo com o que S. Exa. disse.

Reuno os meus votos aos d'aquelle Digno Par, para que o Governo olhe com olhos de justiça e de misericordia para aquella região.

Ao mesmo tempo o Governo tem necessidade de se occupar da crise vinicola de todo o país. Ella vae-se aggravando todos os dias mais e mais, e, quanto mais tempo demorar a solução d’este problema, mais insoluvel elle se poderá apresentar.

Eu tinha tambem pensado em dizer algumas palavras a respeito do mau estado das estradas.

Ha uma que eu conheço e onde estive ha pouco tempo - a que vae de Ponte do Lima a Braga — que está intransitavel para carruagens, e perigosa para gente a pé, em razão de ter muitas covas e algumas bem fundas.

Dizem-me que muitas outras estão neste mesmo estado.

Peço ao Sr. Ministro das Obras Publicas que se interesse pela viação publica e que trate quanto possivel de evitar desgraças, porque só com risco de vida se pode transitar de carruagem na estrada que vae de Ponte do Lima a Braga.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (Calvet de Magalhães): — Peço a palavra.

O Sr. Presidente: — Não posso dar a palavra a S. Exa., porque já chegou a hora de se passar á ordem do dia. Só concedo a palavra aos que a pediram por parte de commissões.

O Sr. Rebello da Silva: — Declaro a V. Exa. e á Camara que está constituida a commissão de agricultura tendo sido eleito para presidente o Digno Par Sr. Villaça e para relator o Digno Par Sr. Mattozo Santos.

O Sr. Mattozo Santos: — Pedia pá lavra por parte da commissão de agricultura, para mandar para a mesa um parecer sobre um projecto, vindo da outra casa do Parlamento, e relativo á importação de centeio destinado a subsistencia publica.

O Sr. Presidente: — O parecer enviado para a mesa pelo Digno Par Sr. Mattozo Santos vae a imprimir para ser distribuido pelos Dignos Pares.

O Sr. José de Azevedo Castello Branvo: — Sr. Presidente: eu posso ter a esperança de, nesta sessão legislativa, usar da palavra sobre assunto que desejava tratar?

O Sr. Presidente: — A palavra concede-se pela ordem por que é pedida.

Quando os Dignos Pares não podem alar numa sessão, reserva-se-lhes a palavra para a seguinte. Na seguinte sessão, se os Dignos Pares inscritos não estiverem presentes, ou não puderem usar da palavra, essa inscrição caduca, e S. Exas. teem de se inscrever novamente.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco: — Attenta a explicação de V. Exa., Peço a fineza de me inscrever para falar quando puder ser.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao Discurso da Coroa

O Sr. Jacinto Candido: — Sr. Presidente: antes de entrar na ordem de considerações que vou ter a honra de submetter á apreciação da Camara sobre o projecto em discussão, permitta-me V. Exa. que eu me associe indignadamente, bem do fundo da minha alma, ás palavras de justiça com que os Srs. D. João de Alarcão e Conde de Bertiandos verberaram o procedimento d'aquelles discolos que insultaram e enxovalharam a briosa mocidade de Coimbra.

Ao mesmo tempo, Sr. Presidente, eu declaro a V. Exa. e á Camara que, a continuar este estado de sobreexcitação do espirito publico, Deus me livre de que, de longe ou de leve, qualquer acto affecte pessoa que me seja querida, porque eu hei de tomar estrictas contas, e exigir severas responsabilidades, não só ao Governo, mas tambem — não a essa canalha que tripudia nas das de Lisboa — aos mandantes e dirigentes d'ella. (Apoiados).

Em que epoca, em que país estamos nós vivendo, quando é preciso que cada qual traga no bolso o revólver que ha de ser a garantia da propria vida?

Isto, Sr. Presidente, é o resultado logico, a consequencia inevitavel dos desvarios, das fraquezas, das covardias de quem tinha o dever imperioso de
manter integro, intemerato, o principio

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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

da autoridade em toda a altura a que elle devia ser mantido, sem exaltações, mas sem tibiezas, e sem complacencias que são cumplicidades criminosas.

Clemencia e tolerancia, Sr. Presidente, posso eu tê la como particular, mas não a pode ter o Governo no exercicio das altas funccões que lhe impendem.

Tolerancia?!

Clemencia?! Que é isto em direito publico constitucional? Que principio, que dever ou que direito constituciona é este para os poderes do Estado ou para os cidadãos?

Cumpra-se a lei, tal como ella é; não se exorbite, não se deixe que sejam calcados aos pés os nossos direitos.

Quem é que deve fazer observar a leis?

São os poderes publicos. Nem as leis podem ser interpretadas ao arbitrio de cada um!

O Governo pode porventura tolerar aquillo que a lei prohibe?

Pode porventura o Governo tolerai &o que a lei não consente?

Ao contrario, se a lei o consente, o cidadão não precisa do favor do Governo.

Mas se a lei não permitte um determinado facto, o Governo não pode infringir a lei, nem ser superior a ella, offendendo todos os principios mantenedores da ordem e das instituições.

Sr. Presidente: bem andaram os Dignos Pares que, nesta casa, no uso da palavra antes da ordem do dia, trouxeram á Camara esta questão.

Eu associo-me do coração, do fundo da minha alma, a todas as considerações que foram produzidas por S. Exas., e d'aqui, do alto d'esta tribuna, como representante legitimo da nação, protesto, neste momento, contra o abuso que se introduziu de se dizer que nós aqui não representamos nada.

Os que isto dizem são tumultuarios e arruaceiros.

Nós, que estamos aqui na defesa dos interesses publicos, não representamos cousa nenhuma?!

Nós, temos, como o povo, os nossos direitos.

Como é que neste país, e nesta epoca, se vem hoje ainda fazer a distincção do povo, como se povo não fossemos todos nós? (Apoiados).

Então para ser povo é preciso ser arruaceiro, promover disturbios, armar desordens nas das e nas praças publicas?

Quem é o povo?

Que impropriedade é essa de pre tender designar por tal palavra, nos tempos de hoje, uma classe social?

Povo sou eu, tambem povo é V. Exa., Sr. Presidente, povo são todos os Dignos Pares, povo são todos os cidadãos

portugueses, todos com direitos iguaes perante a majestade da lei.

É um anachronismo essa invocação do povo, como no tempo das tres ordens do Estado.

Hoje ha uma só ordena: o povo, que somos nós todos.

Sr. Presidente: sejam quaes forem as posições sociaes, quer a boa ou má sorte nos favoreça ou prejudique, lançados uns nas opulencias da riqueza e outros nas miserias da indigencia ninguem deve faltar ao respeito, á consideração, e á estima e apreço que e devido aos seus semelhantes.

Eu não quero, Sr. Presidente, ter mais direitos do que o meu sapateiro o meu barbeiro, o meu feitor ou o meu guarda Campestre. Não quero ter mais mas não quero ter menos, porque só mós iguaes.

Sr. Presidente: a Camara vê que ei cedi a um impulso de temperamento e que uma indignação, por longo tempo comprimida, explodiu agora a proposito d'este caso, que profundamente lamento.

E ponho aqui ponto ás minhas considerações, que poderiam ser levadas á conta de uma especulação de caracter politico, em face da attitude que mantenho perante o Governo.

Não conheço pormenorizadamente os factos apontados, mas pelo que ouço dizer, e pela declaração feita aqui pelo Digno Par Sr. D. João de Alarcão, digno collega nosso, do que aconteceu uma pessoa de sua familia, associo-me ao desgosto de S. Exa.

Deve rasgar o coração da mocidade academica tal acontecimento; e creio que interpreto o sentir de nós todos, enviando a essa mocidade uma saudação calorosa. (Apoiados}.

O Sr. Conde de Bertiandos (interrompendo): — Dizem ainda que querem fazer peor de dia ou de noite. De rara agora em matar gente...

O Orador: — Aguardo a sequencia dos acontecimentos, e devo crer que o Governo, apesar de tudo, se compenetrará do seu imperioso dever, assumindo a responsabilidade que lhe compete.

Entro agora na ordem do dia, e na apreciação do projecto que se discute.

Devo dizer a V. Exa. que este projecto deixa no meu espirito a mesma impressão que outros analogos apresentados ao Parlamento.

Fique, tambem, desde já assente um facto perante V. Exa. e perante a Camara, um facto que me causou viva estranhesa, e que me feriu profundamente como membro d'esta casa do Parlamento.

O Governo faltou a uma formalidade, a uma antiga praxe, que é a de se apresentar ao Parlamento dando a sua razão de ser, e explicando os motivos por que subiu aos Conselhos da Coroa.

O Governo não fez a sua apresentação perante as Côrtes, perante os representantes directos do mais alto poder do Estado.

Essa formalidade tem a mais alta significação, porque importa o reconhecimento da soberania nacional.

O Governo, fugindo a essa formalidade, não se apresentando ao Parlamento, faltou ao cumprimento do que um poder do Estado deve a outro poder do Estado.

O Governo nada disse da sua propria existencia; nem mesmo ao apresentar o Discurso da Coroa teve uma unica palavra a tal respeito.

Sr. Presidente: lamento e sinto esta falta, que demonstra a reincidencia em um espirito de rotina e de anarchia. E esta rotina que eu tantas vezes aqui combato.

Impulsionado pela minha consciencia, e pelos ditames da minha razão, já o anno passado me insurgi, contra o que eu reputo de uma grande inconveniencia.

Quando o anno passado se discutia a resposta ao Discurso da Coroa, fiz publicar um folheto, a que chamei Resposta a El-Rei, em que eu verberava os graves erros da governação do Estado.

Disse, repetindo argumentos adduzidos em outras occasiões, que era preciso que o poder legislativo deixasse de ser apenas a chancella de um outro poder do Estado.

Ao Digno Par Sr. Beirão, que era então, como hoje é, relator de parecer identico, tive occasião de dizer que me congratulava por ver que S. Exa. vinha associar-se a esta cruzada, proclamando do alto d'esta tribuna, com a sua palavra ouvida por todos com attenção, que era necessario que o executivo não mais reincidisse em faltas que conculcam os nossos mais sagrados direitos.

Logico e coherente, venho novamente hoje assinalar esta falta de cumprimento de um dever politico e, mais ainda, de uma simples cortesia rudimentar, do executivo para com o legislativo.

O Governo devia ter vindo aqui dizer as razões da sua constituição e apontar o seu plano governativo, e pedir ao poder legislativo uma cooperação, ou aquella cordialidade de relações, que deve existir entre os dois poderes do Estado.

Lamento que na propria resposta da amara ao Discurso da Coroa, que é o parecer em discussão, o nobre relator d'este projecto, o mesmo que no anno passado nos aconselhava, nos estimulava a que zelassemos e defendessemos os nossos direitos, não fizesse registar essa falta de cortesia do poder

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executivo para com o legislativo, e não significasse o nosso descontentamento; porque só assim, obrigando o Governo a não faltar a estas pequenas obrigações de caracter meramente cortês; só assim é que o poder legislativo ha de reconquistar o justo prestigio de que carece e a que tem direito perante o país inteiro, para o bom desempenho da sua alta missão.

Não nos enganemos, Sr. Presidente: — o tempo dos convencionalismos e ficções passou.

É preciso que nós saibamos corresponder, pelo nosso procedimento, em tudo coherente, ao nosso alto dever, á nossa funcção politica, tal como a Constituição nô-lo assinala.

Não é só por nós, Sr. Presidente, é pelo interesse do país.

É justamente o interesse do país, que tem sido sempre a norma inspiradora d'esta campanha publica, em que me tenho empenhado ha cerca de sete annos.

É que eu tenho a convicção profunda de que a maioria, senão a quasi totalidade dos males de que enferma o Governo e a nação, provem d'esta concentração absoluta de todos os poderes no executivo, e de se não observar o salutar principio da Carta, mantendo-se a independencia, a autonomia e divisão dos poderes do Estado.

A subalternização do poder legislativo tem sido um facto de gravissimas consequencias, na nossa vida publica.

Sr. Presidente: eu quisera pôr ordem e methodo nas considerações que sobre o Discurso da Coroa tenho que apresentar a esta Camara.

Devo dizer a V. Exa. qual a minha attitude, visto que todos os Dignos Pares que me teem precedido no uso da palavra começaram por definir a sua, perante um Governo que, aliás, é o primeiro a faltar a este dever primordial.

Devo declarar que a minha attitude é a mesma que tenho conservado perante todos os Governos.

Não sou opposição systematica, nem sou governamental de carreira.

Não estou aqui para o apoiar nem para o combater systematicamente. Estou aqui obedecendo aos principios e ás doutrinas que constituem o programma do partido que tenho a honra de representar nesta Camara, e aos ditames da minha consciencia.

Aos actos que forem bons hei de dar o meu apoio, sem me preoccupar com a entidade que os pratica.

Se entender em minha consciencia que esses actos offendem os legitimos interesses do país, hei de combatê-los com toda a energia, orientado, nos mesmos principios; e hei de prestar ao meu Pais todos os serviços que possa, consentaneos com as minhas forças intellectuaes.

Neste momento em que parece existir o receio de se proclamarem certas ideias, envaideço-me em affirmar que sou essencialmente conservador.

Mas, Sr. Presidente, é preciso saber-se o que é ser conservador, é preciso definir os termos, e não estabelecer confusões, que levam aos peores erros, e ás mais funestas consequencias.

Conservador, não quer dizer improgressivo, ou regressivo.

Conservador quer dizer, o progresso dentro da ordem, o acatamento ás liberdades constituidas, e o respeito, á effectivação da lei.

Ser conservador é exercer uma alta funcção social, é seleccionar de entre o actual estado de cousas, o que deve ser conservado, e o que deve ser banido.

Conservador não é ser inimigo da liberdade. Neste momento é necessario dizer com todo o desassombro a inteira verdade ao país, combatendo todos os erros, todos os aggravos calumniosos que se espalham acêrca dos homens publicos.

Devo dizer a V. Exa. e á Camara que, honrando-me de pertencer ao partido nacionalista português, rio-me com bastante desdem e altivez d'aquelles que dizem que sou um reaccionario, ou absolutamente contrario a todos os progressos, um embaraço a todas as liberdades.

A todos que assim me arguem, direi que leiam, que estudem o programma do partido nacionalista, e, se quiserem, venham depois discutir e encontrarão um grupo politico que, desde que se constituiu, só tem tido em vista o bem servir o seu país.

O Digno Par, e meu amigo, o Sr. Baracho, numa das ultimas sessões a que eu não tive a honra de assistir, segundo o que S. Exa. me disse, e outros Dignos Pares me repetiram depois —- e digo isto, porque tenho inteira confiança nas qualidades do Digno Par e na sua lealdade — numa phrase de momento, sem intuito do melindrar-me ou offender-me, disse que eu era um nacionalista estrangeiro.

Sr. Presidente: em vista d'isto, não pelo Sr. Baracho, nem por mim, nem pelos membros d'esta casa, mas pelo publico, eu não posso deixar sem protesto essa referencia.

Eu tenho aqui um programma do partido nacionalista, que offereço ao Digno Par o Sr. Baracho para o ler.

O Sr. Sebastião Baracho: — Já o li, conheço-o muito bem; agora o que não sei é o que será na pratica.

O Orador: — Vamos á pratica. Permitta-me V. Exa., Sr. Presidente, e permitia me a Camara que eu leia nesta tribuna um trecho em que se accentua bem quanto de patriotico ha no programma do partido nacionalista.

(O orador lê).

O Sr. Sebastião Baracho: — Mas todos os caminhos vão dar a Roma.

O Orador: — Ora vamos ver onde estava o objectivo da arguição do Digno Par.

O Sr. Sebastião Baracho: — Arguição não, reparo.

O Orador: — É possivel que eu empregasse qualquer palavra que não traduzisse o meu pensamento, mas declaro ao Digno Par que o partido nacionalista mantem o principio religioso, porque a religião é o conjunto dos principios de moral, e da moral resulta a ordem.

Estabelecida esta ligação lógica, d'aqui resulta a necessidade de manter o principio religioso.

Não é só o partido nacionalista que está sujeito á jurisdição espiritual do Papa em assunto religioso: são todos os catholicos portugueses. Não é uma condição privativa, exclusiva, do partido nacionalista. Todos os catholicos portugueses estão sujeitos ao Chefe Supremo da Igreja Catholica.

O Sr. Sebastião Baracho: — Mas não é como partido.

O Orador: — Eu não sei se o Digno Par conhece um livro que ha, muito interessante, que sustenta esta these:

«Um atheu pode ser um nacionalista».

O Sr. Sebastião Baracho: — Mas não um nacionalista catholico.

O Orador: — No programma nacionalista não se está sujeito á autoridade de ninguem, mas sim a um programma.

O partido nacionalista não vae mesmo inquirir das crenças dos seus correligionarios O que lhes exige é que cumpram o programma nacionalista. Não- tem, pois, razão de ser o reparo do Digno Par, nem a classificação que me dá de nacionalista estrangeiro.

Sr. Presidente: no Discurso da Coroa começa-se por dizer o seguinte:

(Leu).

A Camara sabe e conhece de sobejo isto.

O parecer em discussão diz:

(Leu).

Sr. Presidente: lamento profundamente e sinto que o Governo desse esta redacção ao Discurso da Coroa; mas, ao mesmo tempo, não posso deixar de dizer que estimei ver que o illustre

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8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

relator corrigiu em parte esta notavel deficiencia.

Não quero, Sr. Presidente, pôr uma nota irritante no debate. Parece que ha um vento de insania a inspirar-nos na intervenção que a cada um de nós cabe, na marcha das cousas publicas; um furor destructivo parece dominar em todos nós, e ser o inspirador das nossas acções.

Não quero dar mais uma camartelada neste empenho de destruir, em que vejo tanta gente, por varia forma, empenhada.

Mas, Sr. Presidente, o assunto é grave, é importante demais para que possa passar sem o meu reparo.

Mataram o Rei e mataram o Principe Real Português, o herdeiro da Coroa; foi constituido o actual Governo e reuniram-se as Côrtes.

Quem ler, porem, o Discurso da Coroa, supporá que a morte do Rei o do Principe se deu em condições naturaes, tal é a reserva, o cuidado, o esmero que se guardou na redacção artificiosa d'este diploma.

Felizmente que o parecer da resposta á fala do throno, em parte traduzindo o sentimento geral do país e da Camara, corrige tal deficiencia, censurando devidamente tamanho attentado. Todavia, Sr. Presidente, isto não é o bastante; eu desejaria que a commissão de resposta ao Discurso da Coroa fizesse mais alguma cousa, mesmo por deferencia até para com o Chefe do Estado.

Diz o Discurso da Coroa:

O mesmo sentimento humano e civico une a todos neste momento e neste recinto — a dor que revive do transito crudelissuno de meu Pae e Irmão, do nosso Rei e Principe.

Não me cabe tecer louvor á memoria do Monarhia extincto, nem tão pouco á esperança posta era Aquelle que lhe herdaria tradições e nome.

El-Rei veio ao Parlamento, e declarou que a elle, como filho e irmão das victimas de tão execrando attentado, não cabia fazer o seu elogio. Delegava pois ás Côrtes esse encargo ou o cumprimento d'esse dever.

Eu bem sei, Sr. Presidente, que pela palavra autorizada de V. Exa. e pelo voto unanime d'esta Camara, esse elogio foi feito logo na primeira sessão em que nos reunimos aqui. Mas eu desejaria ver na resposta ao Discurso da Coroa uma palavra de referencia que correspondesse áquella delegação do Chefe do Estado dada ao poder legislativo.

Não venho nesta occasião, Sr. Presidente, fazer o elogio do Rei D. Carlos I e de Sua Alteza Real, mas não posso deixar de dar perante V. Exa., e perante a Camara, e perante ainda o meu país, um como que depoimento historico, porque eu servi como Ministro ha doze annos com El-Rei D. Carlos e quero que esse depoimento fique aqui consignado.

Eu fui, Sr. Presidente, Ministro da Marinha e Ultramar durante quinze meses.

Servi com El-Rei D. Carlos e posso assegurar a V. Exa. e á Camara que, no exercicio d'essas altas funccões que me foram commettidas, tive occasião de apreciar e reconhecer as altas faculdades intellectuaes de que dispunha El-Rei, os recursos enormes da sua vastissima erudição, o seu alto patriotismo, o seu intenso amor de acertar e o desejo de bem conhecer a marcha governativa.

Estas qualidades, estes requisitos fundamentaes, primaciaes num Chefe de Estado, esses eu os reconheci sempre, ininterruptamente, sem uma sombra, sem outra qualidade que pudesse de leve prejudicá-las. O meu depoimento ahi fica, singelo e modesto, como expressão da verdade, e em obediencia aos dictames da minha consciencia.

Talvez não os dissesse noutra occasião; mas neste momento em que parece que ha pavor de se dizer qualquer cousa que possa ser elogiosa para a memoria de El-Rei D. Carlos, e que todos se arreceiam de incorrer nas furias, nas iras, que ainda desgraçadamente parecem subsistir depois da sua morte, neste momento, Sr. Presidente, eu ficaria mal com a minha propria consciencia se não fizesse este depoimento, singelamente do alto d'esta tribuna, em obediencia a um dever imperioso da minha consciencia.

Sr. Presidente: diz-se aqui, num paragrapho do discurso da Coroa:

No tocante á politica interna, transpôs-se uma crise que importa liquidar: promulgaram-se providencias de caracter legislativo, algumas das quaes o Meu Governo entendeu, no uso das suas faculdades dever sem demora abrogar, restabelecendo a normalidade dos direitos individuaes; outras a esta legitima estancia serão sujeitas; o vosso livre exame discriminará o que nessa decretação de caracter ditatorial mereça ou careça conservar-se como lei.

O Governo, pela boca de El-Rei, vem participar á camara que, no uso das suas faculdades, revogou taes e taes decretos da ditadura, deixando á camara o pronunciar-se sobre se outros devem ou não ser mantidos.

O Governo seleccionou por sua autoridade, no uso das suas faculdades, revogando uns e entregando outros á acção parlamentar.

Quem lhe deu esta faculdade? (Apoiados).

O Governo o que tinha a fazer, como disse, era isto: considerado que tudo era illegal, revogasse tudo. Era logico. Era um acto de ditadura, mas ditadura que as circunstancias podiam legitimar. E depois, trouxesse ao Parlamento um bill para esse acto.

Com que autoridade, no uso de que faculdade é que o Governo se permitte discriminar o que é constitucional e o que o não é o que deve permanecer e o que deve ser revogado?

No uso de que faculdades?

E qual é o bill que o Governo pede para si proprio para ser absolvido d'esse acto de ditadura que praticou revogando essas medidas?

São casos graves de direito publico constitucional: são as relações entre um e outro poder do Estado. Insiste o poder executivo em dizer que tem faculdades para revogar decretos sem os submetter á apreciação da Camara?

A commissão corrigiu isto no seu parecer, porque diz que as Côrtes hão de apreciar todas as providencias decretadas sem o concurso do Parlamento. É preciso explicarmo-nos com toda a clareza para que as nossas palavras não sejam alteradas.

Mas, Sr. Presidente, supponhamos — é uma hypothese para o effeito da argumentação — supponhamos, dizia eu, que as Côrtes queriam que subsistisse qualquer d'esses decretos ditatoriaes revogados pelo Governo!

Como se havia de proceder?

Teria de se fazer uma lei nova?

São absurdos que dimanam da confusão estabelecida entre os diversos poderes, e muito principalmente são as consequencias de o poder executivo usurpar direitos que são exclusivamente do poder legislativo.

Não posso tolerar, nem admittir que o Governo — este ou qualquer outro — venha arrogar-se perante o Parlamento o direito de fazer leis ou revogá-las. Taes faculdades só pertencem ao poder legislativo.

Se o Governo queria revogar alguns decretos feitos em ditadura, e adoptar outros tambem publicados ditatorialmente, o que tinha a fazer era apresentar-se aqui com o respectivo bill de indemnidade.

Diz-se em outro ponto do Discurso da Coroa:

Outra obra de momento e de futuro se impõe: a revisão da Carta Constitucional. O codigo organico de uma nacionalidade tem de passar por estes estadios de correcção, graus successivos de adaptação ás necessidades e aspirações do país.

Julga o meu Governo traduzir um sentimento imperioso no animo dos cidadãos portugueses proclamando a opportunidade de introduzir modificações convenientes nas normas que regulam o exercicio do poder, e determinando se a forma mais adequada ao funccionamento estavel e harmonico da vida publica.

A vós pertence iniciar essa reforma, seleccionando os artigos que tenham de submetter-se ás deliberações das Côrtes Constituintes.

E d'aqui deriva para o Parlamento outra pesada tarefa: uma lei eleitoral que inaugure

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a formação da Camara successora e fixe qual o systema distributivo do suffragio que o Parlamento prefere para a expressão fiel e integral da representação collectiva da nação.

De maneira que o Governo vem e diz: É necessario reformar a Carta.

Mas em que sentido se requer essa reforma? Em que bases deve assentar essa reforma? Não se sabe.

Sempre de Conrado o prudente silencio — como diz o Digno Par o Sr. Baracho.

O Governo só diz: «É preciso reformar a Carta; o sentido em que essa reforma deve ser feita os Srs. o dirão».

Não se comprehende.

Então quem disse ao Governo que tal reforma é precisa, visto elle não saber como deve ser effectuada?

É pois sobre uma incognita que se ha de fazer a reforma, como tambem sobre incognitas se hão de lançar as bases politicas do novo reinado?

A proposito: como sempre, quando se trata de reformas constitucionaes
ouve-se falar na reforma da Camara dos Pares!

A camara dos Pares é o pesadelo chronico para toda a gente.

Reformar a Camara dos Dignos Pares parece ser uma monomania politica Hontem, com magua minha o digo, estranhei que o Digno Par Sr. Julio de Vilhena, illustre chefe do partido regenerador, viesse dizer-nos que era sua opinião a reforma da Camara dos Pares, no sentido de lhe introduzir o elemento electivo e até o elemento republicano.

Sr. Presidente: noutro tempo via que o partido regenerador advogava ou perfilhava os principios conservadores.

Comprehende-se a dualidade partidaria que existe em Inglaterra. Ali, os dois partidos, um conservador, o outro progressista, correspondem a duas funcções publicas.

Um lança-se no caminho do progresso, no empenho de conquistar novos principios, novas ideias e novos meios de bem estar. Depois de realizadas essas conquistas, vem o partido conservador, e selecciona as medidas adoptadas, mantendo as que considera boas, e derogando as que julga más ou nocivas. Ali sim, que se comprehende excellentemente esta alta noção das funcções publicas.

Entre nós não ha razão que justifique a existencia de dois partidos, porque ambos elles professam os mesmos principios, e iguaes normas de governação.

Podem perfeitamente fundir-se e constituirem assim uma unica collectividade.

Mas, emfim, como disse, antigamente o partido regenerador dizia-se conservador.

Mas agora é differente. Ninguem quer ser conservador; todos querem pertencer ao elemento progressivo. Parece que a funcção de conservador é deprimente.

Ora eu declaro a V. Exa. e á Camara que a respeito da Camara dos Dignos Pares, entendo que ella deve ficar como está. (Apoiados}. Sob o ponto de vista da sua organização, o que se não deve manter é esta chamada disciplina partidaria, este acorrenta mento de cada um dos seus membros a um grupo politico, o que importa um insubordinação inacceitavel, quando se trata dos superiores interesses do país. (Apoiados).

Não ha razão para introduzir aqui Pares electivos, fazendo d'esta Camara uma duplicação da Camara Electiva Não ha mesmo necessidade d'isso Que é que nós devemos ser aqui? Noutros tempos não se ouvia falar da maioria e da minoria da Camara dos Pares. Ninguem ousava perguntar, ao Par se estava filiado no partido regenerador ou no progressista ou noutro qualquer.

O Par é que se adaptava ás circunstancias, em presença do assunto que se tratava.

Vem a proposito lembrar um caso passado nesta Camara.

Ha annos, sendo Presidente o Sr. Andrade Corvo, e chefe do Governo o Sr. Fontes Pereira de Mello, discutia-se aqui um projecto importantissimo, que o Ministerio desejava que fosse votado com a maxima urgencia.

Estava-se na discussão d'esse projecto, e o Sr. Fontes pediu a um Par do Reino que fosse com todas as cautelas e reservas precisas, falar ao Presidente da Camara para ver sé conseguia, que elle prorogasse a sessão até se votar o projecto, ou, se isso não fosse possivel, que marcasse sessão para o outro dia immediato.

Foi de facto um emissario á Presidencia, e procedeu, como lhe havia sido indicado, com bastante diplomacia. Andrade Corvo ouviu o que tal emissario lhe disse, em cumprimento da sua incumbencia, mas nada respondeu.

Passados alguns minutos era interrompido pelo Presidente da Camara o Digno Par que estava falando, que lhe disse achar-se um pouco incommodado e que, por isso, encerrava a sessão, aprazando a proximo para d'ahi a oito dias.

Assim é que a Camara dos Pares mantinha a funcção que lhe é propria. De facto nós não estamos aqui para servir o Governo; estamos aqui para dizer o que entendermos de justiça sobre as cousas publicas.

O Governo leva aqui nesta Camara um cheque?

Mas esse cheque não importa cousa nenhuma para a vida do mesmo Governo.

Na Camara dos Senhores Deputados sim, porque essa é que tem influencia para derrubar Governos; a Camara dos Pares, não.

Querem introduzir aqui o elemento electivo?

Então é melhor irmos para casa, porque passará esta Camara a ser uma segunda edição da dos Srs. Deputados.

Incommoda a acção do Governo a intervenção dos Pares do Reino que estão aqui? Incommoda?

Pois por isso mesmo se deve manter esta Camara tal como está.

E por minha causa? Não é.

A Camara sabe que poucas vezes faço uso da palavra, apenas entro nos debates, quando a isso me julgo obrigado pelo que devo ao meu país e á minha situação politica.

Entendo, porem, que é preciso haver uma insuspeita fiscalização sobre os actos do Governo, para dar integra satisfação á opinião publica.

Sabe V. Exa. o que penso a respeito de reformas constitucionaes e politicas? E que se torna indispensavel abandonar o velho vicio de apenas se dar andamento aos projectos de lei da iniciativa governamental.

É preciso que as commissões trabalhem independentemente da acção dos Governos.

Que sejam ellas a convidarem o Governo a ir ás suas reuniões, e não o Governo que as convide.

É preciso que essas commissões formulem os seus pareceres sobre os projectos da iniciativa dos Pares do Reino, e não continuemos a ver os nossos trabalhos dormindo no seio das commissões.

Numa das sessões passadas referiu-se o Digno Par o Sr. Baracho a um seu projecto de lei.

D'esse projecto sei apenas, de uma maneira geral, que se refere ao inventario dos bens da Coroa. Dei d'aqui um apoiado a S. Exa. porque estou a seu lado neste assunto.

Desejo que sobre todos os assuntos, e principalmente sobre aquelles que revestem uma feição de escandalo, e que trazem a opinião publica numa desconfiança constante, seja feita luz completa.

Entendo que o caminho a seguir nesta conjuntura é o que indiquei.

Nada de mysterios, nada de mystificações, nada de segredos.

Mas sabe o Digno Par? Estas minhas palavras vão para o archivo das sessões, e continua tudo na mesma.

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10 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

O Sr. Conde de Bertiandos (interrompendo): — Isso não se sabe: pode ser que amanhã tudo mude...

O Orador: — Não me lisonjeio. Em 1902 pronunciei aqui um discurso, neste mesmo logar, sobre um projecto de lei que respeitava á questão de fazenda. Esse discurso está publicado num folheto intitulado: Vida nova e vida velha.

Ha vicios velhos na nossa vida financeira? Acabem com esses vicios. Façam um orçamento claro; apresentem contas que todos comprehendam.

Conheço o que é da minha casa particular, que, graças a Deus, sei administrar. Conheço a minha situação financeira, e conheço-a dia a dia. É preciso tambem que todo o cidadão conheça a administração publica.

Em 1902 tive a satisfação de ouvir aqui o nosso collega o Sr. Pereira de Miranda dizer um conjunto de verdades.

O Ministro da Fazenda de então, que era o Sr. Mattozo Santos, deu inteira razão a S. Exa.

Nada se fez; e depois de seis annos passados continua o mesmo regimen.

O Sr. Conde de Bertiandos (interrompendo): — Peor... peor...

O Orador: — O que ha de grave, é que cada um de nós, que quiser trazer o seu contingente sobre as cousas publicas — porque este trabalho deve ser a funcção principal do Parlamento — sabe que são inuteis quantos esforços empregar nesse sentido.

Os Ministros tratam de conjurar todas as difficuldades que possam pôr em perigo a sua existencia ministerial.

São todos muito boas pessoas, comtanto que não haja uma difficuldade politica.

Se um orador tenta aprofundar qualquer assunto, perguntam em voz baixa aos collegas: quando acabará este maçador de falar? quanto tempo durará esta sessão?

Chegam a dizer que malbaratamos o tempo, quando a final, alem d'este projecto, não ha outro sobre a mesa para discutir

Como havemos de conquistar as sympathias, as adhesões, a confiança publica se nos estamos a mystificar e a pretender mvstificar os outros?

O Sr. capitão Machado...

O Sr. Sebastião Baracho: — Aliás, coronel.

O Sr. João Arroyo: — Já é coronel?

O Sr. Francisco José Machado: — Sim, senhor.

O Orador: — O Sr. coronel Machado disse aqui, ha dias, absolutas verdades, com respeito á instrucção primaria. Mostrou aos menos sabedores do assunto o absurdo, a vergonha d'esses programmas, que ahi estão em vigor.

Todos sabem que o Digno Par Sr. Machado tem razão; mas não ha tempo para estas ninharias, e continuam os nossos filhos sob a pressão tremenda d'esses programmas atrofiadores.

O Sr. Francisco José Machado: — Vou apresentar a V. Exa. se me dá licença, outro absurdo: no nosso tempo fazia-se exame de instrucçao primaria em maio, para as crianças terem tempo de se revigorarem durante as ferias, e se alguns eram mais estudiosos e adeantados iam fazer ainda exame de instrucção secundaria.

Agora os exames de instrucção primaria são feitos em agosto, durante o
mês que deve ser para ferias. É outra incongruencia.

O Orador: — Pode o Digno Par estar certo e seguro de que enquanto esse assunto não for promovido á categoria de questão politica, que implique qualquer moção de desconfiança ao Governo, não seremos attendidos. Até lá ninguem nos ouve.

Como querem que o Parlamento coopere com o Governo?

Tenho aqui um projecto de lei desde 1902, assinado pelos Srs. Dantas Baracho, Conde de Bertiandos e Camara Leme, e por mim, sobre o uso das autorizações concedidas ao poder executivo.

Esse meu projecto de lei foi enviado á commissão respectiva, e lá ficou eternamente a dormir o somno dos justos.

Toda a gente concorda em que é preciso aumentar o ordenado dos Ministros.

O Sr. Sebastião Baracho: — Votando-se, antes, uma lei de responsabilidade ministerial rigorosa... talvez.

O Orador: — Todos estes projectos de iniciativa individual dormem nas commissões.

O Governo suscita todas as difficuldades que pode para entravar a marcha dos projectos de iniciativa individual.

Ora este estado de cousas, que é verdadeiramente anomalo, que é uma degenerescencia do regimen parlamentar não pode continuar.

É preciso que todos nos unamos e procuremos romper este circulo de ferro que impede a nossa justa intervenção.

Nós apresentamos uma medida, e a Camara depois vota contra?

Está no seu direito.

Veem agora a pêlo as eleições.

Pouco depois da organização do Gabinete actual, encontrei-me com o Sr. Presidente do Conselho e perguntei-lhe qual era a attitude que o Governo adoptaria nas eleições que se iam effectuar; se S. Exa. m'a poderia dizer ou se isso constituia segredo de Estado.

O Governo — disse me o Sr. Ferreira do Amaral — perante as eleições faz o seguinte:

— O Governo preside ás eleições e garante inteira liberdade na urna. Não tem candidatos proprios, porque não quer fazer politica.

Pedirei aos chefes dos partidos que façam eleger alguns amigos meus pelos seus eleitores.

Os dois partidos tradicionaes teem as maiorias certas e seguras.

As minorias ficam para os outros...

O Sr. Sebastião Baracho: — Fez-se, porem, o contrario.

O Orador: — Eu disse ao Sr. Presidente do Conselho: muito bem, acho óptimo que V. Exa. siga por esse caminho. Os dois grandes partidos terão a maioria, e os outros agrupamentos disputarão as minorias, e assim todos terão representação em Côrtes, conforme as suas forças.

O que S. Exa. fez, todos nós sabemos — a ponto da sua influencia lhe dar quinze Deputados. Tem quinze Deputados seus.

Sr. Presidente: não quero irritar o debate, não quero pôr azedume, nesta discussão, porque tenho receio que isso me leve muito longe, mas direi que este Discurso da Coroa dá para muito.

Aproveito a occasião de estar presente o Sr. Ministro da Fazenda, para fazer algumas considerações sobre o orçamento.

Quando antigamente se discutia o projecto de resposta ao Discurso da Coroa, era costume estar presente o Sr. Presidente do Conselho, mas o Sr. Ferreira do Amaral, com a maior facilidade, não comparece aqui.

O Sr. Sebastião Baracho: — Está no batuque academico!

O Orador: — Mas eu, Sr. Presidente, não só estranho a ausencia do Sr. Presidente do Conselho, como as palavras que ás vezes profere, e as expressões de que usa. Assim, ha dias, falou nos makavencos e até se declarou makavenco. Pode dizer-se que S. Exa. bate o record do humorismo.

O Sr. Sebastião Baracho: — Pois eu tenho pena de não ter sido makavenco.

O Orador: — É nisto que se vae passando o tempo.

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SESSÃO N.° 11 DE 27 DE MAIO DE 1908 11

Encontra-se no Discurso da Coroa uma serie de propostas que constituem o plano geral do Governo. Temos o Orçamento Geral do Estado; temos diversas medidas de Fazenda, como o novo contrato com o Banco de Portugal, e a proposta para a conversão da nossa divida interna; temos propostas para reformar as pautas da alfandega e para reformar a policia de Lisboa; propostas referentes a regulamentos, etc., etc.

Cousa notavel: ao mesmo tempo que o Parlamento é que approva regulamentos, o poder executivo é quem decreta as leis!

Temos ainda depois o inquerito industrial.

O Sr. Sebastião Baracho: — Por emquanto só cá temos o centeio, que é cereal de baixa categoria.

O Orador: — Ora francamente, pode o Sr. Presidente do Conselho ser um pouco folgasão, um pouco makavenco mas parece-me que deveria ter mais alguma attenção para com o Parlamento, para não vir trazer-nos um projecto de resposta ao Discurso da Coroa com um numero de medidas que, para as discutir, não bastaria uma sessão, uma legislatura, nem talvez um reinado inteiro.

E tudo isto para que?

Para, como muito bem disse o Sr. Baracho, depois de vinte e seis dias de sessão trazer-nos apenas um projecto sobre centeio.

Sr. Presidente: se o projecto de resposta ao Discurso da Coroa se considera como um programma de Governo, que se propõe fazer uma larga remodelação da vida social, é ainda acanhado, sobretudo no ponto de vista governativo.

Se é um plano de trabalhos parlamentares, é de uma exuberancia tal, que á elaboração d'esse documento, ou presidiu uma falta de bom senso e de bom criterio, ou o Governo não tratou o Parlamento com aquella seriedade que temos direito de exigir.

Sr. Presidente: vou concluir.

Estou cansado. Tinha ainda muito que dizer, mas guardo-me para outra occasião. A Camara pode estar certa de que não faltarei, e hei de tratar d’estas questões em successivas sessões, e por parcelas.

Tudo a seu tempo ha de ser considerado, e nenhuma das minhas considerações obedecerá a outro proposito que não seja o de bem servir o meu Pais.

Sr. Presidente: ha problemas de importancia capital, primaria, que interessam directamente a vida nacional, e secundaria. Ora entre todos os problemas fundamentaes e primarios, que affectam a vida geral da nação está, indiscutivelmente, o que se refere á questão financeira.

Deixemo-nos de illusões, deixemo-nos de andar a fazer reclamos baratos e faceis, deixemo-nos de retaliações politicas, e procedamos como homens que querem, acima de tudo, manter integra a autonomia do país, a dignidade e independencia da nação. Encaremos de frente, com coragem e energia, o problema financeiro, mas com proposito firme lhe dar solução radical e completa (Apoiados).

E, para a questão financeira, a primeira cousa que ha, como para todas as questões, é saber pô-la com clareza, nitidez, inteira verdade, com todos os subsidies para que ella possa ser resolvida.

Sr. Presidente: aqui ficam estas considerações, que deixo submettidas á apreciação da Camara e do Governo, e prometto que hei de voltar a todos estes assuntos sempre com este criterio e sempre com este proposito de bem servir o país. (Vozes: — Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: — Como faltam apenas alguns minutos para a hora do encerramento da sessão, não sei se o Digno Par Veiga Beirão quer começar hoje o seu discurso, ou se prefere usar da palavra na sessão seguinte.

O Sr. Francisco Beirão: — Peço a V. Exa. que me reserve a palavra para a sessão seguinte.

O Sr. Presidente: — O Sr. Garrett pediu a palavra para tratar de um negocio urgente, e o Sr. Alpoim para antes de se encerrar a sessão.

O negocio urgente a que o Sr. Garrett se quer referir é o incidente occorrido por occasião da chegada dos estudantes de Coimbra. Pergunto á Camara se reconhece a urgencia...

Vozes: — Fale, fale.

O Sr. Presidente: — Em vista da manifestação da Camara, tem o Digno Par a palavra.

O Sr. Almeida Garrett: — É effectivamente para me occupar dos acontecimentos relativos á vinda a Lisboa dos estudantes de Coimbra que eu pedi a palavra.

A Academia de Coimbra, no uso do direito que ninguem pode con testar-lhe, entendeu que devia manifestar perante o Monarcha actual o seu sentimento pelos factos occorridos, e felicitá-lo pelo advento do seu reinado, fazendo votos pelas suas prosperidades.

Vieram 380 alumnos de todas as faculdades, delegados de quinhentos e tantos, e não vieram todos, porque alguns lutavam com falta de meios.

A Academia quis proceder com toda a correcção e convidou os seus professores e reitor, nosso sympathico e illustre collega (Apoiados) que tem gerido todos os assuntos da Universidade de forma a tornar-se querido e respeitado de todos.

A Academia convidou os seus professores e o seu reitor, porquê?

Primeiro: para destruir uma lenda antiga, de que a Academia odeia o seu professorado.

Segundo: porque queria fazer ver exactamente o contrario, isto é, que ella estimava os seus professores e por isso queria ser apresentada a Suas Majestades juntamente com as faculdades.

Toda a viagem correu admiravelmente. Houve manifestações em varios pontos da linha. Nalgumas estacões até os manifestantes chegaram a entrar no comboio, mas na gare de Lisboa, apesar da manifestação unanime, houve uma nota discordante e lamentavel.

Fomos prevenidos no caminho de que havia de haver em Lisboa á nossa chegada uma contra-manifestação. Isto quer dizer que a autoridade havia de saber tambem o que se projectava fazer. Não pode haver duvidas a esse respeito.

Quando descemos das carruagens fomos logo recebidos por uma onda de estudantes. Houve effectivamente uma contra-manifestação. Depois de sairmos da gare, no pavimento superior da estação e na escada que conduz ao primeiro pavimento, é que se deu o conflicto.

Academicos de Lisboa cujo numero não posso precisar, postados na escada e na grade que lhe serve de reparo, avançaram para nos bater com bengalas.

Não se pode admittir tal!

O Sr. Conde de Bertiandos: - É uma vergonha.

O Orador: — Vim aqui com sacrificio da minha saude, porque entendi que devia vir como professor da Universidade acompanhar os meus alumnos e sem outro qualquer intuito.

Não quero fatigar V. Exa. nem a Camara, vou tratar de resumir o muito que teria a dizer sobre o assunto.

Consta-me desde já que ha cinco academicos feridos. Um d'elles é parente proximo do nosso collega o Sr. D. João de Alarcão; outro é parente do nosso collega e actual Ministro da Justiça, Sr. Campos Henriques; e um é filho de um collega meu da Universidade, o Dr. Assis, Conde de Felgueiras.

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12 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Este mal póde apresentar-se perante Suas Majestades, em virtude do seu ferimento.

Na Rua Garrett, numa lata, com uns paus, batiam os rapazes para fazer tumulto...

Eu sou muito franco, leal; mas para condemnar estes actos tenho de usar de frases asperas.

A diplomacia não me serve; o que me serve é o meu coração. (Apoiados}.

Ha cinco estudantes feridos. Dois mal feridos.

Estes são os factos.

Ninguem se importa? não ha policia?

Mas que se ha de fazer?

Nada; são factos consummados. Põe-se-lhe pedra por cima.

O Sr. Conde de Arnoso (interrompendo): - Põem-lhe pedras em cima...

O Orador: - Perante o Governo que se assenta naquellas cadeiras, sem animosidades, mas no uso apenas do meu direito, protesto contra os actos de selvajaria que foram praticados em Lisboa.

Houve uma manifestação no Rocio até o Largo das Duas Igrejas, em que entraram alguns militares.

O Sr. Conde de Bertiandos (interrompendo): - V. Exa. dá-me licença? Os estudantes não responderam a isso por qualquer forma?

O Orador: - Não, senhor.

O Sr. Conde de Bertiandos: - Foi pena...

O Orador: - Os estudantes da Universidade não responderam a essas manifestações hostis, pois tinham resolvido evitar a menor nota discordante.

É isto que tenho a responder á pergunta de V. Exa.

Felizmente que não faltaram ao que tinham combinado.

A não ser esse incidente, os estudantes foram muito victoriados por cavalheiros e muitas senhoras. Felizmente não houve outra nota discordante.

Os academicos foram recebidos por Sua Majestade.

Foi um perfeito delirio o que se passou. Quando o coração fala, não ha leis nem etiquetas.

Sr. Presidente: os academicos vieram á cidade de Lisboa exprimir ao joven Monarcha todo o seu contentamento, e quiseram vir acompanhados dos seus professores para assim mostrarem a solidariedade entre a academia e o seu professorado.

E termino para não tomar mais tempo á Camara.

(S. Exa. não reviu}.

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): - Sr. Presidente: comprehendem V. Exa. e a Camara que faltava ao meu dever se não pronunciasse agora algumas palavras em resposta ao Digno Par o {Sr. Garrett.

Sr. Presidente: indiscutivelmente os estudantes de Coimbra estão no seu plenissimo direito de fazer manifestações (Apoiados} de agrado ao nosso Rei. Só ha que louvá-los e que elogiá-los pela forma correcta como procederam, pela deferencia que tiveram para com os seus professores e pela maneira como se apresentaram nesta cidade. (Apoiados).

É certo que á chegada dos estudantes e ainda numa pequena parte do percurso, houve manifestações de desagrado, violencias e ferimentos que parecem não serena graves.

Foram já effectuadas 20 prisões, averiguando-se que só 4 dos detidos não são estudantes.

O Sr. Almeida Garrett: - Talvez ámanhã sejam amnistiados.

O Orador: - Estou a dar explicações acêrca dos acontecimentos occorridos hoje em Lisboa, e não quero desviar a minha attenção para um caso tão grave como é o da amnistia que se prende com factos de ordem superior e muito differentes d'aquelle que se está tratando.

(Apoiados do Sr. Alpoim).

Dizia eu que já foram presas 20 pessoas, das quaes apenas 4 não são estudantes.

Por informações colhidas parece que uma parte d'estas manifestações de desagrado se prendem ainda com questões da greve havida no anno passado. Não sei se o facto é verdadeiro.

Como V. Exa. vê a policia não deixou de cumprir a sua missão, pois prendeu quem tomou parte activa no tumulto. O processo vae ser instaurado, e justiça ha de ser feita nos precisos termos da lei. Nem mais, nem menos.

Ha de ser feita justiça segundo os factos e conformem legislação que nos cumpre respeitar e manter. São estas as declarações que devo fazer e fique o Digno Par certo que da parte do Governo não ha de haver nem violencias nem fraquezas.

Tenho dito.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. José de Alpoim: - Pedi a palavra quando o Digno Par o Sr. Alarcão se referiu aos successos occorridos hoje nesta cidade, a que se referiram tambem outros Dignos Pares.

Pedi a palavra, para versar a questão da crise duriense; mas mal pareceria que não abordasse o assunto que foi objecto de considerações por parte de alguns oradores que me antecederam.

Os estudantes de Coimbra, monarchicos, que vieram felicitar El-Rei, no advento do seu reinado, usaram incontestavelmente de um direito, e de uma faculdade legitima. (Apoiados).

Eu, como monarchico e como liberal, lamento profundamente os successos occorridos.

Os estudantes de Coimbra estavam, no seu direito de prestarem as suas saudações e respeitos ao joven Rei, tanto mais que Sua Majestade plenamente merece essas homenagens, pelo seu espirito liberal, pela sua mocidade, pela sua vontade de acertar, pelo seu coração generoso, que evidenciou praticando um acto nobre, qual foi o de conceder amnistia aos marinheiros e outros presos.

Pediram-se responsabilidades ao Governo pelos factos occorridos.

Associo-me a esse pedido, tanto mais que eu, e os Dignos Pares Srs. Sebastião Baracho e João Arroyo, no anno passado, tambem pedimos responsabilidades ao Governo de então pelos acontecimentos do Rocio, pelos de 18 de junho, de 4 de maio, de 1 de dezembro e de 5 de abril d'este anno.

Todos aquelles que não acataram a lei devem receber a necessaria correcção.

Com o mesmo direito, com o mesmo motivo com que pedi ao Governo de então que castigasse os que não cumpriram a lei, venho hoje pedir que sejam punidos os agentes da autoridade, se porventura elles incorreram em qualquer desmando, ou praticaram qualquer acto menos correcto.

Deploro que da, boca de alguns oradores saisse a palavra canalha, não porque ella não seja parlamentar, mas porque estou habituado a ver que os reaccionarios e os conservadores applicam esse vocábulo á multidão anonyma que muitas vezes tem fome e sede de justiça.

Não me refiro determinadamente a ninguem; mas estou muito habituado, como disse, a ver que os elementos reaccionarios e conservadores lançam esse apodo á multidão anonyma, que, na maior parte dos casos, tem fome de pão e sede de justiça.

Mas ha tambem a canalha dourada e farta, que offende a lei, e que é tão merecedora de castigo como a outra.

Porque sou liberal, combato uma e outra.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Deu a hora.

O Sr. Jacinto Candido: - Isto não pode ficar assim!

O Sr. Conde de Bertiandos: - Apoiado! Nós temos de fazer uma declaração.

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SESSÃO N.° 11 DE 27 DE MAIO DE 1908 13

O Sr. José de Alpoim: - Se não pode ficar assim e se os Dignos Pares insistem em usar dá palavra ainda hoje, rogo a V. Exa., Sr. Presidente, que me inscreva de novo, para replicar a S. Exas.

O Sr. Presidente: - Não posso dar a palavra aos Dignos Pares porque deu a hora. A proximo sessão é no sabbado 30, e a ordem do dia a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e 20 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 27 de maio de 1908

Exmos. Srs. Antonio de Azevedo Castello Branco, Eduardo de Serpa Pimentel; Marquezes: de Pombal, da Praia e de Monforte, de Sousa Holstein; Condes: de Arnoso, de Bertiandos, do Bomfim, de Lagoaça, de Mártens Ferrão, de Paraty, de Villar Seco; Pereira de Miranda, Eduardo Villaça, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Hintze Ribeiro, Ayres de Ornellas, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Ressano Garcia, Almeida Garrett, Gama Barros, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arroyo, José de Azevedo, José de Alpoim, Julio de Vilhena, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Sebastião Dantas Baracho e Wenceslau de Lima.

O redactor, JOÃO SARAIVA.

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