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outras questões, mas especialmente nos trabalhos particulares, e da commissão de fazenda a que eu pertenci na outra Camara, tenho aqui testimunhas, porque vejo mais de um digno Par que então eram Deputados, o elles podem dizer o modo como me portei sempre para com o Governo. Resultou daqui que durante todo esse tempo nenhuma graça ou consideração recebi. Seguiu-se a esta época uma revolução (a de 1846), e desde então assentei, de mim para mim, nunca mais, só por motivo de conveniencia politica, votar a favor de governo algum, porque vi as tristissimas consequencias, o erro em que eu mesmo tinha caído algumas vezes, de não emittir com coragem a minha opinião, embora podesse desagradar ao Ministerio. Tambem podia invocar o testimunho de alguns cavalheiros que estão presentes, que me ouviram apresentar esta profissão de fé, este meu protesto, e a intenção firme em que estava de assim proceder. Neste intuito, restaurada a Carta constitucional da Monarchia, e o Governo legitimo da Rainha segundo a mesma Carta, organisando-se o Ministerio de 6 de Outubro de 1846 (e seja dito de passagem: Ministerio a que eu poderia ter pertencido, mas a que não pertenci, porque os postilhões e os proprios me não encontraram em parte alguma), concorri logo com alguns amigos a uma reunião em que eram sustentados os mesmos principios. Mais tarde pertenci tambem a outra assembléa, em que entrava o nobre Marechal Duque de Saldanha, o nobre Marechal Duque da Terceira, o Sr. Marquez de Fronteira, e muitos outros cavalheiros que constituiram um denominado centro cartista, aonde tive a honra de ser secretario. O nosso fim, Sr. Presidente, era, gemendo ainda sob o peso de um protocolo, mostrar ao mundo inteiro que havia entre nós cartistas, na força desta expressão, quero dizer, por convicção a favor da Carta constitucional da Monarchia; convicção da sua bondade absoluta, ou da sua bondade relativa.

Depois entrei no Ministerio a instancias do nobre Marechal, actual Presidente do Conselho. Chamado a sua casa, sem que soubesse para que, as palavras de S. Ex.ª foram: desta vez não me ha-de escapar. Acceitei pois a instancias suas, e para bem do paiz; resignei-me, na crise em que então se achava a formação de um novo Gabinete, a entrar com todos e quaesquer cavalheiros, que o Marechal então aconselhasse á Soberana. Formou-se esse Ministerio com o programma de moderação, justiça e tolerancia, que ainda hoje me honro muito de ter assignado, e ter adoptado. Em resultado desse programma ainda hoje subsistem os concursos para o provimento dos beneficios ecclesiasticos; V. Em.ª melhor do que ninguem conhece as vantagens que para o serviço da igreja resultaram dessa medida, que lançou taes raizes, que, apesar de abalada, não póde mais ser destruída. Mas o fructo que tirei deste modo de proceder foi logo a guerra de todos os partidos, e tão encarniçada, tão fulminante ¦ foi ella, que os membros do Ministerio não conseguiram nem uma eleição por circulo algum. O mesmo marechal intendeu que era de conveniencia publica deixar-nos entregues ao nosso destino, e ir tambem prestar o seu apoio a quem depois lhe deu tão máo pago. No entanto a ninguem quiz mal por isso; porém, no meu modo de pensar, abrazado, permitta-se-me a expressão, de um vehemente desejo de ser util á causa publica, não pude ver silencioso os que eu reputei erros da Administração posterior. Foi por isso que sahi a campo, como me foi possivel, combatendo a chamada reforma de fazenda feita pelo Decreto de 10 de Novembro de 1849, que eu qualificarei de desorganisação da fazenda. Sobreveio a questão da imprensa, e nessa occasião penso que a Camara está bem instruida do meu constante trabalho, direi mesmo improbo trabalho, com que segui essa discussão passo a passo; se esse trabalho porém foi util ou não, appello para a consciencia dos dignos Pares; pelo menos achámo-nos de accôrdo, porque sendo esta Camara essencialmente conservadora, e tanto para cohibir os excessos do despotismo, como para moderar os excessos de um liberalismo exaltado, não se póde duvidar por fórma alguma, que nessa occasião foi della que partiu o bem regrado e illustrado liberalismo (muitos apoiados). Sr. Presidente, sobreveio ainda outra questão gravissima, e foi a da desgraçadissima cautella, chamada das obras publicas, ou a questão do fundo especial de amortisação. O paiz sabe a decisão com que me conduzi nessa questão, e tambem sabe o proficuo resultado, que colheu desse exemplo de resistencia legal, a mais estrondosa que nelle tem havido.

Na questão do direito consuetudinário, que vi ter-se allegado nesta Camara para desculpar a infracção da lei, mandei tambem a minha opinião para o dominio da imprensa. Igualmente não pude ficar silencioso a respeito da alienação do Alfeite. Todas essas questões, Sr. Presidente, tractei-as sem atacar as, pessoas, com a devida decencia e moderação. Sem duvida, Sr. Presidente, de todos os homens que nesse periodo com a pena combateram, eu não conheço outro que fizesse tanto como eu fiz, com quanto muitos e muitos o podessem fazer muito melhor que eu (entra na saia o Sr. Pereira de Magalhães); e muito estimo que o digno Par o Sr. Felix Pereira de Magalhães entre nesta occasião. Sr. Presidente, esse Ministerio, que eu assim combati, tinha por seu membro o Sr. Felix Pereira de Magalhães; o Sr. Felix Pereira é um homem de quem fui companheiro de emigração; comemos á mesma mesa, e soccorremo-nos moralmente na adversidade; nunca interrompeu relações comigo, apesar da opposição que eu fiz a alguns actos do Governo, de que ella faz parte: não obstante isso, Sr. Presidente, fui á sua secretaria, depois de ter escripto contra o seu collega da fazenda, e adverti-lhe que não precipitasse medidas elaboradas no remanso do seu gabinete, sem ouvir os seus amigos; que eu tinha algumas idéas sobre reformas de justiça, que as offerecia, que estava prompto

a subministrar todas as informações que estivesse sem ao meu alcance, e que fizesse depois delias o uso que quizesse. A resposta do digno Par foi: Pois faz-me a injustiça de acreditar que eu havia de decretar medidas dessa importancia sem previamente ouvir os meus amigos? Não; e o meu amigo ha-de ser ouvido.» Mas, Sr. Presidente, a sua amizade, que eu podia invocar, para me reconciliar com o Sr. Conde de Thomar, para entrar no Ministerio, para ser Conselheiro de Estado, para ser... nem eu sei o que, talvez mesmo para me sentar neste logar, não a invoquei para cousa alguma; porque desde que alguns actos desse Ministerio me pareceram extremamente prejudiciaes, eram mais fortes para mim as considerações do bem publico. A politica nada tem com a amizade pessoal, e S. Ex.ª possuo esta virtude, e outras mais lhe conheço; nem antes, nem depois, nunca perturbou a sua amizade para comigo, e tenho a maior satisfação de assim o reconhecer solemnemente.

Tem-se dito, Sr. Presidente, para desviar toda a cerimonia, toda a opposição aos actos do Governo, quando elles são taes, que não agradam a alguns dos membros das duas Camaras, tem-se dito, repito, que é preciso união, que é preciso tolerancia; que sem a união, sem a tolerancia, nada póde fazer-se, que esta é a primeira necessidade do Estado. Foi, Sr. Presidente, pregando-se da mesma maneira que, em outra época, eu e muitos dos meus amigos fomos levados a approvar, ou a tolerar certas cousas pelas considerações de conveniencia politica. Então diziam-nos se não approvam, cahe o Ministerio, e vem o Sr. José Estevão, o Sr. Conde de Lavradio, o Sr. Fonseca Magalhães, vem mais este, vem mais aquelle. Agora parece dar-se a intender — se não votam com o Governo, fecham-se as Côrtes, vem a collisão, tomam-se outras medidas extraordinarias, ou vem qualquer outra cousa. Assim, Sr. Presidente, quando se diz — tolerancia, união, importa muitas vezes dizer-se o mesmo que paciencia, submissão, resignação.

Já é tempo, Sr. Presidente, de entrar na materia, e peço a V. Em.ª que defira ao meu pedido, dada a hypothese que mencionei. Eu não adopto de modo nenhum as idéas propaladas, ou aventadas por alguns membros desta Camara, de que o discurso do Throno o sua resposta são meros cumprimentos, meras formalidades; se assim fóra, Sr. Presidente, não devera ter logar uma discussão publica e solemne; porque seria muito pouco proprio, que pela discussão a resposta ao discurso do Throno fosse primeiro conhecida do publico, do que da Augusta Pessoa a Quem se dirige; então intenderia que á Mesa, ou a uma commissão especial se concedesse um voto de confiança para que redigisse essa resposta, mas que não viesse por modo nenhum á discussão. Mas os discursos do Throno, assim como as competentes respostas, tem outro alcance. Como nestes discursos se mencionam factos importantes, medidas tomadas, ou a tomar; se inculca ou revela o systema politico seguido, ou a seguir; a Camara tem de pronunciar-se de alguma maneira sobre esses discursos,

0 que deve fazer com a maior circumspecção, a fim de que não appareça senão aquillo que deva apparecer; e para isso é preciso que se sirva nessas respostas de uma linguagem tal que não comprometia a sua dignidade, nem adiante mais do que lhe convem avançar. Não intendo, porém, de modo algum, que este seja o logar proprio das recriminações. Não é assim, Sr. Presidente, que eu hei de encarar a discussão a respeito da resposta do discurso da Corôa.

Em relação ao discurso do Throno, differentes pontos foram tractados; um delles foi a revolução de Abril, e as suas causas politicas. Eu intendo que nós não viemos aqui julgar a revolução; a revolução é um facto consummado; quaesquer que fossem as causas desse facto, esse facto deu-se, e por consequencia não é aqui o logar de se moralisar; o que resta, Si. Presidente, é tirar desse facto as legitimas consequencias; é comprehender bem a sua significação, e não se ir alem disso, nem sofismar a significação desse facto.

O segundo ponto de que se tractou foi a respeito do acto addicional. Tambem, Sr. Presidente, não é este o logar opportuno de tractar do acto addicional; elle ha-de vir a esta Camara em tempo competente; mas o principio em si, não vejo, Sr. Presidente, motivo bem fundado para se fazerem arguições ao Governo a similhante respeito. O acto addicional, Sr. Presidente, é uma consequencia que o Governo tirou do facto da revolução: nesse facto proclamou-se a reforma da Carta, mas o Governo intendeu que essa reforma não importava a destruição da essencia da Carta, e todavia sem offender a mesma Carta, aproveitou alguns importantes melhoramentos; importantes, digo eu, Sr. Presidente, porque os dois pontos mais salientes do acto addicional, sobre uma eleição directa, e sobre a prévia approvação dos tractados pelas Camaras legislativas, não se póde negar que são um melhoramento no sentido mais liberal, e digo mais, são um protesto vivo a favor da permanencia da Carta. Em quanto, Sr. Presidente, vemos desapparecer tantas constituições por esse mundo, a nossa, em logar de desapparecer, mais se firma com este acto.

Sr. Presidente, eu não tenho escrupulo algum em votar o correspondente paragrafo da resposta ao discurso do Throno, pela consideração que se adduziu, de que nos faltam poderes, segundo a Carta, para dar esse voto: e digo isto porque os dignos Pares, ou esta Camara, não carece do poderes especiaes para a reforma da Carta, segundo a mesma Carta. Esses poderes especiaes careceu delles a Camara electiva; mas nem o Throno para dar a sua sancção á lei da reforma; nem esta Camara para entrar na discussão e votação de qualquer reforma da Carta, carece de poderes especiaes: tem-nos pela mesma Carta. O que fez a revolução foi dispensar a necessidade da primeira discussão prévia nas duas Camaras: a revolução

poderia ter este fim; porque, se a soberania reside essencialmente na nação, é claro que a nação póde supprir qualquer falta do exercicio dos seus delegados. Foi pois essa revolução quem dispensou o acto legislativo, que reconhecesse a necessidade, e ordenasse a outhorga de poderes especiaes aos eleitos do povo, para a reforma da Carta. A lei eleitoral, na parte que sancciona esses poderes, é um acto legislativo puro ordinario; porque, puro e simples, é o acto das duas Camaras, quando decretam a mesma cousa, em conformidade com a Carta. O que porém é necessario é, que o Governo traga, quanto antes, ás Camaras o Decreto eleitoral para ser confirmado nesta parte (apoiados).

Sr. Presidente, tambem se clamou muito em relação ao 4.° da resposta ao discurso do Throno, contra as dictaduras, e especialmente contra a dictadura exercida pelo Governo depois, da revolução.

Sr. Presidente, tambem eu clamo contra o uso das dictaduras: tambem eu sustento que as dictaduras são contrarias á Carta constitucional; e nas circunstancias especiaes em que ficou o paiz depois da revolução, mais inconstitucional era a dictadura; por que a lei fundamental do Estado não deixou um só instante, de reger: — foi um grito proclamado = Viva a Carta reformada. — E assim tanto foi victoria da a Carta como a reforma della. Além de que, convem attender, a que as dictaduras não são as mesmas em todas as circumstancias, nem em todas as épocas, e nesta especialmente, sendo certo, que foi uma aberração da Carta, não póde comtudo duvidar-se do facto da sua existencia, e o que nos cumpre examinar é tão sómente a diversa' natureza e motivos das providencias tomadas, para podermos deliberar convenientemente.

Ora, que de natureza são os actos que se praticaram durante essa dictadura? Uns, adoptou-os o Governo pela urgencia das circumstancias, para satisfazer a necessidades taes, que não podiam esperar pela reunião do corpo legislativo: — mas outros desses actos existem que não teem caracter algum de urgencia. Os primeiros desses actos adoptou-os o Governo, por julgar que eram medidas de extrema necessidade publica, e que em presença dessa razão o corpo legislativo os relevaria. Em quanto, porém, aos segundos, atenuaria o Governo a impressão, que de ahi resultasse", segundo a demonstração que fizesse das circumstancias de maior ou menor conveniencia: Isto posto, intendo que esta Camara, e cada um dos Membros della, não teem obrigação de respeitar senão as leis, e a Carta, e não podem conhecer como leis, aquillo que ainda não foi submettido ao seu exame; (apoiados), e por isso é absolutamente indispensavel, que o Decreto eleitoral naquella parte, assim como todas as leis da dictadura, venham a esta Camara, para que nós as conheçamos, e tenham o caracteristico de leis; assim como nós conhecemos a authenticidade dos diplomas por virtude dos quaes nos sentamos nestas, cadeiras.

Observarei portanto, Sr. Presidente, que acho haver uma falta na resposta ao discurso do Throno, em quanto se diz no seu §. o seguinte (leu). Portanto intendo ser de conveniencia, que se lhe accrescente o seguinte (leu). O menciona unicamente as providencias legislativas de necessidade, para acudir de prompto ao serviço da publica administração: mas não é assim, porque é sabido que medidas houve, que não podem merecer esta qualificação (apoiados). Para que pois a resposta seja conforme com a verdade, é que eu proponho esta minha emenda.

Sr. Presidente, os actos que a dictadura exerceu são de duas ordens: — uns indispensaveis, e outros só convenientes (apoiados.) ¦ Passarei agora a tractar do §. 1.º isto é, do que involve considerações a respeito do Decreto de 3 de Dezembro, ao qual g. proponho a emenda seguinte (leu). A primeira observação que tenho a fazer a respeito deste f>. que não será talvez de grande importancia, é, que o discurso do Throno se dirige especialmente aos Srs. Deputados da nação portugueza. Não se tractava, Sr. Presidente, de objecto que fosse da especial iniciativa daquella Camara, isto é, nem sobre impostos, nem sobre recrutamento, que são as duas excepções de que falla a Carta, e por consequencia parece-me sem motivo esta especialidade: — mas como o está incluido debaixo da epigraphe geral = Dignos Pares, e Srs. Deputados = Não darei importancia a isso. Neste empregam-se as seguintes expressões (leu).

(Era grande, e muito prolongado o sussurro na assembléa.)

O Orador — Sr. Presidente, peço a V. Em.ª, que imponha silencio, porque como eu não rio, nem faço rir, deixo de ser ouvido, e perco o fio do meu discurso (apoiados.)

O Sr. Presidente — Peço attenção.

O Orador — Continuarei observando que o falla de sacrificios que tolos partilhámos: — mas nesta expressão ha a maior inexactidão: — tributo os meus respeitos á commissão, por que corrigiu esta expressão, e escreveu o seguinte (leu). Se fosse verdade que todos partilhavam desse sacrificio, estava muito bem, porque essa é a theoria do tributo, e esse é justo sendo geral e proporcionado: mas não foi assim, Sr. Presidente, porque o facto foi o cahir o sacrificio sobre uma classe (apoiados). Eu, porém, ainda vou um pouco mais longe, e por isso peço á Camara que adopte a emenda que fiz. Os mesmos credores do Estado tambem assim mesmo não partilhavam. O significado da palavra partilhar é justiça, e igualdade: — foram sim feridos muitos credores do Estado; mas não foram os credores do Estado; pelo contrario, foram muitos credores sacrificados a outros credores, isto é, decretou-se o pagamento a uns á custa dos outros; e para se fazer a excepção da excepção, ha nisto mesmo uma grande injustiça, a respeito do banco de Portugal, pois que, não obstante conservar-lhe o Decreto de 3 de Dezembro o encargo da amortisação das notas do' banco de Lisboa, na quantia de 18:000$000 réis mensaes, foi prival-o da quantia de 25:000$000 réis mensaes, que lhe estava consignada para juros e amortisação do emprestimo dos 4:000$000 réis, não fallando já dos prejuizos que tambem soffreu como possuidor de inscripções, porque necessariamente teve de participar dos mesmos damnos, que todos os outros credores de inscripções tiveram de sofrer. Mas não foram só os credores da divida consolidada, que sofreram; nesta rede foram comprehendidos todos os que tinham vencimentos pagos pelo Estado.

Não exceptuarei nesta commemoração apropria Soberana. Sr. Presidente, eu zêlo muito o decoro e a dignidade do Throno, porque o decoro e a dignidade do Throno estão commettidos pela Carta constitucional á guarda e á vigilancia das Côrtes; mas se nós sabemos que a Soberana não póde com esses sacrificios, como é que havemos consentir que se lhe imponham por um Decreto, que hade ser confirmado pelas Camaras?!

Participou-nos o Sr. Ministro do Reino, que elle tambem possuia, senão directamente, porque possuia alguem dos seus, indirectamente, fundos que soffreram com essa capitalisação: mas, Sr. Presidente, eu posso dispor do que é meu, mas não posso dispor do que é dos outros! Tambem eu soffro, porque tambem possuo; mas que possuo eu, Sr. Presidente?! Possuo dividas!... Tenho filhos a quero devo dar uma educação, e para lhes dar essa educação, e ter com que me governar, não tenho mais que os meus ordenados, e as minhas cédulas que os representam.

A força de sacrificios, de economias, tenho evitado o desconto dos meus titulos, tenho reservado uma prestação para minha subsistencia, e as cedulas tinha-as entregues para pagamento de dividas, com clausula de reversão e responsabilidade minha pessoal; e por conseguinte não posso soffrer a sangue frio, porque não tenho o sangue frio do Sr. Ministro do Reino, não posso soffrer que assim me expoliem do que é meu, do que custou o meu trabalho I...

Sr. Presidente, já peguei em armas, já arrisquei a minha vida, soffri a emigração de cinco annos, e a todos os sacrificios estou disposto, mas a que não estou disposto é soffrer aquillo que se me não agradece!... As minhas cédulas, como havia dito, não tinham sido rebatidas, não tinha burlado o agiota, tinha-as empenhado, mas hoje, Sr. Presidente, como hei-de satisfazer aos meus credores, que se lhes não importam com o Decreto de 3 de Dezembro? O que hei-de fazer?!... V. Em.ª tambem perdeu, e eu sei que V. Em.ª não póde perder!... Peço-lhe que reclame contra esse inaudito attentado á propriedade destes credores!... E se v. Ex.ª não reclamar, eu reclamarei por mim, por V. Ex.ª, e em nome de todos os funccionarios do Estado, uma infinidade dos quaes quereria reclamar, mas que nenhum reclama porque tem medo dos compromettimentos, ou das dimissões!

Os ordenados dos empregados publicos são propriedade tão sagrada, como qualquer predio que se compra com dinheiro; a cédula do empregado é o fructo do seu trabalho, e o ataque ao fructo do trabalho é uma violação da Carta constitucional, é um roubo!!... (O Sr. Conde da Taipa: — Apoiado). De futuro cerceassem-lhes os ordenados, lançassem-lhes quantos impostos quizessem, diminuissem os individuos, ou tirassem-lhes os empregos, porque tudo isso podiam fazer, mas o que não podiam fazer, era atacar-lhes a sua propriedade, retomando-lhes os. seus ordenados; porque, Sr. Presidente, já o disse, e torno a repeti-lo, o ordenado de um empregado, depois do serviço prestado, tem tanto direito a ser respeitado como outra qualquer propriedade, por mais sagrada que seja!... Ninguem lho póde expoliar!...

O Sr. Presidente: — Peço ao digno Par que se abstenha de empregar uma ou outra expressão, que por ventura possa ser taxada de má intenção.

O Orador: — Eu agradeço a V. Em.ª á correcção que acaba de me fazer; no entanto sempre direi que a palavra expoliação, de que tanto se offendeu o Sr. Ministro do Reino, está em todos os diccionarios da lingoa portugueza, e se ahi procurar a palavra violencia hade achar que é synonimo de expoliação, e os Srs. Ministros usaram das palavras violentos sacrificios!.'.. Sr. Presidente, a sanctidade da applicação de uma cousa, a justiça dos fins, não justifica a violencia ou a injustiça dos meios, nem muda a natureza do facto quanto á violencia ou usurpação que se empregou; por exemplo: eu sou irmão da irmandade de Santa Cecilia e da do Santíssimo Sacramento (riso). Ora, graças a Deos que já fiz rir uma vez, porque infelizmente esse talento não me deu a natureza. Mas suppunhamos que eu por ser irmão daquellas irmandades, e desejando, para objectos do culto divino, dar-lhes uma esmola muito mais avultada do que aquella que costumo dar em relação ás minhas posses, me dirigia a casa de V. Em.ª, tirava-lhe alguns castiçaes de prata que tinha sobre suas mesas, vendia-os, e ia offerecer o seu producto a essas irmandades, que peso teria esta esmola?... V. Ex.ª á vista do Evangelho, e eu como Juiz, sabemos a qualificação e o nome que tem a acção que assim se houvesse praticado!...

(O Sr. Ministro do Reino: — Para uma explicação.)

Não e este de certo o momento mais proprio para discutir o Decreto de 3 de Dezembro, hei de vir a esse campo mais larga e mais detidamente, por agora, Sr. Presidente, tracto da materia tanto quanto tem relação com a resposta ao discurso do Throno, a fim de medirmos bem as palavras que convem empregar ácerca desse Decreto, e mesmo para justificar as emendas que acabo de mandar pare a Mesa.

Sr. Presidente, o Sr. Ministro do Reino, para attenuar ou desculpar o acto da promulgação do Decreto de 3 de Dezembro, foi lançar uma espe-