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tomou cada um desses caracteres durante a ultima lucta; e podia mesmo acontecer, Sr. Presidente, que dahi se podesse colher o conhecimento de qual seria a posição, que esses caracteres tomariam no futuro. Eu pedi pois a palavra, Sr. Presidente, quasi maquinalmente, e foi, quando, havendo o meu nobre amigo <ó Sr. Conde do Tojal, respondido a muitas das accusações feitas na, penultima Sessão pelo D. Par o Sr. Conde de Lavradio, foram essas accusações repetidas hontem por um bravo General, que se senta no lado opposto, como se ainda não estivessem refutadas: pedi então a palavra; e confesso que depois me arrependi, por que a materia de que tenho a tractar é de grande magnitude e importancia, como são os objectos de fazenda; e não sei, Sr. Presidente, se diga, que é a mais secca e árida, que se traz aos Parlamentos.
Começarei perguntando, Sr. Presidente, qual é esse profundo politico, qual é o observador mais sagaz e penetrante, que possa achar o verdadeiro fio da nossa historia financeira, no fio dessas continuas vicissitudes politicas por que temos passado? Um exemplo por muitos em contrario. Depois de bastantes planos e programmas malogrados, feitos pelas Administrações de Setembro, sem duvida com muito bons desejos, mas malogrados pela força das circumstancias; appareceu uma medida que se não póde negar fosse altamente organisadora: essa medida foi o complemento da dotação da Junta do Credito Publico; mas esse grande passo dado em 1838, foi, logo em 1839 quasi destruido, ou pelo menos soffreu um grande golpe; e note-se que soffreu esse golpe dado pelas mesmas personagens, que tinham tomado essa interessante providencia (apoiados). Eu fallo assim, Sr. Presidente, por que é membro desta Camara um D. Par, que exercia o cargo de Ministro da Fazenda. Esse Ministro tinha então diante de si, seis mezes de uma receita muito escassa; tinha apenas 450:000$000 de réis mensaes; e só no fim do anno é que via os rendimentos do Estado desembaraçados. Esse Ministro pedia na outra Camara, que se lhe desse authorisação para emittir Bilhetes sobre a decima, que se acabava de vencer, mas que ainda não era cobravel; esta proposta de S. Ex.ª foi remettida á Commissão de Fazenda daquella Camara; e essa Commissão fraccionou-se em tres differentes opiniões. Era uma approvar-se a proposta do Ministro; a segunda não conceder-lhe auxilio nenhum nem authorisação, para fazer assim com que o Ministro, com aquella imparcialidade que lhe era conhecida, fosse repartindo a renda mensal pelas necessidades do Estado, até chegar ao ponto em que as rendas publicas eram desembaraçadas; a terceira opinião foi, que se fizesse uma operação mixta de 4000:000$000 de réis, baseando esta operação nas sobras do rendimento da Junta do Credito Publico, que então tocavam quasi 300:000$000 de réis. Foi esta ultima opinião a que infelizmente se adoptou, e deste modo destruiu-se o nucleo que devia fazer face á divida externa, e alimentar as bem fundadas esperanças dos credores inglezes, os quaes tractaram logo de reclamar perante o seu Governo, da maneira insolita com que continuava a desattender-se a sua divida, aliás muito respeitarei, porque seus fundos tinham servido para a nossa restauração, e das nossas liberdades. Daqui seguiu-se, Sr. Presidente, a necessidade absoluta, em que se viu o Ministro da Fazenda immediato, de tomar alguma, medida que os applacasse; e daqui se seguiu por tanto a operação, que de accordo com seus credores, reduziu o juro a metade, repartindo o peso da outra metade pelos annos vindouros, em uma escala ascendente.
Este e muitos outros exemplos, que eu podia referir, vem em apoio das reflexões que acabo de referir. Erros teem commettido todas as Administrações, e teem-nos commettido, porque o estado do paiz tem sido muito difficil, e difficil por conseguinte o descobrir o verdadeiro meio de remediar os males financeiros; mas na difficuldade de adjudicar, com justiça, os erros e os acertos a cada um dos Ministros a quem competem, por essas difficuldades em que eu, como muitos outros, me encontro, não devia ter pedido a palavra, não devia ter interrompido a tão solemne discussão que se tem encetado: já agora a retirada seria fraqueza; preferi confiar tudo da paciencia dos meus dignos collegas.
O D. Par que hontem fallou do lado opposto, fez a seguinte accusação á Administração, de que tive a honra de fazer parte — essa Administração, longe de deixar tudo pago, deixou enormes dividas com todos os teus juros accumulados e todos os gravames que as costumam acompanhar: não foram os erros da revolução do Minho, foram esses emprestimos as causas de todas as nossas desgraças.
O D. Par que no mesmo sentido havia fallado no dia antecedente, tinha dito: emprestimos, impostos, e antecipações, credito falso, eis-aqui o programma dessa Administração! Chamaram as Companhias para em nome dellas extorquir o dinheiro dos Capitalistas, e arruinarem o Banco; fizeram a enorme divida de 7000:000$000 e com todas estas antecipações e emprestimos, não se atreveram a trazer os pagamento em dia. Se eu não fôr exacto no que vou expondo, espero que os D. Pares tenham a condescendencia de me corrigir.
Referindo-se a um folheto assás conhecido, affirmou que o atraso dos pagamentos era de quasi 6 mezes. São accusações, Sr. Presidente, na verdade bem fortes, e que deveriam acabrunhar todo o Membro daquella Administração, que não estivesse forte na sua consciencia! Eu pretendo, portanto, demonstrar quaes foram os esforços repetidos, que fez esta Administração para a completa organisação das finanças; eu pretendo demonstrar que este foi sempre o seu pensamento dominante;, e de passagem direi tambem alguma cousa sobre outra accusação, que, na minha opinião não é menos importante, porque o D. Par disse — que essa Administração nenhum pensamento tivera em favor da industria, nenhuma medida tomára em favor do commercio, e nenhum pensamento teve em favor da agricultura, que definhava de miseria. Eu, Sr. Presidente, estou persuadido, de que os dous D. Pares senão combinaram sobre essas terriveis accusações.
Ambos os D. Pares fizeram aqui profissão dos seus principios politicos; toda a Camara sabe, porque o ouviu, que são principios diametralmente oppostos: e não creio por tanto, que anteriormente se combinassem. Mas é certo que alguma opinião se deve ter formado, á qual os D. Pares foram procurar este thema de accusação inclino-me a crer que aforam procurar aos jornaes. Empregaram certas cifras que me fazem pensar, que as suas accusações se firmam mais no que tem; dito essas folhas periodicas, do que nos documentos officiaes. Eu que tambem leio jornaes; que me custa passar um dia sem os lêr; e vejo os de uma e outra côr politica; acho comtudo, e achei sempre, que senão deve ir buscar nelles o fundamento para essas accusações, gravemente apresentadas no parlamento. Os jornaes quanto mais habeis forem os seus redactores, os seus traços devem ser mais atrevidos e fortes; mas nós aqui devemos ser mais meditados, e devemos apoiar-nos mais nos documentos officiaes; e com isto não faço injuria nenhuma aos jornaes, antes me felicito do seu adiantamento, porque nunca vi a imprensa periodica em Portugal como está hoje, e isto é thermometro, é na minha opinião mais um signal, de que nós avançamos, e de que a liberdade em Portugal não retrograda.
Mas, Sr. Presidente, antes de ir mais longe, será bom que eu diga, que ainda mesmo quando aquelle alcance existisse, o argumento não colhia, porque lhe faltavam elementos indispensaveis. Era necessario em primeiro logar saber, qual era o alcance existente quando esta Administração entrou no exercicio (O Sr. C. de Thomar — Apoiado); era necessario outro elemento importante — quaes foram as quantias das receitas annuaes, que o paiz não cobrou. É certo que muitas não foram cobradas, não só porque houveram duas eleições geraes durante aquella Administração, que não são os periodos mais proprios, como já aqui se tem dito, para cobrar tributos; e de mais a mais tractou-se de ensaiar o systema da contribuição de repartição. Quando se vai ensaiar uma medida financeira, o Thesouro soffre, a cobrança é mais demorada, e portanto estes elementos desfavoraveis influiam, na minha opinião, para tornar improcedente o argumento dos D. Pares.
Sr. Presidente, tambem direi que Estado, ou o Thesouro, não ficou devendo 6 mezes; e é facil de se averiguar isso. Todo o mundo sabe, pelo menos todos os que são empregados publicos, que o ponto ou salto que se fez em Junho foi de 5 mezes; os de Maio e de Junho, são da Administração de S. Ex.ª, os quaes com os 3 de Fevereiro, Março e Abril, prefazem esses 5 mezes de todos conhecidos, e por consequencia o atraso não era de 6 mezes. Eu não duvido de que se me poisa dizer que nas Provincias os empregados estavam mais atrasados: é verdade; mas por outro lado os prets existiam em dia; as ferias dos Arsenaes e muitos outros pagamentos desta especie, estavam em dia. Insisto portanto, em que o atraso era de 3 tres mezes; e, Sr. Presidente, creio que não eram necessarios grandes esforços ao Sr. Ministro da Fazenda de então, para pôr estes pagamentos perfeitamente em dia. Mas naquella occasião, as Companhias rebatiam os soldos a 1 por cento, e a 3 quartos ao mez, e sendo este desconto de tal modo razoavel, ninguem deixará de confessar, que não era este objecto o de maior urgencia, a que o Governo devia occorrer, e que outros havia a que o Governo devia attender de preferencia. E aqui estamos nós nas Companhias, que se diz o Governo creou, para permeio dellas esgotar todos os capitães dos habitantes de Lisboa, e do Reino.
Não foi assim, Sr. Presidente: muito longe disso (O Sr. Conde de Thomar —Apoiado). Essas companhias reuniram-se, crearam-se a si mesmo, o Governo não fez mais do que dar-lhe authorisação que a Lei exigia. Estas companhias crearam-se, e porque?... Porque tinham observado a marcha do Governo, durante dous annos e meio; tinham visto os esforços, que elle constantemente fizera para cumprir religiosamente os seus contractos; para consolidar as fortunas adquiridas pelos particulares: essas companhias tinham diante de si sobejos motivos para ter confiança no Governo. Entenderam que era um Governo forte, um Governo de Lei, e um Governo capaz de suffocar revoltas: tiveram confiança nelle, crearam-se, e o Governo deu-lhes a protecção que devia dar. Creou-se primeiro a Companhia Confiança; depois a Companhia das Obras Publicas: e creou-se depois um companhia para converter a divida externa, companhia importantissima. Tambem se apresentou outra companhia ao Sr. Ministro da Fazenda, para lhe adiantar a importancia de tres semestres da divida externa; e não só esses tres semestres, mas tambem a amortisação correspondente a esses semestres. O Governo attendia a todas as companhias; eram compostas de individuos de todas as côres politicas (O Sr. Conde do Tojal = Apoiado); não tinha feito selecções; e foi até escrupuloso, e por assim dizer, voltou sobre seus passos, porque viu que havia uma especie de febre nos nossos mercados publicos, para crear muitas companhias, e fazerem subscripções exaggeradas: teve receio de que houvesse alguma calamidade; e se com estas que creou houve a catastrophe, que todos viram, que faria senão tivessem havido algumas medidas de prudencia! Essas companhias cercaram o Governo, e offereciam-lhe o seu apoio; e direi mais, e peço aqui attenção particular — estas companhias não emprestaram ao Governo aquillo que nesta Camara se tem dito. Eu peço perdão á Camara; mas é necessario entrar em alguns particulares, é necessario dizer que ellas appareceram depois do Decreto de 30 de Junho, e das suas consequencias.
O Decreto de 30 de Junho, Sr. Presidente, ordenou a arrematação do Contracto do Tabaco, e com essa arrematação impôz um emprestimo de 4.000:000$000 réis: poderá dizer-se que estes 4.000:000$000 réis são um emprestimo das companhias? ou que elle aliciasse as companhias para emprestarem essa quantia, quando o Governo o que fez, foi pôr em praça aquém mais desse o Contracto do Tabaco, contracto que foi annunciado uns poucos de mezes antes? Não Srs: o Governo achou quem arrematasse o Contracto do Tabaco, com o onus que o acompanhava, e o Governo, para o juro desse emprestimo, juro, e distracte, que estabeleceu em 300:000$000 annuaes creou uma receita, ou o que é o mesmo, diminuiu a despeza de 350:000$000 tabem annuaes (apoiados). Todos os Ministerios, por unanime accôrdo, fizeram reducções, e todas na proporção de 5 por cento da despeza, por um accôrdo.
Disse-se — mas essas reducções foram phantasticas, porque se não chegaram a fazer — quanto a mim declaro, que se fizeram na Repartição a que pertenci; e posso affiançar, que as fizeram todos os outros meus collegas: e, Sr. Presidente, ainda quando essa cifra tivesse alguma diminuição, ainda quando na Marinha e na Guerra, alguma cousa tivesse exactamente diminuido essa cifra, que devia, como digo, corresponder a 5 por cento; ainda tinhamos um recurso de que lançar mão, porque o Contracto do Tabaco rendia mais cento e tantos contos annuaes, do que nunca tinha rendido; de maneira que esse Governo desorganisador, e que não tinha pensamento, achou meios com que pagar dividas accumuladas de longa data; achou meios para ter mais rendimentos; e achou meios para pagar juros e amortisações da nova divida, que devia ser extincta no prazo de vinte e tres annos! Sobre este grande acontecimento, é que assentou especialmente o credito do Governo, e assentava muito bem; mas o Decreto de 30 de Junho tinha uma condição, isto é, que elle devia servir para se pagar o que se havia accumulado dos atrazados, e que tanto embaraçava o Governo, devendo o Thesouro entrar na posse de todos os rendimentos dos cofres publicos, para occorrer regularmente á despeza corrente. Eis-aqui a idéa do Governo; mas os capitalistas rodearam logo esse Governo, e disseram-lhe, que era melhor não fazer separação, porque elle podia contar com o seu auxilio; alem de que, nenhum governo podia passar sem ter uma tal ou qual divida fluctuante; e aprova era, que todos a tinham. E o Governo andou de tão boa fé neste negocio, que sereunio com todos os capitalistas, e o Banco, e nessa reunião todos accordaram, em que era melhor não fazer a separação que o Decreto indicava, porque elles estavam promptos a adiantar ao Governo o que lhe fosse necessario (O Sr. C. do Tojal — Apoiado): por tanto, já se vê que não houve a menor coacção, nem engano para com esses capitalistas; e elles mesmos, passado algum tempo, se cotaram para fazerem o adiantamento de 1.600:000$000 de réis a certos prasos rasoaveis, dando a Companhia Confiança Nacional 800, o Banco 400, e a Companhia Folgosa — Junqueira 400, a fim de darem largas ao Ministerio, que tinha de entrar n'uma mudança de systema financeiro, ou de impostos, mudança que, como todas as desta natureza, se devia presumir que acarretasse grandes estorvos ao Governo; mas é porque aquelles capitalistas tinham a certeza, de que esse Governo mantinha rigorosamente os contractos, e porque o Governo nunca disse a ninguem — vós sois agiotas, fizestes grandes lucros, logo perdei — não, senhor: este Governo, Sr. Presidente, o que queria era consolidar todos os lucros, e as provas ahi estão.
O Governo foi auctorisado a levantar 2.000:000$ quando teve logar o movimento de Torres Novas;: mas o Governo não usou desta faculdade, que se lhe tinha dado em toda a sua extensão, porque a auctorisação foi a mais ampla que se podia dar; isto é, para se levantarem esses 2.000:000$000, de todo e qualquer modo que o Governo julgasse mais conveniente — e o Governo limitou-se a antecipar as decimas, antecipação que devia pagar, e com effeito pagou depois com os proprios rendimentos ordinarios do orçamento. (O Sr. C. do Tojal — Apoiado.) Quando chegou a época do Governo fazer esses pagamentos, viu-se em grandes apuros, e então o Sr. Ministro da Fazenda lembrou-se de crear algumas inscripções; mas a Junta do Credito Publico resistiu (O Sr. C. do Tojal — Apoiado); e isto são factos que estão na memoria de todos. Não faço censura a essa Junta, ainda que os pareceres dos Procuradores Geraes da Corôa a Fazenda eram a favor do Governo; mas antes estimo, que a Junta do Credito Publico se tornasse recalcitrante, pois a desejo vêr sempre resistente, — menos polidamente reluctante, se tanto fôr preciso, quando se tracte de objectos de similhante natureza: no emtanto o Governo não, levantou um real, e essas despezas que teve de fazer, foram feitas com a sua receita; e essas despezas da guerra, que vieram jantar-se a outras extrardinarias, dentro e fóra do Reino, como todos sabem, foram a caua da tentativa da arrematação do Tabaco, a qual foi coroada do melhor successo; e o Governo que procurava lançar mão dos seus proprios recursos, é agora accusado do tenebroso proposito de arruinar o Banco! O Banco, que foi quem menos auxiliou o Governo nesses ultimos annos! O Banco, que sendo uma associação daquella força, emprestou, como acabo de referir, o mesmo que emprestaram dous unicos homens, os Barões da Folgoza e da Junqueira! Como é possivel dizer-se que o Governo arruinasse o Banco? E tanto mais, que ainda ha outra razão que devia ser presente a quem avança taes proposições. Ahi anda uma lista das emissões do Banco, publicada não sei se pelos Commissarios que foram examinar o seu estado, ou se pela Junta do Credito: quem a examinar ha de achar, que nos annos das maiores emissões, foi justamente quando o Banco forneceu menos dinheiro ao Governo: fallo destes ultimos annos. Estas provas são reaes.
Ora agora, Sr. Presidente, no outro ponto grave de accusação — de que o Governo não tinha pensamento de favorecer a industria, nem o commercio, nem a agricultura, temos muitos factos em nosso abono. A Administração de que eu tive a honra de fazer parte, começou por fazer o maior serviço á Provincia do norte. Começou, Sr. Presidente, por fazer o maior serviço ao ramo mais importante da agricultura de Portugal, e te-lo-hia feito completo, se uma preoccupação dos proprietarios da Estremadura, não fizesse com que se oppozessem ao exclusivo das agoas ardentes, que o Governo pretendia dar á Companhia dos Vinhos do Douro (apoiados). Sr. Presidente, ha casos e ha circumstancias, em que senão póde contrariar uma opinião que está muito arreigada, e é preciso então esperar pelo tempo, posto que hoje aquella idéa, desconfio eu se tornasse impraticavel. É certo com tudo, que se ella se houvera adoptado naquella occasião, o Governo teria economisado 150:000$000 annuaes, que então se destinavam para favorecer aquella agricultura. E note-se bem que, quando fallo em favorecer, nem por isso pertendo dizer, que essa quantia seja um dom gratuito; que se faz aos lavradores do Douro, por quanto toda a gente sabe, que todos os generos do solo, e industria portugueza sahem livres pela barra fóra, em quanto que o vinho do Douro paga um grande direito; ainda que se diga que esse direito é pago pelo consumidor, não ha duvida alguma, em que o onus do consumidor reverte tambem, de certo modo, em prejuizo do productor, se o Governo lucra com esses direitos, tambem não é muito que do seu lucro deixe uma quota parte, para os que delle são victima. E chama-se a isto ser indifferente ao progresso da agricultura, a essa Administração que pediu, e obteve das Côrtes a authorisação, para, mediante uma Corporação desta Capital, fazer emprestimos aos lavradores a juro de 6 por cento! Seria eu que cançasse a attenção da Camara com a ostentação de outras providencias em beneficio dessa mesma agricultura? Embora não mereçam elogios, mas parecia-me que de modo algum mereciam as accusações dos D. Pares, nem o stygma que se lhe quiz lançar.
A nossa industria, o nosso commercio, disse o D. Par, foram despresados, não se olhou para nada que podesse promover o seu melhoramento! Mas por ventura atacamos nós as Pautas em desabono dessa industria, ou fizemos alguma cousa que apresentasse tropeços a esse commercio? Nós não deixámos de procurar quanto podemos, relacionarmo-nos com todas as nações da Europa; e a Camara perdoará que eu falle agora da minha pessoa. Não disse eu, apresentando um relatorio nesta e na outra Camara, que todos os portos estavam abertos á bandeira portugueza, como o podiam estar á bandeira ingleza? Querer-se-hia que o Governo especulasse por sua conta? Não por certo. Tinhámos geralmente as mesmas vantagens de que gosavam as nações mais poderosas.
Pelo que respeita a tributos, não nego que o imposto do sal causou bastante descontentamento; mas, sem de modo algum me negar á responsabilidade posto que fosse um tributo votado em ambas as Camaras, eu podia dizer, se me fosse permittido, de que qualidade de pessoas, aliás respeitaveis, sahiram estes e outros alvitres.
Sr. Presidente, os Ministros tambem foram victimas da idéa do optimismo, e este optimismo tem derribado muitas Administrações. Quando Se tractou do imposto do sal, ferro, linho, e creio que de outro sobre o consumo da carne, não havia mais do que um deficit entre 300 a 400:000$, e aqui estão muitos D. Pares, que sabem do processo que então se seguiu Fortes e infelizes tendencias havia então para uma certa força de symetria, para um certo desejo de optimismo, em uma palavra, para que não houvesse deficit algum, e foi isto certamente uma exagerarão nas nossas idéas, aliás de ordem, e boa organisação, porque me parece que não havia necessidade de criar tributos novos, a que o povo não estava acostumado: (fallo do sal) pela differença de 300, ou 400:000$000 entre a receita, e a despeza do anno. Entretanto na Commissão de Fazenda entendeu-se, que não devia haver deficit nem de um real, e o Governo teve de se ligar á sua opinião, porque o Governo nem sempre dirige as Camaras, e para as dirigir é necessario tambem condescender com opiniões, que se formam de uma maneira algumas vezes enthusiastica.
Tornando ainda ao objecto, darei outras provas, de que as accusações aqui apresentadas são destituidas de fundamento. Um dos meios de achar a situação da Fazenda, é comparando o onus annual de uns certos annos com o onus annual do tempo presente. — Ora, examinando eu qual ora, a somma dos juros que se pagava ao estrangeiro no anno de 1835 e 1836, com a que se pagava no anno de 1845 e 1846, acho que a ultima somma é menor do que a primeira, sessenta e tantos contos. Eu tenho aqui um mappa, e declaro que é o unico documento que trouxe, porque de hontem para hoje não tive tempo de os colligir.
Não o lerei, que é um pouco extenso; mas acho nelle que no anno economico de 1835-1836 eram os nossos encargos no estrangeiro 1.321:000$000, numeros redondos, e no de 1845-1846 eram de 1.251:000$000. Ora eu bem vejo, que isto tem uma resposta muito concludente, e eu a vou dar á Camara, antes que alguem se me anticipe, e é a de que no anno de 41 se fez a reducção da divida, pelo aperto, como já observei, das, circumstancias em que nos achavamos, não tendo já que responder aos credores estrangeiros.
O Ministerio, Sr. Presidente, devo ainda repeti-lo, viu-se obrigado a fazer a reducção na divida, a pagar metade, e depois 3, e depois 4 por cento, e a lançar a outra sobre os annos futuros.