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tamento; e atrás delle quem sabe, Sr. Presidente, quantos virão! quantos se terão feito já! (apoiados).
Sr. Presidente, eu achei justo, necessario, e digno, que um D. Par que se assenta nesta Camara, e que tem occupado altos lugares no paiz, alevantasse a sua voz em justificação das accusações que se lhe fizeram; e digo que até ha mais tempo elle o devia ter feito. Mas a generesidade? Mas a grandeza d'alma? Fez se essa defeza; mas deu-se o exemplo de ir-se revolver as causas do passado, desse passado que devia estar cem annos distante de nós, e que não está mais de doze: esse passado que devia ser respeitado por todos os lados desta Camara. Oxalá que todos nós dessemos as mãos e não fallassemos mais nesse passado! todos nós temos culpas, a começar por mim: quantos erros não terei eu commettido na direcção dos negocios publicos?! Só posso dizer, Sr. Presidente, que os dirigi honestamente, e sempre com vistas de fazer bem a este paiz onde nasci, e que me tem ellevado a uma situação brilhante, que se não póde comparar com o meu humilde nascimento.
É comtudo facto, Sr. Presidente, que os erros em politica são sempre avaliados como crimes: isto é injusto; mas é assim. Eu não faço o processo a ninguem: quando eu contar os factos como os vi; quando eu os contar com a sinceridade que me caracterisa, e da qual me não afastarei; poderei vê-los mal, outros os verão melhor; mas ninguem me excede na sinceridade com que vou fazê-lo. Muito embora me chamem fatalista; mas quem poderá sustentar, que casos ha muitas vezes, que fazem com que se não possam oppôr meios ao andamento das cousas? Ninguem.
Sr. Presidente, ahi está esse acontecimento, que eu não attribuo a ninguem, que foi julgado mal na Europa, e não admira que o julgassem mal os que estavam distante delle, porque tambem o julgaram mal os que estavam perto. E poderei eu julgar esses acontecimentos? Mas dir-se-ha — e vós que tanto censuraes os que metteram a mão no passado, para que ides metter as mãos nesse abysmo? Eu o farei sem offender ninguem.
Perguntou-se, Sr. Presidente, qual o estado do paiz antes de Maio de 1846, e disse-se — o nosso paiz estava rico e prospero; havia grandes esperanças e grandes meios; o Governo tinha emprehendido as melhores obras; havia calculado os melhores systemas financeiros e administrativos; os pagamentos andavam regulares; o credito achava-se florescente. Convenho que tudo isso assim fosse; mas dirá alguem que o paiz estava satisfeito? Dirá alguem que a creação da Companhia das estradas, e desses estabelecimentos monetarios, tendia tudo isso a inspirar confiança no povo? Eu entendo que não, Sr. Presidente, e direi que vi apparecer na creação desses estabelecimentos uma precipitação, e loucura com enthusiasmo; parecia que se sonhava com o El Dorado (apoiados). Os capitaes das provincias affluiam aqui para entrar nessas Companhias; todos procuravam aonde se vendiam as suas acções, porque as idéas de obter grandes premios fazem com que o povo se illuda: isto mesmo acontece em toda a parte, e em toda a parte isso tem acontecido, o precipicio é certo: appello para o testimunho do D. Par Conde do Tojal, que é muito esclarecido nestas materias, S. Ex.ª o poderá dizer melhor do que eu.
Entretanto, Sr. Presidente, havia uns certos receios na população, e nessa provincia a mais rica e industriosa de Portugal (e não fazendo comparação odiosa com nenhuma das outras), a de mais actividade, e maior industria, e aquella onde, seja-me licito dizer, ainda se encontram muitas virtudes antigas: essa provincia, a do Minho, foi aquella que appareceu mais disposta a causar receios e anciedades.
Sr. Presidente, discutiram-se mal certas leis, e por assim dizer; enfeichavam-se umas com outras, e muitas dellas de grande interesse (apoiados). A lei da saude, a da contribuição de repartição, a do sal, bem sabia o Governo e todos nós membros desta e da outra Comara, que não eram bem recebidas no paiz. A lei de saude foi mal executada, especialmente na provincia do Minho. Já o D. Par, que encetou esta discussão declarou, que a má execução da lei de saude era devida aos empregados do Governo: é verdade isso, todos eram maus empregados, e sacrificaram o Governo, porque vexavam os povos; porém o Governo é que é o culpado, pela má escolha que fez desses empregados, tendo só em vistas pagar serviços eleitoraes, e não ir procurar o merecimento e a capacidade.
Sr. Presidente, eu confesso que tambem premiei com empregos publicos serviços eleitoraes: isso é um erro, é uma fatalidade (apoiados). Mas é forçoso confessar, que se estendeu a muito esta concessão de empregos por taes motivos, e especialmente de empregos para executar leis, que exigiam do povo pagamento de tributos novos. Então se disse, que as mulheres do Minho, receiosas de perder as suas tranças; que os homens do Minho receiosos de vêr perder a sua propriedade; aquellas se levantaram, e inspiraram a seus maridos o desejo ardente de tomar as armas, e elles o fizeram para desaggravar as tranças de suas mulheres (riso). É preciso confessar, Sr. Presidente, que o povo de vez em quando adoece, e acontece-lhe o mesmo que aos enfermos físicos, os quaes vêem em sonhos espectros e fantasmas: todos se lembrarão de que em 1808, no tempo dos francezes correu no Porto a noticia do que George III estava alli para se baptisar, eu estava lá nessa occasião, e porque não dei assentimento a essa noticia, iam-me matando (riso prolongado). Em taes tempos é necessario contemplar o que é o bom senso do povo, esta especie de instincto advinhador, de que ninguem sabe dar a razão, e dizem que é a simplicidade das gentes simples e rusticas, que confunde umas cousas com outras: é pensar escusado!...
Sr. Presidente, a lei da contribuição de repartição é sem duvida, quem o póde negar, a primeira, talvez hoje mesmo a mais necessaria para as nossas finanças (apoiados), e para o regular e igual imposto que o povo deve pagar ao Governo, que o defende e protege. Eu convim nisso, e pelo menos esse foi sempre o meu modo de pensar, e a minha opinião profunda ha muito tempo; mas ha outras opiniões contra; e esposando aquella idéa entendo, que da plantação, por assim dizer, deste systema com prudencia e cautela, e feito com o pleno accordo, muito prevenido, dos representantes da Nação nas duas Casas do parlamento, porque nós tambem somos representantes da Nação (apoiados), o systema será bem recebido, escolhendo-se o mais claro, que foi sobretudo o que faltou a esta lei. Eu estou persuadido de que a confusão e os mysterios, foram umas das causas para a maior parte do povo a não entender: a mim tambem me custou a entende-la, e sou povo que lê, e sei tambem que o Sr. Conde do Tojal se viu, em certa occasião, algum tanto confuso para a entender... (O Sr. Conde do Tojal — O Sr. foi o auctor disso, e mandei fazer a sua declaração por errata.) Mas, Sr. Presidente, isto não é crime, erramos todos, mas aqui houve uma certa justificação da repulsa, que o Governo mostrou á tal lei: ha uma certa razão, se razão se póde dar; mas não appliquemos a culpa ao povo, que muitas vezes tem razão. Sr. Presidente, esta lei foi annunciada neste tempo, ou especie de estação doentia em que o povo estava: desconfiou della, não se fez necessario que fossem commissarios dizer-lho, porque ninguem tem medo por se lhe dizer tenha medo, nem deixa de o ter por lhe dizerem que tenha valor. Sr. Presidente, ha em nós um pensamento intimo a que se não resiste (e ponha cada um a mão no coração)... o povo estava assim, era necessario desengana-lo, e este não era o meio proprio para o tranquillisar.
A lei da contribuição, pois, visivelmente foi rejeitada pela opinião publica em geral, e ella tinha sido votada em ambas as Casas do parlamento; e aqui permitta-me a Camara lhe observe, que é necessario ter uma grande cautela em não confundir o que é a opinião publica nacional, e, a maioria parlamentar. Quasi sempre nos enganamos: eu ouvi muitas vezes dizer aos membros daquella Administração, e a um meu amigo muito antigo, relativamente á nossa idade, e a minha não é má; e ouvi dizer-lhe — mas nós temos as maiorias! — Errada e funesta prevenção é esta! Quantos governos constitucionaes e representativos tem tido maiorias que é necessario destruir, porque não representam a opinião da Nação?! Sr. Presidente, o Governo constitucional é a opinião publica, que nem muitas vezes se representa nas maiorias parlamentares (apoiados). De outra sorte, o illustre Auctor da Carta daria ao Poder Moderador a faculdade de dissolver a Camara popular, se não fosse necessario consultar a opinião publica por meio das eleições? Mas, Sr. Presidente, deixemos isto, que eu volverei de outra vez a esta parte.
É certo e indubitavel que esta Lei, a das estradas, e do imposto sobre o sal, e outras, augmentaram esse desgosto, esse tedio e desfavor que se via e observava em toda a parte. Aqui se disse — mas a Lei das estradas que nasceu da opposição, como póde ella ser mal recebida pelo poro de quem toda a opposição vem ser o representante? O pensamento é este; talvez não sejam exactas as palavras, e quando me dirigir para V. Ex.ª (para o Sr. Conde de Thomar) queira dizer se sou exacto, porque o não quero atacar em cousa alguma... (O Sr. Conde de Thomar - Eu disse que sahindo aquella Lei da opposição, fóra esta depois quem a combatêra). Desejo muito ouvir o D. Par — a propria opposição combateu a propria Lei, que não era a mesma (apoiados), e que tinha sido deturpada, porque na Camara dos Srs. Deputados se estabeleceu uma provisão, para inspirar confiança ao povo sobre a boa applicação deste imposto. A Lei, Sr. Presidente, já se disse que teve origem n'um homem meu amigo, o Barão da Folgosa; quando voltou da sua viagem á Italia, fui eu o primeiro a quem elle communicou esse pensamento, e depois aos Srs. Conde de Lavradio, José Antonio Maria Sousa e Azevedo, e Barão de Chancelleiros; e ha outra singularidade maior, de que o D. Par se ha de lembrar — que ella ia ameaçando uma crise ministerial, porque eu tinha ido a uma sociedade, e que não era muito leal; eu nunca faltei á lealdade; mas felizmente a minha opinião satisfez.
Ora pois, Sr. Presidente, o ponto mais importante desta Lei foi essa provisão da nomeação de uma Commissão popular e elegivel, que fosse depositaria do producto desse imposto; foi, entendo eu, esta garantia que produziu a docilidade, e para assim dizer, a alacridade com que de toda a parte o povo concorria para uma obra tão necessaria ao nosso Paiz; mas entenda-se bem, que nisso não ha axioma, creio que não... Sr. Presidente, fez-se de outro modo, talvez para melhor; mas descontentou o povo. Uma Companhia, julgo que a das Obras Publicas, pediu receber este producto, e desde que aquella provisão se decretou, desde logo se notou a reluctancia com que o povo contribuiria; e dahi vem a cantiga do cruzado, e outras desta natureza. -Pois não era melhor combater o que já passou? Este foi o facto. Eu sempre entendi, que era melhor como passou na Camara dos Deputados e nesta Camara, e seria melhor dá-la á execução assim: iriamos mais de vagar, e mais seguros, do que dar um similhante documento, quando se não podia tocar naquella imposição sacratissima para as vias de communicação, sem as quaes não ha civilisação possivel, nem prosperidade em ramo algum, nem commercio, nem agricultura (Sr. V. de Fonte Arcada — Nem administração. Eu ouvi dizer ao D. Par, o Sr. Gomes de Castro, que crê necessario que fossemos por diante, ainda que se precisasse de fazer sacrificios para renovar os trabalhos publicos. Sim, senhor, convenho nisso, e espero que todos nós conviremos quanto podermos; mas entendêmos que se faça para proveito de todos: eu não digo que aos emprehendedores se não dê a justa retribuição e interesse do seu dinheiro e trabalho; mas não devemos fazer contactos, de que depois nos venham pedir indemnisações, como já as teem pedido a mim por outros contractos, que outros fizeram, porque os fizeram imprudentemente: ao menos erros passados que a Nação paga; aprendamos para a não fazer pagar noivas erros para o futuro. - Muitas Camaras do Reino tinham representado contra o imposto do sal. Eu, Sr. Presidente, não entro agora no merito da lei; mas por curiosidade tendo lido alguma cousa das nossas antigas Côrtes ou tres Estados, desde o seculo XIV até agora, e tenho visto sempre uma especie de conflicto entre os povos e o Governo, por este querer um imposto para o sal; e aprendamos da experiencia, que ha certos prestígios que custam muito a destruir. Eu não vejo um só exemplo contra qualquer imposto que lançava o Rei; mas as Côrtes gritavam sempre contra este imposto do sal. Sr. Presidente, existe não ha duvida nenhuma esta indisposição, este descontentamento, esta desconfiança de esperar do presente peiores males para o futuro: isto e da natureza humana...
Eu não sei se o Governo entendia que eram exactas e verdadeiras as noticias, que sem duvida deveria ter dos seus agentes e amigos; mas elle estava perfeitamente illudido. Eu persuadia-me então, que era impossivel pudesse o Governo existir, e existir, Sr. Presidente, contra a maxima parte da opinião publica, a qual tão abertamente começava a manifestar-se; porém o Governo nenhum peso lhe deu, e muito socegado repousava n'um leito de rosas, conscio sem duvida dos bons sentimentos que em si nutria. O Governo firmava-se em sua consciencia, como é milito natural; mas infelizmente enganou-se, e enganou-se de maneira, que já lhe não podia dar remedio: custava-me a acredita-lo, porque eu que não pertenço a Roma nem a Carthago, recebia continuadas participações do immenso disgosto que lavrava na grande parte das povoações, e não quero eu agora dizer os nomes das pessoas aqui presentes; pessoas affectas ao Governo, com as quaes eu muitas vezes conversei, e lamentava que o Governo não quisesse acreditar o estado em que estava, nem o fosse pausadamente examinar; mas o facto é que o Governo assentou, que seria melhor ir attribuir o objecto de uma tal, ou qual disposição, de uma disposição mais ou menos parcial, que se manifestava em todo o Reino, ás intrigas da associação eleitoral! Assim o disse ha pouco tempo o Sr. C. de Thomar nesta Casa; e na outra, a que eu então tive a honra de pertencer, assim o disse seu irmão. Esta associação eleitoral apresentou-se como uma especie de magia, ou como um feitiço, que produzia revoluções; e isto é uma daquellas cousas, que quando se diz uma vez julgar-se não ser preciso provar; porque, apparece algum disgosto n'uma Provincia, diz-se logo — é a associação eleitoral quem o promove; dá-se um outro caso em certo ponto, e responde-se immediatamente — é a associação eleitoral quem o produziu; e eu intendo que era melhor examinar-se o que era essa associação eleitoral. Eu não pertenço á coallisão, porque não quiz pertencer a ella; mas não tenho nada que dizer das pessoas da coallisão, e parece-me que posso avançar, que essa coallisão não é esse protento inimigo da patria, da lei, e do Rei, como se tem querido fazer inculcar: — não Senhor, a associação eleitoral era o que diz o seu nome, era o que são todas as associações eleitoraes, que não tractam sómente de eleições, porque não ha nenhuma de um lado nem do outro, que a isso se limite. Mas tractou tambem de fazer partido para o seu systema, para a sua politica; é isto o que hão de fazer esses Senhores, que a compõem, se é que alguns delles aqui estão, porque eu declaro ingenuamente que os não conheço (riso); mas torno a dizer — que elles fazem o que certamente costumam fazer os que pertencem a taes associações. — Mas pergunto eu — essa associação era tenebrosa, clandestina, e mysteriosa? Não, Senhor, porque ella até teve a franqueza de derramar os seus programmas e papeis, e o theor delles foi bem conhecido por todos; e póde-se chamar a isto conspiração? Conspiração, Sr. Presidente, que descobre os seus actos, é no meu entender pouco temível; pois não havia outra associação, que trabalhasse em sentido contrario? Existia, e ninguem o póde negar, porque disso existe alguma cousa (riso), e daqui póde-se concluir, que a opinião publica foi para aquelle lado, por quanto, defendendo cada uma o seu partido, se a associação, chamada opposicionista, teve força para revolucionar os povos, ao passo que a outra e o Governo os não póde accommodar; segue-se necessariamente, que a opinião publica abraçára as idéas daquella, em quanto repulsára as desta (apoiados). Mas nada disto foi, Sr. Presidente, nada absolutamente, porque a associação eleitoral nada fez: a revolução comprehendeu o paiz inteiro, e o facto é publico; mas não se attribua um facto de tal magnitude ás suggestões de uns poucos de homens. Disse-se, não ha muito, que as desordens não tinham nascido da publicação das medidas do Governo: assim será; mas o que o D. Par não é capaz de me citar, é a revolução de um povo que se dá por contente; desafio a quem me prove; porque, Sr. Presidente, qual será oovo que se revolte contra a sua propria felicidade! Pois se o povo é ditoso; se elle florece em todos os seus ramos de industria; se a sua prosperidade ia n'um progresso espantoso; como é que em toda a parte esse povo se revolta contra essa decantada prosperidade! Essa revolução deve ser attribuida a acontecimentos de graves consequencias (apoiados).
Eu, Sr. Presidente, não venho aqui justificar a revolta, nem direi que nunca entrara em alguma; porque, como ha pouco disse, olhasse cada um de nós para o passado e emmudecesse.... não venho pois, nem devia, nesta idade, nem nesta posição, fazer elogios a uma revolução, fosse ella militar ou não militar, parcial ou não parcial, porque as revoluções, quanto a mim são similhantes á lava do Vesuvio, que destroe provincias inteiras: de todos os males, com que a Divina Providencia nos póde castigar, as revoluções são os mais funestos e terriveis (apoiados); porque se nas revoluções, um ou outro homem tem triumphado como os Syllas, os Marios e Cezares; ellas tem constantemente destruido os impérios, elevado o extermínio e a miseria aos povos (apoiados); e se eu aqui explico (no meu modo de entender) a revolução que teve logar na bella Provincia do Minho em 1846, não é para lhe fazer o seu elogio, é, Sr. Presidente, para que peçamos á Divina Providencia, que se não dêem causas a outra; mas.... digo, que pausadamente examinemos as necessidades dos povos, e que os Governos senão enganem quando pensam, que os povos se devem conter á maneira das torrentes.
Mas, Sr. Presidente, levantou-se a Provincia do Minho, e a este levantamento deu-se um caracter terrivel e anomalo, ninguem sabia quem era o seu auctor, porque auctores eram todos, todos pegaram em armas, pais e filhos, velhos e moços, e ainda dos mais distantes e reconditos logares, homens e mulheres correram a ajudar a revolução, e mulheres, com o que se imaginou uma Maria da Fonte, que já que não póde figurar nas paginas da historia das revoluções, figurará nos da historia da fabula moderna.
Sr. Presidente, eu sei que está presente e me escuta pessoa, que presenciou aquelles acontecimentos, e delles teve conhecimento por noticias muito fidedignas, noticias que faziam estremecer, vendo-se o frenesi que, por assim dizer, se apoderara daquelles povos. Um nobre Coronel fez grandes esforços para conseguir acalmar a sua colera; fallo do honrado Coronel Ferreira; outros dignos Officiaes fizeram o mesmo nas Provincias do Norte; e alguns houve que disseram não ser possivel resistir, e que não havia remedio senão encaminha-la, porque a querer-se resistir, só se poderia conseguir com o derramamento de muito sangue portuguez; e disse bem, porque não se deve oppôr ás revoluções, quando tomam similhante incremento, grandes diques como ás torrentes, porque as torrentes dos rios ou os destroem, ou lhes passam por cima, e seguem o seu curso.
Depois que se começou a encaminhar esta doença, ou loucura popular, que quanto a mim, foi o melhor meio de que se lançou mão; depois que lhe appareceram homens que ella procurava, e esperava acudissem aos seus soffrimentos; e depois que os povos viram, que já se não voltavam as bayonetas dos soldados contra seus peitos, mas antes pelo contrario achavam benevolencia, caridade, e desculpa aos seus excessos; foram-se socegando e apasiguando pouco a pouco. Mas eu entendo, que quando esta revolução passou o Douro, degenerou da sua sinceridade, e então estou persuadido, de que houve quem especulasse com ella, e daqui veio aquella celebre carta do Sr. V. de Bretiandos, em que usando daquella expressão franca das Provincias, disse que — escutava detraz da cortina os movimentos populares: outro teria a hypocrisia de o negar; mas elle coitado (riso) foi sincero. Eis-aqui a unica differença que lhe observo; e então para que havemos de culpar um homem, só porque foi sincero? Elle disse que — detraz da cortina espreitava os movimentos que elle reputava filhos da disposição que observou nos povos, disposição para a qual elle tambem tendia, ou porque em fim sympathisava com esse movimento; mas o que vejo de muito extraordinario, é elle acreditar tanto nas forças de Soajo, porque o povo de Soajo, creio não será muito differente hoje, do que era no tempo da invasão franceza, época em que alli haveriam uns tres ou quatro homens, que soubessem escrever, se é que o sabiam; mas o caso é que aquelle povo chamou um escrivão, que não sabia escrever, para fazer uma carta, ou requerimento ao Junot, que começava — «Senhor, livre-nos Vm. dos nossos inimigos castelhanos, que nós nos defenderemos dos francezes, e obedeceremos a Vm. e a El-Rei Nosso Senhor (hilaridade).
Ora nem eu desejo promover esta hillaridade, porque realmente produz em mim certa contracção vêr a fraqueza de um lado, e o poderio do outro; quando vejo arguições que não ha motivo para se fazerem, realmente declaro... mas em mim nada é acreditavel, porque alguem me suppõe um homem muito malicioso (riso), e não ha a menor duvida em se me desfigurar a fórma humana, para se me comparar com o animal mais astuto da fabula (riso), senão faria outra sincera confissão, como a que fez o D. Par V. de Bertiandos, porque segura e simplesmente aquillo, que elle disse estar fazendo, todos o teem feito, todos o fazem ainda hoje, chão de fazer sempre, e por consequencia quando ha um defeito que abrange a todas as côres politicas, em todos os tempos, e para todas as scenas, é melhor não fazer menção delle (apoiados). A proposito: tinha aqui um apontamento, porque era este o seu logar proprio; mas não usarei delle agora, e reserva-lo-hei para outra occasião, pois se o colloquei neste logar, e porque era a ordem em que devia estar, e então direi sómente, que é um ponto com referencia á parte do discurso do Sr. C. de Thomar, em que S. Ex.ª respondeu muitas cousas em desabono do que a seu respeito se disse na Camara dos Communs em Inglaterra, e na Camara dos Deputados em França, fazendo certas exaggerações em que eu reconheço descomedimento. Passo por tanto a um ponto que me parece pouco interessante, e tanto menos o é, quanto o D. Par o Sr. C. de Lavradio, tendo já fallado do Sr. Mousinho, disse delle muito mais do que eu diria.
O Sr. Mousinho, Sr. Presidente, era como nós