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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO DE 8 DE FEVEREIRO DE 1861

presidência do El." sr. visconde de laborim vice-presidente

,-, . . (Conde de Mello

Secretários: os dignos pares Ur. , , „ ,

° r t Visconde de Balsemão

(Presente o sr. Ministro da Fazenda, Antonio José d'Avila),

As 3 horas, achando-se presente numero legal, declarou o sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da sessão antecedente, que se julgou approvada por não haver reclamação em contrario.

Deu-se conta da correspondência.

O sr. Presiãente: — Peço a attenção da camará e do sr. ministro da fazenda para o que vou dizer.

O sr. presidente do conselho lembrou como objectos de grande consideração, e que exigiam a maior pressa na sua fcoluçàoos seguintes projectos: 1.°, o que diz respeito aos vinhos do Douro; 2.°, sobre a desamortisação; 3.°, sobre o credito predial»

Devo dizer a v. ex.a que esta camará tomou estes projectos na consideração que mereciam, e como exigindo a maior pressa; e que hoje informando-me sobre este assumpto, vim no conhecimento, de que em quanto ao projecto dos vinhos, pertence elle á commissão de que é presidente o sr. marquez de Ficalho, no qual a camará não pôde deixar de reconhecer um cavalheiro zeloso e exacto no cumprimento dos seus deveres. Estou certo, e v. ex.a também o deve crer, que a commissão não deixará, de apresentar os seus trabalhos assim que os tenha promptos.

Pelo que respeita ao projecto de desamortisação, sou informado de que a cominissào se tem reunido por vezes, e considerado este objecto como de alta importância, empregando todo o zelo que é possivel para que não seja n'ella demorado; e espero que dará o seu parecer com a possivel brevidade.

A respeito do projecto sobre o credito predial, este assumpto é também de grande ponderação, o por consequência é de esperar que não deixe de ser tratado com toda a cordura, maduresa e prudência, pois a precipitação numa matéria d'esta natureza, em vez de ser conveniente, é prejudicial aos interesses publico*. Confio em que a commissão ha de dar- conta do seu exame sobre este assumpto logo que possa satisfazer aos desejos da camará e do governo.

O sr. Ministro ãa Fazenãa (Avila): — Pediu a palavra para agradecer ao ex,mo n*. presidente da camará a benevolência com que deu esta explicação ao governo; e em segundo logar para declarar á camará que o sr. presidente do conselho o encarregou de participar que não pôde assistir a esta sessão por motivos de serviço.

Diria também duas palavras em relação a um dos projectos de que se fez menção.

Não pôde deixar de dar testemunho da satisfação que elle, orador, teve, quando, chamado ao seio da commissão, viu que o projecto de desamortisação estava muito adiantado; e tanto que se podiam considerar os trabalhos da commissão já concluidos; devendo coíar-se que estes tra-

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balhos são taes, como se pôde esperar da illustração dos membros d'aquella commissão.

Concluía participando á camará que Sua Magestade receberia no dia immediato, ao meio dia, a deputação d'esta camará, encarregada de apresentar á xeal sancção os projectos de lei approvados por ella.

uO sr. Conde de 8amodães:—m&nâou para a mesa tres representações dos lavradores tia freguezia dos Santos Magos, districto do Douro, contendo quarenta e duas assignaturas,, em cujas representações se,agradece a esta camará o ter adiado a discussão do projecto sobre a liberdade do commercio do Douro, pedindo ao mesmo tempo que na resolução d!este objecto empregue toda a attenção que ella costuma prestar a negócios d'esta natureza.

Enviou igualmente outra, sobre o mesmo objecto, dos habitantes da freguezia de Villa Sccca, concelho de Armamar, comprehendendo quarenta e cinco assignaturas.

E, finalmente, ainda sobre o assumpto apresentava terceira dos lavradores da villa e concelho de Armamar, comprehendendo cento e quinze assignaturas.

Aproveitava a occasião de ter a palavra, para ajuntar os seus votos aos do ex.mo sr. presidente, para que a commissão encarregada de examinar esta questão do commercio do Douro dê o seu parecer quanto antes. A incerteza que existe a tal respeito é ainda mais prejudicial do que qualquer decisão que se tome contraria aos desejos manifestados nas representações que apresentou.

É verdade que esta camará fez um grande serviço ao Douro, não discutindo nos últimos dias da sessão passada este projecto, sem aquella madureza e attenção que elle merece; mas também é certo que lhe fará grande beneficio, se agora tratar d'elle, visto que tem occasião para o discutir com a pausa que o projecto demanda. I

Elle, orador, tem a respeito d'este projecto algumas idéas que deseja apresentar; pois ha estudado a questão, não só por ser de interesse publico, como por também ser de interesse particular, pois lhe diz respeito. Por sua parte reduziu a questão a estes principios, que lhe parecem os mais convenientes para se resolver do melhor modo possivel. Estas bases, estimaria que fossem presentes á commissão. Poderia elle, orador, reservar-se para a discussão do projecto, mas convence se de que isto não produziria o resultado que pôde produzir, apresentando-as desde já á commissão, para esta as tomar na devida consideração aproveitando o que lhe parecer aproveitável. Não apresenta as referidas idéas como uma iniciativa sua, quer dizer, como um projecto de lei, mas unicamente como esclarecimentos á respectiva commissão.

Sendo-lhe permittido enviaria para a mesa esse trabalho que não leria por ser muito extenso, pedindo comtudo ao sr. presidente que consulte a camará se ella permitte que sejam presentes á commissão, a fim de se discutirem conjuntamente com o projecto do governo; pois entende elle, orador, que o projecto do governo transacto, e ainda não renunciado pelo actual gabinete, tal qual está, não pôde ser approvado, e que, quando o seja, d'ahi se seguirá grande calamidade para o Douro. Convencido d'esta verdade julga do seu dever, concorrer quanto possa para que, em vez de se discutir completamente a legislação vincular do Douro, ella se reforme de modo proveitoso para aquelle paiz (apoiados), e de forma que se habilite pai-a mais tarde poder, sem abalo, receber a lei da liberdade de commercio; pois não se devem perturbar repentinamente interesses creados ha muitos annos (apoiados), o que é sempre muito prejudicial.

Para provar o que acabava de dizer apresentaria como exemplo aquelle projecto que, por uma reforma de pautas, ia abalar todas as industrias do paiz, e tanto n'esta como na outra camará se aconselhou que não fosse approvado porque iria causar grande mal caminhando-se de repente no que era mister ir pas^o a passo. Qual portanto a rasão por que se não ha de proceder do mesmo modo n'este objecto, também muito importante, e que diz respeito a uma provincia que actualmente se acha n'um triste estado de miséria? (Apoiados.) Deve pois preparar-se este paiz por meio de uma outra medida que o robusteça, para mais tarde poder receber essas leis, contra as quaes elle, orador, não se insurge, pois estão nas suas idéas, mas cuja opportuni-dade não lhe parece apropriada (apoiados).

Como havia dito, poderia ler estes trabalhos; mas, como eram extensos não o fazia para não cançar a camará, pa-recendo-lhe todavia que o melhor modo de os fazer conhecer, tanto á camará como do publico, era a sua impressão no Diário de Lisboa.

O sr. Presidente:—A mesa ouviu com a devida attenção o que v. ex.* acaba de dizer, mas não está na sua alçada obrar de conformidade com o que v. ex.a deseja, sem consultar a camará.

Consultada a camará, approvou-se a indicação do digno par.

O sr. Conde de Samoãães:—Mandou para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos ao governo, e que era do teor seguinte:

«Requeiro que, pela secretaria d'estado dos negócios da fazenda, sejam remettidos a esta camará os seguintes esclarecimentos:

«1.° Qual é o numero de pipas de vinho que têem sido despachadas para consummo nas barreiras do Porto, com designação de quantas são de vinho maduro, e quantas de verde, isto com referencia aos últimos cinco annos civis;

«2.° Qual o producto do imposto que pagam por entrada os ditos géneros no referido periodo;

«3.° Qual o producto do imposto creado pelo primeiro decreto de 11 de outubro de 1852, sobre os vinhos que são exportados pela barra do Douro, e isto também com relação aos mesmos cinco annos;

¦ «4.° Qual o producto no mesmo tempo do imposto sobre a aguardente, creado pelo segundo decreto de 11 de outubro de 1852.

«Camara dos dignos pares, 8 de fevereiro de 1861.= 'Conde de San^odães.D ^

Finda a sua leitura requereu a urgência d'este requerimento, pois tratava de esclarecimentos necessários para se discutir o projecto a que precedentemente se referira.

O sr. Presidente:—Estes requerimentos são de natureza especial, isto é, podem-se decidir no mesmo momento de serem apresentados. Vou portanto consultar a camará.

Consultada esta, approvou-os.

O sr. Marquez de Vallada:—Chamando a attenção do sr. ministro da fazenda, na qualidade de ministro dos negócios estrangeiros, disse que tinha em seu poder alguns documentos, de que não faria leitura, seguindo o exemplo do seu nobre amigo e collega, o sr. conde de Samodães, para não tomar tempo á camará; e pedia pois licença ao sr. ministro dos negócios estrangeiros para lh'os remetter. Tratam esses documentos de alguns factos criminosos, de que é aceusado um alto empregado do estado, e um outro cavalheiro, também empregado. Reportava-se á aceusação feita n'um jornal ao sr. Figaniére, cônsul de Portugal nos Estados Unidos da America. Os documentos de que fazia menção foram publicados no Jornal do Porto, e por este facto foi pronunciado e chamado aos tribunaes, onde foi absolvido pelo jury o redactor do mesmo jornal, o sr. José Barbosa Leão, cavalheiro que não pôde ser suspeito ao governo, pois havia pouco fora nomeado para um logar de confiança, qual o de secretario do governador de Angola. As proposições que avançou aquelle jornal envolvem uma grave aceusação ao procedimento do nosso ministro nos Estados Unidos, pois aceusam-o de nada menos do que ter extorquido uma herança que tinha ficado de um súbdito por-tuguez, cujo nome se acha escripto nos papeis que apresentava. D'essa herança faziam parte umas letras que, segundo se diz, o cônsul as tivera recebido, e posteriormente declarara que não as recebera, nem sabia d'ellas! Existe aqui a familia d'este infeliz, qúe se suppõe ter sido envenenado.

O sr. marquez de Loulé, quando ministro dos negócios estrangeiros, procedeu bom na opinião d'elle, orador, e com aquella circumspecção própria de, um cavalheiro que preside a uma secretaria de tal natureza. S. ex.a mandou in formar de tudo, ordenando ao sr. Thomas Ribeiro dos Santos, que se achava no Porto, para partir para o seu destino, e tomar conta ao antigo cônsul de tudo que se lhe assacava. Assim o fez: existem os officios e documentos que encerram as perguntas, e as respostas a essas perguntas, dirigidas por F. Figaniére ao sr. Thomas Ribeiro dos Santos ; e tendo-se o processo feito na cidade do Porto, acabou por um protesto contra o julgamento, apresentado pelo sr. Alexandre de Távora, que era o advogado. , Enviava pois estes documentos ao sr. ministro dos negócios estrangeiros, a fim de que s. ex.a, depois de os ter lido, declare o que houver a tal respeito, pois ha a suspeita de que na secretaria dos negócios estrangeiros, por isso que elle é empregado dependente d'ella, tem certas protecções, como aqui em Portugal succede quasi sempre. N'este paiz ha um certo receio de praticar a igualdade e a fraternidade, apesar de se fallar muito n'ellas, e tudo são protecções; mas elle, orador, que deseja para todos a igualdade perante a lei, que não quer ver favorecidos nem os homens de privilégios, nem os de fortuna, nem os de jerarchia, pugnará porque se faça justiça a quem a merecer; e tal ha sido sempre, e continuará a ser o seu modo de proceder.

Enviava pois ao sr. ministro dos negócios estrangeiros os documentos a que se reportava; e s. ex.a, quando o julgar conveniente, e estiver habilitado, então ihe responderá; pedindo comtudo desde já a s. ex.a a maior brevidade possivel n'este negocio, porque elle não somente fere interesses de pessoas que estão na miséria, como também envolve a dignidade do governo; e os pares do reino oceupam aquel-las cadeiras para advogar os interesses de todos, e d'esta forma advogam os interesses do paiz que representam.

Aproveitava a palavra para dirigir outra pergunta ao ex.m0 sr. Antonio José dAvila, sendo esta comtudo na sua qualidade de ministro da fazenda, porque oceupando s. ex.a duas pastas, elle, orador, devia distinguir na mesma pessoa os dois cargos.

S. ex.a estaria lembrado que numa das passadas sessões elle, orador, censurara os attentados Contra a magestade de El-Rei e contra as leis do paiz, que mandam acatar as pessoas reaes, a religião e as instituições. Quando dissera porém taes palavras, não estava ainda informado de certas circumstancias aggravantes, e por jsso não a* mencionara então; mas como entende que uma reparação é requerida pela rasão publica, pela rasão do estado e pelos homens que desejam que se respeitem as leis, dizia n'esta occasião, que o auctor do attentado contra Suas Ma-gestades El-Rei o sr. D. Pedro V e o sr. D. Fernando, é um empregado da secretaria da fazenda, despachado ultimamente. Elle, orador, está persuadido, de que o sr. ministro da fazenda ignorava as qualidades d'aquelle indivi duo; entretanto s. ex.1 preferiu-o a outros talvez mais habilitados, não pensando que dentro em poucos dias, talvez esperando alcançar melhoramento de logar, escrevesse assim; porque, ha certo tempo para cá, premeiam-se os homens que rnettem medo e atacam o throno, pondo-se de parte os homens de bem, porque estes não procuram tor-nar-se importantes adquirindo tão triste celebridade. Infelizmente aquelles que escrevem aos capitalistas, dizendo-lhes: «Dae-me dinheiro, se não...» Esses homens são sempre protegidos!... O orador aconselharia a todos que fizessem como idle, que nunca deu um vintém aos jornalistas. Faz sim muito caso da imprensa, porque é uma das instituições mais necessárias para garantir a liberdade, mas é

mister que essa imprensa seja comedida, que se conserve sempre em uma altura conveniente, que cohjba os abusos e defenda o que é justo; porém, quando ella chama perverso a um homem de bem, e aquelle honrado, então, em logar de elogio, é digna de censura, porque confunde o bom com o mau, e até lhe troca as denominações. Ha de elle, orador, sustentar com todas as suas forças que haja liberdade de imprensa, mas também ha de pugnar sempre pela existência de leis que a façam entrar no seu verdadeiro caminho. Estes são os verdadeiros principios conservadores, que tem sempre sustentado e espera nào desamparar; e aqui dirá com o seu nobre amigo o sr. conde de Thomar: «Se não ha leis, façam-se; tenham a coragem de as apresentar, não receiem, porque todos os homens de bem, qualquer que seja a sua opinião politica, h?o de sustentar o governo; eos outros não é preciso tê-los por apoio, é melhor que sejam opposição, porque a sua opposição em logar de prejudicar dá honra».

(Entrou o sr. ministro da justiça Moraes Carvalho).

O orador presume que o sr. ministro da fazenda ignora este facto, e por isso desejava que s. ex.a lhe dissesse seja foi informado d'elle, e então adoptou alguma providencia, por ser necessário que se não repitam factos de tal ordem; e se ainda o ignorava, do sr. ministro esperava que dê uma reprehensão severa aquelle emp>regado; pois elle, orador, não se pôde contentar só com uma desapprovação quando se trata de cousas tão ^respeitáveis. Não quer palavras, o que deseja são obras. É preciso que s. ex.a conheça qual o logar que oceupa, e que não tenha receio de que o lancem para fora das cadeiras ministeriaes, não alludindo comtudo-n'isto aos seus collegas, apesar de terem bastante vontade; e assim o diz, porque ainda não viu nenhum jornal ministerial responder á Revolução de Setembro, que disse que o sr. marquez de Loulé queria ver-se livre do sr. ministro da fazenda. S. ex.a não oceupa o seu logar por vontade de muitos homens do governo, oceupa-o sim pela sua sciencia; não porque inspire confiança aos históricos, mas pela necessidade que têem do sr. Avila, porque não contam no seu grémio um homem competente para ministro da fazenda, e sim uns poucos de velhos, que não servem para nada. Quem tem sido os ministros da fazenda dos históricos f Uns não fazem nada que tenha geito, outros não sabem responder, e alguns nem sabem qual a camará aonde se devem apresentar os projectos de lei de iniciativa do governo, como succedeu com um, que obrigou o sr. Trigoso, que então era presidente d'esta camará, a dizer-lhe—o nobre ministro está enganado na porta! São, de certo, muito boas pessoas, mesmo muito honrados, mas como homens políticos não são nada; e ninguém ignora que todos os homens que valem alguma cousa pertencem ao grémio cartista, ao chamado partido conservador.

Pede á camará que lhe desculpe este incidente, mas entendeu de necessidade dizer a verdade toda inteira; não se adduzindo d'aqui que é lisongear o sr. ministro, pois s. ex.* bem sabe, que este é o modo de pensar delle, orador, e que é seu amigo, embora tenham ambos divergido muitas vezes em politica.

Espera portanto que s. ex.a lhe dê uma explicação a este respeito, e declare que não ha de deixar impune este attentado. Não pede a demissão do empregado, porque não gosta de tirar o pão a ninguém; mas é preciso que se lhe dê uma reprehensão severa, e isto não é um favor que pede a s. ex.a lhe faça, porque nunca pediu nem ha de pedir favores a nenhum ministro, declarando de^de já, e por uma vez. que não serve de empenho para nenhum ministro, porque se não diga que, se apoia, é porque elles o têem servido, o que, se lhes faz opposição, é porque está despeitado.

Aguarda a resposta de s. ex.a

O sr. Visconde de Castro (sobre a ordem):—Eu pedia que, por bem do serviço d'esta camará e das boas praticas parlamentares, se não entendesse que tudo isto que o digno par acabou de apresentar era uma interpellação.

Nós tinhamos aqui estabelecido o principio de que para se fazerem interpeílações ao governo deviam ser avisados previamente os srs. ministros; este principio parece-me muito util, e a aberração d'elle muito prejudicial ao serviço da camará e ao serviço publico. Se a camará, pois, entender como eu entendo, pedirei ao sr. ministro para não responder já, e tomar as palavras do digno par, o sr. marquez de Vallada, como um aviso de interpellação. Eu estou persuadido que o sr. ministro da fazenda poderá já responder, mas não acho util que responda, mesmo para observância do regimento, e portanto parecia-me que o sr. ministro podia tomar como aviso de interpellação o que acabou de dizer o digno par, o quando se julgasse apto para responder, dar parte á camará a fim de se designar dia pai*a ter logar a interpellação, conforme a pratica seguida.

O sr. Presidente:—Eu não posso deixar de responder ao digno par, porque s. ex.a dirigiu-se a mim, invocando resoluções d'esta camará; que se o sr. marquez de Vallada, quando pediu a palavra, declarasse que a pedia para apresentar uma interpellação em forma, era da minha obrigação, como presidente, dizer que não admittia essa interpellação, sem a annuencia prévia da camará, porque assim o determina o regimento no artigo em que diz: «que a interpellação será annunciada antecipadamente de palavra se 'o ministro estiver presente, ou por escripto, se ausente, consultada previamente a camará;» mas é necessário saber que o sr. marquez de Vallada, (não digo que o faça com espirito doloso, pois é um cavalheiro digno a todos os respeitos) principia as suas observações de uma maneira tal que o presidente não sabe se é para interpellar ou não; mas o facto é, que quando toma certo calor, essas observações degeneram em interpeílações, de modo que eu já não posso emendar; agora porém fica prevenido, e d'aqui por diante,

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quando s. ex.* pedir a palavra, hei de perguntar-lhe se é para objecto de interpellação, a fim de proceder na conformidade do regimento.

O sr. Ministro ãa Fazenãa (Ávila):—Não quer por forma nenhuma contrariar o pedido que fez o sr. visconde de Castro, por consequência, em relação aos dois pontos, que podiam ser objecto da interpellação, dá-se por prevenido. Ha porém uma circumstancia a respeito da qual não pôde deixar de dizer duas palavras ao sr. marquez de Vallada.

S. ex.a referiu-se a uma phrase que vem n'um jornal. Pela sua parte declarava que não leu essa phrase, e provavelmente o mesmo aconteceu ao sr. marquez de Loulé, mas visto que elle orador tem a convicção de que s. ex.* não era capaz de pronunciar similhante phrase para o escanda-lísar, e a mesma justiça lhe fez o sr. marquez de Vallada, nada mais tinha a dizer.

Quanto aos pontos que tocou o digno par, toma o conselho do sr. visconde de Castro; dá-se por avisado, e quando se julgar habilitado para responder, o participará á camará.

O sr. Presidente:—Tem agora outra vez a palavra o sr. marquez de Vallada; mas como se trata de pôr em execução as resoluções da camará, devo notar que ha ainda a observar uma outra resolução já adoptada, e é que, depois de lida a correspondência, passada meia hora, se entre im-mediatamente na ordem do dia (O sr. Marquez de Vallada:—Peço perdão...), e se o objecto que n'essa occasião se estiver tratando merecer a attenção da camará, é necessário consulta-la sobre se deve ou não continuar de preferencia á ordem do dia.

O sr. Marquez de Vallada:—Pede a palavra para se defender de uma arguição que s. ex.a o sr. presidente lhe fez.

O sr. Presidente:—Eu não fiz arguição a v. ex.a, oppuz-me de opinião antecipada, ás suas interpellações.

O sr. Marquez de Vallaãa:—Pedira a palavra para dizer que não esteve fora da ordem. Fez a interpellação da maneira prescripta no regimento. A outra resolução sobre interpellações, é na verdade uma medida adoptada, e na qual interveiu o sr. visconde de Algés. As interpellações ou se annunciam de viva voz, ou por escripto, por consequência como o sr. ministro estava presente, elle, orador, usou do seu direito, e a censura n'este caso cáe por terra. Se bem que parava aqui, ainda mais alguma cousa tinha a dizer.

O sr. Presidente: — Consultarei a camará se julga que se deve passar immediatamente á ordem do dia.

O sr. Conde de Thomar (sobre a ordem):—Declarou que se já havia pedido a palavra era para mandar para a mesa um parecer de commissão, e que não podia por isso deixar de se lhe conceder, porque não haverão trabalhos, sem que se apresentem pareceres para se discutirem.

O sr. Presidente:—Permitta-me v. ex.* que eu diga: do que se trata é simplesmente do objecto da interpellação, e não tirava a v. ex.a a palavra.

O sr. Visconde ãe Algés:—A apresentação dos pareceres não fica prejudicada.

O sr. Conãe ãe Thomar:—N'esta conformidade mandou para a mesa um parecer de commissão, que não leu por presuppor que a camará dispensaria a sua leitura, visto ter de se mandar imprimir, para ser distribuido pelos dignos pares.

Dispensaãa a urgência, foi mandado imprimir.

O sr. Visconde d'Algés:—Mandou para a mesa outro parecer de commissão, e julga que a camará também dispensará a sua leitura, porque é alguma cousa extenso. Aquelle negocio era grave e urgente. Era um parecer da commissão de administração publica, a favor do projecto que veiu da outra casa, afim de auctorisar a camará municipal de Lisboa a contrahir segundo empréstimo para poder ultimar a importante obra do matadouro publico. Julga o orador que a camará se compenetrará da conveniência o necessidade de estabelecer o matadouro publico com as condições que exigem a salubridade publica, e a fiscalisação dos direitos da fazenda; e que, mostrando-se que foi insufficiente o primeiro calculo, não quererá que se perca a importância do que se tem gasto, e que este segundo empréstimo deixe de se levar a effeito para se ultimar a obra: portanto a commissão conclue pela approvação do projecto de lei.

Como tem de se imprimir, presume que a camará dispensa a leitura: mas pedia que depois de impresso, fosse distribuido por casa dos dignos pares, para se dar para ordem do dia, porque as obras estão paradas, e quanto mais demora houver maior é o prejuízo que resulta.

O sr. Presidente: — Consultarei a camará se dispensa a leitura d'este parecer, e approva que se mande imprimir com urgência, afim de ser destribuido por casa dos dignos pares, conforme a indicação que se acaba de fazer.

Assim o ãeciãiu a camará.

O sr. Visconde de Castellhões:—Mandou também para a mesa um parecer de commissão, o qual leu, e se resolveu que fosse igualmente a imprimir.

O sr. Presidente:—Como poderão retirar-se alguns dignos pares, vae ler-se a relação dos nomes dos senhores que hão de compor a deputação que se ha de apresentar no Paço amanhã ao meio dia.

O sz. Secretario:—Leu; ecompõe-se pela seguinte forma: Ex.mos srs. Presidente

Visconde de Balsemão Marquez de Vallada Marquez de Vianna Conde das Alcáçovas Conde do Bomfim Conde de Samodães. O sr. Presiãente: — O sr. Marquez de Vallada insta para que eu consulte a camará se a sua interpellação deve continuar.

O sr. Marquez d» Vallada:—Expoz ao sr. presidente que as palavras que ainda tinha a dizer não versavam sobre interpellação, e que s. ex.a estava laborando n'um equivoco. «Seria notável, acrescentou, que a um par do reino, para defender a honra?de um Rei aggravado, se tolhesse a palavra!... E, se m'a tirarem, eu tenho a imprensa para n'ella o desaífrontar...»

O sr. Presidente:—Consultarei a camará se é de opinião que o sr. marquez de Vallada deve continuar a ter a palavra.

Assim se ãecidiu.

O sr. Presiãente:—Pôde continuar o digno par a fallar.

O sr. Marquez ãe Vallaãa: — Agradece a todos os seus collegas a demonstração que deram, não a elle, orador, mas ao principio que defende — a honra do Rei — principio que ha de defender sempre ainda á custa da própria vida: não se tomando este seu procedimento, como já n'outra sessão dissera, nem por lisonja, nem por adulação, que nenhuma d'essas cousas influe nas suas considerações, nem pretende por qualquer d'esscs modos fazer effeito no paço; falia segundo as idéas que tem, e conforme á sua intima convicção, empregando a linguagem de cavalheiro e de verdadeiro patriota, que é a única que se deve soltar d'aquella tribuna.

Dirá ainda duas palavras para explicar a sua posição.

Principia dizendo ao sr. presidente, que todo o homem tem direito de se defender, desde o mais alto funecionario do estado até ao mais pequeno. Disse s. ex.a que, elle ora-" dor, pedia a palavra, usava d'ella, e quando mal se pensava estava fazendo uma interpellação. Quando dirige qualquer interpellação usa do direito que lhes dá o regimento, e usou n'esta occasião d'esse direito, dizendo logo que não exigia uma resposta prompta. S. ex.* seguramente se admirou por estar distrahido, pois é uma pessoa de tão bom senso, e tão illustrado e conhecedor dos usos parlamentares, que não podia julgar como julgou, se não estivesse distrahido. Elle, orador, fez uma censura a um empregado e pediu ao sr. ministro providencias: o sr. visconde de Castro chamou a isto uma interpellação, sobre o que repitiria as palavras de mr. Dupanloup: «É necessária quanto antes a reforma do diccionario, e também a da orthographia e da gramniatica». Procurará portanto reformar-se para que o sr. presidente o entenda melhor, mas a camará o entendeu bem, e se felicita por consequência de que ella se compenetrasse do alcance das suas palavras.

No ultimo dia de sessão, bem como na actual, pedira a palavra para dizer ao governo que fizesse respeitar a honra do Rei. Admirou-se quando viu que se hesitava em se lhe conceder a palavra, mas se a camará não procedesse de uma maneirarão liberal como procedeu, a elle, orador, restava o recurso da imprensa, não abandonando comtudo este campo da honra, que é o da maior defeza das instituições. Ainda assim talvez que também recorra á imprensa por isso que se deve usar de todos os meios para castigar o espirito revolucionário. Em tudo quanto disse esteve conforme com o direito que lhe dá a constituição e o regimento. A camará assim o entendeu, e se alguém ainda o duvidasse pediria que se lesse a disposição que lhe impedia de proceder como procedeu. Leia-se o regimento e as addições feitas pelo digno par o sr. visconde de Algés. Veja-se se esteve ou não na orbita da lei.

Espera que o sr. Avila faça o que lhe cumpre como ministro da coroa e mantenedor da lei, reprehendendo o empregado que escreveu e explicou num artigo áquellas caricaturas horrorosas contra as pessoas dos dois reis. É necessário que não se continue agora como no tempo da rainha a Senhora D. Maria II, e de certo que se se não forem reprimindo esses abusos, elles tomarão o mesmo caminho, ou irão ainda mais longe, o que nem elle, orador, nem os homens conservadores e amantes da ordem podem querer.

O sr. Ministro ãa Fazenãa (Avila):—Disse que o digno par e a camará podem ter a certeza de que todas as vezes que elle, orador, se convença de que ha offensa ao chefe do estado, e pessoas que são objecto de respeito e consideração, não pôde deixar de proceder como deva.

Emquanto á questão do sr. Figanière, habilitar-se-ha para responder a s. ex.a, o que não podia n'aquella occasião fazer, apesar de já reconhecer um pouco esta questão.

Devo comtudo dizer á camará, que não ha fundamento para se affirmar a existência de protecção criminosa a respeito de nenhum empregado (apoiaãos), nem tem encontrado até agora no ministério dos negócios estrangeiros cousa alguma que o possa fazer acreditar que hajam empregados que commettam abusos.

O sr. Presidente: — O sr. ministro da guerra faz saber á mesa a necessidade que havia de pedir á commissão de guerra a prompta expedição do parecer sobre o projecto relativo á antiguidade dos officiaes inferiores.

O sr. Conde ão Bomfim;—Eu posso assegurar a s. ex.a que na primeira sessão que houver se ha de reunir a commissão para tratar d'esse objecto definitivamente, sendo certo que mais de uma vez se tem tratado d'elle, mas não se tem podido vir a um accordo, por não se poder tratar com o sr. ministro da guerra; hoje já a commissão fallou com s. ex.a, e na primeira occasião que houver ha de ser tratado esse objecto.

O sr. Presiãente: — Passámos á

ORDEM DO DIA

Leuse o parecer n:° 106 sobre o projecto ãe lei n.° 127, que que são ão teor seguinte:

paeecee n.° 106

A commissão de fazenda examinou o projecto de lei n.° 127, remettido a esta casa pela camará dos senhores deputados para ser approvada a despeza de 6:571$130 réis, feita até 30 de junho ultimo, com os inventários dos bens

dos conventos das religiosas e das mitras, cabidos e fabricas das cathedraes do reino e das ilhas adjacentes, na parte em que essa despeza excedeu a quantia que o governo fora auctorisado a despender para esse fim.

O projecto de lei de que se trata resulta da proposta feita pelo governo ás cortes em 23 de julho ultimo.

Pela carta de lei de 20 de junho de 1857 foi concedido um credito de 3:000$000 réis para pagamento das despe-zas com a feitura dos ditos inventários, cujos trabalhos foram objecto do relatório apresentado ás cortes em 10 de dezembro de 1858; e tendo-se proseguido na promptifica-ção dos mesmos inventários, estavam concluídos em 30 de junho próximo pretérito os relativos a cento e doze conventos de religiosas dos cento e quarenta e oito descriptos nos mappas do sobredito relatório, alem de outros inventários de bens das mitras, cabidos e fabricas de cathedraes; mas desde 4 de fevereiro de 1858 até 30 de junho de 1860 tinham sido despendidos com esse serviço 6:571^!130 réis, isto é, mais 3:571$130 réis do que a despeza auctorisada.

A vossa commissão, considerando a conveniência de le-galisar esta despeza, em vista da sua utilidade e da lei que mandou proceder a organisação dos mesmos inventários, é de parecer que seja approvado o alludido projecto de lei nos termos em que foi enviado a esta camará.

Sala da commissão de fazenda, em 4 de fevereiro de 1861. = Visconãe ãe Castro—Francisco Antonio Fernanães ãa Silva Ferrão = Felix Pereira ãe Magalhães—Visconãe ãe Castellões = Francisco Simões Margiochi.

projecto de lei n.° 127

Artigo 1.° E approvada a despeza de 6:571$130 réis, feita até 30 de junho ultimo com os inventários dos bens dos conventos das religiosas e das mitras, cabidos e fabricas das cathedraes do reino e ilhas adjacentes, na parte em que excedeu a auctorisação concedida ao governo pela carta de lei do 20 de junho de 1857.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. Palacio das cortes, em 26 de janeiro de 1861 .= Custoâio Rebello ãe Carvalho, deputado presidente^ José ãe Mello Gouveia, deputado secretario = Carlos Cyrillo Machaão, deputado secretario.

O sr. Presidente: — Está em discussão o parecer e projecto na generalidade.

Não havendo quem peãisse a palavra foi o projecto entregue successivamente a votos, e approvaão na generaliãaie e especialidade.

Leu-se depois o parecer n.° 107 sobre o projecto ãe lei n.° 126, que são os seguintes:

parecer n.° 107

Foi presente á commissão de fazenda o projecto de lei n.* 126, que tem por fim auctorisar a despeza feita pelo ministério dos negócios ecclesiasticos e de justiça no anno económico de 1859-1860, na importância de 14:773^500 réis, excedente á que foi concedida para diversas despezas no capitulo 8.* da carta de lei de 15 de julho de 1857.

Esta differença entre a despeza effectuada e a auctorisada provém (segundo consta do relatório de 11 de julho de 1860 que acompanhou a proposta feita pelo governo ás cortes), do que se despendeu com habilitações canónicas, expedição de bulias pontifícias, sagração de prelados apresentados em diversas dioceses do reino, impressão de vários trabalhos relativos aos projectos dos códigos civil e penal, mappas estatísticos das côngruas dos parochos de 1856-1857, litho-graphias dos mappas para o registro parochial, legislação e diários officiaes distribuídos ás auctoridades, e, finalmente, com muitos outros serviços indispensáveis.

A commissão de fazenda, considerando as ponderosas rasões que motivaram a despeza da referida quantia, e attendendo á conveniência de legalisar esta despeza, é de parecer que seja approvado o supradito projecto de lei.

Sala da commissão de fazenda, 4 de fevereiro de 1861.=* Visconãe ãe Castro = Francisco Antonio Fernanães ãa Silva Ferrão —Felix Pereira ãe Magalhães = Visconãe ãe Castellões = Francisco Simões Margiochi.

projecto de lei n.° 126

Artigo 1.* E auctorisada a despeza feita pelo ministério dos negócios ecclesiasticos e de justiça, no anno económico de 1859-1860, no capitulo S.°=diversas despezas=, na importância de 14:773^500 réis, excedente áque estava concedida na carta de lei de 15 de julho de 1857.

Art. 2." Fica revogada toda a legislação em contrario. Palacio das cortes, em 26 de janeiro de 1861. = Custoãio Rebello ãe Carvalho, deputado presidente = José ãe Mello Gouveia, deputado secretario = Carlos Cyrillo Machaão, deputado secretario.

O sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade. O sr. Conãe ã« Thomar: — Eu não posso oppor-me a este projecto, porque estou convencido de que o sr. ministro da justiça carece d'esta somma para pagar as despezas que já se acham feitas com os objectos que se mencionam no relatório que acompanha o projecto, apresentado pelo governo na camará dos srs. deputados; mas vejo que um dos motivos que n'elle se dá— do augmento d'esta quantia, são ca-nonícatos e sagração de prelados apresentados em diversas dioceses do reino. Não ha duvida de que estas de»pezas estão a cargo do governo; mas também é verdade que nestes últimos tempos ellas têem augmentado porque se tem julgado que os prelados do reino devem mudar de situação como os juizes de 1.* instancia e os delegados do procurador régio; quero dizer, que constantemente se estão fazendo transferencias de prelados de uns para outros bispados, o que não é muito conforme com os princípios que devem reger n'esta matéria, principalmente para isto ser feito pelo poder temporal; não me parece que o motivo seja muito attendivel.

Eu creio porém que o sr. ministro da justiça não ha de seguir tal systema, e que ha de tratar de prover áquellas

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dioceses para bem da religião e do estado, mas ha de pôr cobro também a estas continuadas transferencias, que em ultima analyse não significam se não um interesse secundário.

Eu disse, sr. presidente, que não faria opposição ao projecto, mas julguei do meu dever fazer esta declaração, porque me parece que estas transferencias devem ser tão limitadas quanto o possam rasoavelmente ser.

O sr. Ministro da Justiça fMoraes Carvalho) :— O digno par verá, lendo a proposta do governo, que esta verba é relativa a despezas já feitas, as quaes não podem deixar de satisfazer-se.

Agora pelo que respeita á observação que s. ex.* fez, eu acho-a muito sensata, e devo declarar ao digno par, que no meu tempo só se fez uma transferencia d'essas, e foi a de um bispo do ultramar para o continente do reino, e isto teve logar em presença de motivos muito attendiveis. As transferencias não são prohibidas por lei, como sabe muito bem o digno par, fazem-se de accordo com o poder espiritual e o civil: sempre pois que assim se praticar é evidente que se não fere a lei. Emquanto porém ao abuso que tem havido, eu também uno ao digno par o meu voto de reprovação.

Posto o parecer e projecto á votação foram approvados na generalidade, e na especialidade, assim como a mesma redacção.

O sr. Presidente:—Vae ler-se o parecer n.° 104, sobre o projecto de lei n.° 49.

O sr. Secretario:—Leu-os; e são do teor seguinte: PARECER S." 104"

Foi presente á commissão de guerra o projecto de lei n.° 49 do digno par visconde da Luz, que tem por fim fazer liquidar as reforma, a que tiverem direito os officiaes e empregados civis do exercito, que esperarem cabimento para reforma, logo que passem á inactividade temporária, ou fo rem julgados incapazes do serviço activo.

O auctor do projecto, considerando que o estado finan-seiro do paiz não permitte que desde já se altere a condição que se acha estabelecida para o cabimento na verba votada para as classes inactivas, contentou-se em procurar melhorar a sorte das viuvas e filhos dos officiaes e empregados que morressem estando na classe da inactividade á espera do cabimento, propondo que seja liquidada a reforma e se declare o posto em que devam ser reformados, mas continuando a pertencer á classe da inactividade, para ahi esperar logar para o cabimento nas verbas, uma vez que os officiaes concorram para o monte pio com o dia de soldo da patente da reforma, a fim de que se fallecerem n'essa situação possam a viuva e filhas gosar depois o monte pio correspondente, evitando-se assim o abuso, que se tem dado, de algumas viuvas e filhas de officiaes ficarem com um monte pio superior aquelle para que pagaram os officiaes de quem elle lhes provém.

A commissão é de parecer que o projecto deve ser approvado, não só em attenção aos motivos expendidos, mas mesmo porque está informada de que será insignificante o augmento de despeza que resultará da differença proposta, em consequência de não ser grande o numero de officiaes que contribuem para o monte pio do exercito, e de que são poucos os que morrem estando na classe da inactividade.

Sala da sessão, 1 de fevereiro de 1861. — Conde do Bom-fim—Barão de Pernes—Visconde de Campanhã = D. Antonio José de Mello e Salãanha=D. Carlos de Mascarenhas (com declaração).

N.° 49

Dignos pares do reino.—Na lei da despeza votada para o anno económico de 1857-1858 e seguintes, foi determinado que, aos officiaes do exercito e empregados civis com graduação militar, que fossem julgados incapazes de continuar a servir activamente, só se effectuasse a competente reforma, quando na totalidade da verba votada para a classe de reformados, vagasse uma quantia igual aquella que resultasse das reformas.

Esta disposição em relação á que vigorou desde 1854 a 1857, posto que tivesse melhorado consideravelmente a sorte dos officiaes que se impossibilitavam, não deixa de causar ainda um grande prejuizo aos ditos officiaes; já porque devendo elles passar á inactividade, aonde recebem um vencimento muito inferior aquelle que tinham quando em serviço activo; já porque, morrendo os officiaes n'esta situação, deixam ás suas viuvas um monte pio inferior a que tinham direito, se os officiaes tivessem sido reformados seguidamente ao julgamento.

Não permittindo o estado actual das finanças alterar as disposições em vigor, mas convindo de alguma forma at-tenuar os seus inconvenientes sem augmento de despeza, peço licença para submetter á vossa consideração a seguinte

pkoposta de lei

Artigo 1.° Aos officiaes do exercito e empregados civis com graduação militar que forem julgados incapazes de serviço activo pela junta militar, de saúde, se lhes fará em seguida a liquidação dos postos a que tiverem direito na reforma, segundo a legislação vigente, sendo-lhes conferida a reforma n'esses postos, sem que por isso tenham direito a perceber os respectivos vencimentos.

Art. 2.° Os officiaes assim reformados ficam considerados como até aqui na inactividade, e os empregados civis com graduação militar, nas situações em que se acharem.

Art. 3.° O officiaes do exercito e empregados civis, de que trata o artigo 1.°, só começarão a perceber os vencimentos a que tiverem direito como reformados, na conformidade do que dispõe a lei de despeza votada para o anno de 1857-1858.

§ único. A anterior antiguidade da inspecção da junta militar de saúde, pela qual forem aquelles individuos jul-

gados incapazes de serviço activo, dará o direito á precedência para o goso dos vencimentos de que trata este artigo.

Art. 4.° As disposições dos artigos antecedentes serão applicaveis aos officiaes do exercito e empregados civis com graduação militar, que actualmente se acham esperando cabimento para reforma. ,

Art. 5.° Ás viuvas ou filhos d'aquelles de que trata a presente lei, a quem competir monte pio, lhes será este regulado em relação á patente em que tiverem sido reformados, quando a morte dos mesmos individuos tenha logar durante o tempo em que esperarem cabimento, para o que, mediante o mesmo tempo, deverão ter contribuído para o monte pio com a quota correspondente á patente em que tiverem sido reformados.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da camará dos dignos pares do reino, era 13 de julho de 1860.—Visconde da Luz.

O sr. Presidente: — Está em discussão na generalidade.

Não havendo quem pedisse a palavra, poz-se á votação, e foi approvada a generalidade.

Leu-se, e abriu-se a discussão sobre o

Artigo 1.°

O sr. D. Carlos de Mascarenhas:—Pedi a palavra sr. presidente, porque tendo assignado o projecto, com declaração, é necessário que diga á camará qual ella é, o que vou fazer em poucas palavras. Eu approvo o projecto de lei em discussão com a emenda que o digno par visconde da Luz tenciona apresentar, porque essa emenda tende a torna-lo mais claro. Declaro porém, que approvando o projecto não me prende isso, nem obstará, a que quando vier aqui o orçamento da despeza e receita do estado, eu proponha a eliminação da clausula que sempre n'elle se encontra relativa á reforma por cabimento. Como porém receio que a proposta que eu me proponho fazer n'aquella occasião, tenha o mesmo resultado que as outras que para o mesmo fim tenho feito por differentes vezes, que é o não serem at-tendidas, e como o prejecto de lei em discussão diminue um dos muitos prejuízos que nascem da reforma dos officiaes, por cabimento, eu em presença d'este facto não posso deixar de votar por elle. Por esta occasião onservarei, sr. presidente, que quando se pretende votar uma somma, por pequena que seja, e essa verba é applicada para o exercito para um fim justo e necessário, apresenta-se logo como meio de a não votar, o mau estado das nossas finanças, porém quando se propõe uma nova despeza a favor de outra qualquer repartição, então não apparece o sudário do mau estado das nossas finanças, apparece sim o argumento da exigência do serviço publico. Esta é a verdade. Desgraçada-damente as nossas finanças estão em mau estado, todavia não supponho que ellas hão de sair d'ese mau estado por effeito de economias que se queiram fazer de tal ordem, como é esta de reformas por cabimento, de que só resulta uma grande injustiça e diminuta economia. Eu podia fazer agora a relação dos prejuízos que resultam aos officiaes do exercito, por não se cumprir promptamente a lei que lhes dá direito á reforma, esses prejuízos são muito grandes, occasião mais própria ha de vir em que eu hei de referi-los aqui, e então verá a camará a injustiça que se faz a esses officiaes; peço porém que se repare no seguinte. O official, capitão por exemplo, que tem mais de trinta e cinco annos de serviço, e que devia ser reformado no posto de major e com o soldo respectivo, quando elle é julgado incapaz pela junta de saúde, succede que em logar de ser reformado com as vantagens que a lei lhe concede, é collocado na mesma situação, em que é por castigo um outro capitão que tenha uma conducta irregular, que é passar á inactividade temporária vencendo pela tarifa de 1790, epóde dar-se que o capitão que vae esperar a reforma em virtude do seu mau estado de saúde, pôde esperar um anno, ou dois, e o que vae de castigo estar apenas um mez ou dois! O official que é julgado no caso de ser reformado, sem commetter culpa, ir soffrer um castigo, antes de gosar da reforma que a lei lhe concede, ninguém negará que é muito injusto, e é o que está succedendo. O bem que fará este projecto, sendo approvado é o impedir que o mal que soffre o pobre official passe também para a sua familia, porque se esse remédio se não der, succederá que a familia em vez de receber o monte pio correspondente á patente de major, recebe-lo-ha correspondente á de capitão, se morrer o official sem que lhe chegue cabimento. Ha dias tive a honra de apresentar n'esta camará um projecto de lei que sendo approvado, trará com sigo outro beneficio para os officiaes que esperam por cabimento de reforma, que é livra-los da tarifa de 1790. O que é verdade, sr. presidente, é que as reformas por cabimento são um ataque que se faz aos direitos dos officiaes, direitos que lhes foram concedidos em 1790, e que é preciso acabar com este vexame, e procurar fazer economias sem atacar direitos. Nada mais direi.

Não havendo quem mais pedisse a palavra, foi proposto á votação o artigo 1.°, que se approvou, e successivamente os artigos 2.°, 3." e 4." sem discussão.

Sobre o

Artigo 5.°

O sr. Visconde da Luz: — Sr. presidente, o projecto diz no artigo 5.° o seguinte: «.ás viuvas ou filhos dl aquelles de que trata a presente lei, a quem competir monte-pio, etc»; mas alguns dos meus collegas na commissão de guerra fi-zeram-me ver que ás vezes o direito ao monte pio passa a outras pessoas alem das indicadas n'este artigo, e por isso mando para a mesa a seguinte emenda:

«Proponho que em logar das palavras=ás viuvas e filhos dlaquelles de que trata apresente Zêi = se diga = ás pessoas a quem compete monte pio.=Visconde da Luzt.

Foi admittida, e approvado o artigo com esta emenda:

Assim também se approvou sem discussão o artigo 6.°,

e a mesma redacção, salvo na parte do artigo õ." acima enunciada.

O sr. Visconde de Castro:—Não sei para quando v. ex.* dará o primeiro dia da sessão, e por isso tem logar o pedir a v. ex.* que se a sessão não for para amanhã, v. ex.a tenha a bondade de dar para ordem do dia o parecer que hoje leu o digno par visconde de Castellões por parte da commissão de fazenda, passando-o já á imprensa para ser distribuído por casa dos dignos pares.

O sr. Aguiar:—Eu peço o mesmo a respeito de um projecto que também hoje foi lido, da commissão de instruc-ção publica.

O sr. Presidente:—Já essa era a minha intenção.

Está por tanto levantada a sessão, e a seguinte terá logar na próxima sexta-feira 15, sendo a ordem do dia os pareceres e projectos, que se distribuirão por casa dos dignos pares.

Eram quatro horas e meia. da tarde.

Relação dos dignos pares, que estiveram presentes na sessão do dia 8 de fevereiro de 1861

Os srs. visconde de Laborim; marquezes: de Ponte de Lima, de Vallada, de Vianna; condes: das Alcáçovas, do Bomfim, do Farrobo, de Mello, de Peniche, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Samodães, da Taipa, de Thomar; viscondes: de Algés, de Balsemão, de Benagazil, de Campanhã, de Castellões, de Castro, da Luz, de Sá da Bandeira; barões: de Pernes, de Porto de Moz, da Vargem da Ordem; D. Carlos de Mascarenhas, F. P. de Magalhães, Ferrão, Margiochi, Silva Carvalho, Aguiar, Larcher, Silva-Costa, Izidoro Guedes e Fonseca Magalhães.

Em virtude de resolução tomada pela camará dos dignos pares do reino, em sessão de 8 do corrente, se publica o seguinte PROJECTO DE LEI N.° 139

Dignos pares do reino.—A questão dos vinhos do Douro tem vindo por differentes vezes ao parlamento, e de cada vez, que ella apparece, logo se trava renhido combate entre as escolas rivaes, a da protecção e a da livre permuta. Não é porém uma luta pacifica, mas sim um combate a todo o transe, em que se disputa a victoria n'esta contenda. Pelo lado dos defensores da ampla liberdade commercial têem-se encontrado sempre, alem dos fanáticos por esta doutrina e dos utopistas, aquelles que tendo interesses em localidades diversas do Douro consideram o favor da protecção a esta industria agrícola como um privilegio intolerável, que lhes causa inveja, e pensam que abolido elle immediatamente recaem sobre elles as vantagens que os lavradores do Douro têem colhido da protecção: também se acham d'este lado alguns commerciantes d'este género, que entendem auferir maiores interesses havendo ampla faculdade de compra, armazenamento e exportação, e actualmente pugnam pelo mesmo principio outros commerciantes, a quem agora convém a liberdade, assim com ha dezenove annos, e ha dois, convinham as restricções, e estes reservam-se sempre o direito de proporem, quando as circumstancias individuaes d'elles próprios o reclamem, a renovação das medidas restrictivas. São estes os inimigos mais perigosos para o Douro, porque não tendo convicções, e só interesses individuaes a sustentar, pouco se lhes dá de sacrificarem milhares de fortunas uma vez que elles se locupletem. Ninguém dirá que entre os partidários da ampla liberdade do commercio dos vinhos do Douro não haja convicções sinceras e opiniões firmes, mas nem todas as que como taes se apregoam o são realmente.

Sustentando o systema protector ou restrictivo acham-se na sua quasi totalidade os proprietários da localidade, que ahi têem quasi exclusivamente a sua fortuna, e aquelles que encarando a questão com placidez, e em presença dos factos, se não deixam illudir com vãs theorias, que os succes-sos invalidam.

Difficilmente se encontrará um lavrador do Douro que deseje uma total revolução na legislação protectora d'este paiz: são encontrados e difficeis até de conciliar os pareceres sobre pontos práticos, e disposições secundarias do systema restrictivo, mas no principio ha accordo unanime entre os grandes e pequenos lavradores vinícolas. Entre os commerciantes sérios ha muitos que consideram util aos legítimos interesses do commercio a conservação do mesmo principio.

Apesar da opinião unanime dos lavradores do Douro, e de grande numero de commerciantes, os partidários da liberdade do commercio dos vinhos do Douro, mais uma vez vieram travar o combate obtendo da iniciativa governamental uma proposta, inculcada reformadora, mas na realidade destruidora da legislação vinícola. Apreciando apaixonadamente a questão, desconhecendo-a em grande parte, não se duvidou, a titulo de verdadeira amisade, ameaçar de completa ruina um ramo importantíssimo da industria agricola.

O Douro deve votar louvores aos seus protectores offi-ciosos, pois o são todos esses que, sem ter ou possuir ali um palmo de terreno, querem, contra a própria vontade dos interessados, obrigar estes a seguirem a vereda da felicidade, que aquelles lhes apontam.

E porém para lamentar que o Douro tenha tantos protectores assim. Antes elle continuasse abandonado e despre-sado, como infelizmente lhe tem succedido, do que fosse lembrado para se lhe impor a felicidade por meios taes.

Entrou porém o Douro no terceiro e violento combate entre os seus verdadeiros interesses e os dos seus protectores; o primeiro batalhou-se em 1821, epocha em que as idéas estavam exaltadas, mas havia muito patriotismo e muito boa fé: então triumphou a rasão sobre a utopia, e o Douro conservou a sua legislação especial. O ataque de 1834 foi tão violento que não admittiu defeza alguma; aa

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consequências foram taes que os espiritos mais prevenidos a favor das theorias se viram obrigados a submetter-se á lógica inflexível dos factos. Restabelecido, ainda que profundamente alterado nos accidentes, o principio protector, continuou a legislação especial em vigor, apesar das mudanças que as dictaduras, inimigas da discussão, lhe introduziram, até ao tempo presente, em que vemos imminente de novo o grande cataclysmo.

Á'prudência d'esta camará deveu jâ o Douro o incontestável beneficio de ter tido na novidade de 1860 os excel-lentes preços pelos quaes se trocaram os seus vinhos, os quaes já se consideravam destinados a um barateio infalli-vel, se á proposta de lei que tão rápida viagem teve na camará electiva soprasse o vento com igual frescura e direcção n'esta outra. A calmaria, pela qual passou a proposição de lei n'esta camará, deveram os habitantes do Douro alguns centos de contos de réis. Praza, ao céu que a decisão que na actual sessão, legislativa se vae "tomar seja a mais justa e mais conducente aos interesses públicos, com que se não deve brincar, tornando-os todos os dias o joguete dos theoristas ou dos que só olham a interesses mesquinhos. Mas a questão deve decidir-se por algum modo; é necessário sair do estado provisório que alguns sustentam, mas pelo qual não opino.

Tendo interesses no Douro e fora d'elle, eu entro n'esta questão compenetrado da minha imparcialidade, e só movido pelo interesse publico, e em especial da localidade que é mais aífectada por esta questão.—Respeitando todas as opiniões, e conhecendo a immensa difficuldade de tratar todas as questões económicas, e muito principalmente esta, que é em tudo tão especial, e que só' na historia dos factos pode ser estudada, eu sou o primeiro a sentir que, apresentando algumas bases para a reforma e nunca destruição d'esta legislação, me vou collocar n'uma posição difíicil: 1.° pela minha incompetência, e deficiência de conhecimentos e de dados; 2.° pelo embate certo e infallivel das opiniões, mais ou menos formadas n'esta matéria. Contra mim terei, e talvez com justo fundamento, os proselytos de uma e outra escola, e porventura serão baldados todos os meus esforços. A voz da consciência, e o dever como membro, embora obscuro, d'esta camará, me induzem a tomar uma parte directa n'esta questão.

Entendo que as medidas, aliás excellentes e bem meditadas, que trouxeram óptimos resultados em determinadas epochas, nem sempre são adoptáveis. — A marcha rápida do tempo, e a transformação das idéas e do modo de ser da sociedade, tornam impossivel o que annos antes era e foi muito praticável.

N'este sentido creio que a epocha actual chama o Douro a reger-se por uma serie de medidas conformes com as idéas, que hoje mais ou menos dominam as relações sociaes.—O Douro tem uma industria creada e mantida á sombra de certa legislação, tom portanto direito a manter os seus foros, e a não se deixar espoliar. O Douro tem direito a asso-ciar-se, e a reger-se como lhe convenha, porém de modo que não vá de encontro ao interesse geral da communidade. O Douro tem feito sacrifícios especiaes, e não duvida continuar afaze-los, sacrifícios quo só elle tem feito e quer fazer; 'tem pois direito a uma protecção especial, e a que esses sacrifícios revertam em seu favor. O Douro luta com a miséria e com o infortúnio, tem pois duplo direito á consideração publica e aos cuidados do governo central. Mas o Douro tem uma importantissima industria agrícola, cuja prosperidade está intimamente ligada com a do commercio; logo não deve hostilisar este, assim como esto andará mal avisado se hostilisar aquella. São irmãos gémeos o commercio *| e a agricultura, quo devem amparar-se e soccorrer-se mutuamente, não se condemnando a um odio eterno. Não com-prohendo como o commercio possa prosperar longo tempo, quando se definha a agricultura, nem que esta possa adian-tar-so, quando aquelle se acha languido e esmorecido.

Serve mal á agricultura quem a quer proteger com prejuízo do commercio; é mau amigo d'este o que não tiver grande interesse na prosperidade da agricultura.

Nas reformas porém que se fizerem é necessário alargar os horisontes, e encarar as cousas pelo que ellau são, e não pelo que foram, acompanhando a humanidade na marcha irresistível dai suas idéas e aspirações. Quaesquer que sejam as idéas do individuo, como particular é necessário po-las ao par da sua epocha, quando elle, com rasão ou sem ella, se acha na posição dc homem politico, chamado a interferir na governação da sociedade.

Na reforma porém que se faça, é necessário não abalar profundamente as industrias, creadas e mantidas á sombra ou ao calor dc certa ordem de cousas; é necessário transigir, e preparar o futuro para uma reforma radical, quando ella possa ter logar °ein perigos. Como se pertendo de salto atacar uni systema, que vigora ha mais de um século, durante o qual '0 creou uma industria, como não ha outra no paiz, e, sem a armar com as arma3 modernas, deixa-la sem defeza privando-a das antigas? Hoje que as classes, apesar e a despeito de toda n liberdade que se apregoa, têem uma tendência indisputável para o monopólio, é necessário não deixar os agricultores sem associação e sem recursos, entregues á mercê dos monopolistas de todo o género. Nào lembre só a agricultura para sobre aterra se lançarem alea-vallas pesadas, cobradas por leis, regulamento'? e maneiras barbaras. A agricultura é a força do estado, e deve concorrer para os encargos d'elle com importantes sommas, mas o estado deve dar-lhe a mão de preferencia a qualquer outra industria, e não abandona-la, como tem feito, definhada e exausta á acção combinada e contraria dos outros elementos sociaes.

Convencido, como estou, que a industria agrícola é a mais importante d'estc paiz, e que nenhuma outra, até pela limitação dos mercados, pois a cada instante estamos a dar

encontrões na Hespanha, pôde competir em importância com ella, sempre na minha vida publica tenho pugnado pela protecção que o governo lhe deve, e pela attenção com que deve encara-la.

A minha questão não é da agricultura em certa ou determinada localidade, é sim da agricultura em geral no seu complexo. Se especialmente hoje me oceupo da industria agricola vinhateira, e ainda esta limitada ao paiz do Douro, é porque não me atrevo, eu simples particular completamente alheio aos negócios, a trata-la, com esperança de suc-cesso, na altura em que o deve ser.

Sobre o Douro, em especial, mais alguma cousa posso dizer, por conhece-lo e ter meditado na sua longa historia, sobre a qual se podiam escrever volumes, recopilando o que sobre elle se ha escripto.

Lançando ao papel algumas bases para uma reforma na legislação d'este paiz, eu nem mesmo me atrevo a dar-lhe o nome de projecto de lei: falta-lhe muito para poder ser codificado, e mesmo ignoro se em presença das attribuições restrictas sobre iniciativa, que a carta constitucional nos faculta, eu posso, como membro d'esta camará, propor o projecto no sentido das minhas idéas. Duvido1 que o possa fazer, mas seria impossivel tratar esta questão sem isso; pelo que, devo ser relevado.

Dividirei as bases para a reforma da legislação vinhateira em differentes partes, ou capitulos. No conjunto de todas estas medidas é que eu considero poderá consistir a reforma ou substituição da legislação vinicola: a discussão, com os esclarecimentos do governo, poderá esclarecer melhor o que convirá fazer; pois acredito que n'uma questão alheia inteiramente aos caprichos da politica, ninguém poderá querer outra cousa que não seja o acertar.

Bases para'a reforma da legislação do paiz do Douro

CAPITULO I

da associação dos agricultores do douro e dos das outras províncias

Artigo 1.° Todos os lavradores dos districtos vinhateiros do reino e ilhas podem livremente associar-se formulando os seus estatuto», que serão submettidos á approvação do governo, sem o que não terão vigor.

Art. 2.° Os lavradores, assim associados, designarão uma denominação e marca do género da sua cultura.

Art. 3.° Esta marca e designação são garantidas, e não poderão ser adoptadas por nenhuma outra associação ou individuo.

Art. 4.° A todo o proprietário ou commerciante de vinhos é permittido adoptar um nome e marca para o género especial da sua cultura e commercio.

§ único. Esta marca não o dispensa de usar da da associação, a qual é obrigativa.

Art. 5.° São igualmente garantidas as marcas especiaes do3 proprietários ou commerciantes, que produzam ou negoceiem em vinhos de uma determinada associação.

Art. 6.° A falsificação das marcas das associações e dos particulares será punida com as penas especificadas na lei com muni.

Art. 7.° Regulamentos especiaes do governo determinarão o modo pratico de levar á execução as disposições sobre as marcas das associações, dos particulares e da sua garantia.

Art. 8.° Os quarenta maiores lavradores de vinhos do Douro, regulando para este effeito o termo médio dos vinhos que arrolaram nos últimos cinco annos, constituem o centro da associação dos lavradores d'este paiz vinicola.

Art. 9.° A assembléa d'estes compete discutir e propor ao governo o projecto de estatutos da associação; os quaes só poderão ser alterados pela forma que elles determi narem.

CAPITULO II

da demarcação do paiz viniiateiro do douro e do seu arrolamento e exportação

Art. 10.° Os vinhos e geropigas do Douro continuam a gosar o privilegio de serem exclusivamente exportados pela barra do rio Douro.

Art. 11.° As geropigas serão para todos os effeitos consideradas como vinhos, e tanto umas como os outros serão divididos em duas classes, exportáveis e de consummo ou distillação.

Art. 12.° Os vinhos do Douro continuarão a ser arrola-,dos pelo modo prescripto no decreto com força de lei de 11 de outubro de 1852.

Art. 13.° A commissão reguladora, creada pelo regulamento de 12 de outubro de 1852, continua a subsistir com as attribuições n'elle especificadas, salvas as alterações da presente lei.

§ único. Os membros da mesma commissão, pertencentes á lavoura, serão de ora em diante eleitos pela associação dos lavradores do Douro.

Art. 14.° Em presença da cifra do arrolamento feito dentro da demarcação do paiz vinhateiro do Douro, e da exportação dos últimos cinco annos, e bem assim da qualidade da novidade, o governo, precedendo consulta da commissão reguladora, determinará por decreto o numero de pipas habilitadas para exportação.

Art. 15.° A exportação será feita para todos os portos do mundo, sem distineção alguma, e sem differença de direitos.

Art. 16.° O governo mandará proceder immediatamente á demarcação definitiva do paiz vinhateiro do Douro, fazen-do-se em seguida o cadastro das propriedades n'elle com-prehendidas; especificando-se a respeito de cada n'uma d'el-las o numero de pipas de vinho, que podem produzir em annos regulares.

Art. 17.° Fjcam abolidas as provas dos vinhos, ou seja por assentadas ou á porta dos armazéns.

Art. 18.° Em presença da cifra de pipas approvada para

exportação no decreto do governo, a commissão reguladora mandará passar guias de exportação a todos os lavradores, cujas propriedades estejam no cadastro da demarcação, na proporção que lhes possa caber, attendendo á rasão existente entre o numero de pipas de vinho, que se arrolaram, e o que foi declarado exportável.

Art. 19.° O numero de pipas arrolado por cada lavrador não poderá exceder de um terço aquelle que lhe estiver designado na respectiva matriz predial.

Art. 20.° É prohida a importação de vinhos estranhos á demarcação do paiz do Douro, antes e durante o arrolamento.

Art. 21.° Nenhum vinho será1 exportado pela barra do Douro, sem estar armazenado como exportável, e tendo a marca da associação dos lavradores do Douro.

Art. 22.° O governo mandará proceder á revisão dos regulamentos dos vinhos do Douro, e bem assim decretará o que se deve observar quanto á fiscalisação dos armazéns de deposito, e aos seus desfalques.

CAPITULO III

dos direitos dos vinhos de consummo

Art. 23.° São equiparados os direitos de despacho para consummo aos vinhos verdes e maduros, introduzidos no Porto e Villa Nova de Gaia.

Art. 24.° Todos indistinctamente pagarão de entrada uma quantia igual á media do producto d'este imposto nos últimos cinco annos, dividido pelo numero de pipas entradas, salvo o imposto addicional de 20 por cento para viação.

Art. 25.° Fica abolida a prova dos vinhos á entrada de barreiras, sendo todo despachado como vinho de consummo.

Art. 26.° Continuarão em vigor as disposições especiaes quanto á applicação e divisão do producto d'este imposto.

Art. 27.° O vinho, guiado para a exportação, será introduzido para os armazéns, manifestados para deposito, sem prévio pagamento de direitos, o qual só se verificará no acto da exportação.

Art. 28.° O governo fará os regulamentos para a exacta fiscalisação e cobrança d'estes direitos.

CAPITULO IV

do imposto sobre o viniio de exportação e sua applicação

Art. 29.° Os vinhos que forem exportados pela barra do rio Douro pagarão de direitos de saída 2$500 réis por pipa, alem do imposto addicional para viação.

Art. 30.° A applicação do imposto, na parte differencial com relação ao que onera os vinhos das outras procedências, exportados pelas outras barras do reino será, alem do serviço especial que exigem os regulamentos do paiz vinhateiro do Douro, na conformidade d'esta lei, para dar impulso á viação publica no mesmo paiz.

Art. 31.° E o governo auctorisado a levantar sobre este imposto a quantia de 600:000^000 réis, em tres series an-nuaes de 200:000)5000 réis cada uma, com destino exclusivo á viação no districto da demarcação do paiz vinhateiro.

Art. 32.° As estradas quo se fizerem com o producto d'este empréstimo serão igualmente divididas pelas duas margens do Douro, dentro do paiz da demarcação.

Art. 33.° O governo mandará proceder ao estudo do paiz vinhateiro para se fazer um plano geral das estradas d'este paiz.

Art. 34.° O juro d'este empréstimo não excederá a 6 por cento, e terá uma amortisação que o governo decretará no programma para a verificação do mesmo.

CAPITULO v

estabelecimento de credito para o paiz vinhateiro do douro

Art. 35.° E creado na Régua um banco com a denominação de = banco do Alto Douro Este banco poderá ter uma caixa filial no Porto.

Art. 36.° O seu fim é promover a industria dos vinhos do Douro; e o proteger a sua agricultura.

Art. 37.° O seu fundo serí de 3.000:000^000 réis, divididos em series, sendo a primeira de 1.000:000^000 réis, divididos em acções de 10Ò$000réis cada uma.

Art. 38.° O banco considerar-se-ha constituído logo que se ache subscripta esta primeira serie, e começará a funecio-nar apenas se tenha pago a primeira prestação, que não será inferior a 30 por cento.

Art. 39.° O governo garante aos accionistas d'este banco o minimo de juro de 6 por cento, para o que tem o direito de se fazer representar na direcção do banco como se dis-pozer em seus estatutos.

Art. 40.° A direcção do banco é indefinida, mas os privilégios de garantia de minimo de juro, acima mencionado, e os que abaixo se declaram, durarão tão somente o espaço de vinte annos, contados da data da sua constituição definitiva.

Art. 41.° Os privilégios, alem do da garantia de minimo de juro, são:

§ 1.° A emissão de cheques á vista, e ao portador, que serão admittidos como dinheiro corrente nas estações publicas;

§ 2.° A isenção de impostos quer geraes quer locaes;

§ 3.° As acções podem ser negociadas por simples in-dosso, sem pagamento de direitos de transmissão;

§ 4.° O gozo dos privilégios da fazenda nacional para a cobrança das suas dividas;

§ 5.° Uma guarda militar.

Art. 42.° As suas operações consistem no seguinte:

§ 1.° Fazer empréstimos aos lavradores, sobre seus bens, pela forma abaixo declarada;

§ 2.° Fazer empréstimos sobre depósitos de vinhos, pela forma que indicarem os estatutos;

§ 3.4 Emprestar sobre as suas, próprias acções;

1 Se o governo quizesse dar um grande impulso a estas instituições bancarias eu opinaria antes pela creação de um grande banco cm Lisboa, com uma caixa succursal na Régua, e com outras em diversas localidades, dando assim um grande e enérgico impulso á agricultura, e fazendo operações de manimo alcance.

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§ 4.° Descontar bilhetes de compra de vinhos;

§ 5.° Estabelecer depósitos de aguardentes, que venderá a prasos e a dinheiro;

§ 6.° Estabelecer depósitos de flor de enxofre que venderá a prasos e a dinheiro;

§ 7.° Mandar balizas de vinho puro do Douro para os differentes portos do mundo, e publicar os resultados que obtiver.

Art. 43.° Os empréstimos' que fizer sobre depósitos serão a praso fixo, podendo ser renovados os ditos prasos.

Art. 44.° Os empréstimos sobre hypotheca de bens de raiz serão a longo ou a curto praso.

Art. 45.° Os primeiros serão pagos por uma annuidade certa, de modo que n'ella se comprehenda o juro e uma amortisacão progressiva.

Art. 40.0 Os segundos serão pagos em prasos certos não excedentes a um anno.

Art. 47.° Para os empréstimos a longo período o proprietário hypothecará ao banco uma ou mais propriedades, que serão previamente avaliadas por louvados nomeados pelo banco.

§ único. Esta avaliação não poderá exceder á que corresponda ao rendimento indicado na respectiva matriz predial.

Art. 48.° O empréstimo não poderá exceder a terça parte do valor venal da propriedade.

Art. 49.° O mutuário pagará no cofre do banco todos os annos a annuidade que percencer ao seu empréstimo, e não o fazendo dentro de um mez, contado do dia do vencimento, será a sua hypotheca especial arrematada com os privilégios da fazenda nacional.

Art. 50.° Esta arrematação far-se-ha com o abatimento successivo de uma, duas e tres quintas partes até integral embolso, sendo todas as despezas por conta do devedor.

Art. 51.° A hypotheca ao banco prefere a toda e qualquer outra posterior por mais privilegiada que seja.

Art. 52.° As obrigações hypothecarias feitas pelos mutuários e lançadas no livro respectivo do banco têem a força do escripturas publicas.

Art. Õ3.° Por estas obrigações serão entregues aos mutuários titulos de igual valor, que serão pagos á vista na thesouraria, e negociáveis: com estes titulos se podem remir as obrigações originaes.

Art. 54.° Nos estatutos do banco se designará o modo como se farão os empréstimos a período curto, a forma dos depósitos e das outras operações bancarias, a eleição da direcção e gerência do banco, e todas as mais disposições que costumam ser inseridas nos regulamentos dos estabelecimentos d'esta natureza.

CAPITULO VI

disposições tp.ansitokias

Art. 5õ.° As disposições d'esta lei, quanto ao arrolamento e exportação dos vinhos, começarão a vigorar com relação á novidade de 1861.

Art. 56.° Em quanto se não fizer uma nova demarcação do paiz vinhateiro, fica subsistindo a actual.

Art. 57.° A modificação e nova applicação de impostos só começará a vigorar de 1 de fevereiro de 1862 em diante.

Art. 58.° O imposto de 500 réis por entrada de cada pipa de aguardente nas barreiras do Porto, creado pelo segundo decreto deli de outubro de 1852, seráabolido desde que estejam amortisados os empréstimos, auctorisados por lei, que sobre elle se levantaram.

Art. 59.° Fica revogada a legislação em contrario.

Camara dos pares, 8 de fevereiro de 1861. = Conde de Samodães.

Secretaria da camará dos dignos pare3 do reino, em 11 •de fevereiro de 1861. =Diogo Augusto de Castro Constâncio.

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