74 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
A questão de fazenda é uma das causas por que a opinião publica tem abandonado este governo,; mas não é essa a principal. Questões de finanças nunca chegam bem ao conhecimento da grande massa do povo, são apenas para uma certa classe um pouco mais illustrada, que póde examinar estas questões, estudar o orçamento e ler os relatorios do ministerio da fazenda. O nosso povo, ainda infelizmente pouco instruido, só conheço a questão de fazenda quando se lhe pede o augmento cio imposto. Mas o que o povo sabe é que o governo tem faltado completamente a todos os principios do seu programma; reina por toda a parte a decepção e o desengano. O descontentamento é grande, e sobretudo nas localidades onde o povo estava acostumado á tolerancia, não direi excessiva, mas larga e intelligente do meu antigo collega o sr. Antonio Rodrigues Sampaio, e que caiu por uma transição rapida nas mãos do sr. José Luciano de Castro. O sr. ministro do reino, que no seu programma e nos seus discursos tinha proclamado as mais amplas idéas de descentralização, que levava os seus escrupulos em materia de interferencia politiza nos actos de administração locai até ao ponto de não querer que o executivo tivesse o direito de dissolver as camaras municipaes, nem que os governadores civis tivessem a tutela dos estabelecimentos locaes de beneficencia, tem passado a sua vida ministerial a dissolver camaras municipaes e a consentir ou a ordenar que os seus governadores civis dissolvam as administrações das misericordias e confrarias; e isto não no intuito elevado de melhorar a administração d'estes corpos municipaes e locaes, mas no intuito mesquinho de expulsar d'estas administrações os homens que seguem uma politica contraria á do governo, no intuito de satisfazer odis de localidade e conveniencias eleitoraes.
O sr. ministro do reino tinha asseverado no seu programma e nos seus discursos que queria emancipar os eleitores da influencia da auctoridade, e em vez d'isto, esquecendo-se da tolerancia, que é o timbre e gloria do partido regenerador, que com grande vantagem publica a inaugurou ha trinta annos, da tolerancia, que é a grande e fecunda virtude dos tempos e da civilização moderna, não tem feito senão demittir e transferir empregados, não já sómente os empregados de confiança politica, mas até os empregados de instrucção publica, os professores, os reitores dos lyceus, os empregados do ministerio publico, os empregados de fazenda, renovando precedentes ominosos, que pelo desuso já estavam esquecidos.
Eu, sr. presidente, não quero exagerar. Graças á amplissima liberdade de imprensa, que tambem faz em grande parte a honra de um dos partidos d'esta terra, não são possiveis hoje os excessos de outros tempos. Não quero dar ao sr. ministro do reino aã proporções do um tyranno. Nesta epocha já não póde haver tyrannos. Mas póde haver tyrannetes. Não quero exagerar, e dizer que voltámos aos tempos de D. Miguel. O sr. ministro do reino é apenas um conde de Basto em miniatura.
Mas, sr. presidente, eu disse que o governo fallando constantemente ao seu programma tem incorrido n'um certo desagrado geral, e por isso me convenço de que o governo está gasto, que se gastou mais depressa do que nunca se gastou nenhum outro governo em tão curto periodo de tempo, que não tem força para viver politicamente, que não tem força para governar. E quem não tem força para governar, não governa.
Apontarei um facto, a questão dos coroneis.
O illustre ex-ministro da guerra, o sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, no intuito de favorecer a arma de infanteria, que estava prejudicada no seu accesso, invocou uma antiga consulta do concelho d'estado, e reformou em general de divisão o coronel Affonso de Campos. Mas tomando essa medida sob sua exclusiva responsabilidade, communicando-a aos seus colegas, e fazendo lhes ver qual o seu alcance legal e financeiro, e até qual a somma que essa medida faria despender a mais. Sabiam-no, pois, todos os srs. ministros e tomaram a responsabilidade do acto. Mas quando appareceram mais tarde os decretos que applicavam a mesma medida a outros coroneis, o que elles sabiam que havia de acontecer, alguns jornaes do governo começaram a censurar aquelles decretos. Quiz o sr. João Chrysostomo defender-se nos jornaes do governo, e não lh'o consentiram.
Os srs. ministros renegaram a responsabilidade que tinham completa nos actos do seu collega, e o sr. João Chrysostomo teve que sair do ministerio. Os jornaes amigos do governo (permitta-me a camara a phrase que vou empregar) intimaram a s. exa. mandado de despejo. E note-se que não era a primeira vez que esses jornaes investiam com o sr. João Chrysostomo; já o tinham feito noutra occasião, ha perto de um anno, e cousa notavel! foram então os jornaes da opposição quem defenderam o nobre ministro da guerra. O sr. João Chrysostomo, caracter elevado e austero, não se curvava a certas influencias, nem obedecia a certas pressões. Saiu pois o sr. João Chrysostomo, abandonado pelos seus collegas. Mas uma cousa que se chama a lógica fez dizer ao publico e á imprensa que se o sr. João Chrysostomo tinha saído do ministerio, por ter publicado decretos illegaes ou inconvenientes, não bastava que elle saísse, e era necessario que aquelles decretos fossem revogados. O governo que tinha cedido ás exigencias dos seus amigos, demittindo o sr. João Chrysostomo, cedeu ás intimações da imprensa, e suspendeu os decretos. Suspendeu-os, note-se bem, para serem ouvidas as estações competentes, as estações no plural. Comtudo, não se ouviu mais do que uma estacão, que foi a procuradoria geral da corôa; o que prova que o governo, confundindo o singular com o plural, não está mais adiantado em grammatica do que em politica. Aconteceu então que os officiaes do exercito da arma de infanteria, quando viram os seus interesses ameaçados, começaram a manifestar o seu descontentamento, e o governo que primeiro havia cedido aos seus amigos politicos, depois á imprensa, teve de ceder ao descontentamento do exercito, e revogou o decreto que tinha suspendido os decretos anteriores. Será isto serio?
Sr. presidenta, quando os governos assim procedem, não têem força para governar, e por isso eu disse que não podia conservar-se por muito tempo n'aquellas cadeiras. Mas digo-o em desprazer e com sentimento, porque intendo que no systema representativo, os governos, sobretudo os governos que representam um partido, devem conservar-se por tempo sufficiente no poder, para se conhecer e consolidar algum bem que possam ter feito, ou para se demonstrar a todas as intelligencias, ainda as mais tardias, de uma maneira formal, evidente e inequivoca, a sua completa incapacidade, ou a inanidade do seu programma, ou a sua impotencia de o realisar.
Este governo tem vinte mezes de existencia, e uma das medidas mais importantes que apresentou foi o imposto de rendimento.
D'esta medida ainda se não podem conhecer os resultados praticos, porque a sua applicação completa á maioria dos contribuintes, aos lavradores, aos proprietarios, aos commerciantes e aos industriaes só ha do realisar-se depois do proximo mez de agosto.
Uma das medidas que foi mais combatida nesta camara, a resurreição do arrematante do real de agua, ainda não está praticamente em execução.
Das novas taxas do sêllo. como ainda até hoje não se publicaram os regulamentos, ha algumas e das mais vexatorias que não estão ainda em execução.
Portanto, era conveniente que o governo não saísse do poder sem que se reconhecessem de uma maneira completa os resultados praticos das suas medidas.
Mas de certo não deponde de mira que elle se conserve n'aquellas cadeiras, e eu vejo approximar-se rapida a hora em que tem de abandonal-as.
Eu bem sei que o governo, ou pelo menos os seus amigos,