SESSÃO N° 12 DE 26 DE AGOSTO DE 1905 137
Quanto á renda portugueza, estava, em 4 de abril, em Londres, a 69,62; pois, em 1 de junho, em Londres, e em 10 de junho em Paris, desceu a 67,25.
Isto é, abaixo dos dois pontos agora previstos; e isto independentemente de qualquer especulação. Simplesmente pelas naturaes fluctuações do mercado.
Haverá cousa mais facil do que uma fluctuação de dois pontos na cotação da renda portugueza, quando com a ingleza e a franceza succede o que acabou de demonstrar ?!
Não, e isso pondo de parte qualquer idéa, repete, de especulação financeira; suspeita que não quer levantar.
Ora, dada a hypothese, o que acontece?
De duas uma, em razão das modificações ao contrato de 4 de abril, agora trazido ao Parlamento: ou o Governo ha de manter o contrato quand même, e por tanto tempo quanto os negociadores quizerem; ou dentro do prazo estabelecido, de tres mezes, declara-o sem effeito.
Pergunta:
Como paga então o Governo aos portadores das obrigações actuaes?
Este Governo não está livre na sua acção, porque publicou uma portaria pela qual denunciou o contrato com a Companhia dos Tabacos, e por isso assumiu a obrigação de pagar aos portadores das obrigações.
Portanto, se não pagar até ao prazo fatal, o credito do paiz fica arrastado. Ora se n'essa epoca, e mesmo independentemente de qualquer especulação, houver a baixa prevista na renda portugueza, - o que, como disse, é facil succeder - em que circumstancias fica o Governo?
Ou ha de fallar, ou ha de ficar á mercê dos contratadores até quando elles quizerem ou puderem fazer a emissão.
Eis a situação desesperada em que o Governo nos deixa ficar. Situação que se transforma n'um verdadeiro perigo, se attentarmos em que não é livre a acção do Governo. Tendo denunciado o contrato de 1891 vê-se obrigado a pagar aos portadores das obrigações até maio de 1907. Não podendo fazer a projectada operação a tempo, fica nas mãos dos contratadores, ou rompe, e lança-se abertamente em novas negociações, sujeitando-se ás clausulas que lhe forem impostas.
Note V. Exa., Sr. Presidente, note a Camara, quão grave é esta situação, e quão justificavel é que chame para este ponto, concreto, claro e definido, a attenção do Parlamento.
Nós estamos hoje n'um debate politico, nos fins de agosto; crê que o contrato de 3 de abril, com as modificações n'elle introduzidas, está prorogado até 31 de dezembro; temos que discutir as leis constitucionaes, que estão ainda por votar; temos o orçamento, e que orçamento! Um orçamento cheio de auctorizações, que o Governo nos traz, exactamente no momento em que cuidadosamente devia arredar dos debates tudo quanto pudesse demorar ou exacerbar as paixões politicas.
Temos pois o orçamento e as leis constitucionaes a discutir, e temos um debate que ha de ser largo n'uma e n'outra casa do Parlamento, acêrca do contrato dos tabacos; se o Sr. Presidente do Conselho tiver conseguido a solução da questão dos tabacos dentro d'este prazo, terá alcançado muito, dado o estado em que se encontram os espiritos.
Mas, Sr. Presidente, o que aconteceria se nós tivéssemos a imprevidencia de votar semelhante contrato com as modificações que n'elle introduziu o Sr. Presidente do Conselho?
Acontecia que chegavamos a 31 de dezembro, e tendo-se de publicar a lei n'essa data, exactamente na occasião em que teem logar as liquidações de fim de anno, e quando mais facilmente se pode dar a baixa de fundos, se a emissão se não realizar dentro dos tres meses, de janeiro a março, e se assim chegarmos ao fim de março, o Governo achar-se-ha n'uma triste e dolorosa situação. De duas uma: ou terá de contemporizar com os contratadores para não romper o contrato; ou de o romper, lançando-se no desconhecido, sem bases nem garantias.
É para esta situação perigosa, sem discutir tudo o mais que está no contrato, sem se deixar dominar por paixões politicas, que chama a attenção do Parlamento e do paiz, porque comprehende quanto ella é grave e quanto são precarias as consequencias que d'ella podem advir.
Não quer levar mais longe as suas apreciações, não quer tomar mais tempo á Camara. Poz a questão com serenidade e convicção, tendo fallado sem má vontade para ninguem, sem desejo de azedar paixões, apontando os perigos e fazendo as apreciações politicas que lhe são proprias.
A sua conclusão é bem simples, bem clara e lógica. Um acto politico Sr. Presidente, nunca é um acto sem consequencias e sem responsabilidades, quando o Chefe de um Governo recorre ao Chefe do Estado, solicitando um acto do poder moderador, é sempre com o fim de utilidade publica, nem de outra forma podia ser: mas por isso mesmo que recorre ao Chefe do Estado, o Governo assume uma responsabilidade, um compromisso.
O seu caminho está traçado. O Sr. Presidente do Conselho pediu o adiamento das Côrtes, por duas causas: para acalmar as paixões politicas, e irritou-as; para melhorar o contrato dos tabacos por forma a assegurar os interesses do Estado, e traz ao Parlamento umas modificações que deixam a descoberto o Thesouro e em risco de insolvencia a Fazenda Nacional.
Reflicta o Sr. Presidente na situação em que se collocou, desde que não soube, ou não pôde, solver o compromisso que tomou.
(O orador foi cumprimentado por varios Digno Pares).
S. Exa. não reviu.
O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Permitta-lhe a Camara que, nas breves palavras que vae proferir, comece por estranhar a attitude do Digno Par Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro, em relação á presente situação politica e partidaria.
Não foi assim que elle, orador, e todo o partido progressista procederam quando se deu uma dissidencia semelhante no partido regenerador. N'essa occasião o chefe do partido progressista e todos os seus amigos politicos abstiveram-se escrupulosamente de intervir nas discussões que se travaram entre os dois grupos dissidentes. Em taes circumstancias o partido progressista, longe de azedar os debates, longe de augmentar a distancia que já separava os combatentes, longe de se enfileirar ao lado de um para dar força a outro, abstinha-se, no Parlamento, de entrar nas discussões levantadas entre os dois combatentes e guiava-se pela mais stricta neutralidade. Era neutral o partido progressista quando lavrava a desordem nos arraiaes regeneradores.
O partido progressista podia, n'essa occasião, enfileirar-se ao lado dos dissidentes; podia ter procurado aggravar as dissenções fundas que já existiam; (Apoiados) podia ter causado mais graves embaraços ao chefe do partido regenerador.
Não quiz, porem, proceder assim. (Muitos apoiados). E não procedeu assim, não tendo até, se a memoria lhe não falha, tomado parte n'uma votação que se effectuou na Camara electiva.
Não levantou quaesquer incidentes que pudessem vir irritar a situação parlamentar já demasiadamente excitada. Não procurou intervir nos debates a fim de acirrar ou fortificar as paixões e incitar uns contra outros.
Não procedeu assim, então, o partido progressista; muito pelo contrario, deixou liquidar a questão em familia, não tolhendo ou enfraquecendo a acção e auctoridade do chefe do partido regenerador. Deu-lhe, pelo contrario, a força que podia e devia dar-lhe. O partido progressista procedeu