140 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
tral estivesse de accordo com o que se achava nesse artigo.
Não quer discutir o contrato, mas deve dizer que, segundo a emenda ao artigo 10.°, os contratadores teem o direito de exigir do Governo a prorogação do prazo para a emissão, mas em nenhum caso essa prorogação pode ir alem de 90 dias, após a promulgação da lei, ficando, comtudo, elles sempre obrigados para com o Governo quanto ás obrigações contrahidas, e tendo o Governo o direito de rescindir o contrato.
N'estes termos, vê-se bem que o texto actual é bem melhor do que o do contrato de 16 de julho.
Tambem não é de colher a allegação, o argumento de que os contratadores podem ter algum interesse em fazer baixar a cotação dos fundos para não realizarem a emissão.
Bem pelo contrario, o seu interesse é alteal-a, para; que a emissão se faça em melhores condições. (Apoiados).
Finalmente o Sr. Hintze Ribeiro acabou o seu discurso dizendo que o Governo, não tendo correspondido com os seus actos aos intuitos que manifestara, que pedira o addiamento das Côrtes para introduzir algumas modificações no contrato dos tabacos e para acalmar as paixões politicas, mas como nada d'isso tinha conseguido, o melhor que faria era retirar-se das cadeiras do poder.
Agradece o conselho de S. Exa. - e chama-lhe conselho porque não quer chamar-lhe intimação.
Emquanto o Governo tiver a confiança da Coroa e a das maiorias parlamentares, não pode nem deve retirar-se. (Apoiados).
Desde que essa força lhe falte, então o Governo não precisará que o intimem a retirar-se; elle sabe bem o caminho que tem a seguir.
Quanto á acalmação politica, effectivamente não se conseguiu o que se desejava, mas isso não lhe parece que seja motivo para que o Governo se retire.
Quando S. Exa. o Sr. Hintze Ribeiro dissolvia peia terceira vez a Camara, o que vimos nós?
Vimos que depois das eleições veio precisamente a mesma Camara que estava. Parecia que S. Exa. tinha dissolvido a Camara com o fim de alterar a sua constituição. Desde que não conseguiu alteral-a devia retirar-se segundo a sua doutrina de agora, e S. Exa. não se retirou e fez muito bem. (Apoiados).
Agora quanto ás emendas, ha n'ellas grande melhoria, sobre o contrato de 16 de julho de 1904, e mesmo sobre o de 4 de abril de 1905, e creia S. Exa. e creia a Camara, que ainda não houve nem argumentos nem considerações que abalassem o seu modo de pensar.
É este o melhor contrato que até hoje se tem feito.
(Vozes: - Muito bem, muito bem). (O orador foi muito cumprimentado). (S. Exa. não reviu).
O Sr. João Arroyo: - Confessa á Camara não haver esperado usar da palavra na sessão de hoje.
É que o seu espirito poderia formular todas as hypotheses, menos a da continuação do debate hontem iniciado.
Já vae longa a sua vida publica e parlamentar; tem assistido, ha vinte e um annos, a muitas lutas politicas; atravessou conjuncturas difficeis presenceou varios incidentes violentos dentro d'este recinto e na Camara dos Senhores Deputados, mas nunca viu que o publico, assistindo a uma sessão parlamentar, sahisse da Camara, já não diz tão emocionado como todos hontem d'aqui sahiram, mas com a absoluta certeza de que as mais fundamentaes regras que presidem ao decoro politico e parlamentar, proclamavam ao Sr. Presidente do Conselho que honrasse o seu passado politico, depondo immediatamente a sua demissão nas mãos de El-Rei.
Nunca viu a linguagem, por inflammada intensa e vehemente que já haja sido, attingir n'esta Camara os extremos que hontem logrou tocar.
Nunca viu a discussão descer até ao enunciado simples de factos relativos á vida particular e á intimidade politica dos homens.
Nunca viu as declarações de um chefe de partido, do chefe do Governo Portuguez, serem recebidas por uma galeria, pela sala inteira, como hontem o foram as declarações do chefe da situação actual.
Elle, orador, que conhece particularmente o Sr. Presidente do Conselho, que sabe o que ha de orgulho e até de vaidade dentro da alma do Sr. José Luciano, nunca pôde acreditar que a noite não trouxesse socego aos nervos de S. Exa., levando-o a preferir a todas as soluções aquella que desse ao seu paiz um exemplo de isenção parlamentar e que, unindo na mesma fileira todos os soldados do partido progressista, legasse ao futuro a lição imorredoura de um bom serviço prestado ao Rei, e de haver um homem que, no ultimo periodo da sua vida politica, optara pela abnegação e pela generosidade. O que não suppusera, em hypothese alguma, é que o Sr. José Luciano, com o seu prestigio politico e parlamentar anniquilados, ousasse voltar a esta Camara, e que, como se a sessão de hontem houvesse sido banal, recordasse serenamente a triste discussão a que assistimos, quando ainda sobre nós pairava a absoluta certeza de que os homens que ali estão (apontando para os Srs. Ministros) não são Ministros da Coroa mas sim puros autómatos, meros phantasmas do poder, absolutamente desprestigiados no seu decoro politico.
Ha pouco ainda o Sr. Presidente do Conselho quasi que intimou o chefe do partido regenerador a não se intrometter nas questões internas do partido progressista.
Elle, orador, nada tem que ver com a face da questão que pessoalmente diz respeito áquelle Digno Par, mas sim com as palavras do Sr. José Luciano que se referem a considerações sobre o estado de espirito de alguns parlamentares.
Tem de voltar-se para S. Exa. e de dizer-lhe que a obrigação de apasiguar, de pacificar, de socegar, impende imperiosamente sobre quem occupa a suprema magistratura do seu paiz e preside ao Conselho de Ministros.
Não tem só o direito, mas ainda o dever de voltar se para S. Exa. e de perguntar-lhe que vento de insania se apoderou da sua cabeça, qual foi o espirito malfazejo que falou aos seus ouvidos, qual a inspiração que dictou as suas palavras e permittiu que, no decorrer d'este incidente, unico na historia do Parlamento portuguez, S. Exa. se apresentasse irritado, aggravando o debate, impulsionado por todos os sentimentos que elle, orador, quizera ver banidos do coração de S. Exa., de tal sorte que o não levassem a pôr na sua palavra, já não dirá toda a altivez, mas todo o fogo de que a linguagem portugueza pode dispor.
Qual seria a altura moral do Sr. José Luciano se, ao abrir-se o debate no Parlamento, elle se tivesse apresentado superior a todos aquelles que no seu partido occupam as mais eminentes posições politicas, superior ás paixões, aos ataques, ás injurias, e não tivesse proferido senão duas palavras: uma dirigida ao seu paiz e outra ao seu partido! A palavra destinada ao seu partido seria a do perdão, unica que em taes circumstancias haveria a esperar, de um chefe que sabe esquecer, que se compenetra de que está superior a tudo e de que não deve combater senão de igual para igual; para o seu paiz, a palavra da libertação, apanagio d'aquelles homens de Governo que sabem cumprir o seu dever e reconhecem que acima de todas as veleidades de chefe de partido está o movimento da opinião nacional, cuja hostilidade, em assumptos como o dos tabacos, augmenta de momento a momento, se avoluma de hora a hora e que, a despeito de tudo, ha de manter-se, desde que se pense fazer prevalecer esse contrato absolutamente malfadado.
Esse movimento impor-se-ha em nome dos verdadeiros interesses publicos.