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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.º 12

EM 26 DE AGOSTO DE 1905

Presidencia do Exmo. Sr. Antonio Candido Ribeiro da Cosia

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Vaz Seabra de Lacerda

SUMMARIO.- Leitura e approvação da acta. Não houve expediente.- Continuando a discussão sobre a ultima crise ministerial, discursa o Digno Par Sr. E. Hintze Ribeiro. Seguem-se no uso da palavra o Sr. Presidente do Conselho, o Digno Par João Arroyo, e o Sr. Ministro do Marinha.-Antes do encerramento da sessão dão explicações o Sr. Ministro da Marinha, Pereira de Miranda, Alpoim, e Z. Hintze Ribeiro.- Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Assistiu á sessão todo o Ministerio.

Pelas 3 horas da tarde, verificando-se a presença de, 64 Dignos Pares, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Foi lida, e seguidamente approvada, a acta da sessão antecedente.

Não houve expediente.

O Sr. Presidente: - Continuando o incidente transformado em ordem do dia, vae dar a palavra ao primeiro dos oradores que estão inscriptos, que é o Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro.

Tem S. Exa. a palavra.

O Sr. Hintze Ribeiro:-Retomando a ordem das suas considerações, diz que decorreram vinte e quatro horas sobre a sessão de hontem, triste sessão na verdade! Não quer aggravar a ferida tão dolorosamente aberta; não quer interferir no que a contenda hontem ali travada, entre o Sr. Presidente do Conselho e o Sr. Alpoim, pode ter de pessoal.

Estranho ao partido progressista não tem de intervir nos assumptos do proprio partido. Limita-se portanto a lamentar, assim como os seus amigos politicos, o que hontem se passou n'aquella casa.

Como parlamentar antigo, que é, lamenta o que se passa dentro do partido progressista, porque nada tem a ganhar com o descalabro do partido contrario. Tem elle, orador, e os seus amigos politicos, mercê de Deus, forca bastante para cumprir o seu dever; vê-os unidos, dispostos, interessados na mesma causa que de todos é commum. Se na sua mão estivesse poder unir os elementos mais valiosos do partido progressista, congraçar os que tão dissidentes se apresentaram hontem, poder emfim agrupar o que ainda ha pouco constituia a força, a vitalidade, a acção, a iniciativa d'esse partido, creia o Sr. Presidente do Conselho que, muito sinceramente o diz, de muito bom grado o faria.

Mas, como membro d'esta Camara, militando na opposição, tem o dever de dizer a verdade ao paiz e por isso não hesita em apreciar os actos do Governo, combatendo-os.

Não houve, Sr. Presidente, só uma crise ministerial; houve tambem um facto politico, pelo qual o Governo tem de responder - o adiamento das Côrtes.

D'esse facto tem o Governo, independentemente das dissidencias que possam lavrar dentro no partido, por estricto dever, de dar contas ao Parlamento.

Perguntara hontem ao Sr. Presidente do Conselho para que pedira o adiamento das Côrtes?

S. Exa., todos o ouviram, respondeu que solicitara do Poder Moderador o adiamento das Côrtes para duas cousas bem distinctas: a acalmação das paixões politicas e o melhoramento das clausulas do contrato dos tabacos. Não vêem a esta Camara as actas do Conselho de Estado; não teem que vir, é o primeiro a reconhecer, e se hontem perguntara ao Sr. Presidente do Conselho, que, alem de chefe de Governo, é o membro mais antigo d'aquella corporação politica, se elle entendia no seu criterio juridico e constitucional que as actas do Conselho de Estado pudessem vir ao Parlamento, não foi porque não entendesse, como S. Exa., que a lei de 1850 torna secretas as deliberações do Conselho do Estado, mas sim porque tempos houve, e não vão longe, em que um membro d'esta Camara, arguindo-o acêrca de um acto do Poder Moderador, bradava com a sua voz mais clamorosa: "... tragam-se para o dominio publico as actas do Conselho de Estado; publiquem-se as actas respectivas se porventura estou em erro...".

Desde que esse parlamentar de hontem é Ministro de hoje, sobraçando a pasta do Reino, e tem obrigação de saber quaes são os direitos e deveres constitucionaes, em relação aos poderes constituidos, era bom, era proficuo, que não elle, orador, cuja voz poderia parecer suspeita, mas o Sr. Presidente do Conselho, lhe ensinasse que as actas do Conselho de Estado não vêem a publica porque a lei diz que devem ser secretas.

Sr. Presidente: assim como o Sr. Presidente do Conselho não tem de trazer para aqui o que no Conselho de Estado disse, tambem elle, orador, não pode nem deve trazer ao debate o Conselho de Estado. Assim o julgou sem-

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pre, mantendo porem a convicção das suas opiniões, tendo o desassombro de as expor, não occulta perante o Parlamento o que faz, o que pensa e o que diz.

Concordou no adiamento das Côrtes, nas melhores intenções, cuidando que o Sr. Presidente do Conselho aproveitaria o interregno parlamentar, orientando-se n'um espirito de conciliação. Enganara-se. Erro menos desculpavel? Talvez.

Mas foi ainda um acto de um homem publico com as responsabilidades do Governo de hontem, e na comprehensão do que são as responsabilidades dos outros.

O Sr. Presidente do Conselho, - e não tem que se referir ao Conselho de Estado, e somente ás declarações dos factos - pediu o adiamento das Côrtes para acalmação das paixões politicas, e, suppondo - ingenuidades talvez - que S. Exa. teria, como chefe de partido ha vinte annos, a força, a auctoridade, o prestigio, a prudencia, a moderação, a generosa acção do seu conselho indispensavel para o interesse da causa publica, julgou que isso era um bem e na sua consciencia não podia recusar ao Governo a comprehensão de um esforço legitimo, proveitoso a bem do proprio paiz.

Pensava que o Sr. Presidente do Conselho aproveitaria o interregno parlamentar para reunir e acercar de si os seus amigos politicos divergentes, para aplacar as difficuldades suscitadas, procurando removel-as para com interesse, com o esquecimento de quaesquer aggravos, com a isenção de culpas, emfim com a reflexão, prudencia e moderação que se impõem a quem tem tão alta responsabilidade de cargo.

Julgara que S. Exa. aproveitasse o intervallo parlamentar para compor, harmonizar, para juntar todos os elementos valiosos do seu partido, e preparando uma acção governativa, cumprindo assim o seu dever como homem de Estado, presidente de um Governo e chefe de um partido.

Enganara-se.

A culpa, com a mesma isenção, com a mesma verdade, com a mesma sinceridade com quê fala á Camara, a culpa é principalmente do Sr. Presidente do Conselho. Sente dizel-o; estimava bem affirmar o contrario, mas, no seu criterio, na sua convicção, S. Exa. não comprehendeu qual era o alcance das suas responsabilidades, nem qual era a natureza dos seus deveres politicos. Longe de compor, de apaziguar, irritou; e n'isto lançou a provocação.

Tinha durante o intervallo parlamentar um largo espaço de tempo. Era aproveital-o, e mostrar que acima das paixões se impõe o dever que tem todo o verdadeiro homem de Estado. De duas, uma: ou o Sr. Presidente do Conselho tinha a comprehensão nitida de que descendo a tão fundo, cavava abrupta e irreductivelmente; e então o seu dever não era pedir o adiamento das Côrtes, mas sim outro, juntando dentro do seu partido os seus amigos, pondo em pratica os meios de recurso que a um chefe de partido nunca devem faltar, e caminhar depois, mas caminhar resoluto e firme, sem hesitações, e não como procedeu no dia seguinte, provocando logo maiores incidentes e maiores irritabilidades na situação de que era chefe. Ou não adiar e cumprir o seu dever.

Não o fez.

É este o seu erro, é esta a sua culpa. Porque não o fez? E porque se deixou levar mais pelos impulsos de momento, pelo seu caracter ardente de luctador antigo, esquecendo que a sua posição de hoje não era a mesma de hontem e que o seu dever de agora não era o de simples soldado batalhando nas ultimas hostes do seu partido.

O Sr. Presidente do Conselho deixou-se arrastar pelas paixões politicas e foi mais longe do que devia, perdendo assim a auctoridade.

Sente ter de dizer isto ao Sr. Presidente do Conselho; S. Exa. sabe bem que nenhum sentimento de animosidade pessoal o levam a falar d'esse modo. S. Exa. sabe bem que em todo o decurso da sua vida publica, elle, orador, o tem combatido sempre, e algumas vezes até bem energicamente.

Mas sabe tambem que nunca pessoalmente o aggravou.

Se algum sentimento actua no seu animo, é tão somente o do respeito, da consideração e estima que lhe consagra,

É isso que lhe dá razão para falar, e é isso que o auctoriza a dizer ao Sr. Presidente do Conselho que por mau caminho anda, e que por mau rumo seguiu, e que, isolando-se na sua vontade pessoal, alquebrou ainda mais a unidade, a acção, a força e a iniciativa do partido que dirigia, e que fez mais ainda - desprendeu os laços da solidariedade ministerial.

Se precisássemos de uma prova clara e frisante d'isto, encontrava-se na sessão de hontem. Não quer aggravar a questão, é certo, mas ha factos passados no Parlamento que teem o seu significado politico absoluto; ha factos que se registam, que se conservam na memoria de todos e ficam tambem guardados nos nossos annaes parlamentares.

Esses factos teem echo e produzem uma impressão profunda em todo o paiz; vibra um echo enorme, mas um echo triste.

O Sr. Presidente do Conselho chegou ao ponto em que, pela forma que conduziu as negociações na questão mais ardua, mais vital, mais grave para o paiz, criou uma situação absolutamente insustentavel, porque se isolou de todos.

Sr. Presidente: tambem teve a honra de tomar a direcção da questão dos tabacos, é certo, mas sempre ao lado do seu collega da Fazenda, mas sempre ao lado de todos os seus collegas. (Apoiados).

Não houve uma phase, um tramite, um ponto d'essa negociação que em Conselho de Ministros não fosse largamente discutida, e quando se redigiu o contrato de julho não houve uma phrase, não houve uma palavra, em que todos não estivessem de accordo. (Apoiados).

Isto, Sr. Presidente, dá uma força enorme ao chefe de um partido, e ao chefe de um Governo, porque então não é só elle que está em foco, porque então não é só elle que tem a responsabilidade dos factos ou das resoluções.

E elle que, concordando com os seus collegas, trata de tomar uma resolução conveniente. Não ha só uma entidade responsavel. Todos interveem na discussão com a mesma boa vontade, e todos se encarregam da defesa das suas ideias.

Isto era o que se passava quando se achou á frente do Governo que iniciou as negociações.

Agora o systema é outro, que não pode deixar de apreciar, tirando as conclusões d'esse facto politico. Leu em varios jornaes o extracto da sessão de hontem. Tem presente um que, se pode ser acoimado de parcialidade, é insuspeitissimo para o Sr. Presidente do Conselho.

Vê o extracto do Diario de Noticias e n'elle encontra o seguinte:

"O que affirmo é que o contrato dos tabacos foi apresentado em Conselho de Ministros.

O Sr. Alpoim: - Não foi!

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Foi!

O Sr. Alpoim: - Não foi! Garanto á Camara sob a minha palavra de honra que isso é falso! E appello para o testemunho dos meus antigos collegas no Gabinete!"

Chegamos a um ponto em que um Ministro, que deixara os Conselhos da Coroa, affirmava com o tem de sinceridade a mais absoluta, de convicção a mais completa, que o contrato dos tabacos não fôra discutido em Conselho de Ministros.

Monstruoso! Que a questão mais grave, a questão que mais vitalmente interessa ao paiz, que a questão em que se debatem, os seus interesses econo-

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micos, a sua prosperidade futura, a resolução dos embaraços e dos incidentes que mais tarde podem vir actuar na opinião publica e reflectir-se na apreciação de todos; que essa questão não fosse do dominio de todos os membros do Conselho de Ministros, não fosse por todos vista, examinada, discutida... é monstruoso!

E onde quer V. Exa. encontrar maior prova da irreflexão, da imprevidencia do procedimento do Sr. Presidente do Conselho? Se elle tivesse interessado os seus collegas, se se tivesse acercado de todos os seus partidarios mais importantes n'uma causa que era de todos, se tivesse a segurança da sua approvação, o Sr. Presidente do Conselho não passava pelos tristes e dolorosos momentos por que passou.

Mas S. Exa. comprehendeu que tremenda responsabilidade tinha na forma por que assim procedera, quando em todos nós ficasse a convicção de que effectivamente tal contrato nunca em Conselho de Ministros fora discutido; e então affirmou que cumprira o seu dever, que o contrato fora ali apresentado e discutido. Em seguida vem um membro que pertenceu ao Gabinete e diz: "Não foi".

E logo o Sr. Presidente do Conselho: "Foi".

Que triste situação esta, absolutamente sem precedentes entre nós! N'uma questão de factos concretos, positivos, a afirmação, a negação!

E nem uma voz do banco dos Ministros se levantou para affirmar ou contestar.

N'uma questão de factos que é da maxima responsabilidade do Governo, n'uma questão de factos, que não é só do dominio de um partido, mas do dominio do paiz inteiro, porque ao paiz interessa e affecta a affirmação de um ou a contestação de outro, quando se appella para o testemunho dos que são collegas do Sr. Presidente do Conselho, nem uma palavra, nem uma voz se ergue sequer a pôr-se ao lado de S. Exa.! Aonde ficam, aonde estão os laços da solidariedade ministerial?

Aonde está essa communhão de procedimento, de responsabilidade, que constitue a acção e a força de um Governo ?

Pois, porventura, quando um homem publico, que tem. a consciencia dos seus actos, a responsabilidade do seu proceder, e que está ao lado d'aquelle que é o Presidente do Conselho, ouve a negação da affirmação que este profere, porventura não lhe corre a obrigação indeclinavel de affecto, quando não seja de responsabilidade politica, de affirmar a verdade perante o Parlamento e levantar o seu chefe de Governo de triste situação como a que presencia mós hontem aqui?

Nem uma voz!

Aonde ficaram os Ministros, os colegas do Sr. Presidente do Conselho?

Aonde ficaram os laços de solidariedade ministerial, sem a qual se não vive, sem a qual se não governa?

O Sr. Ministro da Marinha: - Pede a palavra para explicações antes de se encerrar a sessão.

O Orador: - Fica ancioso por ouvir essas explicações, porque n'uma questão de facto, n'uma questão de ser ou não ser, ellas são em extremo preciosas.

Precisa de saber, e esse é o seu digito, quem é que responde pelo contrato dos tabacos que está no Parlamento.

Precisa saber se é o Governo inteiro que assume a responsabilidade d'esse acto ou se elle é da exclusiva responsabilidade do Sr. Presidente do Conselho.

Disse o Sr. Presidente do Conselho:

"O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Pois eu garanto sob minha palavra de honra que foi! (Riso). E appello para o testemunho do Sr. Pereira de Miranda."

O Sr. Pereira de Miranda sabe o respeito que lhe tributa, a estima que lhe consagra, e sabe tambem a indiscutivel auctoridade que possue.

O Sr. Presidente do Conselho appelava para o Sr. Pereira de Miranda, appellava para um amigo velho, para um partidario antigo, para um homem cheio de reflexão e de auctoridade, e appellava para S. Exa. n'um lance arriscado, n'uma conjuntura difficil e momentosa.

Levanta-se o Sr. Pereira de Miranda preferindo as palavras que tem bem presentes.

Foram estas:

"O Sr. Pereira de Miranda: - Peço ao Sr. Presidente do Conselho me permitta que o interrompa. (Movimento de geral expectativa). Peço a S. Exa., e ao Sr. Alpoim, peço a ambos, que se calem, para bem do prestigio d'esta casa do Parlamento e para bem do partido progressista. (Apoiados)".

O Sr. Presidente appellava para o Sr. Pereira de Miranda, appellava para o testemunho d'aquelle que geriu a pasta do Reino e que substituiu S. Exa., quando, achacado pela doença, não podia cumprir os seus deveres.

O Sr. Presidente do Conselho appellava para a palavra auctorizada e conspicua do Sr. Pereira de Miranda, e quando todos nós nos preparavamos para ouvir a verdade que resultava das revelações de S. Exa., o Digno Par, um partidario antigo, tem só uma palavra, e é para dizer ao chefe do Governo que se cale!

Agora, outro ponto.

O Governo pediu o adiamento das Côrtes para acalmar as paixões politicas, que nós ainda hontem vimos tão desencadeadas por culpa do Sr. Presidente do Conselho, S. Exa. pediu o adiamento das Côrtes.

Qual o fim a que mirava, qual o objectivo a que visava?

S. Exa. desejava aplacar as paixões que tinham irrompido; mas não o conseguiu, porque não teve para isso nem força, nem auctoridade, nem a prudencia necessaria.

Mas não foi só para acalmar as paixões que S. Exa. pediu o adiamento.

Ha um outro lado da questão, mais pratico, mais positivo e menos politico, mas não menos interessante para a causa publica.

Não foi só para acalmar as paixões politicas que S. Exa. pediu o adiamento das Côrtes.

Pedi-o tambem, elle proprio declarou, para modificar as clausulas do contrato dos tabacos, renegando assim, em parte pelo menos, a propria obra em empenhava a sua actividade, a sua intelligencia e a sua boa vontade.

Sr. Presidente: esta affirmação do sr. Presidente do Conselho, através d'esses factos politicos que emocionam, a opinião, que apaixonam os espiritos, que irritam os animos, mostra bem que S. Exa. se esqueceu de que n'este momento está pendente uma das mais graves questões que affectam os interesses do paiz.

Quanto esta questão tem de importante e grave todos o sabem e todos o reconhecem.

Não tem agora em vista chamar á responsabilidade o Sr. Presidente do Conselho; em tempo opportuno o fará. Não quer tambem discutir agora o contrato dos tabacos, nem antecipar o seu debate, mas o tempo urge.

A questão é grave, e não pode nem deve na sua consciencia deixar de chamar n'este momento a attenção do Parlamento para a situação em que nos encontramos e para o risco que corremos.

Como disse, não quer agora discutir o contrato dos tabacos, deseja unicamente frisar um ponto n'uma exposição rapida, clara, expressa, definida é concreta, quer apenas frisar que tudo do melhor que o Governo vem trazer ao Parlamento, não só não melhora o contrato de 4 de abril, mas põe o Thesouro a descoberto sem garantia alguma para o paiz.

Isto, Sr. Presidente, é grave, e tão grave que não póde deixar de frisar

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este ponto para que o paiz comprehenda o perigo que nós corremos.

Sr. Presidente: o que é que estava no contrato de 16 de julho?

Estava isto:

"Art. 4.° A importancia effectiva do emprestimo feito pela Companhia dos Tabacos, nos termos do artigo 2.º será paga em Paris. D'esta importancia reservará a Companhia a quantia necessaria para o reembolso no estrangeiro, ao par, das obrigações de 1891 e de 1896, que estiverem em circulação, e cujos portadores não acceitarem a conversão.

Do producto effectivo do emprestimo, a parte que exceder as sommas destinadas á conversão ou ao reembolso das obrigações de 4 1/2 Por cento ser i posta á disposição do Governo em Pa ris: metade no dia 1 de abril de 1905 metade no dia 1 de julho de 1905".

Assim, os contratadore, tomando firme a operação, assumiam a responsabilidade do pagamento para com os portadores das obrigações, reservando as sommas destinadas á conversão ou reembolso, e entregando o resto ao Governo em epocas fixas.

No artigo 10.° do mesmo contrato estabelecia-se que, se a renda francez - porque só esta era tomada por base - descesse de 96 por cento, se podia retardar a emissão, mas sem que, todavia, possa ser por isso retardada a execução de todas as outras estipulações do presente contrato, que não digam respeito á emissão".

Ficou assim acautelada uma hypothese clara e determinada quando causas de forca maior não favorecessem a emissão.

Neste caso podia-se deixar de a realizar na epoca convencionada.

Ficavam em vigor todas as clausulas do contrato, a não ser, como disse, as que se prendem com a emissão, respondendo por consequencia os banqueiros contratantes para com os portadores das obrigações e entregando o saldo ao Governo em epocas fixas e determinadas.

Tudo isso era independente da emissão e das circunstancias fortuitas que se dessem.

Muito peor era o estipulado no contrato de 4 de abril. Por este, e segundo os artigos 4.° e 10.°, no caso de a renda franceza descer abaixo de 98 por cento, ou a ingleza abaixo de 89 1/2 por cento, ou a portuguesa abaixo de 67 1/2 por cento em Londres ou em Paris, não só a emissão seria retardada, mas a parte que excedesse o reembolso das obrigações só seria entregue ao Governo, metade tres meses depois da data da emissão, e a outra metade seis meses depois da mesma data.
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O artigo 4.º do contrato de 4 de abril diz explicitamente o seguinte:

"Do producto effectivo a parte que exceder as sommas destinadas á conversão ou do reembolso das obrigações de 4 £/2 por cento será posto á dispo sição do Governo em Paris: metade tres mezes depois da data da emissão metade seis mezes depois da data da emissão."

Tudo pois, ficava dependente ds emissão. Desde que a emissão se não fizesse, em suspenso ficava tudo quanto respeitava ao emprestimo e, por eon sequencia, não só a responsabilidadf para com os portadores de obrigações mas a propria entrada do saldo devidt ao Governo.

O artigo 10.° diz :

"Se, ao- tempo da promulgação da lei que approvar o presente contrato houver nos mercados financeiros perturbação resultante de acontecimentos imprevistos, ou se -cotação de algum dos seguintes titulos houver descido: a do consolidado inglez de 2 d/a por cento abaixo de 89 l/% por cento, a d divida publica franceza de 3 por cento abaixo de 98 por cento, a da divida fundada portugueza de 3 por cento, externa, abaixo de 67 d/a por cento em Londres ou em Paris, deverão os segundos e terceiros outorgantes entender-se com o Governo Portuguez sobre a epoca em que a emissão terá de realizar-se, sem que todavia possa por isso ser retardada a execução de todas as outras estipulações do presente contrato que não digam respeito ao emprestimo."

A∼ desde que qualquer d'estas tres circunstancias, a cotação do consolidado inglez, a da renda franceza, ou a dos titulos de divida fundada portugueza de 3 por cento, descesse dos limites indicados, peores do que os do contrato de 16 de julho, não só a emissão ficaria retardada, mas tambem a execução do contrato em tudo o que respeitava ao emprestimo; em suspenso, por consequencia, a obrigação do pagamento aos tomadores das obrigações, e em suspenso a entrada, nos cofres publicos do saldo do novo emprestimo. Só o monopolio ficava de pé!

Assim, a cqmpanhia ficava na posse do .monopolio; e o Governo ficava sem ter com que pagar aos portadores das obrigações!

Esta era a situação criada pelo contrato de 4 de abril.

Agora as modificações feitas pelo Sr. Presidente do Conselho.

Por essas modificações a emissão do. mprestirno deverá ter Jogar dentro de

trinta dias que seguirem á promulgação da lei.

Mas ahi se accrescenta:

"Se, porem, ao tempo da promulgação da lei houver nos mercados financeiros perturbação resultante de acontecimentos imprevistos, ou se a cotação do consolidado inglez de 2 Vg por cento, da divida publica franceza de 3 por cento, ou da divida fundada portugueza de. 3 por cento, externa, houver baixado, em Londres ou em Paris, 2 por • ento em relação ás cotações medias respectivas de 4 de abril de 1905? os segundos e terceiros outorgantes poderão adiar a emissão, prevenindo o Governo Portuguez dentro do prazo de oito dias contados da promulgação da lei. N'este caso a execução do presente contrato ficará adiada até os ditos outorgantes fixarem a data da emissão.

Se o adiamento da emissão ultrapassar 90 dias contados da data da promulgação da lei, o Governo poderá declarar o presente contrato sem effeito em todas as suas partes".

Sr. Presidente. Basta que o consolidado inglez, que a renda franceza ou os titulos .de divida publica fundada externa portugueza, tenham em Londres ou em Paris uma baixa de dois pontos em relação ás cotações medias, respectivas, de 4 de abril, para desonerados ficarem os contratadores do dever da emissão dentro dos trinta dias seguintes á promulgação da lei.

Isto é peor do que o combinado em 4 de abril. Em primeiro logar o limite minimo das cotações é sensivelmente o mesmo. As rendas ingleza e franceza estavam em media, a 4 de abril, em Londres e Paris, respectivamente, a 91,37 e 99,40. A renda portugueza estava então em Londres a 69,62: sendo pois o limite minimo agora tomado para base de 67,62.

Nada mais facil do que uma baixa de dois pontos n'estes titulos.

Comprehende-se que não lança suspeitas sobre ninguem e que afasta mesmo a hypothese da possibilidade d'essa baixa ser feita por especulação financeira; mas cumpre-lhe apontar quão facil é que tal baixa se dê.

A prova está em que, ainda recentemente, quer quanto ao consolidado inglez, quer em relação á renda franceza, essa hypothese quasi se realizou. Assim, o consolidado inglez, que em 4 de abril ultimo estava em 91,37, desceu, em 26 de junho, a 89,87, e em 30 de junho, a 89,75; quasi os dois jontos. A renda franceza, que, em 4 de abril, estava em 99,40, desceu, em 26 de junho, a 97,90; cerca dos dois pontos.

Isto pelo que toca ás rendas franceza ingleza.

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Quanto á renda portugueza, estava, em 4 de abril, em Londres, a 69,62; pois, em 1 de junho, em Londres, e em 10 de junho em Paris, desceu a 67,25.

Isto é, abaixo dos dois pontos agora previstos; e isto independentemente de qualquer especulação. Simplesmente pelas naturaes fluctuações do mercado.

Haverá cousa mais facil do que uma fluctuação de dois pontos na cotação da renda portugueza, quando com a ingleza e a franceza succede o que acabou de demonstrar ?!

Não, e isso pondo de parte qualquer idéa, repete, de especulação financeira; suspeita que não quer levantar.

Ora, dada a hypothese, o que acontece?

De duas uma, em razão das modificações ao contrato de 4 de abril, agora trazido ao Parlamento: ou o Governo ha de manter o contrato quand même, e por tanto tempo quanto os negociadores quizerem; ou dentro do prazo estabelecido, de tres mezes, declara-o sem effeito.

Pergunta:

Como paga então o Governo aos portadores das obrigações actuaes?

Este Governo não está livre na sua acção, porque publicou uma portaria pela qual denunciou o contrato com a Companhia dos Tabacos, e por isso assumiu a obrigação de pagar aos portadores das obrigações.

Portanto, se não pagar até ao prazo fatal, o credito do paiz fica arrastado. Ora se n'essa epoca, e mesmo independentemente de qualquer especulação, houver a baixa prevista na renda portugueza, - o que, como disse, é facil succeder - em que circumstancias fica o Governo?

Ou ha de fallar, ou ha de ficar á mercê dos contratadores até quando elles quizerem ou puderem fazer a emissão.

Eis a situação desesperada em que o Governo nos deixa ficar. Situação que se transforma n'um verdadeiro perigo, se attentarmos em que não é livre a acção do Governo. Tendo denunciado o contrato de 1891 vê-se obrigado a pagar aos portadores das obrigações até maio de 1907. Não podendo fazer a projectada operação a tempo, fica nas mãos dos contratadores, ou rompe, e lança-se abertamente em novas negociações, sujeitando-se ás clausulas que lhe forem impostas.

Note V. Exa., Sr. Presidente, note a Camara, quão grave é esta situação, e quão justificavel é que chame para este ponto, concreto, claro e definido, a attenção do Parlamento.

Nós estamos hoje n'um debate politico, nos fins de agosto; crê que o contrato de 3 de abril, com as modificações n'elle introduzidas, está prorogado até 31 de dezembro; temos que discutir as leis constitucionaes, que estão ainda por votar; temos o orçamento, e que orçamento! Um orçamento cheio de auctorizações, que o Governo nos traz, exactamente no momento em que cuidadosamente devia arredar dos debates tudo quanto pudesse demorar ou exacerbar as paixões politicas.

Temos pois o orçamento e as leis constitucionaes a discutir, e temos um debate que ha de ser largo n'uma e n'outra casa do Parlamento, acêrca do contrato dos tabacos; se o Sr. Presidente do Conselho tiver conseguido a solução da questão dos tabacos dentro d'este prazo, terá alcançado muito, dado o estado em que se encontram os espiritos.

Mas, Sr. Presidente, o que aconteceria se nós tivéssemos a imprevidencia de votar semelhante contrato com as modificações que n'elle introduziu o Sr. Presidente do Conselho?

Acontecia que chegavamos a 31 de dezembro, e tendo-se de publicar a lei n'essa data, exactamente na occasião em que teem logar as liquidações de fim de anno, e quando mais facilmente se pode dar a baixa de fundos, se a emissão se não realizar dentro dos tres meses, de janeiro a março, e se assim chegarmos ao fim de março, o Governo achar-se-ha n'uma triste e dolorosa situação. De duas uma: ou terá de contemporizar com os contratadores para não romper o contrato; ou de o romper, lançando-se no desconhecido, sem bases nem garantias.

É para esta situação perigosa, sem discutir tudo o mais que está no contrato, sem se deixar dominar por paixões politicas, que chama a attenção do Parlamento e do paiz, porque comprehende quanto ella é grave e quanto são precarias as consequencias que d'ella podem advir.

Não quer levar mais longe as suas apreciações, não quer tomar mais tempo á Camara. Poz a questão com serenidade e convicção, tendo fallado sem má vontade para ninguem, sem desejo de azedar paixões, apontando os perigos e fazendo as apreciações politicas que lhe são proprias.

A sua conclusão é bem simples, bem clara e lógica. Um acto politico Sr. Presidente, nunca é um acto sem consequencias e sem responsabilidades, quando o Chefe de um Governo recorre ao Chefe do Estado, solicitando um acto do poder moderador, é sempre com o fim de utilidade publica, nem de outra forma podia ser: mas por isso mesmo que recorre ao Chefe do Estado, o Governo assume uma responsabilidade, um compromisso.

O seu caminho está traçado. O Sr. Presidente do Conselho pediu o adiamento das Côrtes, por duas causas: para acalmar as paixões politicas, e irritou-as; para melhorar o contrato dos tabacos por forma a assegurar os interesses do Estado, e traz ao Parlamento umas modificações que deixam a descoberto o Thesouro e em risco de insolvencia a Fazenda Nacional.

Reflicta o Sr. Presidente na situação em que se collocou, desde que não soube, ou não pôde, solver o compromisso que tomou.

(O orador foi cumprimentado por varios Digno Pares).

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros (José Luciano de Castro): - Permitta-lhe a Camara que, nas breves palavras que vae proferir, comece por estranhar a attitude do Digno Par Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro, em relação á presente situação politica e partidaria.

Não foi assim que elle, orador, e todo o partido progressista procederam quando se deu uma dissidencia semelhante no partido regenerador. N'essa occasião o chefe do partido progressista e todos os seus amigos politicos abstiveram-se escrupulosamente de intervir nas discussões que se travaram entre os dois grupos dissidentes. Em taes circumstancias o partido progressista, longe de azedar os debates, longe de augmentar a distancia que já separava os combatentes, longe de se enfileirar ao lado de um para dar força a outro, abstinha-se, no Parlamento, de entrar nas discussões levantadas entre os dois combatentes e guiava-se pela mais stricta neutralidade. Era neutral o partido progressista quando lavrava a desordem nos arraiaes regeneradores.

O partido progressista podia, n'essa occasião, enfileirar-se ao lado dos dissidentes; podia ter procurado aggravar as dissenções fundas que já existiam; (Apoiados) podia ter causado mais graves embaraços ao chefe do partido regenerador.

Não quiz, porem, proceder assim. (Muitos apoiados). E não procedeu assim, não tendo até, se a memoria lhe não falha, tomado parte n'uma votação que se effectuou na Camara electiva.

Não levantou quaesquer incidentes que pudessem vir irritar a situação parlamentar já demasiadamente excitada. Não procurou intervir nos debates a fim de acirrar ou fortificar as paixões e incitar uns contra outros.

Não procedeu assim, então, o partido progressista; muito pelo contrario, deixou liquidar a questão em familia, não tolhendo ou enfraquecendo a acção e auctoridade do chefe do partido regenerador. Deu-lhe, pelo contrario, a força que podia e devia dar-lhe. O partido progressista procedeu

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com grande e levantada isenção. Longe de tomar logar ao lado dos adversarios do Sr. Hintze Ribeiro, o partido progressista procedeu por tal maneira que o chefe do partido regenerador pôde, ao cabo de certo tempo, triumphar dos seus adversarios trazendo depois á Camara uma representação bastante numerosa que lhe deu bem accentuada supremacia sobre o seu competidor. (Apoiados).

Assim procedeu o partido progressista em situação grave da vida politica do partido regenerador, e elle, orador, confessa que igual procedimento esperava no actual momento por parte do Sr. Hintze Ribeiro. Esperava que o chefe do partido regenerador se abstivesse n'esta occasião de acirrar ou estimular paixões, deixando que o partido progressista, no Parlamento, debatesse as suas desavenças.

Era assim que nós procediamos e, confessa a verdade, era assim que esperava que o seu amigo pessoal e adversario politico, o Sr. Hintze Ribeiro, procedesse n'esta occasião. Esperava que se afastasse do terreno do debate, deixando nos, no seio do Parlamento e perante o paiz, discutir a sós ,as nossas dissidencias e liquidar as nossas contas como entendêssemos. Não diz isto para censurar o procedimento do Sr. Hintze Ribeiro, mas para lhe manifestar o sentimento de magua que lhe cansou quando viu S. Exa. levantar-se, não para apaziguar ou acalmar as paixões, não para pregar a ordem ou a harmonia, mas para avultar o incidente e tirar d'elle todo o proveito politico, procurando que a sessão fosse levantada e o Governo ficasse debaixo da pressão das ultimas palavras aqui proferidas.

Permitta-lhe S. Exa. e a Camara que diga que ninguem mais do que elle, orador, lamenta o incidente que se levantou. Quando estava falando foi interrompido. Essa interrupção determinou uma Resposta da sua parte; não pôde, porem, ter responsabilidade nas palavras com que foi interrompido. Apella para os seus collegas, embora não precisasse d'isso, porque o seu silencio e o facto de não contestarem o que acabava de dizer, era bastante para mostrar que o que affirmava era a opinião de todos. (Apoiados dos Srs. Ministros).

Emquanto ao Sr. Pereira de Miranda, façamos justiça áquelle nobre caracter. S. Exa., n'aquella occasião, não podia lembrar se que das suas palavras se viesse tirar qualquer illação contra o Governo, ou contra os seus amigos politicos; o que desejou foi apenas acalmar o debate, o que pensou foi somente em pôr termo áquella excitação de momento, sem ir mais longe, sem dar razão a um ou outro dos competidores, porque isso poderia augmentar a mesma excitação. O silencio pedido pelo Sr. Pereira de Miranda significava applauso a um ou a outro? Não, será elle o primeiro, decerto, a protestar contra essa illação. (Apoiado do Sr. Pereira de Miranda).

Referiu-se o Sr. Hintze Ribeiro ás actas do Conselho de Estado. Crê que n'esta parte S. Exa. quiz apenas mostrar a contradicção em que elle, orador, estava com o seu collega do reino, recordando opiniões em tempo expendidas pelo Sr. Eduardo José Coelho quando, na opposição, combateu o Governo do Sr. Hintze Ribeiro. A este proposito o Digno Par leu alguns trechos de discursos proferidos pelo Sr. Eduardo José Coelho. O Sr. Hintze Ribeiro sabe perfeitamente que muitas vezes se levantam divergencias de opinião entre os differentes membros de um Governo e, todavia, essas divergencias, pela sua natureza, não são motivo para demissão. Com respeito ás actas do Conselho de Estado elle, orador, e o Sr. Hintze Ribeiro teem a mesma opinião, mas porventura deve o Sr. Eduardo José Coelho sahir do Ministerio unicamente por ter tido, em tempo, a tal respeito uma opinião contraria?

S. Exa. insistiu mais no adiamento das Côrtes, dizendo que elle, orador, adiara as Camaras para acalmar as paixões e afinal não póde acalmar, socegar essas paixões.

Mas, Sr. Presidente, o que quer isto dizer ?

Pois porque procurou abrir um periodo no meio do qual as paixões politicas pudessem serenar e acalmar-se e não ti conseguiu, segue-se que o adiamento foi mal pedido á Corôa e mal concedido? (Apoiados).

Sabe S. Exa. perfeitamente, e com isto não revela nenhum segredo, porque não diz o nome de ninguem, que a proposta do Governo foi quasi unanimemente acceita pelo Conselho de Estado, todos n'ella concordaram porque todos entenderam que no periodo agudo a que tinhamos chegado, o mais conveniente, effectivamente, era interromper a sessão parlamentar para dar logar á reflexão e para que todos pudessem convencer-se de que para proveito do paiz era conveniente que a tranquillidade se restituisse aos animos, e que os correligionarios desavindos pudessem achar uma forma decorosa de conciliação.

Não o conseguiu.

Mas, disse S. Exa., a culpa é do Sr. Presidente do Conselho porque foi a imprensa progressista que, no interregno parlamentar, esteve azedando os animos dos dissidentes a ponto de produzir a. situação violenta que atravessamos.

Se S. Exa. consultar a imprensa progressista e a imprensa dissidente nos mezes em que durou o intervallo parlamentar, ha de convencer-se de que não veio a provocação da parte da imprensa progressista, mas sim que esta se limitou a responder ás violencias que todos os dias eram publicadas contra o chefe do partido, contra os seus amigos, contra a propria familia do chefe do partido nas folhas dissidentes.

Nunca recommendou aos jornaes do partido progressista que aggravassem a situação, nem azedassem os debates jornalisticos; nunca lhes pediu que respondessem á provocação com provocação ainda maior, antes lhes pediu e recommendou sempre que aproveitassem o primeiro periodo de interrupção nas contendas da imprensa para não dirigirem mais uma palavra e para deixarem estabelecer um periodo de socego e tranquillidade que precedesse a abertura das Camaras.

Não quer repetir aqui, não pode nem deve fazel-o, as palavras que se escreveram na imprensa dos dissidentes, sobretudo n'uma folha importante do norte, a respeito do chefe do partido progressista e de alguns dos seus amigos. Nem a sua propria familia foi poupada todavia a imprensa progressista limitou-se a restabelecer os factos e a responder dignamente, sem nunca procurar nem aggravar, nem irritar os nossos correligionarios de hontem.

Esta é a verdade, e se S. Exa. consultar os jornaes progressistas e os jornaes dissidentes a que se referiu, ha de adquirir a convicção de que effectivamente não partiu a provocação da nossa parte e que elle, orador, longe de aconselhar a provocação, pelo contrario, só pedia moderação e serenidade.

O Sr. Hintze Ribeiro a proposito da moderação que devia guardar nas relações com os antigos correligionarios, dera-lhe conselhos de tal maneira paternaes que não deve deixar de agradecer-lhe, aqui, effuzivamente.

Creia S. Exa. que elle, orador, não é ingrato ás boas intenções que dictaram as suas palavras, proferidas com tal cordura, com tanta uncção, deixem-lhe assim dizer, a proposito dos seus deveres de chefe de partido, dando-lhe indicações e exhortando-o a que procedesse com prudencia e moderação, por isso aproveita este momento, para reiterar-lhe os testemunhos do seu agradecimento, pela bondade com que S. Exa. lhe deu conselhos tão amigaveis e benevolentes.

Mas n'esta parte tem a dizer que não carece de ouvir as paternaes advertencias de S. Exa., porque praticou precisamente no sentido das indicações do Digno Par.

Nunca se esquivou aos que lhe falaram em ideias ou propositos de conciliação; fez sempre, pelo contrario, as declarações mais claras e espontaneas

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da sua adhesão a toda e qualquer tentativa conciliadora. Mas, infelizmente, essas tentativas falharam, e não foi por sua culpa.

N'esta questão dos tabacos não ha só interesses politicos; ha tambem interesses financeiros.

Talvez fosse possivel uma transacção honrosa com os interesses politicos, mas com os interesses financeiros é que era difficil transigir. D'ahi as difficuldades. (Apoiados).

Disse tambem o Sr. Hintze Ribeiro que elle, orador, criara embaraços e difficuldades n'esta questão, por se ter isolado no estudo da questão dos tabacos; que chamara a si toda a direcção das negociações, e que só elle tratara de tudo, tendo dirigido todas as negociações, finalmente que é d'ahi que vieram todas as difficuldades. Que não quizera tambem que as responsabilidades fossem repartidas com todos os seus collegas.

A este respeito tem a declarar que não ha nada menos exacto do que estas affirmações de S. Exa.

O Sr. Ministro da Fazenda (Manoel Affonso de Espregueira): - Apoiado.

O Orador: - Nenhum incidente, nenhum trabalho, nenhuma combinação durante as negociações, foram acceites ou deliberados, senão em pleno Conselho de Ministros.

Os Srs. Ministros: - Apoiados.

O Orador: - Nunca assistiu, só, ás negociações com os financeiros estrangeiros, sempre a essas conferencias assistiu o Sr. Ministro da Fazenda.

O Sr. Ministro da Fazenda: - Apoiado.

O Orador: - E a todas ellas, menos a duas, por falta de saude, assistiu tambem o Sr. Pereira de Miranda.

O Sr. Pereira de Miranda: - Apoiado.

O Orador: - Nunca entrou em qualquer combinação, ou interveio em qualquer conferencia com os financeiros estrangeiros, sem a presença dos seus collegas. E quem, como é natural, n'esta questão tomava a presidencia, era o seu collega da Fazenda, por todos os titulos o mais habilitado para intervir no assumpto.

Não deu um passo, não ouviu uma proposta, não tomou uma unica resolução, senão com o acordo de todos os seus collegas em Conselho de Ministros.

(Apoiados dos Srs. Ministros).

E a todas as conferencias com os financeiros estrangeiros, assistiu o Sr. Pereira de Miranda, então Ministro do Reino.

Ora, vae dizer como correram estas negociações para desfazer a duvida respeitante ao facto de ter sido apresentado ou não o contrato em Conselho de Ministros.

Antes de começarem as negociações abriu-se um concurso por um officio dirigido ás Companhias competidoras dos Tabacos e dos Phosphoros.

O officio é de 30 de janeiro, e esse concurso era fixado para 20 de fevereiro.

Houve varias propostas e nenhuma d'ellas convinha ao Governo, porque a proposta melhor era a que offerecia pela conversão 446 francos e 25 centesimos por obrigação, tendo sido apresentada pela Companhia dos Tabacos.

Esta proposta não foi acceita, então entendeu se que deviam continuar as negociações até se obter um preço Consideravelmente superior, como afinal se alcançou.

Mas depois durante as negociações, vieram aqui os financeiros inglezes e francezes com os quaes o Governo entrou em negociações.

Concluidas essas negociações, com o conhecimento dos seus collegas a que acaba de se referir, resolveram-se pouco a pouco, em differentes conferencias, as questões mais graves. Era primeiramente a juncção ou separação das duas operações-o exclusivo e a conversão - depois era a renda dos tabacos, a participação do Estado nos lucros da Companhia e o preço das obrigações.

Resolvidas estas questões fundamentaes que foram todas deliberadas em Conselho de Ministros e unanimemente approvadas por todos os collegas, o Governo auctorizou o Sr. Ministro da Fazenda a redigir o contrato dos tabacos approximando na redacção das clausulas e disposições secundarias, tanto quanto fosse possivel, do contrato de 16 de julho.

Foi o que o Sr. Ministro da Fazenda fez, usando d'esta auctorização.

O Sr. Ministro da Fazenda fez redigir o contrato de e os collegas S. Exa. só tiveram conhecimento d'elle depois de assignado (Apoiados), porque o Sr. Ministro da Fazenda, usou da auctorização que lhe foi dada,. Poucos dias depois, durante as ferias da Paschoa, no mez de abril, o Sr. Ministro da Fazenda pediu a reunião de um Conselho de Ministros para apresentar o relatorio, proposta de lei e contrato dos tabacos.

Foi reunido, a seu pedido, o Conselho de Ministros para aquelle fim.

N'essa occasião o Sr. Espregueira leu o seu relatorio e em seguida a proposta de lei, cujo primeiro artigo - "fica approvado o contrato de 4 de abril de 1905 annexo áquella lei". - Em seguida começou a ler o texto do contrato mas n'essa occasião um dos Ministros disse que era dispensavel essa leitura.

Portanto o texto do contrato foi n'esta occasião apresentado em Conselho de Ministros, já depois de assignado.

Tem repellido sempre a accusação de que o contrato nunca foi apresentado em Conselho de Ministros.

Se lhe dissessem que o contrato foi assignado depois de redigido pelo Sr. Ministro da Fazenda, em virtude da autorização que lhe havia si dada, se dissessem que esse contrato tinha sido assignado sem ser ouvido sobre a sua redacção o Conselho de Ministros, diria: é verdade ; mas o Governo tinha já approvado todas as clausulas fundamentaes d'esse contrato e tinha encarregado o Sr. Ministro da Fazenda da sua redacção.

Se lhe disserem que o contrato, na mesma occasião em que foi apresentado em Conselho de Ministros, não foi examinado, concorda. Tambem é verdade, mas não foi lido e examinado, porque o Sr. Ministro da Fazenda apresentou o seu relatorio, a proposta que se referia ao contrato e não leu esse contrato porque foi dispensado d'essa leitura. Foi isto o que se passou e que não pode ser com fundamento contestado por ninguem.

As disposições principaes do contrato, e, principalmente, a que dizia respeito á separação das duas operações - exclusivo e conversão - foram discutidas, deliberadas, approvadas unanimemente em Conselho de Ministros.

Isto é que não soffre contestação.

O Digno Par Sr. Hintze Ribeiro, na ultima parte do seu discurso, occupou-se largamente do contrato dos tabacos e das emendas que ultimamente lhe foram introduzidas.

A proposito da redacção do artigo 10.° do contrato de 16 de julho, adduziu o Sr. Hintze Ribeiro varias considerações tendentes a demonstrar que a actual redacção é contraria aos interesses do Estado, que a d'aquelle artigo garantia.

Ora o certo é que elle, orador, pode dizer ao Digno Par que S. Exa. deu ao referido artigo uma interpretação contra a qual protestaram logo os negociadores com quem S. Exa. tratou, os quaes declararam que nunca foi essa a interpretação que lhe haviam dado.

Caso fosse suspensa a emissão, ficava suspenso o emprestimo, pois os negociadores ponderavam que quem dava o dinheiro ao Governo não eram elles, mas sim o publico.

S. Exa. sabe que a sua opinião só poderia prevalecer se o tribunal arbi-

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tral estivesse de accordo com o que se achava nesse artigo.

Não quer discutir o contrato, mas deve dizer que, segundo a emenda ao artigo 10.°, os contratadores teem o direito de exigir do Governo a prorogação do prazo para a emissão, mas em nenhum caso essa prorogação pode ir alem de 90 dias, após a promulgação da lei, ficando, comtudo, elles sempre obrigados para com o Governo quanto ás obrigações contrahidas, e tendo o Governo o direito de rescindir o contrato.

N'estes termos, vê-se bem que o texto actual é bem melhor do que o do contrato de 16 de julho.

Tambem não é de colher a allegação, o argumento de que os contratadores podem ter algum interesse em fazer baixar a cotação dos fundos para não realizarem a emissão.

Bem pelo contrario, o seu interesse é alteal-a, para; que a emissão se faça em melhores condições. (Apoiados).

Finalmente o Sr. Hintze Ribeiro acabou o seu discurso dizendo que o Governo, não tendo correspondido com os seus actos aos intuitos que manifestara, que pedira o addiamento das Côrtes para introduzir algumas modificações no contrato dos tabacos e para acalmar as paixões politicas, mas como nada d'isso tinha conseguido, o melhor que faria era retirar-se das cadeiras do poder.

Agradece o conselho de S. Exa. - e chama-lhe conselho porque não quer chamar-lhe intimação.

Emquanto o Governo tiver a confiança da Coroa e a das maiorias parlamentares, não pode nem deve retirar-se. (Apoiados).

Desde que essa força lhe falte, então o Governo não precisará que o intimem a retirar-se; elle sabe bem o caminho que tem a seguir.

Quanto á acalmação politica, effectivamente não se conseguiu o que se desejava, mas isso não lhe parece que seja motivo para que o Governo se retire.

Quando S. Exa. o Sr. Hintze Ribeiro dissolvia peia terceira vez a Camara, o que vimos nós?

Vimos que depois das eleições veio precisamente a mesma Camara que estava. Parecia que S. Exa. tinha dissolvido a Camara com o fim de alterar a sua constituição. Desde que não conseguiu alteral-a devia retirar-se segundo a sua doutrina de agora, e S. Exa. não se retirou e fez muito bem. (Apoiados).

Agora quanto ás emendas, ha n'ellas grande melhoria, sobre o contrato de 16 de julho de 1904, e mesmo sobre o de 4 de abril de 1905, e creia S. Exa. e creia a Camara, que ainda não houve nem argumentos nem considerações que abalassem o seu modo de pensar.

É este o melhor contrato que até hoje se tem feito.

(Vozes: - Muito bem, muito bem). (O orador foi muito cumprimentado). (S. Exa. não reviu).

O Sr. João Arroyo: - Confessa á Camara não haver esperado usar da palavra na sessão de hoje.

É que o seu espirito poderia formular todas as hypotheses, menos a da continuação do debate hontem iniciado.

Já vae longa a sua vida publica e parlamentar; tem assistido, ha vinte e um annos, a muitas lutas politicas; atravessou conjuncturas difficeis presenceou varios incidentes violentos dentro d'este recinto e na Camara dos Senhores Deputados, mas nunca viu que o publico, assistindo a uma sessão parlamentar, sahisse da Camara, já não diz tão emocionado como todos hontem d'aqui sahiram, mas com a absoluta certeza de que as mais fundamentaes regras que presidem ao decoro politico e parlamentar, proclamavam ao Sr. Presidente do Conselho que honrasse o seu passado politico, depondo immediatamente a sua demissão nas mãos de El-Rei.

Nunca viu a linguagem, por inflammada intensa e vehemente que já haja sido, attingir n'esta Camara os extremos que hontem logrou tocar.

Nunca viu a discussão descer até ao enunciado simples de factos relativos á vida particular e á intimidade politica dos homens.

Nunca viu as declarações de um chefe de partido, do chefe do Governo Portuguez, serem recebidas por uma galeria, pela sala inteira, como hontem o foram as declarações do chefe da situação actual.

Elle, orador, que conhece particularmente o Sr. Presidente do Conselho, que sabe o que ha de orgulho e até de vaidade dentro da alma do Sr. José Luciano, nunca pôde acreditar que a noite não trouxesse socego aos nervos de S. Exa., levando-o a preferir a todas as soluções aquella que desse ao seu paiz um exemplo de isenção parlamentar e que, unindo na mesma fileira todos os soldados do partido progressista, legasse ao futuro a lição imorredoura de um bom serviço prestado ao Rei, e de haver um homem que, no ultimo periodo da sua vida politica, optara pela abnegação e pela generosidade. O que não suppusera, em hypothese alguma, é que o Sr. José Luciano, com o seu prestigio politico e parlamentar anniquilados, ousasse voltar a esta Camara, e que, como se a sessão de hontem houvesse sido banal, recordasse serenamente a triste discussão a que assistimos, quando ainda sobre nós pairava a absoluta certeza de que os homens que ali estão (apontando para os Srs. Ministros) não são Ministros da Coroa mas sim puros autómatos, meros phantasmas do poder, absolutamente desprestigiados no seu decoro politico.

Ha pouco ainda o Sr. Presidente do Conselho quasi que intimou o chefe do partido regenerador a não se intrometter nas questões internas do partido progressista.

Elle, orador, nada tem que ver com a face da questão que pessoalmente diz respeito áquelle Digno Par, mas sim com as palavras do Sr. José Luciano que se referem a considerações sobre o estado de espirito de alguns parlamentares.

Tem de voltar-se para S. Exa. e de dizer-lhe que a obrigação de apasiguar, de pacificar, de socegar, impende imperiosamente sobre quem occupa a suprema magistratura do seu paiz e preside ao Conselho de Ministros.

Não tem só o direito, mas ainda o dever de voltar se para S. Exa. e de perguntar-lhe que vento de insania se apoderou da sua cabeça, qual foi o espirito malfazejo que falou aos seus ouvidos, qual a inspiração que dictou as suas palavras e permittiu que, no decorrer d'este incidente, unico na historia do Parlamento portuguez, S. Exa. se apresentasse irritado, aggravando o debate, impulsionado por todos os sentimentos que elle, orador, quizera ver banidos do coração de S. Exa., de tal sorte que o não levassem a pôr na sua palavra, já não dirá toda a altivez, mas todo o fogo de que a linguagem portugueza pode dispor.

Qual seria a altura moral do Sr. José Luciano se, ao abrir-se o debate no Parlamento, elle se tivesse apresentado superior a todos aquelles que no seu partido occupam as mais eminentes posições politicas, superior ás paixões, aos ataques, ás injurias, e não tivesse proferido senão duas palavras: uma dirigida ao seu paiz e outra ao seu partido! A palavra destinada ao seu partido seria a do perdão, unica que em taes circumstancias haveria a esperar, de um chefe que sabe esquecer, que se compenetra de que está superior a tudo e de que não deve combater senão de igual para igual; para o seu paiz, a palavra da libertação, apanagio d'aquelles homens de Governo que sabem cumprir o seu dever e reconhecem que acima de todas as veleidades de chefe de partido está o movimento da opinião nacional, cuja hostilidade, em assumptos como o dos tabacos, augmenta de momento a momento, se avoluma de hora a hora e que, a despeito de tudo, ha de manter-se, desde que se pense fazer prevalecer esse contrato absolutamente malfadado.

Esse movimento impor-se-ha em nome dos verdadeiros interesses publicos.

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Mas, ainda neste debate, tocou-se um outro assumpto, cuja analyse, elle, orador, vae cuidadosamente dividir em duas partes.

Esse assumpto diz respeito á posição dos membros do Gabinete, considerados individualmente com relação ás declarações do Sr. José Luciano sobre a apresentação ao contrato dos tabacos em Conselho de Ministros.

Divide a analyse d'esse assumpto, como já disse, em duas partes. A primeira é de caracter pessoal e incide sobre o silencio dos membros do Gabinete em face das declarações do seu chefe.

É certo que já na sessão de hoje pediram a palavra para explicações os Srs. Ministro da Marinha e Pereira de Miranda.

Não querendo, por isso, manifestar-se antes de tempo, e deixando a outros o reviver da questão, com o que demonstra a sua prudencia, vae referir-se á primeira parte das declarações do Sr. Presidente do Conselho, em que S. Exa., pela forma a mais natural, como se apresentasse á Camara um facto simples de relações do chefe do Governo com os seus collegas, revelou ao paiz o processo seguido no Conselho de Ministros para a preparação dos documentos que mais contendem com os interesses vitaes da Nação.

E fêl-o como se se tratara de uma cousa vulgar, de um assumpto trivial.

O Sr. Espregueira foi encarregado de redigir o texto do contrato dos tabacos, que só foi a Conselho de Ministros depois de haver sido assignado!

Tal o processo de organizar um documento de tamanha importancia, e cuja discussão deveria ter versado, não só sobre as linhas fundamentaes, mas ainda sobre as suas mais insignificantes minudencias.

Quem não sabe que é necessario todo o cuidado em redigir textos d'aquella natureza, para que a ardileza dos banqueiros não possa aproveitar-se de qualquer falha ou ambiguidade, sendo que muitas vezes ainda não basta a intelligencia de sete homens com todos os seus conhecimentos, com todo o afinco do mais cauteloso estudo, para bem resolverem um negocio de magnitude igual.

Quantas vezes as grandes causas se perdem por causas pequenas!

Pronunciando aquella verdadeira barbaridade, o Sr. Presidente do Conselho ou revela falta de respeito pelas instituições parlamentares, ou falta de consciencia, o que, para elle, orador, é um dos peores symptomas que o Sr. José Luciano actualmente está manifestando.

Semelhantes contratos estudam-se no seio do Gabinete; pesam-se palavra a palavra, proposição a proposição, em
toda ã plenitude do seu texto, porque respeitam aos mais capitães interesses financeiros do país, e são esses os que mais prendem a opinião nacional e mais movem os partidos á lucta.

Só depois de medidos ponto a ponto, phrase a phrase, palavra a palavra, é que o Ministro respectivo lhes poderá lançar a sua assignatura.

Se houve, pois, n'esta Camara quem declarasse não conhecer o texto do contrato dos tabacos, esse Digno Par está com a verdade, esse Digno Par está com a razão.

Elle, orador, exhorta portanto todos os que ali estão e que, como elle, cursaram a faculdade de direito e hoje são bacharéis ou doutores, a que, abstrahindo por um instante das suas paixões politicas e das suas inclinações partidarias, ao pronunciarem o seu veredictum, deixem guiar-se unica e exclusivamente pela razão e lhe digam se, já não no campo do direito publico ou do direito administrativo, mas simplesmente no campo do direito civil, alguem poderá dar a sua adhesão a um contrato simplesmente fixado em suas clausulas principaes.

A Camara vê com que cuidado elle, orador, afasta as suas palavras de tudo o que possa referir-se ao incidente pessoal de hontem, mas não deve deixar de pôr em relevo o que é absolutamente barbaro e impossivel como explicação parlamentar, e insustentavel como explicação politica.

Sente deveras ter de falar de um Governo amputado. (Riso). E que o paiz tem um Presidente do Conselho, tem Ministros da Justiça, da Guerra, da Marinha, dos Estrangeiros e das Obras Publicas, mas não tem Ministro da Fazenda. O Sr. Manoel Affonso de Espregueira ficou enterrado sob os escombros da sessão parlamentar de 16 de agosto. Quando um homem politico, consultando a sua consciencia perante accusações semelhantes ás que, na Camara dos Srs. Deputados, foram verberadas ao Sr. Espregueira, não teve para exhibir deante do Parlamento senão o amontoado de phrases, que a sua habilidade preparou e lhe serviu para illudir o ataque do adversario; quando um homem politico não póde empregar senão esses meios, esse homem politico está morto.

Na velha Castella, a pragmatica palaciana, estatuia que, ao dar-se o fallecimento de algum monarcha, o dignitario encarregado da inhumação deveria dirigir-se por tres vezes ao cadaver de seu amo e por tres vezes tocar-lhe, como se se tratasse apenas de despertal-o de um somno. Após o que, o dignitario tinha de pronunciar a seguinte phrase: "Vossa Magestade que me não responde, é porque está realmente morto". (Riso).

Ora, perante os ataques parlamentares, o Sr. Espregueira tambem não respondeu.

E todavia não foi uma simples pancada, nem duas ou tres as que mãos viris lhe vibraram na Camara dos Senhores Deputados.

Foi antes um verdadeiro badalar de sinos. (Riso).

Essa sessão provocou accentuado martyrio em todos aquelles que assistiram a tão deploravel scena de degradação politica.

O Sr. Espregueira assim apertado, assim atacado, não respondeu e, se não respondeu, é porque estava verdadeiramente morto.

E, feitas estas considerações, vê-se obrigado a retomar a questão dos tabacos no pé em que a deixara na ultima sessão em que n'esta Camara se referiu ao assumpto.

Então, repetindo ao Sr. Presidente do Conselho a profecia que lhe havia feito em uma sessão anterior, dissera-lhe muito singelamente que, ou S. Exa. havia de entrar desassombradamente na separação das duas operações, conversão das obrigações e adjudicação do exclusivo, aproveitando para isso a melhor opportunidade que se lhe deparasse ou, no caso contrario, S. Exa. havia de encontrar n'essa questão o seu verdadeiro calvario.

Lembra-se de que n'essa occasião se voltou para o Sr. José Luciano, perguntando a S. Exa. se no texto do contrato haveria algumas clausulas tacitas ou secretas.

S. Exa., dando-lhe a honra de responder-lhe, dissera que não.

Interrogado novamente por elle, orador, não sabe se na mesma sessão, se n'outra, sobre aquelle assumpto, S. Exa. repetiu, nos termos mais frisantes e mais peremptorios, que o texto do contrato não continha clausulas secretas. (Apoiados).

Imagine agora a Camara qual não foi a sua surpreza, quando da boca de um representante da nação - e tem de citar este facto para documentar as suas reflexões - ouviu que o Sr. José Luciano de Castro, no seio da commissão de fazenda da outra Camara, sem responder a quaesquer perguntas que lhe tivessem sido feitas, por sua livre vontade, por sua expontanea iniciativa e no intuito de convencer os membros d'aquella commissão da indispensabilidade do contrato, declarara que o mesmo contrato continha sim, a liquidação do negocio Reilhac.

Que esta affirmação foi feita dentro do Parlamento, não ha duvida alguma.

Cederia o Sr. José Luciano a qualquer excitação de espirito, na declaração, que expontaneamente apresentou?

É por isso que no systema de defesa do Sr. Presidente do Conselho, elle,

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orador, vae encontrar dois movimentos, ou antes, dois momentos, um impulsivo e outro reflexivo.

O impulsivo traduz-se n'estas palavras de S. Exa.: "Eu não disse que o Governo Portuguez pagava a Reilhac. Ignoro-o mesmo. A esse respeito não troquei uma palavra com os contratadores, não troquei uma palavra com os banqueiros; não sei, nem quero saber, o que se passou entre elles. Se a questão Reilhac se liquida é com o completo desconhecimento do Governo Portuguez".

Agora o momento reflexivo. S. Exa. voltou para casa, dormiu, reflectiu e como podia parecer que, mesmo dentro da formula de defesa primeiramente fornecida ao Parlamento, houvesse um vislumbre qualquer de cooperação directa, S. Exa. apresentou a formula reflexiva, e disse :"A liquidação da questão Reilhac se é uma consequencia tirada de qualquer clausula; é uma consequencia da attitude do Governo Francez. O Governo Francez por certo não nos concederia a cotação das obrigações sem Reilhac previamente liquidar, e por isso que a cotação nos é assegurada, eu tiro a consequencia legitima de que a questão Reilhac está liquidada".

Este momento reflexivo representa, para um homem com as responsabilidades politicas do Sr. José Luciano, a derradeira tábua de salvação.

S. Exa. falou muito da sua penetração e da sua responsabilidade como chefe do Governo.

Por consideração pessoal para com o seu illustre amigo o Sr. Antonio Eduardo Villaça, elle, orador, não fará erguer S. Exa. da sua cadeira e voltar-se face a face para o Sr. Presidente do Conselho a dizer lhe que é elle que tem a responsabilidade da chancellaria portugueza; que não é permittido a um chefe de Governo exhibir perante o paiz um tão completo desconhecimento do que encerram as chronicas da nossa chancellaria, e uma tão completa inconsciencia sobre a monstruosidade da sua declaração.

Retire se o Sr. José Luciano para sua casa; faça chegar á sua presença os antecedentes da questão; pondere o que tem de delicado a attitude da chancellaria portugueza em tal assumpto; ponha-se ao facto das differentes phases do problema, e de qual foi o proceder dos Governos Portuguezes para, mantendo perfeita cordialidade com o Governo Francez, assegurarem a autonomia da nossa administração; e depois d'isso penitencie-se de ter ousado defender-se perante a Camara com uma inconveniencia diplomatica sem igual.

No estudo do momento impulsivo de S. Exa., vae a Camara ver passar deante aos seus olhos affirmações que contradizem as bases da logica humana desde a mais remota antiguidade.

O Sr. José Luciano endereçou ao Parlamento Portuguez, como a coisa mais natural do mundo, esta declaração: "Effectivamente eu disse que a liquidação da questão Reilhac se realizava, mas o Thesouro Portuguez não paga nada". E, logo na sessão seguinte, declarou que tambem o Governo Francez não pagava.

Quanto aos banqueiros elle, orador, não sabe se pagam; crê, porem, que tambem não pagam.

Mas a questão Reilhac está liquidada.

Elle, orador, sem phantasmagorias, sem nenhuma das artes magicas que illustraram alguns dos homens publicos da antiguidade clássica greco-romana, vae exhibir perante a Camara um espectaculo mirabolante.

O Governo Francez não paga, e assim chega-se á conclusão de que a questão Reilhac está liquidada.

Os elementos portuguezes, os elementos francezes caem em cima de Reilhac 0 caem por esta forma:

"V. Exa. não recebe vintem e termina com os seus pasquins; V. Exa. não aufere um unico real e acaba com os seus cartazes".

E Reilhac, complacentemente, responde: "Sim, senhor".

(Riso).

"V. Exa. não recebe absolutamente coisa alguma, e acaba com os seus carrinhos de mão; V. Exa. não recebe um unico ceitil e põe de parte toda a sua campanha de diffamação contra nós; V. Exa. empata os seus capitães particulares, e dedica a este negocio o melhor dos seus esforços". E Reilhac, sempre complacente, continua a responder: "Sim, senhor".

(Riso).

Pois não é isto perfeitamente natural?

A primeira consequencia a que, portanto, chegamos é que só por meios extraordinarios e mirabolantes Reilhac está liquidado.

Mas diz o Sr. José Luciano: "Eu não falei com os banqueiros acêrca de semelhante assumpto".

Tambem não falou com os banqueiros o Sr. Ministro da Fazenda.

O Governo Francez igualmente não disse nada ao Sr. José Luciano; os banqueiros tambem nada disseram a S. Exa. a Não se pronunciou uma unica palavra a tal respeito.

Os proprios collegas do Sr. José Luciano nada lhe disseram.

Mas então elle, orador, pergunta: Como é que o Sr. José Luciano de Castro o soube?!

(Riso).

Temos o facto singular e extraordinario de se declarar um credor pago e satisfeito sem nada se lhe ter dado.

Isto excede as previsões do espirito humano e perturba a consciencia.

Mas se Reilhac se cala, é porque lhe pagaram. E então d'onde saiu o dinheiro?!

Do Thesouro portuguez, não; dos banqueiros e dos negociadores, tambem não, porque, se effectivamente os banqueiros tivessem de pagar a Reilhac, devia ser essa uma das condições do contrato.

O Thesouro portuguez não paga, os negociadores não pagam, o Governo Francez não paga, os banqueiros não pagam, e nós chegamos á conclusão de ver um credor ser pago e satisfeito sem ninguem lhe entregar a mais pequena quantia. (Riso).

Extraordinaria maravilha, d'onde se conclue : 1.°, que um credor está pago, sem ninguem ter desembolsado o dinheiro; 2.°, que o Sr. José Luciano é sabedor do facto, sem ninguem lh'o haver dito; 3.°, que Reilhac está pago sem o dinheiro ter saido de parte alguma.

Estas conclusões, verdadeiramente phantasticas, ultrapassam os principios fundamentaes da logica humana, desde que o anthropoide se transformou no homem actual!

O seu maior desejo seria ver destruir uma tal declaração, attentas as consequencias absolutamente anti patrioticas e anti-moraes que d'ella derivam.

Depois de tão memoravel declaração, S. Exa. bem pode reconhecer que foi o unico auctor da onda de verdadeira diffamacão que hoje corre sobre o contrato dos tabacos.

A opinião publica do paiz de norte a sul de oriente a occidente, é completamente contraria ao projectado contrato dos tabacos.

E sobre o caso interrompe as suas considerações, lastimando apenas que o Sr. José Luciano chegasse, para salvaguarda da sua boa fé, a ter de appellar para a sua honradez pessoal.

S. Exa., como todos os membros d'esta Camara, é um homem innatamente honrado. A honradez não se affirma nem se regista.

Se a desconfiança publica incidiu sobre o contrato dos tabacos, o culpado d'isso, foi, repete-o, o Sr. Presidente do Conselho.

O que sabe é que o paiz inteiro considera hoje aquelle contrato como improprio para receber a sancção legislativa, desde que o chefe da actual situação ousou tomar na Camara uma attitude tal, que occasionou a suspeição e pode motivar na opinião publica o seguinte commentario: "Se se paga secretamente a Reilhac, o que não se pagará mais pela mesma forma".

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Trata-se, n'uma palavra, de um contrato não diffamado mas sim infamado. E termina com a questão Reilhac sem ter usado da parola orrenda, como dizem os italianos, palavra que não sairá da sua bocca.

Chegado a este ponte, quer referir-se a outro aspecto da questão dos tabacos que tem sido muito versado nos bastidores da politica, verdadeiro dente que é preciso arrancar ás tentativas das conspirações financeiras.

Que o Governo tinha ao seu alcance todas as liberdades de contratar, dizem-no os documentos que elle publicou e os que elle guardou; mas para se tolher a attitude do Governo Portuguez e obviar á sua livre iniciativa, propalou-se que um contrato qualquer com banqueiros americanos seria mal visto pela Inglaterra, nossa fiel alliada.

É preciso arrancar este dente á conspiração financeira.

Elle, orador, não pode ser suspeito á Camara em materia de alliança ingleza.

Essa alliança, na sua phase actual, é o producto de dois factores: o da fixação no papel e o da publicidade perante a Europa.

O primeiro foi obra do partido progressista, quando Ministro dos Negocios Estrangeiros o Sr. Beirão, mas o segundo, isto é, a publicidade do facto, a sua imposição aos olhos de todo o mundo culto, pertence ao Governo do partido regenerador, na sua primeira phase, quando elle, orador, tivera a honra de ser Ministro dos Negocios Estrangeiros.

De modo que os progressistas fixaram, e os regeneradores proclamaram a alliança.

Tudo o que depois tem vindo, gran-cruzes, cumprimentos, saudações, são meras formas de cortezia, accessorios, quasi bagatelas.

Se alludiu a estes factos não é porque queira revindicar para si os loiros que, sobre o caso, toda a gente tem pretendido colher.

Sabe viver á sombra da injustiça, como as plantas sufficientemente robustas sabem viver sob a acção deleteria do frio ou dos raios ardentes do sol.

Referiu se apenas ao assumpto para mostrar á Camara como é insuspeita a sua opinião ao falar da alliança ingleza, e como a sua voz commenta um dos factos de caracter internacional mais queridos ao seu coração.

É absolutamente inexacto que. a Inglaterra se tenha opposto a qualquer operação financeira do Governo Portuguez.

A Inglaterra tem como uma das suas tradições a mais estreita cordialidade de relações com os Estados Unidos

Essa tem sido a regra seguida pela Gran-Bretanha; mas se a nossa fiel alliada tivesse intervindo em tal assumpto e o Governo do nosso paiz não tivesse sabido soccorrer-se da boa vontade ingleza, elle, orador, poderia perdoar que não se houvesse aproveitado a sua attitude de auxilio, mas nunca, que a entente internacional tivesse sido tão mal aproveitada nas mãos do Governo que d'ella resultasse um tropeço, um embaraço ao seu viver.

O facto não é verdadeiro, mas se fosse, apenas provava que a alliança ingleza se tinha transformado, de aspiração de mutuo auxilio, n'uma forma de protectorado, o que nunca deveria ser.

É dito isto, por lhe parecer ser esta a altura em que devia fazê-lo, vae ré ferir-se ao aspecto politico da questão.

O Sr. Presidente do Conselho tem repetido as declarações de que não pretende anniquilar a vida da Camara dos Senhores Deputados, e se elle, orador, não se engana, S. Exa. fez hontem declaração analoga sobre a invulnerabilidade d'esta casa do Parlamento.

Ora elle, orador, só quer exhibir perante a Camara o plano da conspiração, o plano secreto contra ella urdido, tecido e forjado nos bastidores da politica, e isto para que a Camara se defenda.

O Sr. José Luciano de Castro não póde alcançar a dissolução da Camara electiva; não lh'a concedeu o poder moderador e com isso deu uma demonstração notavel de verdadeira comprehensão das suas altas funcções; mas, S. Exa., não alcançando aquelle favor, pretendeu ainda fazer dissolver a mesma Camara á sombra da reforma d'esta casa do Parlamento.

N'este momento nem mesmo se alongará em demonstrar o que teria de absolutamente unico e insensato esse commettimento.

E a proposito, quer, de uma vez para sempre, insurgir-se contra o costume inveterado que tem o Sr. Presidente do Conselho de censurar a mais ligeira referencia ao poder moderador (Apoiado do Digno Par Dantas Baracho) declarando a Corôa fora das discussões parlamentares.

Elle, orador, bem sabe que é o poder executivo que responde pela Coroa; mas sabe tambem que não a defende quem a pretende isolar, como se se tratara de um monarcha asiatico vivendo em torre de marfim. Quem a defende, quem a serve, é quem a approxima do povo, quem chama para ella o contacto das multidões.

Elle, orador, é monarchico, porque, apesar do fundamento illogico de tal instituição, ella representa a realidade do ideal humano, que em primeiro logar fez os Deuses e em segundo logar os Reis.

É partidario sincero e dedicado da monarchia portugueza, porque conhece a historia patria desde o repontar da nacionalidade até ao momento actual.

Comprehende o que ha de grande e de absolutamente poderoso, de incomparavelmente bom, na existencia d'essa instituição, que vem desde aquelles que, através da sombra da noite, em escaladas e assaltos, traçaram com a ponta das espadas, sobre o solo da peninsula, a topographia do paiz; porque venera a majestade épica dos valorosos batalhadores da dynastia affonsina, a cujos esforços denodados devemos a consolidação da nacionalidade.

Em Affonso III admira o tacto administrativo, o cuidado em promover o incremento da riqueza publica, e em reprimir as usurpações do patrimonio e poderio regios, tendo como arma unica as investiduras e as inquirições geraes.

Em D. Diniz depara-se-lhe o Rei poeta e lavrador, que, desenvolvendo largamente a agricultura, o commercio e a navegação, se não esqueceu tambem do progresso intellectual do país, fundando a Universidade, exclusivamente devida ao seu esforço pessoal.

D. Pedro I destaca-se pela facão austera do seu caracter apaixonado, pelas palavras de justiça que a sua boca solta e que os seus actos confirmam.

No reinado do esforçado fundador da dynastia de Aviz, não sabe que mais admirar, se o impulso heroico do monarcha para consolidar a independencia portugueza, se o seu caracter recto e coherente, se as virtudes civicas de seus gloriosos filhos: um, lançando na Escola de Sagres, os solidos fundamentos das nossas conquistas e navegações; outro, o Infante D. Pedro, revelando-se politico habilissimo, depois de haver revigorado em longinquas viagens asciencia do seu espirito, e ainda o Infante Santo, redimindo no cruciante captiveiro de Fez a audacia nacional.

Em D. João II, a par da lenta preparação de todo o nosso poderio de alem-mar, emociona-o o esforço aturado para a consolidação do poder real, e em que o monarcha apertou e esmagou, como em braços titanicos, as investidas absorventes de castas privilegiadas.

D. Manoel é o prototypo do Rei venturoso, que consegue fundir, n'um desumbramento, a luz do Occidente com a luz do Oriente, porque só um tal ampadario poderia illuminar toda a vastidão das conquistas portuguezas.

D. Sebastião, embora haja apparecido no momento historico em que a decadencia nacional havia de accentuar-se, é no entanto uma grande e nobre figura de sonhador, procurando

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unir as tradições de um passado glorioso ás esperanças de um futuro ainda mais fertil em épicas façanhas.

E, não obstante os paroxysmos d'essa epoca da historia patria, e como que rompendo a fumarada dos autos de fé, pode contemplar a mais gloriosa figura da litteratura patria, esse grande coração e esse grande poeta que se chamou Camões.

Na dynastia brigantina impõe-se-lhe D. João IV, os seus esforços para a restauração da independencia portugueza, esforços secundados habilmente, no reinado seguinte, pelo Marquez de Castello Melhor.

D. João V deslumbra-o pelo esplendor cesareo, pela munificencia e pela prodigalidade das obras de arte com que dotou o paiz, e o remado d'El-Rei D. José offerece-lhe o apogeu da gloria nacional no seculo XVIII, traduzida no progresso interno e na affirmação categorica do brio nacional em todos os incidentes diplomaticos.

D. Pedro IV é o Rei-Soldado, pondo a sua vida ao serviço da causa liberal, que tanto havia ainda de agitar o reinado seguinte, em que D. Maria II se lhe revela sob os tres admiraveis aspectos, de esposa, de mãe e de Rainha, conseguindo sempre sahir purificada das luctas politicas, que apenas lograram mais fazer-lhe respeitar a austera magestade.

D. Pedro V é, finalmente, para as esperanças do futuro, como que o D. Sebastião hodierno, e a sua morte consegue arrancar á alma nacional um largo soluço de dor, o mais colossal e solemne sentimento de pezar que um paiz pode traduzir ao ver desapparecer, na sombra do tumulo, o monarcha em quem depositava as suas mais caras aspirações.

D'essa monarchia é que elle, orador, é partidario, da monarchia que, levantando bem alto o brio nacional, faz ao mesmo tempo prevalecer a moralidade administrativa.

Voltando-se para a Coroa e voltando-se para o paiz, fala, n'este momento, pela bocca de seis milhões de homens. E é com o respeito devido á Coroa, mas com a isenção que devem ter os representantes do paiz, que lhe grita (O orador fita o retraio de El-Rei que está collocado superiormente á Presidencia): Senhor! O descendente do Principe que outorgou á nação a Carta Constitucional não pode assignar esse papel maculado que se chama - o contrato dos tabacos.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da; Marinha (Manuel Antonio Moreira Junior): - Entrando hoje, e pela vez primeira, no debate parlamentar que ha muito vem travado sobre esta questão malfadada dos tabacos, procurará esmagar a vibração natural dos seus nervos, para apenas se deixar animar pela serenidade que vem de uma consciencia limpa e da segurança absoluta de que a actual situação politica e, principalmente o actual Presidente do Conselho, teem procurado e conseguido defender os interesses do paiz, com o maior patriotismo e a mais superior isenção.

Procurará demonstrar, repete, que a actual situação politica e principalmente o Sr. Presidente do Conselho teem empregado, no meio das invectivas as mais intransigentes, das insinuações as mais violentas, os esforços mais delicados e as tentativas mais patrioticas para arrancarem ou conseguirem para o Thesouro Publico o mais que se pode, em face das negociações assas laboriosas da questão dos tabacos.

Empregará, em todas as suas considerações, a serenidade mais completa, uma argumentação sem argucias e uma defesa sem effeitos palavrosos. Empregará a serenidade mais completa, como disse; mas, para manter essa serenidade, precisamente para que o problema seja posto com todos os claros elementos que o constituem, é necessario ver quem é que não sabe empunhar a bandeira immaculada do partido progressista. Não empregará palavras insultuosas, nem o cegará a paixão politica. Empregará, repete mais uma vez, a maxima serenidade; mas, para assim proceder, é necessario esquecer as affirmações feitas e que se cinja ou se reduza ao problema que deante de todos se apresenta, que o esmiuce em todas as suas particularidades, estabelecendo quaes os argumentos contra e as provas a favor, quaes os documentos que servem de base para se affirmar que o actual Governo foi lesivo aos interesses publicos e que, longe de defender os sagrados interesses do erario, foi, pelo contrario, beneficiar uma companhia poderosa.

Quaes são os argumentos, as provas ou documentos em que se baseiam a affirmação de que o actual contrato foi lesivo para os interesses publicos, porque se procurou com elle beneficiar qualquer entidade ou companhia?

O que elle, orador, pede áquelles que o ouvem, áquelles que no debate entrarem, é que analysem bem todos os documentos, vejam todas as provas, avaliem todos os esforços empregados pelo Governo para, só depois, darem a demonstração de que o Governo não defendeu es interesses publicos, de que a bandeira que nós empunhamos não foi a gloriosa bandeira do partido progressista mas sim a bandeira manchada de qualquer companhia.

Para manter a serenidade do debate é necessario ainda esquecer que se accusa a actual situação politica de que, n'esse contrato se arranjaram frinchas ou se fizeram aberturas por onde facilmente se escoarão milhões de francos; e esquecer finalmente a phantasia, que outra cousa não é, de considerar-se esta grave e importantissima questão como um singelo problema de administração vulgar.

Elle, orador, não vem discutir a dissidencia que se levantou no seio da commissão de fazenda da Camara dos Senhores Deputados, a forma como ella se deu ou a repercussão que teve no gabinete, porque deseja tambem esquecer as scenas violentissimas, os ataques acerbos e desapiedados que partiram precisamente d'aquelles que na véspera haviam sido seus irmãos de armas.

Precisa esquecer tudo isso e, na analyse meticulosa dos varios elementos constitutivos do processo, dar á Camara a demonstração clara e inilludivel de que a pretendida incoherencia não existe, que não ha motivo para o Governo ser censurado e que a questão Reilhac nunca ao Parlamento deveria ter vindo.

Sobre essa questão, por melindrosa que é, o illustre Presidente do Conselho limitou-se a fazer simples referencias no seio da commissão de fazenda, onde julgou encontrar-se com pessoas que commungavam em ideias iguaes ás suas e desejavam o mesmo desideratum.

O Sr. Presidente: - Previne o orador de que já deu a hora.

O Orador: - Como deu a hora, pede ao Sr. Presidente lhe permitia ficar com a palavra reservada para a sessão immediata.

(S. Exa. não reviu.)

O Sr. Presidente: - Fica o Sr. Ministro da Marinha com a palavra reservada para a discussão da crise, mas tem a palavra para explicações antes de encerrar-se a sessão.

O Sr. Ministro da Marinha (Manuel Antonio Moreira Junior): - O Digno Par, o Sr. Hintze Ribeiro, na brilhante oração hoje proferida, referiu-se a um incidente que sem duvida alguma a camara ainda terá na sua memoria amargurada, pois ficou dolorosamente impresso no cerebro de todos nós.

Referiu-se o illustre ex-Presidente do Conselho a um incidente aqui occorrido hontem, e em que se evidenciou o quanto pode a paixão politica quando por completo se apodera de alguem; como ella póde facilmente levantar uma questão violenta a proposito de um equivoco em que se laborou e que era facil remediar.

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O Sr. Hintze Ribeiro referiu-se a esse doloroso incidente, em que o tumultuar violento das paixões quasi ia degenerando em questão pessoal e elle, orador, agradece a S. Exa. ter feito referencia a esse facto, porque havia alguma cousa que lhe fizera passar horas dolorosas, não porque o Sr. Presidente do Conselho necessitasse do applauso d'aquelles que, indefesamente, carinhosamente o teem acompanhado nas negociações a respeito dos tabacos, mas porque era facil demonstrar que apenas um equivoco estava provocando toda a grave questão que entre dois estadistas se tinha suscitado.

Elle, orador, na occasião em que o Sr. Pereira de Miranda se levantou e poz fim a esse incidente, quiz levantar-se tambem em nome de todos os seus collegas, para revelar á Camara, com a lealdade do seu caracter, com a sinceridade das suas convicções, a maneira como as cousas tinham decorrido, dando a explicação facil, quer das declarações do Sr. Presidente do Conselho, quer do equivoco em que laborava o seu illustre ex-collega o Sr. Conselheiro José de Alpoim; mas, após aquella intervenção, os seus collegas prohibiram-lhe, em nome da solidariedade ministerial, que usasse da palavra, e elle, orador, recalcando os seus nervos, passou as mais dolorosas horas que até hoje tem vivido.

Agradece, pois, ao illustre ex-Presidente do Conselho o ter-lhe dado ensejo para que pudesse falar.

Agora vae dizer clara, nitida e precisamente, tomando inteira responsabilidade das suas affirmações, aquillo que no seio do gabinete se passou.

Não ha duvida de que as palavras pronunciadas pelo Sr. Presidente do Conselho tinham o cunho da veracidade a mais completa. Nem elle era capaz de affirmar uma cousa que não fosse a expressão da verdade.

E por que havia de ser elle, orador, quem devera levantar-se em vez de qualquer outro seu collega, para pôr as cousas no seu devido pé e para demonstrar que ninguem se arredava do Sr. Presidente do Conselho?

É porque elle, orador, era o mais novo e porque era talvez de todos os presentes ali, excepto o Sr. Ministro da Fazenda e o Sr. Presidente do Conselho, quem mais intensamente conhecia essa questão dos tabacos, porque fora em Conselho de Ministros quem mais forte e calorosamente a debatera, encontrando-se, por vezes, em accentuada opposição com o Sr. Espregueira, embora os animasse a ambos o mesmo desejo ardente de serem uteis ao paiz.

E por tal forma discutira essa questão, que ao apresentar-se o contrato,

conhecia perfeitamente, como os outros seus collegas, todos os elementos que o constituem.

Eis, pois, o motivo porque, alem de ser o mais novo, as circumstancias o indicavam a elle, orador, para usar da palavra n'este momento e desfazer o equivoco hontem suscitado.

Em longas e multiplas reuniões do Concelho de Ministros foi discutida a questão dos tabacos, esse magno problema da administração publica, e todas as suas clausulas foram ali desfiadas linha a linha.

Depois, para os elementos de secundaria importancia - e quando os fundamentaes haviam sido todos unanimemente acceitos - dera-se ao Sr. Ministro da Fazenda - como já dissera o illustre Presidente do Conselho - um voto de confiança para S. Exa. redigir o contrato, cujo texto deveria approximar-se do do contrato celebrado pelo partido regenerador em 16 de julho, isto não só por deferencia para com o Sr. Hintze Ribeiro, mas até como habilidade politica e a fim de evitar maiores difficuldades.

Feita pelo Sr. Ministro da Fazenda essa redacção definitiva, assignou-se o contrato e, mais tarde, convocado especialmente um novo conselho para S. Exa. ler aos seus collegas a proposta de lei e o relatorio sobre o negocio dos tabacos, egualmente ali foi presente o contrato.

Quando, porem, começava a leitura d'esse documento, houve quem dissesse não ser precisa, e isso com grande desagrado da parte do orador, não por falta de confiança, mas porque, tendo seguido com aturado interesse o assumpto, estudando-o e discutindo-o, como; já disse, desejava seguil-o até final: Tambem elle, orador, recebeu dos seus collegas uma prova de alta confiança na questão do contrato dos cabos submarinos, mas não deixou de levar o referido contrato ao conselho, antes de assignado, o que só fez depois de o ter lido aos seus collegas.

Eis a verdade completa sobre o assumpto.

O contrato foi presente ao conselho e, sé; não foi lido, foi porque, tendo sido previamente assentes, em largas discussões, as suas disposições essenciaes, essa leitura foi julgada desnecessaria, tendo-se, aliás, lido o relatorio, pelo qual se evidenciava que o texto do contrato era bem o producto d'essas largas discussões.

O Sr. Alpoim podia, pois, ter tido pleno: e inteiro conhecimento d'esse diploma, e portanto se S. Exa. no que disse não faltara á verdade, tambem não faltara a ella o illustre chefe do Governo, que d'isso é incapaz. (Apoiados).

São estas as explicações nitidas de tudo quanto se passou e dos acontecimentos precedentes.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Vae dar a palavra ao Sr. Pereira de Miranda, que a pediu para explicações antes de encerrar-se a sessão; deve, porem, lembrar a S. Exa. que a sessão tem de encerrar-se ás 5 horas e 45 minutos; por isso pede ao Digno Par o obséquio de abreviar o mais possivel as suas explicações, pois só faltam 5 minutos para terminar a sessão.

O Sr. Pereira de Miranda: - Antes de começar, quer pedir á Camara que lhe releve a interrupção que hontem fez no decorrer do debate, quando falava o illustre Presidente do Conselho de Ministros.

Se tal fez, foi na convicção em que estava de que era absolutamente indispensavel sustar a feição pessoal em que o debate ia decorrendo e que tanto a distanciava das praticas usuaes d'esta Camara.

O seu proposito era apenas interromper um debate travado n'aquellas condições e não podia nem devia dizer mais uma palavra. Ahi tinham a Camara e o seu illustre collega o Sr. Conselheiro Hintze Ribeiro a razão por que não fizera quaesquer declarações acêrca do contrato dos tabacos.

Pelo que respeita á questão propriamente dita, depois das explicações que foram dadas pelo Sr. Conselheiro José Luciano de Castro e pelo Sr. Ministro da Marinha, nada tinha a accrescentar. Dirá apenas que o contrato de 4 de abril representa exactamente tudo quanto se votou e acceitou nos repetidos Conselhos de Ministros a que assistiu. Apenas faltou a dois d'esses conselhos, por motivo de doença, sem que por esse facto deixe de julgar presa a sua inteira e completa responsabilidade áquelle contrato, como se ali tivera o seu nome em substituição do do Sr. Ministro da Fazenda.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para explicações o Digno Par o Sr. Alpoim.

Pondera, porem, a S. Exa. que a hora está a dar e por isso lhe pede a fineza de restringir as suas explicações.

O Sr. José de Alpoim : - Estranha que o Sr. Presidente só a elle, orador? dirija observações analogas.

O Sr. Presidente: - Perdoe-lhe o Digno Par, mas S. Exa. está completamente illudido, porquanto fizera identicas recommendações ao Sr. Pereira de Miranda,

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O Orador: - Pede ao Sr. Presidente que lhe desculpe o seu equivoco.

A camara acaba de ouvir as declarações do Sr. Presidente do Conselho e do Sr. Ministro da Marinha.

É preciso reduzir as cousas á sua justa verdade, sem o valimento de subterfugios.

Quer referir-se a uma phrase do Sr. Ministro da Marinha porque quem ouviu S. Exa. pode suppor que o Sr. Dr. Moreira Junior pretendera affirmar que elle, orador, quizera faltar á verdade.

O Sr. Ministro da Marinha (Moreira Junior): - Não disse que S. Exa. houvesse faltado á verdade.

O Orador: - Accentua agora que o Sr. Ministro da Marinha não pronunciou a seu respeito nenhuma phrase ambigua, o que seria improprio da sua amizade para com elle, orador; S. Exa. não disse uma unica phrase ambigua, fique isto registado.

Deplora profundamente ter de entrar mais uma vez n'este debate, mas fal-o porque o Sr. Ministro da Marinha e o Sr. Pereira de Miranda, que estima e venera profundamente, usaram da palavra sobre a assumpto.

O Sr. Presidente do Conselho declarou que o texto do contrato dos tabacos não tinha sido apresentado ao Conselho de Ministros antes de assignado.

Ora o Sr. Presidente do Conselho acaba de confirmar que o contrato não foi apresentado quando mais susceptivel era de modificações, quando sobre elle se podia falar largamente, introduzir lho algumas emendas ou tirar d'elle algumas clausulas.

O texto do contrato dos tabacos não foi apresentado ao Conselho de Ministros antes de assignado!

Era evidente, portanto, que quando elle, orador, affirmara, sob sua palavra de honra, que o texto do contrato dos tabacos não havia sido apresentado ao Conselho de Ministros, se referia ao momento em que sobre tal contrato haveria podido exercer-se qualquer acção proficua.

Não se recorda do contrato ter sido apresentado; não se recorda de que alguem tivesse dito de que não merecia a pena ler o texto; tem mesmo razões para suppor o contrario, mas isso é uma coisa tão insignificante, tão mesquinha e sem valor, que não vale a pena discutil-a.

Se S. Exas. quizerem, declara até á Camara, sinceramente, que não se recorda d4 semelhante cousa; mas se S. Exas. querem que o contrato haja sido levado a conselho só depois de assignado, e antes de ser enviado á Camara, tambem não faz questão do caso.

Que importava nessa occasião saber-se o que vinha no contrato, se elle era um facto consummado?

Tem-se sempre referido á apresentação d'esse documento, quando ella podia ser util e quando d'ella podiam provir resultados benéficos para o paiz.

Portanto, se S. Exas. querem que o contrato fosse apresentado a Conselho de Ministros, só depois de assignado, está perfeitamente de accordo.

(S Exa. não reviu)

O Sr. Hintze Ribeiro: - Quem afinal tinha razão era o Sr. Pereira de Miranda, na sessão de hontem. Quanto mais falam, mais dizem, mais explicam, mais se compromettem. Quem tinha razão era o Sr. Pereira de Miranda ao impor silencio. A noite de hontem e as horas decorridas até ali haviam trazido luz e esclarecimentos á questão.

Trata-se do contrato mais importante para a nação, d'aquelle que mais vitalmente a interessa. Esse contrato está affecto a um Governo, que é o depositario do poder. Pois sabe a Camara quando o Conselho de Ministros teve conhecimento d'esse contrato? Quando elle já estava assignado. Então, e só então, é que os Srs. Ministros o puderam apreciar.

Esta é a primeira conclusão, que fica imperecivelmente gravada, para mostrar como é que o Governo procedeu n'um assumpto de tamanha magnitude.

A segunda é que para a redacção d'esse contrato foi dado um voto de confiança ao Sr. Ministro da Fazenda mas um voto de confiança com condições e instrucções especiaes.

Pensa a Camara que essas instrucções eram no sentido de acautelar, de garantir e de salvaguardar os interesses do Thesouro?

Não.

As instrucções foram duas.

A primeira, de deferencia para com o orador.

A segunda, que o Sr. Ministro da Fazenda tivesse a habilidade politica de conformar o texto do contrato com o d'aquelle negociado pelo gabinete a que tivera a honra de presidir.

Tudo isto para se encontrar a redacção que mais se accomodava aos interesses do paiz!

Pobre paiz que assim está entregue nas mãos de entidades governativas que mais olham a effeitos parlamentares e a habilidades politicas do que propriamente aos interesses da nação.

São estas as tristes conclusões que elle, orador, pode tirar dos actos politicos do actual governo.

(S. Exa. não reviu)

O Sr. Presidente: - A proximo sessão é segunda feira, 28 do corrente, e a ordem do dia a mesma que estava dada para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 5 horas e 50 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 26 de agosto de 1905

Exmos. Srs.: Antonio Candido Ribeiro da Costa; Marquezes: de Alvito, de Avila e de Bolama, de Fontes Pereiro de Mello, de Penafiel, da Praia e de Monforte; Condes: de Castello de Paiva, de Figueiró, de Lagoaça, de Monsaraz, de Paraty, da Ribeira Grande, de Tarouca, de Villa Real; Viscondes: de Asseca, de Athouguia, de Monte São; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Antonio de Azevedo, Eduardo Villaça, D. Antonio de Lencastre, Costa e Silva, Santos Viegas, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Augusto José da Cunha, Palmeirim, Carlos M. Eugênio de Almeida, Eduardo José Coelho, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco Machado, Francisco de Medeiros,. Francisco Maria da Cunha, Tavares Proença, Ressano Garcia, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, Jacintho Candido, D. João de Alarcão, Mendonça Cortez, João Arroio, Gusmão, Jorge de Mello, Avellar Machado, Correia de Barros, José de Azevedo, Dias Ferreira, Frederico Laranjo, José Luciano de Castro, José de Alpoim, Rodrigues de Carvalho, Silveira Vianna, José Vaz de Lacerda, Julio Vilhena, Pimentel Pinto, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Macario de Castro, Affonso Espregueira, Pereira Dias, Raphael Gorjão, Pedro de Araujo, Pedro Victor, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho, Ornei-las Bruges, Wenceslau de Lima.

Os Redactores:

FRANCISCO GRILLO.

(De pag. 133, a pag. 140, col. 2.ª

ALBERTO PIMENTEL, FILHO.

(De pag. 140, col. 2.ª, a pag. 146, col. 3.ª)

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