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108 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

coherente que a Camara acaba de ouvir.

A verdade em toda a sua nitidez, mesmo para os que não conhecem o assumpto de que se trata, é que na Camara dos Senhores Deputados se está tratando ou discutindo um projecto com que se modifica o regimen das aguardentes e não ha duvida que faz parte integrante d'esse regimen a criação de umas instituições especiaes a elle referentes...

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - E até expropriações.

O Orador: - Não se comprehende como estando uma lei em discussão no Parlamento, para reforma que seja definitiva ou tenha pretenções de o ser, se venha hoje n'uma portaria no Diario do Governo dizer ao paiz que essa reforma não está bem estudada e é indispensavel que sobre ella uma commissão exerça e faça quaesquer modificações.

V. Exa. vê o que ha de incoherente e contrario em todos os projectos do Governo.

Tudo isto é consequencia d'aquella precipitação febril, a que já me tenho referido, que faz que o Governo não tenha ideias assentes acêrca dos problemas da vida nacional.

O facto na sua singeleza é este: na Camara dos Srs. Deputados está era discussão um projecto referente aos vinhos, aos alcooes, ás aguardentes, projecto que, segundo dizem, concilia os interesses do norte e do sul; e depois d'este projecto estar em discussão o Governo vem dizer que não tem uma ideia fixa, e nomeia uma commissão para estudar o assumpto de que trata o projecto.

Eu digo a V. Exa. que se tivesse voz na Camara dos Srs. Deputados proporia que se interrompesse a discussão, porque não ha mais profundo contra-senso do que estabelecer um regimem definitivo, e a seguir, dizer que elle não é definitivo, porque se estuda outro.

Sr. Presidente: este assumpto é gravissimo, porque diz respeito a altos interesses do paiz. Sabe-se que hoje duas partes do paiz estão em conflicto uma com a outra e que as providencias tomadas com relação ao Douro não satisfazem. N'estas condições, publica-se no Diario do Governo uma portaria de que a Camara tem conhecimento. É, portanto, urgente que o Sr. Ministro das Obras Publicas aqui venha dar explicações e eu peço a V. Exa. o favor de o convidar a vir aqui ainda hoje, ou na proximo sessão, afim de responder ás perguntas formuladas pelo Digno Par, o Sr. Teixeira de Sousa. V. Exa. comprehende que este assumpto é tão
importante que o Ministro respectivo deve vir immediatamente á Camara, não podendo allegar a conveniencia de responder no dia seguinte, porque é urgente, está em discussão na Camara dos Srs. Deputados e deve estar, como diz o povo, na ponta da lingua do Sr. Ministro das Obras Publicas.

Repito, Sr. Presidente, peço a V. Exa. o favor de convidar o Sr. Ministro das Obras Publicas a vir ainda hoje a esta Camara, ou, sendo-lhe inteiramente im-possivel, na proximo sessão, na qual o Digno Par, o Sr. Teixeira de Sousa renovará as perguntas de hoje, as quaes não tiveram resposta alguma por parte do Governo.

Posto isto, vou tratar propriamente do assumpto para que pedi a palavra, proseguindo nas considerações feitas ante-hontem n'esta casa do Parlamento.

Expuz então qual fôra a genese da lei que se discute e mostrei que a sua gestação explicava o tumulto de incoherencias e deficiencias, a precipitação febril de innovações trazidas do estrangeiro.

Expuz o que havia de injusto em attribuir-se a erros e vicios de fiscalização, por parte de qualquer entidade ou collectividade, o que era consequencia inevitavel dos atropelos constitucionaes, dos attentados parlamentares praticados n'este paiz e que tornavam impossivel, impraticavel, a fiscalização das Côrtes, elemento essencial do nosso systema de contabilidade publica.

O Parlamento, como em 1895, por culpa do Sr. Ministro do Reino e como n'outros annos só funccionou por prazos curtos e por tal maneira irregularmente que bastava lembrar o facto, que entre nós se dá de em 1907 estarmo-nos administrando pelo orçamento de 1904-1905!

Sr. Presidente: as instituições importadas do estrangeiro mostram que aquillo que se trouxe de Inglaterra se não pode accomodar á feição do nosso paiz, significando assim o modo de ser constitucional d'aquelle povo, onde o poder legislativo se impõe, o que mostra a fundo a differença que ha entre a administração da Gran Bretanha e a nossa.

Disse eu que este projecto tinha sido trazido á Camara por uma forma irregular e contraria á maneira de ver é de proceder do fallecido e chorado Conselheiro Barros Gomes, a cuja memoria e serviços o partido progressista muito deve e eu a esse homem me refiro com grande encarecimento, sob todos os pontos de vista.

Agora vou cumprir o meu dever, que é mostrar á Camara que não falseei a verdade, e que a minha franca e firme exposição de hontem não havia sido feita jamais se não envolvesse um arduo plano de modificações á maneira precipitada e violenta como se apresentava este projecto.

O Governo apresentou ás Camaras, com data de 3 de outubro, a sua proposta de lei. É precedida de um brevissimo relatorio, indicando-se summarissimamente as modificações da lei antiga, sem elementos de estudo e de informação. É um documento baço, anodyno. Em todos os paizes, estas reformas são filhas de uma evolução lenta, estudadas com o maior vagar, não só porque a organização da contabilidade é um assumpto delicadissimo e attinente aos mais graves problemas financeiros e até politicos, mas ainda porque esbarra, a todos os momentos, com as questões constitucionaes - com o pacto constitucional de um paiz.

Tem sido citado na Camara, por oradores que defendem e atacam o projecto, o notavel livro de Besson, A fiscalização dos orçamentos em França e no estrangeiro. Elle mostra ahi como se procedeu em França quando, em 1900, o Ministro da Fazenda d'aquelle paiz quiz reformar o systema de contabilidade. Nomeou-se uma commissão especial, de que o Sr. Besson foi o relator geral. Essa commissão estudou as questões financeiras e constitucionaes ligadas á organização da fiscalização do orçamento; analysou as legislações especiaes da Belgica, da Inglaterra, da Italia: achou que, nas suas linhas fundamentaes, não convinham á estructura financeira e politica da França; e, subordinando a theoria á pratica, conservou-se no terreno da regulamentação existente. E comtudo a França é um paiz de rapidas e apaixonadas iniciativas! Se fosse a Inglaterra, tão tradicionalista e ponderada, não surprehendia; mas na propria França, o paiz dos rapidos commettimentos, ha todos os melindres em reformar ligeiramente a contabilidade publica. E, sobretudo, em introduzir na Constituição innovações estrangeiras.

Diz Besson que, com essas instituições estrangeiras, succede como com as flores tropicaes, tão maravilhosas no seu paiz de origem e que, transportadas para sob outros céus não tardam a estiolar e morrer. Pois nós, de um salto, importamos de Inglaterra innovações, esquecendo-nos que o nosso systema politico, o nosso modo de ver parlamentar, differem tanto d'esse paiz como o ceu azul de Lisboa e as claras aguas do nosso Tejo differem das brumas de Londres e dos enxurdeiros do Tamisa. O que n'esse maravilhoso paiz, tão forte de tradição e tão simples e austero de administração, é bom, pode ser aqui prejudicial. E é o, como o pro-varei; essas innovações foram estragadas na sua essencia, abastardadas e corrompidas na sua transplantação, e