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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.º 12

EM 30 DE MAIO DE 1908

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Marquez de Sousa Holstein

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. Expediente. - O Digno Par Mattozo Santos requer que, dispensado o regimento, entre em discussão o projecto n.° 1, que isenta de direitos a importação de uma certa quantidade de centeio. Este requerimento é approvado, de dois do Digno Par Sebastião Baracho declarar que vota contra. Sobre o projecto discursam, os Dignos Pares Teixeira de Sousa, Ministro da Guerra, Sebastião Baracho, Mattozo Santos, Almeida Garrett, José de Azevedo Castello Branco, Luciano Monteiro, e novamente o Digno Par Mattozo Santos. Não havendo mais ninguem inscrito, é o projecto approvado. - O Sr. Presidente explica aos Dignos Pares Jacinto Candido e Conde de Bertiandos a razão porque lhes não concedeu a palavra na sessão anterior.- O Digno Par Almeida Garrett, que havia pedido a palavra para antes de encerrar a sessão, refere-se á questão das amnistias. - Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 20 minutos da tarde o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 24 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Officio do Ministerio da Justiça sobre requerimentos tio Digno Par Sr. Francisco José Machado.

Para a secretaria.

Officio do Ministerio do Reino enviando copia da deliberação da Camara Municipal de Lisboa sobre melhoramentos da capital, em resposta a um requerimento do Digno Par Sr. Palmeirim.

Para a secretaria.

Officio do Ministerio da Justiça sobre requerimentos do Digno Par Sr. Sebastião Baracho.

Para a secretaria.

O Sr. Mattozo Santos: - Sr. Presidente : está pendente da resolução d'esta Camara um projecto de lei cuja urgencia se evidencia. Trata-se de uma questão de alimentação publica.

Peço, pois, a V. Exa. que se digne consultar a Camara sobre se permitte que, dispensando-se o regimento, esse projecto entre desde já em discussão. É o que se refere á importação de centeio com isenção de direitos.

O Sr. Sebastião Baracho: - Devo dizer a V. Exa. e á Camara que protesto contra este expediente de ser dispensado o regimento, quando ha assuntos importantissimos a tratar, alguns que ficaram pendentes da sessão anterior e que seguramente não podem continuar abafados, que é o peor de tudo.

Devo dizer a V. Exa. que voto contra a proposta e protesto contra taes expedientes, que se me afiguram essencialmente tumultuarios.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Os Dignos Pares que approvam a proposta do Sr. Mattozo Santos queiram levantar-se.

Depois de verificar a votação:

Está approvada, e vae ler se o parecer para entrar em discussão.

Foi lido e é do teor seguinte:

PARECER N.° 1

Senhores.- A vossa commissão de agricultura examinou o projecto de lei vindo da Camara dos Senhores Deputados que autoriza o Governo a permittir a importação para consumo, isenta de direitos, de 2.000:000 de kilogrammas de centeio. A necessidade de tal providencia impõe-se: escasseia centeio nos centros de consumo e pelo que e offerece pedem-se elevadissimos preços.

A importação para consumo dos 2.000:000 de kilogrammas que se propõe travará as exageradas exigencias dos detentores do centeio nacional, os quaes se verão obrigados a trazê-lo aos mercados e a nivelar os seus preços ao preço pelo qual possa vender-se no país o centeio estrangeiro.

Sobre os 2.000:000 de kilogrammas de que se pede a importação haverá, pois, ainda a contar com o remanescente nacional, o que será sufficiente para abastecer o mercado.

Limitada a quantidade e limitado o periodo de importação estio resalvados os interesses da agricultura; determinando-se que a importação se faça por intermedio do Mercado Central de Productos Agricolas, fica o consumidor a coberto de qualquer especulação que, dada a relativamente pequena importação, e, portanto, possivel assambarcamento, não poderia, confiar se na concorrencia para combatê la.

Pelo preço por que actualmente se vende o centeio estrangeiro, acrescido de despesas de transporte e outras, não seria possivel trazê-lo ao país por modo a fornecê-lo em condições de preço supportaveis para as classes que principalmente se alimentam d'este cereal, sobrecarregando a importação com qualquer direito: ou não viria, ou se viesse, o que não é crivei, não alliviaria as actuaes condições do consumo.

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E nada perde o Thesouro com a isenção proposta: o que é certo é que a não ser assim nenhum centeio se importaria.

Entende pois a vossa commissão que deve ser approvada a proposição de lei.

Sala das sessões da camara dos Dignos Pares do Reino, em 27 de maio de 1908. = Arthur Hintze Ribeiro = Conde de Villar Secco = Conde de Bertiandos = Luiz Rebello da Silva = José de Azevedo Castello Branco = Fernando Mattozo Santos (relator).

PARECER N.° 1-A

Senhores.- A vossa commissão de fazenda concorda com a commissão de agricultura relativamente ao projecto de lei n.° 8, que autoriza a importação livre de direitos de 2.000:000 de kilogrammas de centeio estrangeiro.

Sala das sessões da Camara dos Dignos Pares do Reino, em 27 de maio de 1908.= Moraes Carvalho = F. Beirão = Pereira de Miranda = Frederico Ressano Garcia = J. de Alarcão = F. F. Dias Costa = Conde de Villar Secco.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 8

Artigo 1.° É autorizada, até 30 de junho do corrente anno, a importação, pelas alfandegas do continente, com isenção de direitos, de 2.000:000 kilogrammas de centeio estrangeiro.

§ unico. A importação a que se refere este artigo e a distribuição do cereal que for importado, para satisfazer as necessidades da alimentação publica, serão feitas por intermedio do Mercado Central de Productos Agricolas.

Art. 2.° Depois de 30 de junho do corrente anno, o centeio estrangeiro continuará a pagar o actual direito de importação de 16 réis por kilogramma, nos termos da respectiva pauta em vigor, o qual, por effeito do artigo precedente, fica suspenso até a mesma data inclusive.

Palacio das Côrtes, em 25 de maio de 1908 .= Libanio Antonio Fialho Gomes = Amandio Eduardo da Motta Veiga, 1.° Secretario = Antonio Augusto Pereira Cardoso.

O Sr. Teixeira de Sousa: - O projecto que se discute é muito simples na apparencia, mas tem um grave significado.

Não é um projecto politico nem administrativo, não é um projecto financeiro, não interessa ao desenvolvimento do dominio colonial nem ao incremento da economia publica; é um projecto contra a fome.

E nisto mesmo está a gravidade da sua significação, que não deriva das suas disposições nem dos seus intentos, mas das circunstancias que levaram o Governo a trazer ao Parlamento o pedido de autorização para se permittir a importação, livre 'de direitos, de 2 milhões de kilogrammas de centeio; para matar a fome dos povos que habitam as regiões fronteiriças, sobretudo do norte do país.

É a confirmação, em parte, do que, ha dias, eu disse neste mesmo logar, referindo-me ao momento difficil que a sociedade portuguesa atravessa, derivado da má situação internacional criada pelos acontecimentos dos ultimos tempos, do regimen colonial em abandono, com uma divida enorme, das finanças em graves difficuldades, de um estado politico interno que não é tranquillizador e, ainda, de um estado economico verdadeiramente deploravel.

O commercio está abatido, as industrias, sobretudo a dos algodões, não teem onde collocar os seus productos, os hoteis estão vazios, o trafego dos caminhos de ferro diminue, os vinhos estão nas adegas, as aguardentes em poder dos fabricantes, o Douro agoniza, o regimen monetario é puramente artificial, e, para que nada falte a este triste quadro, não ha pão para comer!

Fez-se uma larga importação de trigo ; publicou-se, ha dias, um decreto reduzindo de 18 para 6 réis o direito de 20 milhões de kilogrammas de trigo exotico, e já hoje nos pedem autorização para se importarem, sem direitos, 2 milhões de kilogrammas de centeio!

É uma situação alarmante, e para ella chamo a attenção dos que me ouvem.

Eu não impugno o projecto, antes lhe dou o meu voto. Mas quero que a situação se esclareça, para que cada um fique com as responsabilidades de se não remediar o mal que está bem á vista.

De que vive a nação?

Os tres grandes factores da riqueza publica estão em difficuldades serias.

As industrias, criadas á sombra da pauta de 1892, estão lutando com graves embaraços para a collocação dos seus productos, vendo-se na necessidade de reduzir a laboração das fabricas, com a correspondente redacção de salarios.

Foi bem? Foi mal?

Agora só é preciso saber que as industrias se desenvolveram, comprometteram capital e educaram forças, e que actualmente não teem mercado para os seus productos.

O commercio de exportação não é prospero; o commercio dos lojistas soffre muito, sobretudo em Lisboa.

A agricultura produz vinho em excesso, o que constitue uma crise grave, mas não produz o pão nem a carne em quantidades sufficientes para a alimentação publica.

Se o país u ao é industrial como a Belgica; se o commercio o não enriquece como na Inglaterra; se a agricultura atravessa uma crise difficil, como é que nós poderemos viver nestas circunstancias?

Ninguem póde contestar as affirmações que faço, e que me levam a reconhecer que é preciso tratar com urgencia e energia das grandes questões que interessam á economia publica. É o que a nação principalmente requer.

É necessario reformar a Constituição, sobretudo para se evitar a reincidencia na ditadura, que deixou na nossa historia manchas de sangue, que jamais se apagarão, e ainda para evitar as caprichosas dissoluções e adiamentos das Côrtes; convem melhorar o systema eleitoral para que a Camara dos Senhores Deputados possa, tanto quanto possivel, representar a vontade e o sentir da nação; é indispensavel reformar a lei de imprensa, por todos condemnada na mesma occasião em que foi discutida; é indispensavel collocar a Camara dos Dignos Pares em circunstancias de com ella poderem viver Governos que obtenham maioria na Camara dos Senhores Deputados; não podem ficar como estão o Juizo de Instrucção Criminal nem a lei de 13 de fevereiro.

É certo isso. Tudo isso é necessario, mas não nos façamos illusões a respeito dos seus resultados, que serão absolutamente inanes para animarem o commercio, para darem sahida aos productos industriaes, para a collocação dos vinhos e para a producçao do trigo, do milho, do centeio e da carne necessarios para a alimentação publica e para se levantaro país das condições de verdadeira pobreza em que elle se encontra.

Não são allegações gratuitas as que faço.

Comprovo-as com a eloquencia dos numeros estatisticos, que convem nunca deixar perder de vista.

No anno de 1905, á que se refere a ultima estatistica publicada, as importações de gado suino e vacum excederam as exportações no valor de 826 contos de réis, sendo 208 contos de réis do primeiro e 518 contos de réis do segundo.

E querem que Portugal seja considerado um país agricola e como tendo a agricultura cuidada!

A agricultura do país nem sequer produz carne para comer!

Dos povos da Europa, só a Inglaterra, a França e a Belgica importam carne para a alimentação dos seus habitantes, e esses não soffrem como nós, porque não fazem da agricultura a base da sua riqueza.

Isto que se dá em relação á carne, acontece, em maior escala ainda, nos cereaes e nos farináceos, que, com a

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carne, constituem a base- da alimentação publica.

Os algarismos estatisticos referentes a estas importações são desoladores.

No anno de 1905 importaram-se 9:601 contos de réis de cereaes e farinaceos, sendo 26 contos de réis de cevada em grão, 262 contos de réis de cereaes não especificados, 1:819 contos de réis de milho em grão, 5:106 contos de réis de trigo, em grão, 2:388 contos de réis de farinaceos.

Esta ultima verba comprehende 1:562 contos de réis de arroz.

Corrigida a cifra de 9:601 contos de réis com a de 767 contos de réis, representativos dos cereaes e farinaceos exportados, o país teve um deficit d'estes generos no valor de 8:933 contos de réis.

O deficit em cereaes, farinaceos e gado suino e vacum foi de 9:757 contos de réis.

Ahi está o que é a agricultura do país e que se manterá, se não sairmos, e rapidamente, dos principies abstractos da politica para a resolução dos grandes problemas que interessam ao desenvolvimento da riqueza nacional.

Derivará tão grande deficit do aumento da população?

Não, decerto. Até nisso o nosso país está pobre: Uma nação vale tanto mais quanto maior for a sua população e quanto mais produzir. A população segue o caminho da producção. Não havendo trabalho, nem pão para comer, o resultado é a emigração.

O excesso de nascimentos, referido ao anno de 1900, sobre os óbitos, é representado por 54:915, ou por 1,09 por cento do numero de habitantes no continente, ou sejam 5.016:000.

Mas representa esta percentagem o aumento de população, embora seja pequeno ?

Não. Aquelle aumento é fortemente corrigido pela emigração.

A emigração no anno de 1907 foi de 31:314 individuos do continente. O aumento de população foi realmente de 23:601 individuos, feita a deducção dos que emigraram. O aumento de 1,09 por cento torna-se no de 0,47 por cento. Não ha, pois, aumento sensivel de população; o trabalho produzido não dá sequer para a alimentação publica, carne, cereaes e farinaceos.

é a crise economica, no seu aspecto mais grave, e a que é preciso acudir com urgencia e energia, a fim de evitar males maiores. Este estado deriva da emigração e da extensão dos incultos, que se completam e auxiliam na sua acção. Existem no país cêrca de 4,5 milhões de hectares de terrenos incultos ou cêrca de 50 por cento da superficie do que possuimos no continente europeu. Abaixo de Portugal, no que toca á extensão dos incultos, só a Russia, a Grecia, a Suecia e a Noruega.

Tal é a situação, e bem grave no seu significado. Lagrimas e invectivas, discussões apaixonadas da politica o ataque aos partidos e aos seus homens, não arroteam terras, não fazem prados, não supprem o deficit do que á nação falta em carne, pão e farinaceos.

É preciso cuidar seriamente da economia da nação. Citamos todos os dias os exemplos vindos da Italia, como sendo de uma administração modelar.

Tambem a Italia teve, como nós, uma crise financeira; tambem teve o agio do ouro elevado, traduzindo um profundo desequilibrio na balança economica.

De tudo triumphou, graças á collaboração sincera dos homens de todos os partidos, sem exclusão do republicano. Mas a Italia cuidou da sua economia, procurando deixar de ser tributaria das nações estrangeiras.

Assim promulgou medidas attinentes a aumentar a producção do açucar, dos cereaes, dos farinaceos, da seda, do gado vacum,' de tudo quanto o solo italiano era susceptivel de produzir.

Entre nós é isso indispensavel ainda para caminharmos para o restabelecimento da circulação metallica; é preciso aumentar as exportações, o que não está inteiramente na nossa mão, e reduzir as importações do que o solo português pode produzir, seja na Europa, seja nas colonias, o que é unicacamente comnosco.

Ha na balança commercial um forte desequilibrio, embora consideravelmente corrigido nos seus effeitos pela importação de ouro do Brasil, mas muito fica ainda. O país importa do estrangeiro, exceptuando o das colonias - da Madeira e dos Açores - 25:000 toneladas de açucar; importa 1:500 contos de réis de arroz, podendo produzi-lo, e sem os inconvenientes hygienicos que outrora se attribuiam á sua cultura; importamos trigo, milho, centeio, cevada, aveia, mas conservamos, como exemplo da nossa inercia, 50 por cento de terrenos incultos!

Contra isso é preciso reagir com a intervenção do Estado e auxiliando a iniciativa particular.

É preciso modificar o regimen da propriedade, dividir os latifundios, incitar ao seu arroteamento, fazer trabalhos de hydraulica agricola, que favoreçam a irrigação, que é indispensavel para as pastagens, promover o credito agricola, assente em processos simples, restringir o plantio das vinhas, promover a arborização do país e desamortizar os bens da Companhia das Lezirias.

E, por fim, extirpar o cancro que roe profundamente todas as disponibilidades monetarias: a divida fluctuante. A divida fluctuante, em cerca de 76:000 contos de réis, leva para o Thesouro as disponibilidades do Banco de Portugal, as da Caixa Geral de Depositos e Instituições de Previdencia, as do Montepio Geral e dos particulares, que encontrando facil e rendosa collocação para os seus capitães no Thesouro publico os não applicam ao credito agricola nem á agricultura. A questão economica e a financeira impõem se com uma desoladora evidencia. O projecto que se discute é destinado a baratear o centeio nas regiões fronteiriças. Voto-o por excepção, em materia de isenção de direitos; voto-o em nome de uma grande necessidade publica. A isenção de direitos é um constante desfalcamento das receitas do Thesouro, um ataque aos principios proteccionistas do nosso regimen economico. Por um lado aumentaram se os direitos de importação, a fim de se dar incremento ás industrias nacionaes; pelo outro os poderes publicos todos os dias concedem isenção de direitos para mercadorias e artefactos que vêem fazer grave concorrencia á industria nacional, desfalcando as receitas publicas em centos de contos. É preciso revogar as leis que concedem isenção de direitos, seja para o que for, conservando a franquia para o Corpo Diplomatico e para a execução de contratos. Voto o projecto e se não receasse demorar a sua approvação proporia uma modificação á lei de 14 de julho de 1899, a fim de poder applicar-se ao centeio o mesmo regimen applicado ao milho.

Falando do milho, occorre-me o milho colonial, cuja producção em Cabo Verde é importante, e que em Moçambique é já muito valiosa. Dá se agora uma anomalia economica que é preciso expurgar, se é que temos qualquer noção do interesse colonial. Nos termos da pauta, o milho colonial, pagando metade do direito nella fixado, paga 9 réis por kilogramma. Ha semanas o Governo, permittiu a importação de 20 milhões de kilogrammas de milho, com o direito de 6 réis. Só por equidade é que o milho colonial pagará 3 réis por kilogramma, quando o Governo assim o resolver. Pergunto: não seria preferivel ter em conta o milho colonial, procurar favorecê-lo no direito por maneira a ser preferido nestas occasiões em que o milho nacional não chega para a alimentação publica? Por um lado queixamo-nos de que as colonias não produzem, pelo outro acontece, como agora, que os productores de milho colonial o offerecem sem poderem vendê-lo.

São assuntos que deixo á consideração do Sr. Ministro das Obras Publicas, cuja intelligencia, cujo saber e

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cuja honestidade de processos administrativos conheço e admiro, como meu antigo companheiro de trabalho, certo de que o Sr. Calvet de Magalhães, demorando-se no Governo, mais illustrará ainda o seu nome. (Vozes: - Muito bem).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Sr. Presidente: V. Exa. e a Camara decerto calculam que eu não pedi a palavra para proferir nesta occasião um discurso economico e financeiro em resposta ao que acaba de pronunciar o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa. Mas como as circunstancias me levaram a representar hoje, nesta Camara, o Governo, algumas considerações vou apresentar em resposta ás do Digno Par.

Todos sabem que o país atravessa neste momento uma crise economica, financeira e politica.

O Sr. Conde de Arnoso: - E moral.

O Orador: - E tambem moral effectivamente.

S. Exas. sabem tambem que estas crises, principalmente nas condições em que nos encontramos, se não podem resolver de um momento para o outro. E necessaria uma acção persistente por parte dos varios Governos que se succedam no poder, e bem orientada.

A Italia encontrou-se tambem em circunstancias precarias, mas não foi só um Governo ou um só partido que venceu essas difficuldades.

Decerto que o Digno Par não exige que este Governo remedeie de pronto os males que teem uma origem remota. Pena tenho eu de que assim não possa acontecer.

O Ministerio que está actualmente no poder, e a que eu me honro de pertencer, trabalha o melhor que sabe e pode, confiado em que o Parlamento lhe prestará o seu valioso concurso, a fim de ser resolvida essa crise, que não é do Governo, que é do país e, por conseguinte, de todos nós.

O Digno Par referiu-se a varios assuntos, e alludiu á questão dos vinhos do Douro.

Essa questão é d'aquellas em que o Parlamento tem de se pronunciar.

O projecto referente ao Douro tem de ser submettido á apreciação do Parlamento, e V. Exas. poderão introduzir-lhe as modificações que julguem convenientes.

Com as outras questões dá-se o mesmo caso.

O Digno Par referiu-se tambem ao novo contrato com o Banco de Portugal, e mostrou a necessidade que ha de transformar esse estabelecimento em um banco agricola. V. Exa. comprehende que não é esta a occasião mais propicia para se realizar tal transformação.

Mas, em todo o caso, seja como for, esse contrato virá á discussão, e nelle serão introduzidos os preceitos que o Parlamento entender.

Como já disse, dá se caso identico com todas as outras questões a que o Digno Par se referiu.

Concordo com S. Exa. em que a questão economica e a questão financeira devem sobrelevar á questão politica; comtudo, essa opinião não é geral, conforme a pratica tem demonstrado.

Quanto ao projecto que estamos discutindo, parece-me que ninguem pode contestar a sua necessidade.

Sr. Presidente: ha um ponto em que eu não estou de acordo com o Digno Par; é o que diz respeito á isenção de direitos. Eu entendo que tudo quanto é importado pelo Estado, e que se não produz no país, não deve pagar direitos de importação.

Termino por aqui as minhas considerações, pedindo desculpa á Camara do tempo que lhe tomei, e ao Digno Par me releve se não satisfiz a todos os pontos que S. Exa. versou.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Sebastião Baracho: - Reconhecem o Sr. Ministro da Guerra e o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa que ha necessidade de fazer reformas de caracter politico ; más, simultaneamente, entendem que não serão ellas que melhorarão a situação economica do país, cuja crise, de caracter geral, é patente e manifesta.

Pela minha parte, estou de acordo com a necessidade nas reformas politicas, por mim advogadas persistentemente. Reputo, porem, ao invés do Sr. Ministro da Guerra e do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, que só d'ellas pode dimanar o resurgimento da vida nacional, nas suas varias affirmações.

Oitenta longos annos de Carta outorgada, isto é, de falseamento da vida politica, deviam convencer os mais scepticos de que esta seria, sincera e descentralizadamente exercida, a base primordial da regeneração do pais.

Presto da melhor vontade homenagem aos meritos e bons desejos de acertar do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, que é seguramente um dos mais estudiosos membros d'esta Camara. Mas esta minha justa apreciação não impede que divirja do norteamento do Digno Par, nas questões politicas, economicas e financeiras. É divergencia de longa data; é, por assim dizer, o corollario do meu isolamento politico.

O Sr. Conde de Bertiandos: - Mais vale só do que mal acompanhado.

O Orador: - Eu ainda sou mais exigente. Modifiquei, para meu uso, o adagio, nos seguintes termos : - Mais vale só do que mal ou bem acompanhado.

Nas circunstancias em que me encontro, já estou pouco apto para novas entradas. As saídas estão-me naturalmente indicadas. Nestas minhas condições de autonomia, cumpre-me assegurar que a crise em que vivemos não é unicamente agricola. É de ordem muito mais extensa, consoante o consigna a moção de ordem que passo a ler:

MOÇÃO DE ORDEM

A Camara reconhecendo que a crise não é unicamente agricola, mas tambem politica e administrativa, nos seus differentes ramos, considera de inilludivel necessidade todos cooperarmos; na ara do patriotismo, para a normalização da existencia nacional; e continua na ordem do dia. = Sebastião Baracho.

A crise politica e de administração não admittem seguramente duvidas. E assim que, a despeito das minhas instancias e iniciativas de ha longos annos, não se discutem desde 1904 o orçamento e correlativas propostas constitucionaes de fixação da força publica e do contingente de recrutas.

Não obstante o artigo 7.° do terceiro Acto Addicional de 3 de abril de 1896 estatuir que. nos primeiros quinze dias depois de constituida a Camara dos Senhores Deputados, o Governo lhe apresentará o orçamento e as concomitantes propostas constitucionaes, o Sr. Ministro da Marinha só hontem mandou para a mesa. na outra casa do Parlamento, a proposta concernente á fixação da força naval.

Eu peço e insto com o Sr. Ministro da Guerra a fim de dar preferencia, para a discussão, ás propostas relativas á fixação da força publica, e ao contingente de recrutas. Esta ultima, especialmente, representa o tributo de sangue, o mais pesado de todos os impostos, cuja distribuição o Parlamento não faz, com infracção evidente da lei, ha proximamente quatro annos. Não pode, nem deve ser.

A crise politica patenteia-se intensamente, conforme o demonstrei quando discuti a resposta ao Discurso da Coroa.

De então para cá, dois factos a vieram ainda aggravar. O projecto do bill de indemnidade, elaborado nos termos mais deploraveis, e a proposta, acêrca dos adeantamentos illegaes á Real Fazenda, e que estabelece cumulativamente a nova lista civil. É inacreditavel que se recorresse a tão condemnavel promiscuidude; e, todavia, ella existe. É um facto consummado.

A crise que nos assoberba é ainda a do tino, a do juizo e a do são criterio nos homens publicos, mormente nos que dirigem a nau do Estado. Tenha-se presente o succedido no dia 27 der-

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radeiro. A manifestação academica encontrou, como tudo deixava prever,
contra-manifestantes da mesma origem e procedencia.

As affirmações aqui feitas pelo Sr. Ministro da Justiça, ás 5 horas da tarde d'esse dia, comprovam esta asserção; e outro tanto resalta dos officios do commandante da policia civil, insertos no Diario do Governo de hoje.

Em 18, de Junho do anno passado, os partidos rotativos contra-manifestaram na estação da Avenida,, no regresso do Porto, do chefe do Governo de então. Não lhes devia, por isso, causar estranheza que tivessem feito escola, cursada agora pelos academicos, em divergencia que já vem de trás, com os da romaria monarchica. E o peor é que o Governo é cumplice nestes deploraveis acontecimentos, por ter dado feriado naquelle dia, facilitando o embate entre os dois grupos, que se digladiam desde a parede academica de 1907.

Por mais de uma vez tenho affirmado, nos ultimos tempos, que não são os vivas nem os salamaleques que consolidam as Instituições. O cultivo da liberdade e a homenagem e pratica incessante do legalismo são as escoras hodiernas, que podem firmar regimens. Não quer isto dizer que deixem de fazer-se manifestações ao Chefe do Estado; mas sim que ellas se patenteiem em occasiões e locaes apropriados, sem que despertem conjuntamente antagonismos e divergencias, em todo o ponto nocivos e prejudiciaes.

É indispensavel não esquecer que o Chefe do Estado não é um chefe de seita. Não é o chefe dos monarchicos, é o chefe da nação, na qual todos os cidadãos teem iguaes direitos a gozar de identicas garantias.

A estrada larga a seguir está devidamente indicada no epitaphio de Augusto Comte, que eu, em tempo citei nesta Camara, e que elle proprio traçou. Ei-lo:

O amor, por principio; a ordem, por base; e o progresso, por fim.

Não é, porventura, um epitaphio, é verdadeiramente um programma, cuja execução nos nobilitaria, e produziria, por certo, a regeneração nacional.

Prudentemente me referi ás occorrencias motivadas pela romagem academica, cuja apreciação, de momento, exaltou os espiritos, o que não admira. A irritação que caracteriza o ambiente que respiramos tem conduzido a extremos, que é indispensavel que se não repitam, em proveito geral

As formulas odiosas outrora adoptadas na governação publica teem de ser completamente enjeitadas. A situação que atravessamos é por tal forma dolorosa e funebre que não admira que eu, depois de citar o epitaphio de Augusto Comte, recorde o epitaphio de Sevlla. Aquelle, para ser seguido integralmente; o o.utro, para ser repudiado in limine.

No seu retiro de Cumes, Scylla, um anno antes de morrer, escreveu, repito, o seu epitaphio, que era d'este teor:

Ninguem fez maior bem aos seus amigos, nem maior mal aos seus inimigos.

Isto era o norteamento de um ditador, setenta e cinco annos antes de Christo.

Com o decorrer do tempo, a formula adoçou-se, naturalmente; e assim, na vigencia do cabralismo, era ella por este modo expressada:

Para os amigos favor; para os inimigos justiça.

É esta, Sr. Presidente, é a justiça que hoje deve irradiar, perante a Civilização, por todos os cidadãos, sem discrepancias, - sem excepções.

Posto isto, vou entrar propriamente na analyse do projecto, começando por lembrar o proverbio:

Casa onde não ha pão, todos ralham e todos teem razão.

Notarei que a falta não é só de centeio, é tambem de trigo e de milho.

A importação autorizada do trigo eleva-se a 80 milhões de kilogrammas; a do milho a 20 milhões, e a do centeio a 2 milhões. Consoante se observa, razão tinha eu para dizer que o centeio é um cereal de baixa categoria. Na propria importação dos cereaes, elle occupa o terceiro logar. A mesma qualificação lhe compete, perante o trigo e perante o milho, que são gramineas mais reputadas. Até a cevada produz melhor pasto, e é preferida para o fabrico da cerveja.

Classificando o, porem, como cereal de baixa categoria, não o quis por principio algum prejudicar - pode crê-lo o Digno Par Sr. Conde de Bertiandos. ..

O Sr. Conde de Bertiandos: - Eu tenho muito amor ao centeio.

O Orador: - É nisso precisamente que V. Exa. se distingue de Augusto Comte. V. Exa. tem muito amor ao centeio, e Augusto Comte tinha muito amor á humanidade.

A Camara electiva, para se distinguir d'esta casa do Parlamento, é denominada Camara baixa, sem que, por tal classificação, ella perca no seu reputado valor.

A designação de baixo cereal dada ao centeio provem de elle constituir alimentação preferente das classes desvalidas, intituladas tambem, sem o minimo desdouro, classes baixas.

E justificada por esta forma a minha asseveração da sessão passada, que dispertou o aparte do Sr. Conde de Bertiandos, lamento que o Digno Par não tenha sido tão pronto quanto eu o fui agora, em desculpar, pelo menos, a sua aversão pela marca official, gratuita e obrigatoria, como garantia dos vinhos genuinos, para exportação.

Na sessão de 23 de abril de 1902, levantei eu esse reparo, que renovei nas sessões de 9 de fevereiro de 1904, de 10 de novembro do mesmo anno, e de l5 de abril de 1905.

O Sr. Conde de Bertiandos: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Pois não.

O Sr. Conde de Bertiandos: - Não julgo a marca official sufficiente para evitar a fraude. Nos cavallos onde se põe a marca? É no cavallo.

O Orador: - Pudera. Havia de ser no cavalleiro?

O Sr. Conde de Bertiandos: - Com os vinhos não succede outro tanto. A marca
põe-se no tonel e não no vinho. E, por isso, facil é a adulteração, conforme se tem patenteado no Brasil.

O Orador: - Pois é positivamente por a marca official não estar adoptada que a falsificação se executa facilmente. Demais, a citação do Brasil não colhe. As mixordias para ali exportadas não, se teriam feito se a marca official existisse, e fosse empregada e imposta, como devia ser, no despacho alfandegario.

A adopção de semelhante medida obstaria ás adulterações que hoje se praticam, e que não são susceptiveis de ser perseguidas no estrangeiro, porque não tem autoridade para pedir repressão quem é useiro e vezeiro em preparar mixordias similares.

Para combater com efficacia a crise vinicola, que alastra por todo o país, ha de ser preciso recorrer á vigorosa therapeutica da marca official regional, gratuita e obrigatoria, e conjugá-la com a perseguição da fraude, em todas as suas manifestações, e com a prohibição absoluta do emprego da aguardente industrial para a lotação dos vinhos.

Advogo ha annos o appello para estas medidas, que eu reputo redemptoras, e applicaveis a todas as regiões vinicolas do país. Não tenho sido ouvido; mas afigura-se-me que está mais proximo a sua adopção do que poderia julgar-se

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6 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ainda ha pouco tempo, perante os calorosos protestos dos recalcitrantes.

Dito isto, Sr. Presidente, seja-me licito chamar a attenção de V. Exa e da camara para o facto de ter sido autorizada em ditadura, por decreto de 17 de maio de 1900, a ultima importação realizada de centeio. O proemio da proposta ministerial em discussão, regista a occorrencia, sem para ella pedir o bill de indemnidade correspondente.

Já ha dias citei, e hoje insisto em recordar, que no projecto de lei renovado em 26 de outubro de 1906, respeitante ao caminho de ferro do Valle do Vouga, foi o Governo, presidido por Hintze Ribeiro, relevado da responsabilidade em que incorreu pela publicação do decreto ditatorial de 2 de maio de 1904, referente á concessão de varias linhas ferreas na provincia do Minho.

Não foi agora adoptado esse correcto expediente, o que produz esta minha succinta mas justa observação.

Enunciada ella, passo a apreciar definitivamente a proposta em debate, notando que a camara electiva lhe fez varias modificações. Ei-las:

Precisou em 2 milhões de kilogrammas o centeio a importar, cuja porção não era determinada primitivamente;

Isentou completamente de contribuição o genero a importar;

Alterou de 31 de julho para 30 de junho o prazo destinado á importação;

E estatuiu que ella se realize, com a respectiva distribuição, por intermedio do Mercado Central de Productos Agricolas.

Attenta a crise de miseria predominante, estou perfeitamente de acordo em que a importação se effectue livre de direitos, se o sacrificio pecuniario que ella representa, para os cofres publicos, aproveitar aos necessitados que de centeio se alimentam.

Quanto á porção indicada de 2 milhões de kilogrammas, não sei se ella corresponderá ás necessidades occorrentes; e, em taes condições, desejaria que me esclarecessem sobre a materia.

Dada a designação do numero de kilogrammas de centeio a importar, mal se explica a reducção do periodo para esse objecto, de 31 de julho para 30 de junho. Pelo contrario, parece , que o prazo mais largo seria mais recommendavel, porque facilitaria a concorrencia e com ella a diminuição de preço.

Quanto á. intervenção do Mercado Central de Productos Agricolas, não sei e desejo saber em que termos ella se effectiva.

Opera elle como comprador?

Mas em tal caso excede as suas attribuições organicas, mal collocando o Governo de que é delegado.

Procede simplesmente como distribuidor do genero adquirido por terceiros?

Afigura se me que, em tal qualidade, a sua acção tem mais de ficticia do que de realmente util.

As objecções que a urdidura emmaranhada do projecto me despertaram, conduzem-me naturalmente a julgá-las era condições de elle não satisfazer ao objectivo que visava.

Isto, porem, não obsta a que eu faça votos por que elle mitigue, tanto quanto possivel, as agruras correntias das classes menos abastadas.

A situação, na verdade, do país, sob o ponto de vista economico e commercial, é pouco menos de aterradora.

A crise agraria patenteia-se no vinho, pela sua super abundancia; e, nos cereaes, pela sua accentuada escassez.

A par d'isto, a carne, outro genero de primeira necessidade, e cujo preço é elevadissimo, escasseia igualmente no mercado.

Os monopolios mais ou menos disfarçados, e nomeadamente o do pão e da carne, esmagam completamente o consumidor,

Bom serviço faria ao país quem d'elles o resgatasse. A sua existencia, porem, é infelizmente harmonica como o hodierno viver social, nas suas outras especialidades, formando com ellas um conjunto ou bloco: deploravel pela sua exteriorização,- deploravel pelos seus funestos effeitos.

Tal é a quadra acabrunhante e decadente que o país. neste calamitoso momento, atravessa.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Mattozo Santos: - Acêrca do projecto em ordem do dia, apresentou o Digno Par Sr. Sebastião Baracho algumas considerações de ordem geral, mas S. Exa. não deixou de reconhecer que a adopção d'esta providencia correspondia a uma necessidade, visto que urge prover de remedio á crise que affecta principalmente a região fronteiriça do norte do país, região onde mais especialmente se consome o centeio.

Não ha a menor duvida, de que são perfeita e absolutamente fundamentadas, e de todo o ponto innegaveis, as considerações apresentadas pelos Dignos Pares Srs. Sebastião Baracho e Teixeira de Sousa.

É certo, infelizmente, que nos atravessamos um momento difficil, e como de outro igual não tenho memoria na minha já longa carreira publica.

Experimenta-se um mau estar, sente-se um receio, espera-se qualquer cousa de anormal.

De onde, e porque?

Mas o facto não é singular; este estado do espirito publico não é privativamente nosso.

Por toda a parte se nota incerteza, indecisão: como se a evolução social procurasse definir-se, sem encontrar á estrada por que enveredar.

Em nós accentua-se mais este modo de ser, por virtude de circunstancias especiaes. que se relacionam talvez com as" nossas condições ethnicas, e as nossas tradições historicas.

Meridionaes, aquecidos por um sol esplendido, brilhando num firmamento de limpidez inexcedivel, deixamos expandir o espirito despreoccupado nesta tepida atmosphera, e a esta vivificante luz.

As difficuldades, o declinar d'estes gozos, o que d'isso inferir para o dia de amanhã, vemo-lo com o risonho colorido dos nossos crepusculos - vemo-lo côr de rosa.

Vivemos dia a dia sem previdencia, confiando na providencia. Amanhã Deus dará; o futuro a Deus pertence.

Habituados seculos a viver das riquezas que os nossos intrepidos descobridores iam arrancar a longinquas paragens, abandonamo-nos ao facil mas inconsiderado quietismo de gozarmos sem esforço, sermos ricos sem trabalho.

Não eram taes condições as mais proprias para criar e robustecer a iniciativa individual.

Tudo pedimos ao Governo, tudo reclamamos dos Governos, sem nos lembrarmos de que, nem é sua missão, nem quantas vezes não pode, não tem meios de attender as queixas, de remediar os males.

Falta-nos iniciativa, escasseia-nos educação technica e profissional, e mais que tudo a educação civil. (Apoiados).

É indispensavel pensar nisto, congregarmos todos os nossos esforços para debellarmos estes vicios, que prejudicam e tolhem o nosso desenvolvimento.

Não é este o momento asado para dar desenvolvimento a estas considerações; em occasião opportuna versarei aquillo a que tão perfunctoriamente agora alludo.

Que a nossa situação exige a attenção de todos os que se preoccupam com o dia de amanhã, já foi dito e demonstrado.

Não temos carne, não temos pão, mas temos superabundancia de vinho.

Não temos que comer, mas temos que beber de mais.

As nossas industrias definham, e comtudo é necessaria a producção para as exigencias do mercado interno, e vemos reduzir-se o ambito dos antigos mercados consumidores.

De onde procede todo este mal?

Promana do péssimo regimen em que tem vivido a nossa industria e a nossa agricultura. (Apoiados).

Illudidas por um bem-estar de momento, deixaram-se seduzir uma e ou-

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SESSÃO N.° 12 DE 30 DE MAIO DE 1908 7

tra pelo que visivelmente era transitorio, ou restringiria o proprio exagerado afan em explorar.

Prova do que affirmo: só vemos o dia de hoje.

Não temos arroz, não temos pão, não temos carnes e temos 4 1/2 milhões de hectares incultos.

Leis antiquadas, que a moderna sciencia condemna, regulam ainda entre nós o regimen dos arrozaes; hoje, está pró vado, a cultura do arroz casos ha em que, longe de ser prejudicial, é benefica.

Ha 4 1/2 milhões de terrenos incultos, para o que o nosso regimen predial em grande parte concorre. (Apoiados).

Enormemente dividida ao norte, excessivamente concentrada no centro do país, onde principalmente esses incultos existem, vê-se como mal equilibrado deve estar o nosso regimen cultural.

Impõe-se a divisão d'estes largos dominios fundiarios, que, excessivos para os capitães de que a maioria dos seus proprietarios podem dispor, tem ahi a causa aã, sua improductividade. Ainda o systema de aforamento seria o mais rapido e melhor processo de realizar esta divisão.

Em 1901 foram presentes á Camara projectos no intuito de incitar á cultura do arroz, de regularizar o nosso regimen predial, difficultando a extrema divisão a que as nossas actuaes leis fiscaes incitam, e a facilitar a divisão da propriedade excessivamente accumulada.

Necessario, urgente, é voltar a pensar nisto.

Faltam, é certo, elementos indispensaveis para não proceder de leve em tão momentoso e vital assunto. Não te mós estatistica agricola; mal conhecemos as nossas condições culturaes.

Insisto e insistirei para que se monte aquelle serviço: o da estatistica agricola; e se proceda a estudos, se façam monographias culturaes e regionaes.

Sem este trabalho previo, pode discretear-se muito, apontar os males que todos reconhecemos, sentimos até; mas os remedios serão empiricos - quantas vezes inefficazes, se não contraproducentes.

E não menos do que o nosso regimen predial e cultural carece de se regulamentar o exercicio da industria, as condições da sua laboração, de modo a que o trabalho não afogue trabalho.

Não se receie com isso offender a liberdade. Liberdade não é cada um fazer o que quer, isso é licença: liberdade é cada um fazer o que deve. (Apoiados).

Se ha direitos, ha correlativamente obrigações: não é para uns só direitos, para outros só obrigações.

Esforcem-se todos, congreguem-se todos, e na desordem, principal mal que afflige o nosso modo de ser economico e social, que paralysa e entibia as forças productoras, e anarchiza os espiritos, procure-se pôr alguma ordem. Será, porem inutil todo o esforço que queira começar pelo fim. Principiemos pelo principio, e chegaremos mais depressa, e mais certeiramente, ao que todos desejamos.

É o projecto que se discute um symptoma do que acabo de dizer? É, por sem duvida, e ainda o é na serie de disposições que foi necessario nelle estabelecer.

Limita-se o tempo para a importação, limita-se a quantidade a importar porque necessario era que essa importação se fizesse rapidamente, rapidamente é necessario acudir ao mal; mas em quantidade apenas sufficiente para as necessidades, sobretudo para o effeito moral da proposta,, sem ,que possa de tal importação ficar remanescente que prejudique a proximo colheita.

Determina-se que o Mercado Central seja o intermediario para evitar se dêem factos como os relatados em telegramma que na ultima sessão o Digno Par Sr. Dantas Baracho leu á Camara. Ao mercado cumpre defender os interesses do consumidor, tanto quanto puder, evitando assambarcamentos que inutilizariam por completo os effeitos aos quaes visa a proposta. Certamente o Mercado Central manterá, se ao contrario o não obrigarem injustificadas exigencias, as meras funcções de intermediario, funcções que de resto estão1 perfeitamente na indole d'esta instituição.

É a proposição que se discute uma proposição de excepção; como tal deve ser apreciada e interpretada. Grande será a utilidade d'ella, maior que a de remediar o mal como se pretende, se levar ao convencimento de que devemos envidar todos os esforços para evitar a necessidade de taes meios. (Vozes: - Muito bem).

S. Exa. não reviu.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Digno Par Sr. Garrett; mas conforme o que determina o artigo 61.° do regimento, convido S. Exa. a apresentar a sua moção.

O que está em discussão é o projecto sobre a importação do centeio. Não é sobre o centeio que o Digno Par deseja falar?

O Sr. Almeida Garrett: - Desejo apresentar algumas observações acêrca do projecto sobre a importação do centeio e quero dizer algumas palavras acêrca do modo por que tem corrido a discussão.

O Sr. Presidente : - Nesse caso não se trata do artigo 61.° do regimento e tenho de dar a palavra a qualquer Digno Par porque, tenha precedido V. Exa. na ordem da inscrição.

O Sr. Almeida Garrett: - V. Exa. tem a bondade de me dizer a que horas termina a sessão?

O Sr. Presidente: - A sessão termina ás 5 horas e 25 minutos.

O Sr. Almeida Garrett: - Se não houvesse inconveniente, eu desejava falar sobre um assunto urgente, porque, provavelmente, tendo pessoa de familia doente, não poderei assistir á proximo sessão.

O Sr. Presidente: - V. Exa., por agora, tem a limitar as suas considerações ao projecto que está em ordem do dia.

O Sr. Almeida Garrett: - Quero dizer duas palavras acêrca do assunto em debate, e depois quero referir-me a uma questão, que chamarei pessoal.

O Sr. Presidente: - Queira o Digno Par apresentar as suas considerações sobre o projecto em ordem do dia, e eu opportunamente consultarei a Camara sobre o seu desejo.

O Sr. Almeida Garrett: - Concordo com o projecto, e dou-lhe o meu voto, dizendo minhas as considerações que sobre a necessidade da sua approvação já foram apresentadas pelos oradores que me antecederam no uso da palavra.

(S. Exa. não reviu}.

O Sr. José de Azevedo Castello Branco :- Tinha effectivamente pedido a palavra sobre o assunto em ordem do dia, não para estabelecer qualquer especie de preeminencia do centeio sobre o milho; mas porque, tratando-se de uma medida que se prende com a subsistencia publica, queria aproveitar o ensejo para renovar o meu appello ao Governo, isto é, pedir-lhe mais uma vez que olhe com desvelada attenção para tudo que se relaciona com a alimentação publica.

Tinha effectivamente pedido a palavra para me occupar de uma questão a que mais vezes tenho alludido; mas tratando-se agora de um producto alimentar, seria de mau gosto a reincidencia num acto que, porventura, iria transtornar o estomago da Camara.

Nestas circunstancias desisto de referir-me ao projecto em ordem do dia, e reservo-me para versar a questão da subsistencia publica quando de novo me chegue a palavra.

Por agora lembro a conveniencia de pedir á commissão encarregada de rever o regimento d'esta Camara, que use da sua iniciativa, porque os costu-

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8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

mes parlamentares vão se alterando de anno para anno, e esse regimento não é consentaneo com as exigencias do momento actual.

Peço ao Sr. Presidente que use da sua autoridade perante essa commissão, porque o regimento carece de uma profunda e reverendissima reforma.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Opportunamente se tratará do assunto a que o Digno Par alludiu.

Vae ler-se a moção apresentada pelo Digno Par Sr. Baracho.

Foi lida, admitiida e ficou em discussão juntamente com o projecto.

O Sr. Luciano Monteiro: - Não é meu intento demorar a approvação do projecto., e apenas pedir alguns esclarecimentos para poder votar com conhecimento de causa.

É evidente que não me recuso a acudir á situação difficil em que se encontram alguns povos, mas sabendo que se vae exigir do Thesouro um sacrificio de 32:000$000 réis, qual é a forma por que se na de chegar ao resultado que se deseja?

Em primeiro logar, quem é que importa o cereal?

Temos, em segundo logar, a limitação do prazo, que não excede o dia 30 de junho, quer dizer a importação com isenção de direitos só é permittida até esta data, vigorando d'ahi em deante o direito actual.

Todos nós sabemos que, para o preenchimento de certas praxes, algum espaço de tempo medeia entre a approvação do projecto aqui e a sua publicação no Diario do Governo; e todos nós sabemos tambem que uma lei qualquer só começa a vigorar algum tempo depois d'essa publicação na Folha Official.

Não podendo vir actualmente de Marrocos nem um grão de cereal, succederá que o transporte de centeio até Lisboa, vindo de qualquer outro ponto, não levará menos de 10 ou 11 dias, isto é não chegará antes de 25 de junho.

Se assim é, a que vem e para que serve este projecto?

Pois não coincide essa epoca da chegada do centeio com a das proximos ceifas, vindo prejudicar-se d'este modo a agricultura nacional?

E quem compra o cereal? É o Estado, ou são os particulares?

Se é o Estado que compra, e não quer ganhar nem perder, claro está que vende o centeio pelo preço do custo, addicionado das despesas do transporte.

Mas qual é o preço normal e regular por que o Estado deve vender?

Elle, orador, não sabe, porque o projecto o não diz.

Se o Estado vende o cereal pelo preço, do custo, addicionado das despesas de transporte, pode assemelhar-se a esses gananciosos, a esses detentores de que tanto se queixam as localidades.

E para que serve ser o Mercado Central o intermediario ?

A hypothese de autorizar a entrada do centeio no Mercado, impõe condições de varia natureza.

Estas condições podem ser de tempo, de logar ou de dinheiro.

Obriga-se o comprador do centeio a revendê-lo, por exemplo, com 2 réis de ganho, ou seja a 30 réis o litro?

Mas o projecto não expõe condições nenhumas.

O commerciante vae ao Mercado Central buscar qualquer quantidade de centeio; mas nada- o obriga a revendê-lo por um certo preço depois de o ter na mão.

O projecto está desacompanhado de elementos que me habilitem e, votar com conhecimento de causa, e por isso solicito esclarecimentos, que espero obter.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Mattozo Santos: - Repetirei o que já disse: a missão do Mercado Central será a de mero intermediario procurando obter por preços razoaveis o centeio que lhe seja requisitado.

Se as exigencias, porem, forem excessivas, terá de ser elle, mercado, o importador.

De esperar é, isto não seja necessario.

Pode obter-se hoje, posto no Tejo, centeio de Odessa e Nicokeff a 27 ou 28 réis o litro e de Hamburgo a 31 réis o litro.

De qualquer d'estas procedencias o centeio pode estar aqui antes do prazo fixado para a importação, o isto basta para que o projecto que se discute produza a sua acção moral, como de resto já produziu.

(Não havendo mais ninguem inscrito foi rejeitada a moção do Digno Par Sr. Baracho e approvado e projecto, tanto na generalidade como na especialidade).

O Sr. Presidente: - Como o Digno Par Sr. Almeida Garrett se inscreveu para tratar de um negocio urgente, e declara que esse negocio se justifica pela necessidade de completar o seu discurso da sessão anterior, consulta a Camara sobre se entendo que deva ser dada a palavra a S. Exa.

Aproveito tambem o ensejo para explicar que não concedi £ palavra na sessão anterior aos Dignos Pares Srs. Jacinto Candido e Conde de Bertiandos, já porque havia dado a hora de se encerrar a sessão, já por me parecer que S. Exas. não precisavam falar depois das explicações do Digno Par Sr. José de Alpoim.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

O Sr. Almeida Garrett: - A ultima vez que tive a honra de falar nesta casa disse que o homem não deve guiar-se somente pela cabeça, mas tambem pelo coração: um forma a base do outro e é seu complemento.

Mais disse que os castigos são muitas vezes necessarios, mas que devem ser acompanhados da possivel indulgencia.

Esta é a base e o principio fundamental do perdão e da amnistia de que tanto se fala.

E não compete somente aos imperantes amnistiar e perdoar, mas todos nós o podemos é devemos fazer.

E é assim que eu muitas vezes tenho procedido na minha vida particular.

Todavia, não deve abusar-se das amnistias, mas tão somente usar d'ellas quando as circunstancias o aconselham verdadeiramente.

Muito desejava falar ainda acêrca da imponente manifestação academica de Coimbra, e dos diversos incidentes que a acompanharam; por isso, lamento que seja dada a hora de se encerrar a sessão.

O Sr. Presidente: - A sessão seguinte será na segunda feira, 1 de junho, e a ordem do dia a continuação da que vinha para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 5 horas e 20 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 30 maio de 1908

Exmos. Srs. Antonio de Azevedo Castello Branco; Eduardo de Serpa Pimentel Marquês Barão de Alvito; Marqueses: de Avila e de Bolama, de Pombal e de Sousa Holstein: Condes: de Arnoso, de Bertiandos, do Bomfim, de Mar tens Ferrão, de Monsaraz, de Paraty, de Sabugosa, de Villar Secco; Viscondes: de Asseca, de Tinalhas; Moraes Carvalho, Pereira de Miranda, Eduardo Villaça, Teixeira de Sousa, Ayres de Ornellas, Palmeirim, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Veiga Beirão, Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Ressano Garcia, Almeida Garrett, Baptista de Andrade, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, José de Azevedo, Moraes Sarmento, José de Alpoim, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Sebastião Telles e Sebastião Dantas Baracho.

O Redactor,

JOÃO SARAIVA.

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