125
o Governo tem o direito de tomar pleno conhecimento dos capitães empregados pela Companhia na confecção das obras, e é só sobre esses capitães que se garante o juro e amortisação, e não sobre aquelles que por ventura a Companhia desbaratou ou desbaratar por sua má administracção.
Fundado nesta consideração e na observação de que no artigo 1.º do contracto se não define bem o modo por que devem ser executadas as obras, é o Conselho de opinião que os projectos de quaesquer obras que hajam de fazer-se devem ser previamente submettidos á approvação do Governo, para segurança do bom emprego dos rendimentos publicos, por meio dos quaes a Companhia vem a final a ser paga de todas as suas despezas e do juro dos seus capitães. A Companhia já tem submettido alguns projectos á approvação do Governo, mas convem que em qualquer accôrdo que se faça vá bem expressa essa condição, e bem assim a que se refere á fiscalisação do rendimento que a Companhia receber, o qual quanto maior for, mais diminue o onus do Estado, relativo á garantia dos 5 por cento sobre o capital empregado. Neste ponto importante sobre o modo de avaliar o capital empregado pela Companhia na feitura das obras, tem o Conselho tanta mais attenção e cuidado, porque, dependendo da exactidão com que elle é verificado e liquidado o onus resultante para o Thesouro Publico, vê o Conselho que a commissão nomeada por Portaria do Ministerio do Reino de 23 de Setembro de 1850, para examinar as contas da Companhia dos Canaes de Azambuja, no seu relatorio de 4 de Novembro de 1850 avalia o capital empregada pela Companhia até ao fim de 1849 em toda a importancia das entradas dos accionistas, isto é, 308:000$000 réis, em quanto que o Inspector geral das obras publicas na sua informação de 19 de Janeiro de 1852, baseada no relatorio do Engenheiro encarregado de examinar as obras feitas, de 6 de Dezembro de 1851, apenas orça o valor destas obras até ao fim de 1849 em réis 120:000$000, o que dá uma desproporção immensa entre o valor destas obras e o capital que se reputa dispendido nellas.
Por esta approximação se vê a importancia que ha em olhar com attenção para esta parte do cumprimento do artigo 4.º § 7.°, principalmente se por falta de accôrdo fôr necessario recorrer á rescizão do contracto.
Em resumo, o Conselho julga que o caso de força maior que impossibilitasse a Companhia de executar o contracto não está devidamente provado nas allegações por ella apresentadas; que não obstante isso, tendo a Companhia luctado com graves difficuldades, já provenientes da sua inexperiencia, já de outras circumstancias alheias á sua gerencia, e sendo uteis as obras já começadas, e de vantagem publica que se ultimem e se protejam as Companhias que se empregam em obras de utilidade publica, a fim de attrair os capitães para estas proficuas emprezas, em presença destas considerações e nos termos que o Conselho tem a honra de indicar, convem auxiliar esta empreza, e chegar com ella a um accôrdo que, sem ser nocivo ao Estado, nem lhe prejudicar os seus direitos, levante a Companhia da posição pouco vantajosa em que se acha, e faça com que a nação aproveite dos capitães alli dispendidos, e que ella a final tem de pagar.
Tal é a opinião do Conselho; Vossa Magestade, porém, Resolverá o que fôr mais justo.
Sala do Conselho em 26 de Março de 1856. = Visconde da Luz — José Feliciano da Silva Costa = José Bento de Sousa Fava — Albino Francisco de Figueiredo e Almeida — Belchior José Garcez = Isidoro Emilio Baptista — Joaquim Thomás Lobo d'Avila, Secretario.
SENHOR! A Camara municipal do concelho de Azambuja, e os lavradores dos campos da mesma villa, vão por este meio e mui respeitosamente, soccorrer-se á Alta Munificencia de Vossa Magestade, a fim de que Se Digne dar as providencias necessarias, e tendentes a evitar a continuação da medida que a Companhia dos Canaes de Azambuja acaba de pôr em pratica, com manifesto prejuizo dos signatarios, e contra as condições do seu contracto, como tem a honra de submetter á Alta Consideração de Vossa Magestade.
A Companhia dos Canaes de Azambuja, em virtude do contracto celebrado, por escriptura de 23 de Março de 1844, entre o Governo e o Marquez de Fayal, e outros, confirmado e approvado por Alvará de 25 de Abril do mesmo anno, obrigou-se pelo § 9," do artigo 1.° do seu contracto a conservar, melhorar ou construir de novo nas margens do canal, os cáes que fossem necessarios para o commodo serviço de generos e passageiros; e pelo § 5.° do artigo 3.º se lhe concedeu o exclusivo de barcos de passagem para atravessar os canaes, com os direitos correspondentes aos que até alli se percebiam.
Em execução destas disposições, a Companhia na impossibilidade, cuja causa se ignora, de formar uma ponte na foz do esteiro, que da villa de Azambuja vai entroncar na valia real, e que deveria ficar substituindo a passagem antiquissima que alli existia para o sul, dos gados dos lavradores, ficando a barca para transporte dos passageiros e generos, mandou construir, mas não acabou, na margem do norte, um cáes de pedra não só para o embarque destes, mas tambem para a passagem daquelles.
Com esta construcção imperfeita, os signatarios não só ficaram privados dos cáes antigos, tanto de madeira como de pedra, que em ambas as margens existiam para aquelles fins, e que em parte foram destruidos com a formação do, novo cáes, e em parte pela continuação da passagem dos gados e innundações frequentes, mas de mais a mais dentro em pouco, se viram na necessidade de a ella renunciarem, tanto para evitar a continuação dos sinistros que alli sedavam, em consequencia das muitas estacas (destroços do antigo cáes da margem do sul), nos quaes se cravavam os bois e cavalgaduras, como pela difficuldade que os gados encontravam para vencer a dita margem pela falta de um cáes com as dimensões e declive necessario.
Na impossibilidade daquella passagem, o transito dos gados se fez pela ponte da repreza, sem encontrar obstaculo algum da parte dos empregados da Companhia, livre de todo e qualquer direito, em consequencia de se acharem avançados para com o arrematante dos direitos da passagem indicada.
Com quanto porém esta passagem se lhes tornasse incommoda, tanto pela distancia, que eram obrigados a fazer percorrer aos seus gados para a ella chegar, como pelo tempo perdido nesse longo transito, que deixavam de percorrer quando a outra estava praticavel, todavia della gosaram por mais de oito annos, sem outro onus que o de pagarem por avance ao arrematante dos direitos da passagem da foz do esteiro a respectiva contribuição.
Porém hoje a Companhia, esquecendo-se de que não cumpriu com a condição exarada na primeira disposição citada, e que por esta razão os lavradores se acham privados daquella importante e antiquissima passagem, mais por desleixo da mesma Companhia, do que por falta de meios necessarios para a construcção dos cáes indispensaveis, acaba de tornar por editaes obrigatorio, para todos indistinctamente, o pagamento dos direitos marcados na tabella annexa ao contracto, pelos gados que passarem pela referida ponte.
É contra esta medida que os signatarios representam a Vossa Magestade, não só pelas ponderações já feitas, mas tambem porque para a Companhia poder exigir aquelles direitos, torna-se indispensavel ou que reconstrua na foz do esteiro os cáes necessarios para a boa e facil passagem dos gados na fórma estipulada, ou que forme naquelle sitio uma ponte para aquelle fim; porque feito isto os signatarios preferem esta passagem, tanto por ser mais proxima, como por economisar mais tempo aquella, na qual de boa mente se sujeitam ao pagamento dos correspondentes direitos, quando della se queiram servir para a passagem dos seus gados.
Os signatarios ponderam mais a Vossa Magestade, que tendo-lhes a valia, pela sua pouca profundidade, e pela altura de agoa que sempre tem, causado a perda de mais de noventa moios de terreno, que por se achar no nivel da valia, e de impraticavel desaguo se acha todo allagado, e tornado um foco perenne de infecção; entende que não deve ficar silenciosa em presença deste accrescimo de prejuizos, incommodos e transtornos, que com a mencionada medida a Companhia, contra toda a justiça, causa aos signatarios.
Por esta razão, aliás de reconhecida justiça, os signatarios, com quanto podessem valer-se da disposição do § 9.° do artigo 7.° do contracto, e mostrar que a Companhia por não ter, no prazo que se estabeleceu, satisfeito as obrigações que contraiu, perdeu todos os direitos, vantagens, e fruições que pelo dito contracto lhe foram conferidos, todavia limita-se por agora em solicitar de Vossa Magestade que se obrigue a Companhia a fazer na foz do esteiro, e em ambas as margens um cáes solido, e com proporções e declive necessarios, tanto para a bordagem da barca como para passagem dos gados; e que em quanto aquellas obras se não fazem, ou em quanto se construirem se lhes conceda a passagem livre pela ponte da repreza, ficando todavia elles obrigados ao pagamento dos respectivos direitos pela fórma até hoje usada, e de que em virtude do seu contracto com o arrematante, se não podem desviar — Pedem A Vossa Magestade, que tomando em consideração o exposto, Se Digne differir-lhes como fôr de justiça.
Azambuja, 28 de Julho de 1856. — O Presidente da Camara, Francisco Antonio Máximo de Abreu — Os Vereadores, José Luiz Corrêa de Barros — Manoel Joaquim Mendes — José Zacarias Duarte — Os lavradores, Joaquim José Vito de Abreu — Antonio Gaudencio Corrêa Cotrim — Ildefonso José Cotrim de Carvalho — Antonio José de Lima e Dór — Antonio Pedro de Carvalho Abreu — Felix José de Carvalho — José Felix — Francisco da Motta Cabral — Honorato José Torres Machado — Gerardo José — José Manoel Garrido.
Parecer do Conselheiro Ajudante do Procurador geral da Corôa. Vi esta representação e mais documentos, que a acompanham, e por quanto, os factos em que a Camara supplicante assenta o seu pedido, confirmado pelas auctoridades administrativas, são negados ou contestados pela empreza supplicada, parece-me que se deverá proceder a uma vistoria em que se averigue de que lado e até que ponto está a verdade. Esta vistoria deverá ser feita por ordem do Governo, e por via do Engenheiro Director das obras publicas no districto, ou pelo que dirige as obras do Tejo, com citação dos interessados para assistirem, querendo, e deverá lêr por fim averiguar se a empreza, pela sua parte, satisfez as condições a que se obrigou, e de que os direito» em questão devem ser a paga. Ministerio das Obras Publicas, 24 de Dezembro de 1856. — Rodrigo Nogueira Soares.
Secretaria da Camara dos Dignos Pares, em 26 de Janeiro de 1859. = Carlos da Cunha e Menezes.