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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
Em virtude de resolução tomada pela Camara dos Dignos Pares do Reino se publicam os documentos seguintes:
Ill.mo e Ex.mo Sr. — Em officio do Ministerio do Reino, assignado pelo Official - maior d'essa Secretaria de Estado, de 4 de Julho do presente anno, foi-me remettida uma representação que a Companhia dos Canaes da Azambuja fizera subir á Presença de Sua Magestade, acompanhando uma memoria e planta, relativo tudo ás obras projectadas peto Engenheiro da mesma Companhia, para o enxugo e rega dos campos, assim como para a navegação no districto da Azambuja, a beneficio da agricultura e commercio daquella localidade; e de ordem de V. Ex.ª se me determina que eu informe não só ácerca das obras projectadas, mas tambem a respeito da asserção que os Directores estabelecem, de que taes obras não estão a cargo da mesma Companhia, e que por isso devem, desde logo, ser pagas pelo Governo.
Sobre dois pontos deve pois versar a minha informação; o primeiro não é mais do que a interpretação do contracto celebrado em 5 de Marco, de 1844, entre o Governo de Sua Magestade e a Companhia dos Canaes da Azambuja; o segundo diz respeito á conveniencia e possibilidade de se approvarem as obras propostas. Sobre o primeiro facil me teria sido dar a minha opinião desde o momento que recebi o officio supra; mas sobre o segundo necessitava não só estudar o projecto, cuja memoria é bastante extensa, mas ir ao logar aonde se projectam as obras, a fim de que, combinando o que se diz ria memoria com o que observasse no terreno, podesse, com mais conhecimento de causa, dar uma opinião sobre assumpto aliás de grande importancia, e do qual depende a felicidade ou desgraça de tantos proprietarios.
A V. Ex.ª não é estranho o que eu tenho tido nestes dois mezes que fazer, para pôr em execução as ordens do Governo de Sua Magestade relativamente aos trabalhos da estrada do Alemtejo, e melhoramentos do rio Tejo, objectos estes que ainda hoje me tomam a maior parte do tempo; e por isso ninguem melhor do que V. Ex.ª poderá ser o Juiz competente, para julgar se eu poderia ter ido aos canaes da Azambuja, o qüe porém espero fazer para a proxima semana.
Taes são as obras que a Companhia dos Canaes da Azambuja, propõe levar já a effeito, e para as quaes julga dever o Governo contribuir directa e immediatamente; a 1.ª, a prolongação do grande dique de Vallada até ás Onias; a 2.ª, a limpeza, arginamento e prolongação até ao Tejo da valla travessa com uma obra de arte no dique de Vallada; e a 3.ª, a abertura de uma nova vala para esgoto dos campos, e prompto desalagamento dos mesmos. Considera como mais urgentes as duas ultimas obras, e tanto que independentemente de auctorisação do Governo, e para aproveitar a estação actual, ia mandar proceder á segunda dellas. Calcula em 30 contos de réis a quantia necessaria para levar a effeito as duas ultimas obras, e diz que concorrendo a Companhia com as suas machinas movidas a vapor, e que são uma draga, um bate-estacas, e uma bomba, e com todas as ferramentas e utensilios que precisos forem, o Governo lhe dê uma prestação semanal de 1 conto de réis.
Antes de entrar na analyse particular de cada uma das obras que a Companhia propõe que se façam, direi que, pelo § 1.°, artigo 1.°, do seu contracto, é ella obrigada a canalisar em beneficio da navegação e melhoramento agricola e sanitario dos campos adjacentes o systema de agoas que affluem ao Tejo por meio da actual valla denominada da Azambuja.
Como é pois que se poderá obter o melhoramento agricolo e sanitario dos campos, sem que se executem todas as obras cousas quaes se evitem, tanto quanto fôr possivel, as inundações, e se faça o seu prompto e rapido esgoto? É pois evidente que, só por este artigo, era a Companhia tacitamente obrigada a executar todas as obras, quaesquer que ellas fossem, para não só se conservarem os campos no estado em que estavam, a respeito dos dois fins acima indicados (agricultura e salubridade), mas até se obtivessem melhoramentos.
O § 11.° do mesmo artigo é mais explicito, porquanto por elle era a Companhia obrigada a dar escoante aquellas agoas dos terrenos circumvisinhos, que ficassem privados delle (escoante), em consequencia das suas obras, e bem assim aquellas (agoas), que escorrendo dos canaes podessem ser prejudiciaes ás terras visinhas.
A antiga valia era para onde os campos faziam o seu esgotamento; era ella que dava vazão ás agoas provenientes, das aziellas de Rio Maior. O dizer-se hoje que as obras tendentes a melhorar a navegação não podiam de fórma alguma facilitar o esgoto dos campos, e que a navegação não se podia conservar em todas as estações sem se derivarem as agoas de Rio Maior para o Tejo pela valla travessa, são considerações que deveriam ter sido presentes, quando, se fez o contracto, e se então não foi possivel prever estes inconvenientes, e os quaes, a terem-se previsto, talvez fizessem com que se não empreendessem taes obras — é porque se fez o contracto sem que primeiro se tivesse levantado uma planta exacta, e tirado os necessarios nivellamentos, para se conhecer, que uma vez que se pertendia tornar a valia um canal de navegação successiva, não era possivel, pela altura a que seriamos obrigados, a levar as suas agoas, que ella continuasse a servir para esgotar os campos, por virem estes a ficar muito mais baixos do que o nivel das agoas dentro daquelle. Tão pouco seria possivel conservar-se a navegação pelo canal em todas as estações, excepto na occasião das grandes cheias do Tejo, sem que se dirigissem ao Tejo as agoas de Rio Maior sem entrarem no canal.
Não póde ser admittido o argumento de que no § 2.° artigo 1.°— vem mencionadas todas as obras a que a Companhia era obrigada, porquanto entendo eu, que a Companhia era obrigada a executar todas as obras das quaes dependesse o cumprimento das condições do contracto, as quaes, como já fica dito, não eram só para navegação pelo canal, mas tambem para o melhoramento agricola e sanitario dos campos.
Resta agora ver se as obras propostas são ou não para se conseguir os fins indicados ou para outros differentes. O proprio officio dos Directores prova que as obras propostas são não só para satisfazer as condições do contracto, mas tambem para obviar a certos inconvenientes, não previstos, mas resultantes das obras já feitas.
1.º O dique de Vallada — para evitar por alli a entrada das cheias do Tejo, as quaes, mesmo as ordinarias, obstarão á navegação pelo carnal, contra o disposto no contracto (artigo 1.° § 3.º), e destruirão o mesmo canal.
2.° A limpeza etc... da valla travessa para serem levadas immediatamente por ella ao Tejo as agoas das cheias de Rio Maior, a fim de não innundarem os campos, e por serem nocivas á conservação do canal, e á sua navegação.
3.° A abertura de uma nova valla, etc... — para que as agoas dos campos, que a elles affluem, tenham por ella prompto desagoamento para o Tejo. (Isto por não o poderem ter pela antiga valla de Azambuja, hoje tornada em canal de navegação.)
Tudo quanto venho de expender só serve para provar, que todas as obras propostas estão comprehendidas no contracto, e é a Companhia obrigada a executal-as, pelo mesmo methodo, e com os mesmos meios com que se tem emprehendido as demais obras; não me parecendo que haja necessidade de estabelecer novas condições, ou de se fazer um novo contracto.
Pelo artigo 4.° é estipulado que o producto de contribuição dos tres concelhos de Santarem, Cartaxo e Azambuja, estabelecido em favor da canalisação, pela Carta de Lei do 1.° de Maio de 1843, e importante na quantia annual de oito contos cento e setenta e nove mil e duzentos réis, é expressamente destinado ao embolso do capital despendido pela Companhia na conclusão das obras retrò descriptas. Quaes eram estas obras retrò descriptas? Eram todas as mencionadas no § 2.° do artigo 1.º, e todas as demais com as quaes se devesse conseguir os fins a que a Companhia se tinha compromettido; e tanto assim é, que nos §§ 3.° e 4.º do artigo 4.°, para o caso de que o custo das obras excedesse o calculado, ou sobrasse, se estabelecem provisões para o completo reembolso dos capitães despendidos; e no artigo 5.° é igualmente garantido o juro de cinco por cento do capital empregado, qualquer que elle fosse.
Por esta fórma entendo que o Governo é obrigado a reembolsar a Companhia de todas as quantias que despender, mas pela fórma expressada no artigo 4.°— em obras, cujo objecto fôr qualquer daquelles a que a dita Companhia se obrigou pelo seu contracto, e sejam approvadas pelo Governo de Sua Magestade.
É verdade, Ex.mo Sr. que pelo contracto da associação da Companhia se fixou ser o seu capital de 240 contos de réis, dividido em 1:600 acções de 150$000 réis cada uma, e que este capital está já hoje despendido, sem que ainda esteja feito um terço das obras necessarias para os fins desejados e estipulados; mas isto de fórma alguma póde alterar um contracto legalmente feito e approvado pelas Camaras. Se antes da creação da Companhia se tivesse feito o, projecto completo das obras e o seu respectivo orçamento, ter-se-ía então conhecido que o capital de 240 contos não era sufficiente, e talvez o Governo, visto que linha que pagar todas as despezas, não tivesse querido que se emprehendessem taes obras, cujo custo, no seu final, não estará em proporção com as vantagens que podem dellas tirar os povos — quanto mais que já havia um meio de communicação, que era o Tejo.
De tudo quanto tenho tido a honra de expender, julgo poder concluir:
1.° Que é a Companhia, pelo seu contracto, obrigada a executar todas as obras, com as quaes se melhore a navegação do canal, a agricultura dos campos, e a sua salubridade.
2.° Que é o Governo quem ha de pagar todas as despezas feitas, mas pelo modo especificado no contracto; podendo ou prorogar o prazo em que elle findará, ou augmentar a hypotheca do § 1.º do artigo 4.°, a fim de que com os juros das inscripções se possa amortisar o capital despendido dentro do prazo marcado de 40 annos, e garantir-se o juro de 5 por cento, determinado no artigo 5.°
3.° Que não póde nem deve o Governo pagar, desde já, quantia alguma, como exige a Companhia, podendo sim o Governo auctorisar o augmento do capital da Companhia até á quantia que se julgar necessaria para se levarem a effeito todas as obras com as quaes se cumpram á risca todas as condições do contracto.
Passando agora a tractar sobre a segunda parte, é ella de tal transcendencia, que eu me não atrevo a dar já uma opinião definitiva, e que sa-
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tisfaça as minhas convicções; e por isso permitta-me V. Ex.ª que eu reserve para mais tarde o fazel-o, e por isso conservarei em meu poder o relatorio e planta a que se refere o officio da Companhia: não obstante parece-me poder desde já dizer — 1.° Que é de absoluta necessidade: a abertura de uma valia de enxugo, á qual affluam todas as valias particulares dos campos, a fim de que por aquella as agoas sejam levadas ao Tejo; qual deva ser a posição desta valia, e qual o ponto aonde ella deve desembocar no Tejo, é questão que depende de estudos e observações, que eu tractarei de obter, já do engenheiro da Companhia, já do engenheiro desta Inspecção geral, e já por, mim mesmo, indo mais vezes ao sitio do canal. — 2.º É igualmente vantajoso que se abra uma valia, pela qual se dê vazão ás agoas de Rio Maior; mas dizer já que deve ser esta a valia chamada travessa, e a qual já tem este fim, é que eu não posso nem me atrevo a dizel-o; sobre este objecto tractei eu já largamente no meu officio n.º 215 de 2 de Julho ultimo. — 3.° Não ha duvida que é de summa vantagem para os campos de Reguengo, Vallada, etc.. que se continue o grande dique de Vallada, não só para o lado do norte até ás Onias, mas tambem para o sul até á foz do canal.
Tal é pois, Ex.mo Sr. o que entendi dever informar a V. Ex.ª, o que faço com toda a franqueza do meu caracter, sem que tenha em vista nem hostilisar, nem beneficiar a Companhia dos Canaes, cujos Directores me merecem toda a consideração, não só pelos seus haveres, mas pela alta situação que a maior parte delles occupa na sociedade.
Deos guarde a V. Ex.ª Lisboa, 23 de Agosto de 1849. = Ill.mo e Ex.ª Sr. Conde de Thomar. = Barão da Luz, Inspector.
Em satisfação ao exigido em Officio do Ministerio das Obras Publicas de 29 de Agosto do presente anno tem o Conselho de obras publicas e minas de interpor o seu parecer relativamente á falta da conclusão das obras dos canaes da Azambuja, declarando se esta falta se deverá ou não attribuir ao caso de força maior, de que tracta o artigo 7.º § 9.º do contracto a que se ligou a respectiva Companhia; e pelo mesmo Conselho fui eu encarregado de examinar os papeis que versam sobre este importante assumpto, e dar a respeito delle a minha opinião. Dando pois o devido cumprimento ao que de mim se exige, tenho a dizer o seguinte:
Larga tem sido a correspondencia entre o Governo, a Companhia, e os Delegados do Governo; e neste volumoso processo se inclue a informação que, na qualidade de Inspector geral interino das obras publicas, eu fiz subir pelo Ministerio do Reino em 19 de Janeiro de 1852, referindo-me a um relatorio do Brigadeiro Gregorio Antonio Pereira de Sousa, o qual, sendo então Superintendente do Tejo, foi encarregado de examinar esta questão, e de satisfazer a varios quesitos do Ministerio do Reino, a fim de que o Governo podesse decidir com pleno conhecimento de causa o pedido então apresentado pela Companhia sobre a encapação do contracto e prévia indemnisação dos capitães despendidos nas obras executadas.
Na dita minha informação concluia eu que não sé deveria conceder tal encampação, mas sim obrigar a Companhia ao integral cumprimento do Contracto; e que recusando-se esta, era consequencia necessaria a declaração da fallencia, em cujo caso providenciava o Código Commercial: sujeitava comtudo a minha opinião ao parecer dos Conselheiros da Corôa.
Nessa occasião ventilava-se não só o motivo da não conclusão das obras, mas tambem a boa ou má execução dos trabalhos effectuados, e a justiça dos motivos allegados pela Companhia para a encampação; agora o que o Governo exige do Conselho pelo sobredito Officio de 29 de Agosto e o parecer sobre o ter-se dado ou não o caso de força maior que justifique a Companhia por não haver ultimado os trabalhos no prazo fixado no contracto; e mesmo vejo que a Companhia ulteriormente modificou as suas pertenções, fazendo continuar algumas obras mais urgentes, e que, finalmente, prescindindo da encampação que requerera, se presta a cumprir o contracto, dando-se as providencias que solicita em sua ultima representação do 1.° de Setembro de 1852, e cuja necessidade, tendo sido varias vezes representada, novamente se repete, como condição para prosseguimento das obras.
As providencias solicitadas são as seguintes:
1ª. Ordenar o Governo a demarcação das margens do canal.
2.ª Resolver a questão suscitada pela Camara municipal e habitantes de Santarem ácerca da valia entre a Ponte d'Asseca e as Onias.
3.ª Mandar continuar o dique de Vallada.
4.ª Demarcar a valia — Travessa.
5.ª Prorogar os prazos estipulados para a conclusão das obras contractadas, e para a duração da Companhia.
6.ª Compellir os proprietarios a fazer as vai-las de esgoto a que são obrigados, pondo-as em harmonia com aquellas que a Companhia tem obrigação de levar a effeito.
7.ª Decretar um bom regulamento para a policia do canal.
8.ª Mandar pagar á Companhia a importancia dos juros das inscripções respectivas aos quatro semestres em divida, os quaes, segundo as estipulações do contracto, não reputa a Companhia, comprehendidos nas disposições do Decreto de 3 de Dezembro de 1851.
9.ª Fazer pontualmente, no tempo marcado no contracto, o pagamento dos juros garantidos aos accionistas.
As condições 1.ª, 2.ª, 4.ª e 6.ª reputo-as de razão e justiça, parecendo-me que o Governo deve providenciar energicamente os objectos a que ellas se referem, e cuja falta tem sido constantemente allegada para justificar a impossibilidade da ultimação das obras.
A 3.ª tem já em seu favor a opinião do Sr. Barão da Luz, que em seu Officio de 21 de Dezembro de 1849 informou, pelo Ministerio do Reino, que a continuação do dique de Vallada até ás Onias poderia ser feita por conta do Governo á custa do tributo de fabricas, já estabelecido, e desde muito tempo sem se cobrar.
A 5.ª está essencialmente dependente da solução deste negocio, porque se o Governo absolver a Companhia da falta do cumprimento no prazo estipulado, é consequencia forçada a concessão de novo prazo.
A 7.ª não póde deixar de ser tomada em consideração pelo Governo, sendo obvia a necessidade de regulamentos, não só para a policia deste canal, como para a de todas as communicações fluviaes: isto, porém, é objecto que não póde fazer-se sem o tempo necessario para ser meditado e discutido.
A 8.ª é negocio financeiro e legislativo, que sujeito á opinião de maiores intelligencias e auctoridades competentes.
A 9.ª é tambem de justiça, porque não póde entrar em duvida que, sendo o contracto cumprido pela Companhia, deve o Governo satisfazer igualmente os seus encargos; é se ficar subsistindo o contracto, vigoram todas as reciprocas obrigações. 1
Que a Companhia não satisfez plenamente o contracto é objecto de evidencia, porque o prazo expirou, e as obras não estão concluidas.
Que ha defeitos nas obras executadas é tambem innegavel, 'posto que alguns possam desculpar-se até certo popto; más não se tractando agora deste assumpto, nem mesmo da boa ou má administração dos fundos por parte da Direcção da Companhia, e sómente üe dar-se ou não o caso de força maior para justificar a não conclusão das obras, a este ponto me restringirei, modificando em parte a minha supracitada informação de 19 de Janeiro de 1852.
Casos ha em que as concessões solicitadas por Companhias ou Emprezas não estão no caso de rigorosa justiça, segundo a lettra dos contractos; mas que são de equidade em referencia ás circumstancias especiaes que occorrem; e todos os Governos se prestam mais ou menos a estas concessões, pois que nenhum interesse tem o Estado em prejudicar as Associações, e promover-lhes fallencias. É notoria a opposição que(encontrou a Companhia dos canaes da Azambuja por parte dos povos e maritimos, uns por interesses proprios, outros por preconceitos; e é tambem sabido que da parte de algumas auctoridades administrativas e judiciaes não houve a devida actividade e intervenção que convinha empregar para destruir a opposição, e vencer as difficuldades suscitadas. É igualmente certo que o Governo não satisfez as representações da Companhia para se destruirem os obstaculos que se lhe oppunham.
Estou convencido de que a Companhia poderia ter feito mais algumas obras do que effectivamente se executaram, mas tambem entendo em minha consciencia que não poderia ter concluido todas aquellas a que é obrigada pelo contracto, sem que se lhe aplanassem as difficuldades que se suscitaram; e e esta ultima parte que se póde classificar no caso de força maior. Creio bem, que o não se terem levado os trabalhos até ao ponto a que poderiam lêr chegado, procedeu da falta de fundos da Companhia, e que esta falta de fundos proveio; em parte, da má administração delles nos principios do estabelecimento da Companhia, fazendo-se despezas não recommendadas por uma absoluta necessidade; mas é tambem innegavel que o Governo augmentou os apuros da Companhia deixando de lhe pagar os quatro semestres de juros das inscripções: tambem não deixa de ser attendivel um dos motivos allegados pela Companhia da perda soffrida pelo desconto das notas do Banco de Lisboa, durante a crise monetaria por que passámos; e posto que este prejuizo fosse commum a todos os estabelecimentos, quer publicos quer particulares, nem por isso deixou de ser um grande mal.
Não vejo senão dois meios de solução a este negocio — ou rescindir o contracto com as necessarias desagradaveis consequencias e inconvenientes desta medida ou acceitar as allegações da Companhia, attribuindo ao caso de força maior a falta do cabal preenchimento das condições do contracto, prorogando-lhe o prazo, e annuindo ás condições que propõe, e que acima ficam transcriptas, na parte que fôr exequivel em conformidade das Leis. — A minha opinião é por este segundo meio, sujeitando-a comtudo a outro melhor alvitre, e ao judicioso criterio do Conselho, que de certo, não deixará de ouvir sobre este assumpto o seu vogal, o Sr. J.C. d'A. e Sousa, o qual sendo tambem director das obras do canal, póde mui bem prestar, com a franqueza e exatidão proprias da sua probidade, informações minuciosas e circumstanciadas que esclareçam o Conselho sobre este transcendente e ampliado assumpto.
Lisboa, 9 de Dezembro de 1853. = O vogal, J. B. de S. Fava.
Relatorio feito por ordem de S. Ex.ª o Ministro das Obras Publicas, Commercio e Industria, communicado em officio da direcção geral no quadro do mesmo Ministerio, de S de Abril do presente anno, a respeito das obras feitas pela Companhia dos Canaes da Azambuja, casque deve ainda fazer em cumprimento do contracto feito com o Governo de Sua Magestade em 30 de Novembro de 1844.
As obras a que a Companhia dos Canaes da Azambuja se comprometteu pelo contracto celebrado com o Governo de Sua Magestade em 30 de Novembro de 1844 devem satisfazer as seguintes condições.
1.ª Um systema completo de canalisação parallela ao Tejo aproveitando as denominadas valias da Azambuja, das Virtudes e de Asseca, tendo a sua foz de juzante no sitio denominado Côrte dos Cavallos e a de montanha nas Onias: sendo navegavel em toda a sua extensão por allijos de mediana capacidade; e por fragatas de 60 moios em um tirante de agoa de sete e meio palmos até Cabeça de Guião, e por barcos chatos dos maiores que remontam o Tejo até Abrantes, desde a foz de Juzante até á Ponte de Asseca.
2.ª Prestar-se ao enxugamento dos terrenos pantanosos visinhos ao canal, e á irrigação das terras onde podem ser levadas as agoas excedentes do mesmo canal, segundo um preço ajustado, com a clausula de lhe serem entregues previamente pelos proprietarios, que gozarem directamente destes beneficios, as despezas orçadas para estas obras, e um premio de quinze por cento sobre o custo effectivo das mesmas obras depois de concluidas, sendo a differença entre a despeza orçada e a effectua saldada por quem competir, salvas as alterações auctorisadas no artigo 1.°, § 7.º do seu contracto.
3.ª Dar escoante ás agoas das cheias nos terrenos circumvisinhos que ficarem privados delle em consequencia das suas obras, e as que escorrendo dos canaes prejudicarem as terras visinhas.
4.ª Construcções de caes que forem mister para o commodo do serviço dos generos e passageiros, sendo um na Ponte de Asseca, e os outros nos logares mais frequentados do canal.
5.ª Promptificação de bebedouros para os gados.
6.ª Reparação e substituição das porções das pontes sobre o canal, que forem destruidas ou damnificadas pelas suas obras com as condições exaradas no artigo 1.°, § 13.º
Taes são em resumo as obrigações explicitas no contracto alludido para cumprimento das quaes se lhe concederam as vantagens expressas nos artigos 2.°, 3.°, 4.°, 5.°, 6.°, 7.°, 8.°, 9.°, e 10.°
Do complexo de todas estas obras deve resultar um systema perfeito de esgoto, navegação e irrigação.
Examinarei agora debaixo destes pontos de vista se as obras emprehendidas até hoje pela Companhia dos canaes da Azambuja satisfazem completamente estas condições.
As causas que podem produzir a boa navegação, dependendo essencialmente da boa applicação e construcção das obras de arte, commeçarei por estas
obras de arte.
Repreza.
Não se póde dizer que a repreza de Camara que tem o canal na sua foz de juzante, seja um typo perfeito destas construcções. Falta-lhe as soleiras de resguardo, a montante e a juzante. (Avant et arrière radier.) - O modo por que se abrem e fecham as portas e postigos é grosseiro; e as torneiras dos tuneis e.... são de viciosa construcção.
A soleira da repreza está apenas 0m,25 abaixo do nivel das agoas da estiagem no Tejo, e esta pouca profundidade faz com, que o serviço da repreza se interrompa nas baixa-mares, por não poderem entrar no canal os barcos neste estado da maré. Sem indagar a causa desta imperfeição, compete-me comtudo registar este facto, embora possam haver razões, para a atenuar.
Não obstante esta falta de perfeição, das massas de agoas que passaram sobre as portas, das descargas que se fizeram por ellas, por falta de descarregadouro, na occasião da ultima cheia, e depois della, havendo muitas vezes proximo ás baixa-mares uma differença de nivel de dois metros, proximamente, entre as agoas do canal e as do Tejo, conheceu-se que nada se podia recear com respeito á estabilidade e rebustez das partes componentes desta obra.
Descarregador — (Deversoir).
Esta obra tão essencial para o bom regimen das agoas do canal como seu regulador, e que deve concorrer para o esgotamento dos campos visinhos e descarga das agoas superabundantes que afluam aquelle logar, foi extremamente viciosa, não só com respeito ao local, mas tambem Com respeito á construcção, pois as dimensões que se deram ás estacas sobre que se edificou esta obra, como a profundidade do seu cravamento, as substancias com que se fez o enchimento dos seus intervalos, deu em resultado a precipitação de todo o massame por se não terem empregado os rigorosos preceitos de taes construcções, falta que atribuo antes a mesquinhas conveniencias economicas do que á falta de principios de sciencia.
Esta parte da antiga valia que se quiz aproveitar para descarregadouro fica a montante da foz do novo canal, logar certamente improprio para similhante applicação. Para se evitar que as agoas do Tejo entrassem no canal, por esta parte da antiga valia, tapou-se esta com um assude que repreza as agoas na praiamar de agoas mortas, reprezamento que corresponde a dois ou tres metros sobre a estiagem.
Na mesma valia tambem se construio um marachão para o mesmo fim.
Largura do canal — Profundidade das agoas.
A largura do canal proximo á sua foz de juzante é de 48 metros entre os-sirgadouros, mas entre a Ponte de Santa Anna e a de Asseca não tem o canal a precisa largura para passagem da gondola e de um barco dos que lhe é permittida a navegação do canal. Neste logar e em mais algum proximo precisa-se dragagem. Côrtes das pontes — para facilitar a navegação em todo o canal.
Posto que o contracto designasse apenas o logar denominado Cabeça do Guião para limite da navegação ascendente das fragatas de 60 moios que demandam sete e meio palmos de tirante de agoa, ellas remontam hoje até á Ponte de Santa Anna, de maior lote e com maior tirante; mas tambem a gondola e outros barcos que queiram passar a montante desta ponte tem de tirar os mastros. Só a ponte do Reguengo se acha cortada, que o foi por effeito de uma guerra civil. Falta pois cortar as pontes de Santa Anna e do Valle para facilidade da navegação.
Extensão do canal navegavel.
O canal só está navegavel para barcos de grande lote como fragatas, desde a foz de juzante ate a Ponte de Santa Anna. Desta ponte até á de Asseca só podem navegar alijos.
O complemento do canal entre a Ponte de Asseca e a margem direita do Tejo nas Onias aproveitando a Valla do Peso, com a devida repreza na foz de montante não está em execução. Apenas existe uma grande quantidade de pedras de cantaria nas Onias com destino para esta repreza. A abertura do canal em direcção a Rio Maior começada da Ponte de Asseca até á extensão de duas leguas, tambem está por fazer.
Parece-me que a Companhia perdeu muito nos seus interesses, e o publico tem sido mal servido por se não ter concluido o canal até ás Onias, e ainda o anno passado ter aberto a parte comprehendida entre a Ponte do Valle e a de Asseca, que só começou a servir no principio deste anno. Bebedouros para gado. Existem apenas tres, que são:
1.° Na bocca do Esteiro da Azambuja.
2.° Nas Virtudes.
3.º Na Ponte do Reguengo.
Estes cáes para se conservarem em bom estado deviam ser calçados até ao fundo do canal, e não cobertos com madeira e faxinas.
Depois do exame das obras que promovem a boa navegação tanto aos barcos de carga como aos de posta, resta ver se as obras até agora feitas pela Companhia satisfazem as condições que lhe foram impostas para o esgoto dos campos circumvisinhos ao canal.
O canal da Azambuja deve, pela sua situação, pelas suas dimensões, por um dos seus beneficos fins, por uma satisfação que lhe impõe a recepção dos tributos recebidos pelos tres concelhos de Santarem, Cartaxo e Azambuja, ser o receptáculo de todas as agoas pluviaes que affluirem aos campos comprehendidos entre as Onias e Azambuja.
Para que elle se preste a este fim não hasta que dê vasão a estas agoas nas baixa-mares, abrindo as portas e túneis da repreza: nem é conveniente que se faça esta descarga pela repreza, porque ultimamente tenho observado a velocidade com que as agoas saem pelas, portas para o Tejo, devida á altura de 2 metros que tanto é a differença de nivel proximamente entre as agoas do canal e do Tejo perto da baixa-mar; produz a montante e juzante da foz do canal duas revessas ou correntes ascendentes que promovem o deposito de areas formando coroas que veem arrastadas pelo Tejo, e ficam nestes logares em que se altera o regimen das agoas do rio pela perca de velocidade e mudança de direcção na corrente.
Tal é a causa por que os barcos de vapor não podem chegar aos cáes, que ficam a montante e juzante da foz e a pouca distancia desta.
Foi esta a razão por que achei inconveniente o emprego de uma draga para destruir estes baixos em quanto o canal precisasse deste meio para se exonerar.
Não deve por consequencia dar-se vasão ás agoas da valia pelas portas da repreza, senão em casos muito excepcionaes.
O dique de Vallada entro a Legoa e a Casa Branca, a valia travessa com seu respectivo cômoro, a valia escoante, as valias denominadas do Mouchão, da Folia, das Virtudes, e a, do Quinchoso ou do Dezembargador, estas quatro ultimas valias, que todas teem suas portas de agoa para o canal da Azambuja, e que pertenciam á extincta Provedoria das Lezirias, que depois passaram á Companhia, e que hoje não consta pertencerem a ninguem: e finalmente o canal da Azambuja com o seu descarregador ou assude regular (Deversoir) deviam, todas formar um systema completo de enchugamento dos campos de Vallada e da Azambuja, sem o qual não se consegue satisfactoriamente. este fim, e as queixas dos lavradores não cessarão cem mais ou menos razão em quanto a Companhia não fôr obrigada em um prazo fixo a concluir estas obras cpm preferencia mesmo a outras quaesquer, e ainda tambem ao acabamento do concerto da bocca que a ultima cheia abriu na Legoa, sem o qual em uma cheia ordinaria, não só o dique de Vallada se acha alli compromettido, como tambem os campos que elle defender
E poderá hoje a Companhia emprehender a abertura do seu descarregador, obra de uma inquestionavel urgencia, que tendo 15 a 20 metros de secção de fluxo não custará talvez menos de 15:000$000 réis, e todas as obras para esgotamento dos campos a somma de 40:000$000 réis proximamente? Não é de esperar sem que o Governo de Sua Magestade leve esta Companhia pelos meios que julgar mais conveniente ao completo desempenho dos seus deveres.
A Companhia no momento solemne em que fôr arguida por falta do cumprimento do seu contracto, ha de allegar que os proprietarios lhe fizeram uma opposição accintosa, embargando-lhe a continuação da valia escoante, o alargamento da valia travessa, o esgotamento do Braço da Gallega, e que dos processos que taes embargos costumam ter, resultou não serem relaxados em tempo proprio de fazer, taes obras, »e daqui nasceu um certo esmorecimento na continuação das projectadas para enxugo dos campos. A Companhia ha de ainda dizer, que a Camara da Azambuja, segundo me consta, tem aproveitado os carris que servem para o movimento dos gados em terras de semeadura, arrendando-os em proveito do municipio, e da falta destes carris tem resultado damno aos comoros das valias, porque os gados os precisam atravessar amiudadas vezes.
Dirá a Companhia, que as guerras civis cortaram as communicações pelo canal.
A Companhia, finalmente, ha de dizer, que os seus empregados e os seus guardas não são respeitados, e que não podem exercitar, uma, policia conservadora nas suas obras, e que por todas estas razões tem resultado a perca de sommas, que poderia ter applicado á continuação das obras em que está empenhada. Mas estas difficuldades não as creou o Gover-
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no. Appareceram do desaccordo e anthypatia que se tem manifestado entre a Companhia e os lavradores daquelles campos bem ou mal fundada: vieram outras da facilidade com que qualquer proprietario póde, a seu bel-prazer, embargar qualquer obra publica ou particular, e seja qual fôr a justiça que tenha para tal procedimento, pelo menos, com pequeno incommodo, em caso desfavoravel, sempre conseguiu o fim de interromper uma obra, que umas vezes se não continua, outras se destroe pelo abandono, ou tem de se reconstruir.
Assim aconteceu na reparação do dique de Vallada no sitio da Casa Branca, que interrompida pelo embargo da viuva Caldas, se achou distruida por incompleta quando se relaxou o embargo posto que medisse pouco tempo entre os dois processos.
Nasceram finalmente outras de acontecimentos imprevistos que se não podiam antever, e que são precalços a que estão sujeitas todas as emprezas.
De todas as razões apontadas é minha opinião que a Companhia dos Canaes da Azambuja, pela má applicação dos seus fundos no começo destas obras, que concorreu para que o canal não tivesse o projectado desenvolvimento, não terá hoje forças para completar as obras a que ainda está obrigada a emprehender, e que talvez tarde ou cedo se veja na necessidade de converter o capital que poder liquidar em acções de qualquer empreza que lhe convenha apropriar-se do movimento da navegação do canal da Azambuja. Não posso dar a esta idéa o devido desenvolvimento porque não tenho presentes os documentos, e esclarecimentos que devem existir em diversas estações.
Concluindo direi que a Companhia dos Canaes da Azambuja não obtante ter alargado a Valia Travessa, e construido o Cômoro, ter começado a abertura da valia escoante, ter alargado uma valia parallela ao canal denominada Guarda-matto, ter concertado as portas de agoa das valias da Folia, do Quinchoso e a das Virtudes, deve emprehender as seguintes obras para dar cumprimento ao seu contracto.
1.º Um descarregador, ou assude regulador (Deversoir) para evitar o alagamento dos campos, tendo 18 a 20 melros de secção de fluxo.
2.º Continuação do canal desde a Ponte de Asseca até ao Tejo no sitio das Onias com a largura conveniente.
3.ª A continuação do canal desde a Ponte de Asseca na direcção de Rio Maior na extensão de duas legoas.
4.º Côrte das pontes de Santa Anna e do Valle, que permittão a passagem dos barcos com os mastros sem interromper o tranzito, que deve ser livre de qualquer imposto.
5.º Construcção de mais caes.
6.º Escolher mais logares para bebedouros dos gados.
7.ª Dar a conveniente largura ao canal nos logares em que a não tem.
8.ª Finalmente a conclusão do concerto da bocca no Dique de Vallada na Legoa onde alli se tinha construido um Bombacho; rotura aberta na occasião da ultima cheia, e trabalho que foi interrompido no fim do mez de Fevereiro ultimo.
Esta reparação deve ficar concluida até fim do mez de Setembro, pois os campos de Vallada, principalmente, estão ameaçados de graves estragos senão for promptamente concluida, tirando-se, na falta desta reparação, pouca ou nenhuma vantagem das obras feitas por conta desta commissão no dique depois da cheia, e fortificadas com fachinas de salgueiro, e milhares de estacas de lameda ou arvoredo que se mandaram plantar, e que dentro em poucos annos tem um valor consideravel.
Santarem, 12 de Maio de 1833. = = M. J. Julio Guerra, Coronel graduado de Engenharia.
SENHOR! Foi Vossa Magestade Servido Ordenar que o Conselho de Obras Publicas e Minas consultasse sobre a questão pendente entre o Estado e a Companhia dos canaes d'Azambuja, especialmente no ponto em que se tracta de decidir se a falta de execução do contracto por parte da Companhia deverá ou não attribuir-se ao caso de força maior, de que falla o artigo 7.° § 9.º do contracto, celebrado pelo Governo com a dita Companhia em 23 de Março de 1844, e approvado por Lei de 30 de Novembro do mesmo anno.
O Conselho, para cumprir conscienciosamente o seu dever, examinou com todo o cuidado e sizudeza este extenso e volumoso processo, que data de dez annos, e em consequencia desse exame, que não podia deixar de ser demorado, tem hoje a honra de elevar á Presença de Vossa Magestade o seu parecer sobre tão complicado e ponderoso assumpto.
A Companhia obrigou-se pelo artigo 1.° do contracto de 23 de Março de 1844, approvado por Lei de 30 de Novembro do mesmo anno, ao seguinte:
1.º A canalisar, em beneficio da navegação e melhoramento agricola e sanitario dos campos adjacentes, o systema de agoas que affluem ao Tejo por meio da valia denominada d’Azambuja. Este systema devia constar das seguintes partes: 1.º da abertura de uma nova foz para o desagoamento do canal no Tejo; 2.º da abertura de um novo canal de juncção do Tejo com a valia velha, dirigido sobre a nova foz; 3.º da valia d'Azambuja, das Virtudes e d'Asseca, desde a nova foz até á confluência das valias d'Almoster, Rio Maior e Asseca; 4.º de um novo canal de communicação do Tejo com a valia desde o sitio das Onias até á ponte d'Asseca.
2.º Á tornar navegavel o sobredito systema de canaes por barcos de grandeza determinada, construindo para esse fim todas as obras necessarias.. I
3.º A enxugar os terrenos pantanosos visinhos ao canal, e a irrigar as terras onde poderem ser levadas as agoas, mediante certas condições impostas aos proprietarios.
4.º A conservar) melhorar ou construir os cáes que forem necessarios para o trafego commercial, e os bebedouros para os gados em condições convenientes.
5.° A dar escoante áquellas agoas dos terrenos visinhos, que ficarem privados della em consequencia das obras; e bem assim áquellas que, escorrendo dos canaes, possam ser prejudiciaes ás terras visinhas.
6.° A adquirir, á sua custa, os terrenos de que precisar para as suas obras, e que lhe não forem cedidos pelo Estado, por lhe não pertencerem, sendo auxiliada pelo Governo quando fôr necessario recorrer a expropriações judiciaes.
7.° A entreter desde a foz do canal até á ponte d'Asseca uma carreira diaria para passageiros em barcos movidos a vapor, ou sirgados por bestas.
Todo este systema de obras se obrigou a Companhia pelo artigo 7.° § 9.° do seu contracto a executar e ultimar dentro do prazo de cinco annos, contado do 1.° de Junho seguinte ã sua sancção legal, com a clausula penal expressa da perda dos direitos, vantagens, e fruições provenientes do mesmo contracto pela falta da ultimação das obras no prazo marcado, salvo o caso de força maior devidamente comprovado.
Em compensação destes encargos o Estado cedeu á Companhia a propriedade da valia d'Azambuja, com suas agoas e margens, pelo espaço de quarenta annos, e do mesmo modo a de quaesquer outras valias e esteiros que lhe pertencessem e confinassem com os canaes da Companhia; conferiu-lhe differentes direitos e vantagens designadas no artigo 3.° do contracto; assegurou-lhe o pagamento dos capitães dispendidos nas referidas obras, mas tão sómente pelo producto da contribuição territorial dos tres concelhos de Santarem, Cartaxo e Azambuja, de que tractam as Leis de 30 de Julho de 1839 e do 1.º de Maio de 1843, estimado na quantia de 8:179200 réis, e representado pelo rendimento de 181:700$000 réis em inscripções de 5 por cento da divida publica, entregues á Companhia para este effeito; e, finalmente, garantiu-lhe o juro de 5 porcento do capital dispendido até á sua amortisação, obrigando-se a satisfazer-lhe a parte delle não preenchido pelos réditos proprios da Companhia, no fim dos quarenta annos da concessão.
Taes são os termos em que a Companhia dos canaes d'Azambuja contractou com o Governo. — Que a Companhia não executou o contracto é evidente, porque o prazo em que as obras deviam estar terminadas findou em Junho de 1849, e ainda hoje está por cumprir esta prescripção do artigo 7.° § 9.° Segundo as informações havidas sobre as obras executadas pela Companhia, e o modo por que o foram, vê-se que ella não seguiu o systema mais conveniente na sua execução, tanto debaixo do ponto de vista technico, como economico. Construiu algumas, como, por exemplo, o grande edificio da hospedaria junto á foz do canal, que não estava estipulado no contracto, nem era de absoluta necessidade, sobretudo nas proporções em que foi feito; construiu outra com pouca solidez, como foi o descarregador, que algum tempo depois desabou; e, finalmente, deixou de construir outras que estavam estipuladas no contracto: o que tudo consta dos documentos officiaes juntos a este processo, e entre outros das informações do Inspector das obras de Julho de 1848, e outra do seu Delegado de 25 d'Agosto do mesmo anno, do relatorio do Director das obras do Tejo de 6 de Dezembro de 1851, do officio do Major de engenharia Lino de Moura de 2 de Novembro de 1851, da informação do Inspector geral das obras publicas de 13 de Janeiro de 1852, e finalmente do relatorio do Intendente das obras do Tejo de 12 de Maio de 1853.
Por este ultimo relatorio, que é o mais recente, vê-se que ainda hoje a Companhia para cumprir o seu contracto tem de executar: 1.° um descarregador ou açude regulador, para evitar o alagamento dos campos; 2.° a abertura do canal desde a ponte d'Asseca até ao Tejo, no sitio das Onias; 3.° a continuação do canal desde a ponte d'Asseca, na direcção de Rio Maior, na extensão de duas legoas; 4.º corte das pontes de Sant’Anna e Val, para permittir a passagem commoda dos barcos; 5.º construcção de um maior numero de cáes, e bebedouros para os gados; 6.° a construcção de algumas obras, escoamento de agoas, e enxugo dos campos; 7.º a conclusão do concerto na bôca do dique de Vallada, na legoa onde a Companhia havia construido um bombaixo; e o acabamento do canal desde sua foz até á ponte d'Asseca.
Fica pois fóra de toda a duvida, que a Companhia não executou todas as obras a que se tinha obrigado no prazo estipulado no contracto, mas para se justificar desta falta de cumprimento das suas obrigações allega a Companhia diversos motivos que qualifica de força maior a fim de lhe aproveitar a disposição do artigo 7.º § 9.° que salva estes casos.
Vejamos até que ponto podem colher as razões allegadas pela Companhia.
Diz a Companhia que os acontecimentos politicos de 1846 e 1847 vieram interromper os seus trabalhos, já tirando-lhe os braços de que carecia ou alteando os salarios, já causando-lhe grave prejuizo nos seus fundos pelo excessivo agio das notas do Banco de Lisboa. Segundo algumas informações que vem juntas a este processo parece que a alta dos salarios não foi tão grande como a Companhia pretende, acontecendo mesmo o contrario passado o primeiro momento de sobresalto, por se acharem parados outros trabalhos e abundarem os braços; a perda resultante do agio das notas foi realmente um mal para todo o paiz, mas a Companhia não demonstra até que ponto este acontecimento a prejudicou e tolheu nos seus trabalhos.
Allega mais a Companhia ter encontrado obstaculos invenciveis, como são a falta de demarcação das margens do canal, e a da antiga valia de Asseca ás Onias, cujos trabalhos lhe foram embargados, accrescentando que, depois, de haver recorrido ao Governo, este nunca resolvêra as suas representações.
Em primeiro logar deve observar-se que o Estado não estava obrigado pelo contracto a fazer demarcação alguma de valias nem de suas margens, mas unicamente concedeu á Companhia pelo artigo 3.° § 1.° a propriedade por 40 annos das valias, esteiros e canaes com as suas agoas e margens, que são, tem sido ou devem ser consideradas como pertencentes ao Estado, sem se comprometter a auxilial-a na verificação legal destes factos; á Companhia pertencia pois proceder na conformidade das leis do paiz para tornar reaes os direitos que o Estado lhe tem cedido, quando elles fossem contestados.
O Estado só se comprometteu pelo § 12.° do artigo 1.º do contracto a auxiliar a Companhia quando lhe fosse preciso recorrer a expropriações judiciaes, e não era este o caso em questão. Esta intelligencia obvia do contracto é corroborada pelo parecer do Procurador geral da Corôa de 10 de Março de 1852.
Todavia o Governo, apezar de não ter rigorosa obrigação legal de intervir na resolução destas p questões da Companhia com os particulares proprietarios daquelles campos que bordam os canaes, não deixou de a auxiliar por todos os modos ao seu alcance para lhe facilitar quanto cabia nas suas attribuições todos os meios della poder executar o seu contracto.
Não é exacto, como pretende a Companhia, que as representações que dirigiu a Vossa Magestade em 26 de Junho e 24 de Outubro de 1846 em 15 de Novembro e 10 de Julho de 1848, e em 5 de Março de 1849, ficassem sem resposta alguma do Governo de Vossa Magestade, e sem nunca serem resolvidas.
A Portaria de 16 de Junho de 1849, ordenando ao Governador Civil de Santarem, que interviesse com a sua auctoridade na demarcação das margens dos canaes e leito das antigas valias, a fim de satisfazer ás reclamações da Companhia; a Portaria de 26 de Novembro, sobre o mesmo assumpto, indicando o modo de facilitar essa demarcação, e de chegar a uma resolução; as vistorias e accordos que tiveram logar em consequencia dessas Portarias em 15 e 26 de Março de 1850, alem de outras informações e intervenção de diversos engenheiros e auctoridades do Governo, que auxiliaram a Companhia na questão do esteiro de Azambuja, e outras relativas á posse contestada dos terrenos cedidos; e finalmente a Portaria de 3 de Maio de 1850, dirigida á Companhia, em que por parte do Governo de Vossa Magestade se resolve a questão das reclamações da Companhia; todos estes factos provam que é menos exacta a allegação da Companhia, quando diz que o Estado a abandonou completamente, sem resolver nunca nenhuma das suas reclamações.
O Estado fez tudo que podia fazer, e mesmo mais do que aquillo a que era obrigado, nos termos do contracto; á Companhia competia proceder judicialmente, pois em questões de propriedade o poder judicial é o competente, se queria chegar a uma resolução.
Allega tambem a Companhia, que o Governo de Vossa Magestade não mandou concluir o dique de Vallada, como ella lh'o reclamara. Não existe disposição alguma no contracto, que obrigue o Estado a fazer similhantes obras, nem que sujeite o andamento dos trabalhos da Companhia ás reparações daquelle dique; portanto a Companhia não tinha direito algum para fazer tal reclamação, e ainda menos de se querer apoiar sobre esse pretexto para não executar o seu contracto. Mas accresce, que tendo-se a Companhia offerecido para fazer o projecto das obras do dique de Vallada, que julgava indispensaveis na sua representação de 18 de Março de 1846, e tendo-se-lhe recommendado em Portaria de 1 de Maio do mesmo anno, que apresentasse um trabalho, não consta officialmente que ella até hoje satisfizesse tal recommendação, apesar de ser interessada nisso, e de se ter offerecido para o fazer, como mais conhecedora das localidades e da relação que áquellas obras deviam ter com as dos canaes, cuja construcção estava a seu cargo.
Mas o Governo foi mais solicito do que a Companhia, mandou á Companhia das Lezírias, a cujo cargo tinha ficado a conservação e melhoramento do dique de Vallada pelo seu contracto, que fizesse algumas obras. Porém, tendo-se os proprietarios recusado a pagar o imposto de fabricas, cujo producto devia ser applicado para áquellas obras, e havendo os tribunaes judiciaes decidido a favor destes e contra a Companhia das Lezírias, julgou-se esta exonerada daquelle encargo, por faltar o cumprimento da condição com que o tomára. Em consequencia, o Governo, em 28 de Janeiro de 1852, auctorisou o Inspector geral de obras publicas agastar nas obras do dique de Vallada a quantia de 5:834$660 réis.
Diz a Companhia, que o Governo tem deixado atrazar quatro trimestres o pagamento dos juros das inscripções que lhe garantiu pelo contracto. Se o Governo tivesse deixado de pagar os juros antes de findo o prazo estipulado no artigo 7.º § 9.º para a conclusão das obras, elle teria faltado nessa parte ao contracto; mas pela representação que a Companhia dirigiu a Vossa Magestade em 11 de Junho de 1851, pedindo então a encampação do seu contracto, se vê que ella não allega a falta de cumprimento, por parte do Estado, em referencia ao pagamento dos juros; portanto, se o Governo só deixou atrazar esse pagamento depois da Companhia não ter executado o contracto, porque não ultimou as obras em Junho de 1849, como era sua obrigação, é evidente que a Companhia não póde pretextar que esse facto fosse força maior para impedir a execução de um contracto que ella já tinha deixado de cumprir antes delle se verificar. Nem dahi póde provir responsabilidade legal ao Estado, porque sendo o contracto synallagmatico e billateral, se uma das partes o deixa de cumprir, a outra fica ipso facto desobrigada.
Do que o Conselho deixa expendido deduz-se que o Estado pela sua parte cumpriu o contracto, e que a Companhia foi quem o deixou de cumprir, sendo que o caso de força maior que a impossibilitasse se não acha devidamente provado.
Como porém se não póde suppôr na Companhia má vontade, e só na sua gerencia se commettessem erros pouco de estranhar n'um paiz onde não ha o habito de emprezas desta ordem, ac crescendo que ella tem já executado obras de utilidade real, e estabelecido uma carreira diaria de navegação entre a foz do canal e a Ponte de Asseca, de grande vantagem para o publico, luctando em verdade com difficuldades, que pela maior parte não creou, filhas, já de interesses particulares, já de preconceitos, já de outras circumstancias, que se manifestam n'um paiz onde as vantagens da viação publica ainda não são devidamente apreciadas; e sendo certo que ao Governo convem animar emprezas desta ordem, e auxilial-as quanto fôr compativel com a equidade, a fim de attrahir para ellas os capitães, entende o Conselho que alguma cousa deve fazer o Governo de Vossa Magestade para melhorar a situação em que a Companhia se acha.
Na sua representação do 1.° de Setembro de 1852 já a Companhia desistiu do pedido de encampação a que não tinha direito; parece disposta a continuar as obras, com a condição de que o Governo tome algumas providencias que lhe facilitem a sua execução; as providencias pedidas são as seguintes:
1.º Ordenar o Governo a demarcação das margens do canal.
2.º Resolver a questão suscitada pela Camara municipal e habitantes de Santarem, ácerca da valia entre a Ponte de Asseca e as Onias.
3.º Mandar continuar o dique de Vallada.
4.º Demarcar a valia travessa.
5.º Prorogar os prazos estipulados para a conclusão dás obras contractadas, e para a duração da Companhia.
6.º Compellir os proprietarios a fazer as valias de esgoto a que são obrigados, pondo-as em harmonia com aquellas que a Companhia tem obrigação de levar a effeito.
7.º Decretar um bom regulamento para a policia do canal.
8.º Mandar pagar á Companhia a importancia dos juros das inscripções respectivos aos quatro semestres em divida, os quaes, segundo as estipulações do contracto, não reputa a Companhia comprehendidos nas disposições do Decreto de 3 de Dezembro de 1851.
9.º Fazer pontualmente no tempo marcado no contracto o pagamento dos juros garantidos aos accionistas.
Em quanto ás condições 1.º, 2.º e 4.* entende o Conselho, que o Governo se não póde obrigar senão a auxiliar a Companhia, mas não a ordenar a demarcação, sem que esta apresente titula que a justifique, visto que pelo artigo 284.° do Código Administrativo «as questões sobre titulos de propriedade ou de posse pertencem exclusivamente ás justiças ordinarias.» E esta a opinião do Procurador geral da Corôa, na sua consulta de 10 de Março de 1852.
A 3.º, relativa á continuação do dique de Vallada, julga-a o Conselho exequivel, urgente e de grande utilidade não só para a Companhia dos Canaes, mas para os lavradores de todos aquelles campos hoje sujeitos ás invasões destruidoras do Tejo, na occasião das cheias.
A 5.*, que se refere á prolongação do prazo para a conclusão das obras, é indispensavel e uma consequencia necessaria do accôrdo que o Governo fizer com a Companhia, por isso que a prazo estipulado no contracto já está terminado.
A 6.º, pela qual o Governo se deve obrigar a compellir os proprietarios a abrir valias de esgoto, entende o Conselho que o Governo se não póde obrigar senão nos termos das leis em vigor, ou de outra que o Governo julgar dever submetter á approvação do Parlamento, e que sobre este ponto conviria ser ouvido o Delegada do Procurador geral da Corôa junto ao Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria.
A 7.º, pela qual o Governo se obriga a decretar um regulamento de policia para o canal, julga: o Conselho que se deve admittir, pois ha reconhecida e urgente necessidade de regulamentos, não só para a policia deste canal, mas para a de todas as communicações fluviaes; todavia, como o assumpto é muito grave e carece de profunda meditação e estudo, será prudente não estipular um prazo muito restricto para a sua publicação.
A 8.º, que se refere ao pagamento atrazados juros das inscripções, julga o Conselho que, se a Companhia tivesse cumprido o contracto, o Governo pelo artigo 4.° do mesmo contracto estava obrigado a esse pagamento, mas como isso está em contestação, a realisação delle fica dependente do accôrdo a que se chegar. Pelo § Ç.° do artigo 4.° do contracto o rendimento das inscripções era expressamente isento de qualquer reducção ou alteração no juro, tendo esta logar por uma Lei geral, devia ser entregue á Companhia uma somma de inscripções tal, que lhe prefizesse sempre o mesmo rendimento; portanto o pedido que a Companhia faz neste sentido parece justo, posto que em definitivo, pelas razões já ponderadas, a sua resolução dependa do accôrdo a que se chegar.
A 9.ª pela qual o Governo se deve obrigar a pagar pontualmente o juro das inscripções é inutil, porque essa estipulação já esta consignada no artigo 4.° do contracto.
O Conselho julga dever lembrar, que em qualquer accôrdo a que o Governo de Vossa Magestade possa chegar com a Companhia se deve estipular alguma cousa relativamente ás sommas já dispendidas pela Companhia e ás que ella houver de dispender, pois pelo artigo 4.° do contracto o Estado é obrigado a amortisar todo o capital empregado pela Companhia, e pelo artigo 5.º lhe garante o juro de 5 por cento sobre esse capital deduzida a respectiva amortisação.
O § 7.° do artigo 4.º diz mui expressamente que
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o Governo tem o direito de tomar pleno conhecimento dos capitães empregados pela Companhia na confecção das obras, e é só sobre esses capitães que se garante o juro e amortisação, e não sobre aquelles que por ventura a Companhia desbaratou ou desbaratar por sua má administracção.
Fundado nesta consideração e na observação de que no artigo 1.º do contracto se não define bem o modo por que devem ser executadas as obras, é o Conselho de opinião que os projectos de quaesquer obras que hajam de fazer-se devem ser previamente submettidos á approvação do Governo, para segurança do bom emprego dos rendimentos publicos, por meio dos quaes a Companhia vem a final a ser paga de todas as suas despezas e do juro dos seus capitães. A Companhia já tem submettido alguns projectos á approvação do Governo, mas convem que em qualquer accôrdo que se faça vá bem expressa essa condição, e bem assim a que se refere á fiscalisação do rendimento que a Companhia receber, o qual quanto maior for, mais diminue o onus do Estado, relativo á garantia dos 5 por cento sobre o capital empregado. Neste ponto importante sobre o modo de avaliar o capital empregado pela Companhia na feitura das obras, tem o Conselho tanta mais attenção e cuidado, porque, dependendo da exactidão com que elle é verificado e liquidado o onus resultante para o Thesouro Publico, vê o Conselho que a commissão nomeada por Portaria do Ministerio do Reino de 23 de Setembro de 1850, para examinar as contas da Companhia dos Canaes de Azambuja, no seu relatorio de 4 de Novembro de 1850 avalia o capital empregada pela Companhia até ao fim de 1849 em toda a importancia das entradas dos accionistas, isto é, 308:000$000 réis, em quanto que o Inspector geral das obras publicas na sua informação de 19 de Janeiro de 1852, baseada no relatorio do Engenheiro encarregado de examinar as obras feitas, de 6 de Dezembro de 1851, apenas orça o valor destas obras até ao fim de 1849 em réis 120:000$000, o que dá uma desproporção immensa entre o valor destas obras e o capital que se reputa dispendido nellas.
Por esta approximação se vê a importancia que ha em olhar com attenção para esta parte do cumprimento do artigo 4.º § 7.°, principalmente se por falta de accôrdo fôr necessario recorrer á rescizão do contracto.
Em resumo, o Conselho julga que o caso de força maior que impossibilitasse a Companhia de executar o contracto não está devidamente provado nas allegações por ella apresentadas; que não obstante isso, tendo a Companhia luctado com graves difficuldades, já provenientes da sua inexperiencia, já de outras circumstancias alheias á sua gerencia, e sendo uteis as obras já começadas, e de vantagem publica que se ultimem e se protejam as Companhias que se empregam em obras de utilidade publica, a fim de attrair os capitães para estas proficuas emprezas, em presença destas considerações e nos termos que o Conselho tem a honra de indicar, convem auxiliar esta empreza, e chegar com ella a um accôrdo que, sem ser nocivo ao Estado, nem lhe prejudicar os seus direitos, levante a Companhia da posição pouco vantajosa em que se acha, e faça com que a nação aproveite dos capitães alli dispendidos, e que ella a final tem de pagar.
Tal é a opinião do Conselho; Vossa Magestade, porém, Resolverá o que fôr mais justo.
Sala do Conselho em 26 de Março de 1856. = Visconde da Luz — José Feliciano da Silva Costa = José Bento de Sousa Fava — Albino Francisco de Figueiredo e Almeida — Belchior José Garcez = Isidoro Emilio Baptista — Joaquim Thomás Lobo d'Avila, Secretario.
SENHOR! A Camara municipal do concelho de Azambuja, e os lavradores dos campos da mesma villa, vão por este meio e mui respeitosamente, soccorrer-se á Alta Munificencia de Vossa Magestade, a fim de que Se Digne dar as providencias necessarias, e tendentes a evitar a continuação da medida que a Companhia dos Canaes de Azambuja acaba de pôr em pratica, com manifesto prejuizo dos signatarios, e contra as condições do seu contracto, como tem a honra de submetter á Alta Consideração de Vossa Magestade.
A Companhia dos Canaes de Azambuja, em virtude do contracto celebrado, por escriptura de 23 de Março de 1844, entre o Governo e o Marquez de Fayal, e outros, confirmado e approvado por Alvará de 25 de Abril do mesmo anno, obrigou-se pelo § 9," do artigo 1.° do seu contracto a conservar, melhorar ou construir de novo nas margens do canal, os cáes que fossem necessarios para o commodo serviço de generos e passageiros; e pelo § 5.° do artigo 3.º se lhe concedeu o exclusivo de barcos de passagem para atravessar os canaes, com os direitos correspondentes aos que até alli se percebiam.
Em execução destas disposições, a Companhia na impossibilidade, cuja causa se ignora, de formar uma ponte na foz do esteiro, que da villa de Azambuja vai entroncar na valia real, e que deveria ficar substituindo a passagem antiquissima que alli existia para o sul, dos gados dos lavradores, ficando a barca para transporte dos passageiros e generos, mandou construir, mas não acabou, na margem do norte, um cáes de pedra não só para o embarque destes, mas tambem para a passagem daquelles.
Com esta construcção imperfeita, os signatarios não só ficaram privados dos cáes antigos, tanto de madeira como de pedra, que em ambas as margens existiam para aquelles fins, e que em parte foram destruidos com a formação do, novo cáes, e em parte pela continuação da passagem dos gados e innundações frequentes, mas de mais a mais dentro em pouco, se viram na necessidade de a ella renunciarem, tanto para evitar a continuação dos sinistros que alli sedavam, em consequencia das muitas estacas (destroços do antigo cáes da margem do sul), nos quaes se cravavam os bois e cavalgaduras, como pela difficuldade que os gados encontravam para vencer a dita margem pela falta de um cáes com as dimensões e declive necessario.
Na impossibilidade daquella passagem, o transito dos gados se fez pela ponte da repreza, sem encontrar obstaculo algum da parte dos empregados da Companhia, livre de todo e qualquer direito, em consequencia de se acharem avançados para com o arrematante dos direitos da passagem indicada.
Com quanto porém esta passagem se lhes tornasse incommoda, tanto pela distancia, que eram obrigados a fazer percorrer aos seus gados para a ella chegar, como pelo tempo perdido nesse longo transito, que deixavam de percorrer quando a outra estava praticavel, todavia della gosaram por mais de oito annos, sem outro onus que o de pagarem por avance ao arrematante dos direitos da passagem da foz do esteiro a respectiva contribuição.
Porém hoje a Companhia, esquecendo-se de que não cumpriu com a condição exarada na primeira disposição citada, e que por esta razão os lavradores se acham privados daquella importante e antiquissima passagem, mais por desleixo da mesma Companhia, do que por falta de meios necessarios para a construcção dos cáes indispensaveis, acaba de tornar por editaes obrigatorio, para todos indistinctamente, o pagamento dos direitos marcados na tabella annexa ao contracto, pelos gados que passarem pela referida ponte.
É contra esta medida que os signatarios representam a Vossa Magestade, não só pelas ponderações já feitas, mas tambem porque para a Companhia poder exigir aquelles direitos, torna-se indispensavel ou que reconstrua na foz do esteiro os cáes necessarios para a boa e facil passagem dos gados na fórma estipulada, ou que forme naquelle sitio uma ponte para aquelle fim; porque feito isto os signatarios preferem esta passagem, tanto por ser mais proxima, como por economisar mais tempo aquella, na qual de boa mente se sujeitam ao pagamento dos correspondentes direitos, quando della se queiram servir para a passagem dos seus gados.
Os signatarios ponderam mais a Vossa Magestade, que tendo-lhes a valia, pela sua pouca profundidade, e pela altura de agoa que sempre tem, causado a perda de mais de noventa moios de terreno, que por se achar no nivel da valia, e de impraticavel desaguo se acha todo allagado, e tornado um foco perenne de infecção; entende que não deve ficar silenciosa em presença deste accrescimo de prejuizos, incommodos e transtornos, que com a mencionada medida a Companhia, contra toda a justiça, causa aos signatarios.
Por esta razão, aliás de reconhecida justiça, os signatarios, com quanto podessem valer-se da disposição do § 9.° do artigo 7.° do contracto, e mostrar que a Companhia por não ter, no prazo que se estabeleceu, satisfeito as obrigações que contraiu, perdeu todos os direitos, vantagens, e fruições que pelo dito contracto lhe foram conferidos, todavia limita-se por agora em solicitar de Vossa Magestade que se obrigue a Companhia a fazer na foz do esteiro, e em ambas as margens um cáes solido, e com proporções e declive necessarios, tanto para a bordagem da barca como para passagem dos gados; e que em quanto aquellas obras se não fazem, ou em quanto se construirem se lhes conceda a passagem livre pela ponte da repreza, ficando todavia elles obrigados ao pagamento dos respectivos direitos pela fórma até hoje usada, e de que em virtude do seu contracto com o arrematante, se não podem desviar — Pedem A Vossa Magestade, que tomando em consideração o exposto, Se Digne differir-lhes como fôr de justiça.
Azambuja, 28 de Julho de 1856. — O Presidente da Camara, Francisco Antonio Máximo de Abreu — Os Vereadores, José Luiz Corrêa de Barros — Manoel Joaquim Mendes — José Zacarias Duarte — Os lavradores, Joaquim José Vito de Abreu — Antonio Gaudencio Corrêa Cotrim — Ildefonso José Cotrim de Carvalho — Antonio José de Lima e Dór — Antonio Pedro de Carvalho Abreu — Felix José de Carvalho — José Felix — Francisco da Motta Cabral — Honorato José Torres Machado — Gerardo José — José Manoel Garrido.
Parecer do Conselheiro Ajudante do Procurador geral da Corôa. Vi esta representação e mais documentos, que a acompanham, e por quanto, os factos em que a Camara supplicante assenta o seu pedido, confirmado pelas auctoridades administrativas, são negados ou contestados pela empreza supplicada, parece-me que se deverá proceder a uma vistoria em que se averigue de que lado e até que ponto está a verdade. Esta vistoria deverá ser feita por ordem do Governo, e por via do Engenheiro Director das obras publicas no districto, ou pelo que dirige as obras do Tejo, com citação dos interessados para assistirem, querendo, e deverá lêr por fim averiguar se a empreza, pela sua parte, satisfez as condições a que se obrigou, e de que os direito» em questão devem ser a paga. Ministerio das Obras Publicas, 24 de Dezembro de 1856. — Rodrigo Nogueira Soares.
Secretaria da Camara dos Dignos Pares, em 26 de Janeiro de 1859. = Carlos da Cunha e Menezes.