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O sr. Secretario (Conde de Peniche): — Mencionou a seguinte correspondencia:

Um officio do ministerio dos, negocios estrangeiros enviando, para se distribuirem pelos dignos pares 100 exemplares das contas da sua gerencia do anno económico de 1861-1862. Mandaram-se distribuir.

O sr. Presidente; - Declaro á camara que a sessão solemne das cortes geraes para o reconhecimento do Principe Real, terá logar na quinta feira, ás onze horas da manhã, na camara, dos senhores, deputados, e que, findo o acto do reconhecimento será logo nomeada a grande deputação que ha de ter a honra de apresentar a Sua Magestade as respectivos authographos. E como a ceremonia tem de ser demorara, e Sua Magestade a recebe ás duas horas e meia da tarde, eu pedia aos dignos pares que comparecessem á hora indicada para não haver falta.

O sr. Visconde de Sá da Bandeira: — Sr. presidente, pedi a palavra para cumprir um dever estabelecido pelas praticas, parlamentares, o qual consiste em dizer o motivo da minha retirada do ministério.

A camara sabe por participação official que recebeu, que pedi a Sua Magestade a minha exoneração do cargo de ministro da guerra, e que esta me foi concedida. Vou dar algumas explicações a este respeito.

O parlamento tinha dado uma auctorisação ao governo para melhorar a organisação do exercito nas suas differentes partes. Este trabalho foi demorado, porque se esperavam os relatorios das commissões particulares encarregadas de tratar dos melhoramentos de cada uma das armas de infanteria, cavallaria e artilheria. Quanto á engenheria e ao corpo do estado maior, foram os trabalhos incumbidos aos respectivos generaes commandantes.

Havendo sido o plano de organisação publicado na ordem do exercito, appareceram varias reclamações, algumas das quaes eu entendi que deviam ser attendidas. Não deve admirar que as houvesse, porque em um decreto que contém perto de cento e oitenta artigos, podia facilmente dar-se uma omissão, ou existir uma disposição que não fosse bem ajustada, sendo por consequencia susceptivel de correcção.

Quando se distribuiu o referido plano na outra camara, foi ali proposto que elle fosse mandado á commissão de guerra, para o examinar, a subsequentemente tambem se propoz que fosse suspensa a execução do decreto.

Pela resolução tomada a tal respeito, pareceu me que tinha cessado de existir a boa harmonia que sempre houvera entre aquella camara o o ministro da guerra, e attendendo ás condições do systema representativo, as quaes exigem que haja perfeita harmonia entre o poder legislativo e o poder executivo, entendi que devia pedir a demissão do cargo de ministro da guerra, prestando assim respeitosa homenagem, aos principios constitucionaes (apoiados).

Por esta occasião devo agradecer aos dignos pares as expressões de benevolencia que empregaram a meu respeito, e peço a ss. ex.ª que aceitem o meu cordeal reconhecimento; cumpre-me dirigir me especialmente ao digno par o sr. Rebello da Silva, que tomou a iniciativa n'essa demonstração de tanto favor.

Vozes: — Muito bem.

O sr. J. A. de Aguiar: — Sempre fez a devida justiça á nobreza de caracter, honradez e lealdade do sr. visconde de Sá, e que n'este sentir era unanime toda a camara, por isso mesmo, tendo ouvido as explicações de s. ex.ª, que são, como não podem deixar de ser, a expressão da verdade, observa que é d'ellas mui diversa a causa para a sua saída do ministerio, do que aquella que os seus collegas annunciaram. Estes disseram que tinha sido um compromettimento pessoal de s. ex.ª, que lhes não tinha communicado a reforma do exercito, e o sr. visconde declara que foi acto espontâneo de delicadeza da sua parte para remover a causa do conflicto que se dava entre o poder executivo, e uma das casas do corpo legislativo.

O sr. Visconde de Sá da Bandeira: — Os factos passaram se assim. A lei que auctorisou o governo a melhorar a organisação do exercito contém as bases d'esta organisação e define os limites da mesma auctorisação. Segundo a lei a despeza resultante das alterações que se fizessem, não devia exceder a despeza do orçamento votada, o numero dos officiaes do exercito não devia ser maior do que o que existia, e os quadros dos officiaes deviam ser fixados. Todos os ministros conheciam estas bases, e estavam ao facto de que o decreto fóra publicado, pois que se acha mencionado na falla do throno (apoiados). Nenhuma das disposições d'aquella lei foi ultrapassada.

Sr. presidente, quando na outra casa se deu o facto a que me referi, eu na qualidade de ministro de guerra, fui convidado pelo sr. presidente da commissão de guerra da mesma camara para assistir a uma conferencia. Effectivamente assisti a ella, e devo declarar á camara, que n'essa occasião todos os membros da mesma commissão, sem excepção, procuraram combinar esse assumpto da maneira a mais conveniente para desfazer as difficuldades que existiam. Entretanto, eu entendi que não devia continuar no cargo de ministro de guerra. No dia seguinte escrevi ao sr. presidente do conselho perguntando lhe quando o encontraria em sua casa; e logo que me achei com s. ex.ª, disse-lhe que tinha resolvido saír do ministerio, e que eu ía á secretaria da guerra immediatamente para fazer lavrar o decreto da minha demissão, que ía solicitar de Sua Magestade. N'esta mesma occasião disse-lhe o seguinte: «Que a minha retirada do ministerio não era um motivo para que se alterasse a situação politica». Que sendo certo que para a boa gerencia dos negocios publicos deve existir perfeita harmonia entre o poder legislativo e o poder executivo, e que quando haja divergencia deve-se procurar voltar ao estado normal, ha comtudo differentes meios de chegar a este estado, sendo um delles as dissolução da camara electiva; outro o augmento de numero de pares; outro a demissão do ministerio; e ainda em certos casos a demissão de um ou mais ministros. Que é esta a pratica seguida em todos os paizes em que existe o systema parlamentar. Que em Inglaterra tem acontecido apresentar o ministro da fazenda de accordo com os seus collegas, um bill á camara dos communs, e que não sendo este approvado saír do gabinete, elle só e não os seus collegas; e que a questão de que se tratava era com o ministro da guerra; pois que, se bem os outros ministros conheciam as bases da reforma, não tinham entretanto discutido os detalhes da mesma reforma.

Uma voz: — Ouçam (apoiados). Continuando: — Muitas vezes se tem feito isto mesmo. Pedindo um ministro auctorisação para reformar j uma parte do serviço do seu departamento, e concluindo o seu trabalho sem discutir com os seus collegas os detalhes da reforma. E isto provem de que para julgar dos detalhes de um serviço de cada ministerio,

O mais habilitado é o respectivo ministro. Assim, por exemplo, o ministro da justiça é o mais competente para fazer certos trabalhos a respeito do clero, ou a respeito dos juizes; trabalhos de que o ministério da guerra não entende, e por isso ácerca d'elles não é preciso o seu conselho.

- Eu disse aos meus collegas que no decreto de reforma não se tinham ultrapassado os limites marcados na lei. E effectivamente não se augmentava o numero dos officiaes nem a despeza, e fixavam-se os quadros; e a maior parte dos artigos da reforma são disciplinares ou a codificação do que se achava já determinado.

Com effeito adoptou-se o que ha de bom no plano de organisação de 1849, e tambem o que se podia aceitar dos planos de organisação de 1816, de 1834 e de 1837.

Prestou se toda a attenção aos excellentes relatorios das commissões especiaes, relativos á organisação da infanteria, cavallaria e artilheria, e aos relatorios dos generaes commandantes de engenheria e do corpo do estado maior. Tiveram-se em vista varios escriptos que se têem publicado no reino, relativos á organisação do exercito, e consultaram-se documentos officiaes sobre a presente organisação de diversos exercitos estrangeiros.

Uma grande parte das disposições geraes contidas no novo plano, podiam ser tomadas dentro dos limites da auctoridade ordinaria do ministro da guerra, bastante para serem executadas a sua simples publicação na ordem do exercito. Entretanto como, os meus collegas não entraram na apreciação dos detalhes d'esta medida, eu entendo que elles não estavam obrigados, a deixar a administração como eu estava. E isto o que eu entendo em consciencia. O que deixo dito está conforme com o que se passou.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Rebello da Silva: — As explicações que acaba de dar o digno par, o sr. visconde de Sá, confirmam o juizo que eu tive a honra de enunciar n'esta camara, quando s. ex.ª saíu do ministerio, ácerca da nobreza do seu caracter; e não deixam a menor duvida sobre o antigo conceito que, não só eu, mas toda a camara, formou sempre das suas distinctas qualidades (apoiados). E uma declaração cheia de lealdade, propria do seu bom nome, e digna da alteza e elevação natural de sentimentos com que o digno par costuma proceder, quando o seu melindre se acha levemente aggravado, com relação ao cumprimento dos seus deveres officiaes.

A theoria que o digno par acaba de expor parece-me exacta. Dado conhecimento ao conselho de ministros das bases de qualquer acto governativo, os detalhes, os pormenores d'elle não se costumam, não se podem mesmo discutir. Se qualquer ministro fosse occupar o conselho com as particularidades do desenvolvimento de todas as suas propostas, pouco tempo sobraria ao governo para fazer outra cousa; e examinados e approvados os pontos capitães estão vistos e sabidos o pensamento e os principios em que se funda á medida, pensamento e principios que lhe dão a feição proeminente, e sem os quaes não póde existir. O exame do conselho de ministros n'este caso serve só para cobrir a responsabilidade solidaria. Se o sr. visconde de Sá, pois, communicou aos seus collegas as bases da reforma, e era indispensavel que assim obrasse em obediencia á lei, a questão torna--e mais grave, e a approvação ou rejeição do decreto não póde alcança-lo só a elle. Cumprida n'esta parte a lei de 23 de junho de 1855, a qual ordena expressamente que todos os assumptos importantes sejam discutidos em conselho de ministros, justamente para obrigar todo o gabinete por elles, e para tornar verdadeira e effectiva a responsabilidade constitucional, é difficil admittir a doutrina de que elle devia saír e os seus collegas podiam ficar, senão houve outra causa que produzisse no seio do gabinete alteração essencial. O systema representativo converter-se-ia em pura ficção e a fiscalisação parlamentar seria mera illusão, se pelo facto de um ministro desapparecer repentinamente, desapparecesse com elle toda a responsabilidade, e os outros, ficando, podessem dizer — não sei, não vi!

As explicações do meu nobre amigo, repito foram dignas da sua lealdade, parece-me comtudo que não estão de perfeito accordo com o que se declarou nos bancos do ministerio ha dias na replica ás interpellações que ouvimos. Não ter apresentado a reforma ao conselho de ministros, é diverso de lhe ter submettido as bases d'ella. O digno par asseverou hoje ter dado conhecimento aos collegas dos pontos capitães.

(Signaes negativos em alguns membros da assembléa).

O Orador (ao sr. Visconde de Sá, que se achava ao seu lado): — O digno par não affirmou que deu conhecimento aos seus collegas das bases da reforma do exercito?

O sr. Visconde de Sá: — Disse que dei conhecimento de toda aquella medida, mas dos detalhes d'ella não.

O Orador: — E isso mesmo, deu conhecimento da medida, por consequencia deu conhecimento das bases della.

Repito, se o digno par deu parte aos seus collegas, o decreto não foi publicado com ignorancia do gabinete, e se houvesse algumas duvidas, o sr. visconde de Sá tinha assento no conselho para as esclarecer; logo desde esse momento o decreto não era só d'elle, mas de todo o ministerio. Eis o ponto que eu desejo que fique n'este momento bem claro.

Sobre o que disse o sr. visconde de Sá ácerca da doutrina da solidariedade ministerial, peço licença para dizer alguma cousa. Depois de adoptadas algumas providencias em virtude de auctorisação das côrtes, póde de certo o ministro saír do gabinete; tem succedido varias vezes, occorre o mesmo em Inglaterra e na França constitucional; mas em que circumstancias? Quando os membros do gabinete não estavam de accordo, quando a maioria do conselho seguia uma opinião, e a minoria outra; n'estas circumstancias o gabinete dissolve-se todo, ou retiram-se d'elle os ministros que não estão conformes. Talvez vejamos cedo um exemplo d'esses na Gran Bretanha. O que não acontece porém, é saír só o ministro, ao qual os collegas deram um voto de confiança, e depois de se referir a reforma com ostentação entre os actos inculcados no discurso da corôa. Não é a lei, nem o costume!

O sr. Braamcamp saíu, diz-se, por causa da parte do decreto que legislou sobre a guarda municipal. Não julgo. Retirou se por suppor a sua delicadeza empenhada n'este conflicto; e devo declarar aqui hoje que, apesar de não concordar com s. ex.ª, nos ultimos tempos, no modo de attender e decidir varios assumptos politicos e administrativos, este dessentimento nunca me impediu de conhecer e presar o seu caracter probo e desinteressado. Rendo lhe aqui depois de recolhido á vida privada este testemunho insuspeito, não porque s. ex.ª o precise, mas porquê sempre me honrei de ser justo e respeitador das qualidades dos meus adversarios, e o primeiro a louva los sem inveja nem rancor.

O sr. Braamcamp entendeu que a saída do sr. visconde de Sá o obrigava a pedir a sua demissão; obriga lo ía só em virtude da assignatura dada ao decreto, ou sobretudo em nome do principio mais alto da solidariedade?

Essa é a questão, e bom seria que ouvíssemos o governo ácerca d'ella. Não desejo que debates d'esta natureza corram nunca á sua revelia.

Parecia mais em harmonia com as boas regras que a demissão do nobre visconde de Sá não se verificasse antes de discutida a resposta o discurso do throno, e sem a. ex.ª ter respondido ás arguições que lhe offerecesse o corpo legislativo; só depois da discussão geral e da votação das camaras é que seria parlamentar e constitucionalissimo que s. ex.ª se retirasse, conhecendo que perdera a maioria.

A verdade é que não podemos estar assistindo continuadamente como espectadores indifferentes ao desabamento de uns ministros e á nomeação de outros sem crise que o motive; é necessario que o ministerio aceite a responsabilidade dos seus actos; acrescentarei mesmo, que um paiz pequeno quando progride como o nosso nos ultimos annos á sombra das instituições e da paz, deve ser cada vez mais severo e cauteloso em exigir que ellas se não invertam ou degenerem, porque a liberdade não vive só do que está escripto na carta, mas de tudo que os costumes politicos e a acção do parlamento introduziram para as fortificar e desenvolver. Assim se pratica em Inglaterra, e entre nós desde a promulgação sobretudo da lei de 23 de junho de 1856.

Agradeço as explicações que o digno par deu á camara, e repito que s. ex.ª não fez senão confirmar o meu juizo a seu respeito. O digno par em todas as circumstancias ha de corresponder sempre ás virtude a e prendas do seu nobre caracter; mas concluirei que não acho conformidade completa entre as palavras do sr. visconde de Sá e as que ouvi dos bancos dos ministros; pelo contrario, parece notar entro ellas grande differença, e a differença é que s. ex.ª acaba de assegurar que deu conhecimento aos seus collegas das bases da reforma, e não dos detalhes, e como a auctorisação não foi concedida ao digno par, mas a todo o governo, a difficuldade fica e a sua saída não a remove.

N'estes termos julgo util provocar algumas explicações por parte do gabinete, o qual seguramente não desejará mais do que eu esclarecer esta confusão.

Equívocos em assumptos tão graves são sempre maus. Vae n'elles, não só a honra dos ministros, e essa estou certo de que não padecerá nódoa, mas o interesse da lealdade do exercicio das instituições representativas.

O sr. A. X. da Silva: — Se o digno par que acabou de faltar começasse pelo modo como acabou, asseguro á camara que não teria pedido a palavra. Eu não duvido que ao digno par, e tambem ao digno par o sr. Aguiar, seja necessario pedir ao governo quaesquer explicações sobre este acto ministerial, mas parece-me que guardadas todas as conveniencias que se devem ter para com qualquer cavalheiro, é na sua presença que se devem discutir as suas palavras, como muito bem reconheceu o digno par no fim do seu discurso.

Convide se o nobre presidente do conselho e na sua presença discutam se as suas explicações estão ou não em harmonia com as que deu o nobre visconde de Sá.

Peço pois que este negocio fique reservado para quando estiver presente o nobre presidente do conselho, e do passagem direi que não acho motivo para tanta novidade na saída do nobre visconde de Sá, de ministro da guerra, em consequencia da reforma da organisação militar, feita em virtude da auctorisação que fóra dada ao governo pelo parlamento, nem o sr. ministro que lhe succedeu propor que a mesma reforma seja alterada, modificada ou annullada, quando, sem ir muito longe, lembro-me que o digno par o