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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

SESSÃO DE 27 DE JANEIRO DE 1858.

Presidencia do ex.mo sr. Visconde de Laborim,

vice-presidente.

Secretarios, os Srs. Conde de Mello

Visconde de Balsemão.

(Assistia o Sr. Ministro das Obras Publicas.) Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 26 Dignos Pares, declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da sessão antecedente, contra a qual não houve reclamação.

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Leram-se mais as actas de duas reuniões antecedentes, sobre a segunda das quaes

O Sr. Conde de Thomar duvida, que não podendo abrir-se a sessão, possa fazer-se uma acta. Como se póde dizer, que o Sr. Presidente levantou a sessão, se a não abriu? E como póde ella abrir-se não havendo numero legal? Não se póde encerrar uma cousa que se não abriu....

O Sr. Visconde de Balsemão — Peço perdão ao Digno Par. Eu acho precedentes na secretaria de se fazerem actas de todas as reuniões da Camara.

O Sr. Conde de Thomar não diz que faltem precedentes; mas se os ha, parece-lhe que ha logar a meditar sobre isso; a não ser que haja alguma disposição no regimento a este respeito que elle ignore....

O Sr. Visconde de Balsemão — Aqui dá-se o titulo de acta da reunião____

O orador ouviu lêr que se linha levantado a sessão, e isso não póde ser, porque a sessão não se abriu. Portanto, não podendo o Sr. Presidente declarar aberta a sessão, sem haver numero legal para a Camara podér funccionar, não se póde dizer na acta, que se fechou o que se não abriu.

O Sr. Visconde de Castro — Mando para a Mesa um parecer de commissão.

A imprimir.

ORDEM DO DIA.

Discussão do parecer (n.° 94).

Foi presente á commissão especial nomeada para dar o seu parecer sobre o requerimento documentado do Conde de Linhares (D. Rodrigo), filho legitimo do fallecido Par do Reino Conde de Linhares (D. Victor), pertendendo tomar assento nesta Camara; e a commissão, tendo effectivamente examinado, como lhe cumpria, os documentos com que o mesmo requerimento vem instruido, verificou que elles demonstram a existencia de todos os requisitos que para similhante fim são exigidos pela Carta de lei de 10 de Abril de 1845; e portanto que a referida pertenção está nos termos de ser deferida, em conformidade com a mesma Lei.

Sala da commissão, 25 de Janeiro de 1858. = D. Antonio José de Mello e Saldanha = Francisco Simões Margiochi = Joaquim Antonio de Aguiar = Joaquim Larcher — D. Pedro Pimentel de Menezes de Brito do Rio — Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.

(Vozes — Votos, votos.)

O Sr. Presidente — Como ninguem pede a palavra, vão distribuir-se as espheras.

Corrido o escrutinio, como tivessem entrado na uma 27 espheras brancas, disse

O Sr. Presidente — Foi unanimemente approvado o parecer.

O Sr. Marquez de Vallada — Não sei se o Digno Par que foi admittido está no edificio....

O Sr. Presidente — Não, senhor, não está; mas manda-se avisar.

O Sr. Marquez de Vallada — Muito bem.

O Sr. Presidente — Entendo que a Camara quererá que se Taça agora a leitura de uma carta que tive a honra de receber do Sr. Conde de Lavradio, em que dá parte á Camara da sua nomeação de Presidente; que pediu a Sua Magestade a sua exoneração, a qual lhe não foi concedida; e em que accrescenta, que reconhece que a sua obrigação de legislador estava em primeiro logar, mas que não póde ainda comparecer nesta Camara por estar encarregado de outros objectos tambem de interesse publico. Vai fazer-se a leitura desta carta.

Leu-se, e o theor é o seguinte:

«Ill.mo e Ex.mo Sr. — Tenho a honra de enviar a V. Ex.ª para ser presente á Camara dos Dignos Pares do Reino, a inclusa cópia da Carta Regia de 7 de Dezembro do anno proximo passado, que Sua Magestade Houve por bem Dirigir-me, Participando-me Haver-Se Dignado Nomear-me Presidente da Camara dos Dignos Pares.

«Depois de haver respeitosamente supplicado a Sua Magestade Houvesse por bem Dispensar-me de um emprego, que eu considerava e considero muito superior ao meu merecimento, não tendo Sua Magestade Julgado Dever annuir á minha supplica, foi-me mister obedecer.

«Não tendo ainda terminado a minha missão especial junto a Sua Magestade El-Rei de Prussia, e devendo outrosim ultimar alguns negocios importantes nesta côrte, não posso ter a honra de annunciar a V. Ex.ª a época provavel da minha partida desta para essa corte.

«Sei que em regra geral o serviço dos Corpos legislativos deve preferir a qualquer outro serviço; mas sendo excepcional a minha actual posição, vista a natureza dos negocios que me foram commettidos antes da minha nomeação para Presidente da Camara; estou persuadido, que, tanto V. Ex.ª como a Camara, approvarão a resolução que tomei de aqui me demorar até haver terminado os negocios de que estou incumbido, ou até que Sua Magestade Se Sirva Mandar-me substituir nas duas missões que hoje estão a meu cargo.

«Se eu chegar a ter a honra de exercer as funcções da Presidencia, a Camara póde contar com o meu zêlo no seu serviço, e com a minha imparcialidade na direcção das suas discussões.

«Eu confio que hei de encontrar nos meus collegas plena cooperação para o bom desempenho dos meus deveres, e aquella mesma benevolencia e favor que generosamente me dispensaram, sem nenhuma interrupção, desde minha entrada na Camara.

«Digne-se V. Ex.ª, pelo muito favor com que me honra, levar os meus sentimentos ao conhecimento dos Dignos Pares, renovando-lhes os protestos do meu respeito e completa dedicação.

«Aproveito esta occasião para renovar a V. Ex.ª os protestos da minha muito antiga e sincera amizade, e da minha mais alta consideração.

«Deos guarde a V. Ex.ª Londres, 16 de Janeiro de 1858. = Ill.mo e Ex.mo Sr. Visconde de

«Laborim, Digno Par do Reino, e Vice-Presidente. — Conde de Lavradio.»

Inteirada.

O Sr. Presidente — Antes de se lêr a correspondencia era do meu dever dar parte á Camara, e peço desculpa deste esquecimento, de que a grande deputação encarregada de apresentar a Sua Magestade a resposta desta Camara á falla do Throno, foi recebida pelo Mesmo Augusto Senhor com generoso acolhimento e natural agrado.

O Sr. Visconde de Balsemão — Eu não levarei muito tempo á Camara. Pela leitura da acta da reunião que ultimamente teve logar, já a Camara vê que eu me comprometti a fazer uma proposta no primeiro dia em que houvesse numero legal. Parece-me que esta Camara merece que se lhe faça o pequeno sacrificio que eu proponho, para que os Dignos Pares que não possam comparecer ás sessões, avisem com antecipação o Sr. Presidente; porque não é justo que a Camara esteja á espera de dois ou tres Dignos Pares, e não possa funccionar por falta de numero.

Eu entendo que as funcções de Par são muito importantes, e que a nação tem os olhos fixos nesta Camara; porque a dignidade de Par do Reino não é um titulo honorifico, e nós temos deveres a cumprir (apoiados). Esta Camara tem privilegios de tal ordem, que não seriam tolerados se não fossem as obrigações que pesam sobre nós; e quando se clama tanto pela moralidade publica, parece-me que os Corpos legislativos devem dar o exemplo de não faltar aos seus deveres. Nós temos o precedente de se reunir esta Camara vinte e cinco vezes, sem haver numero legal para podér funccionar: peço perdão á Camara; eu não pertendo censurar nenhum Digno Par, porque estou persuadido que todos que faltam é com motivo justificado; mas entendo que é necessario adoptar uma providencia que nos tire desta difficuldade. Em Inglaterra não acontece o mesmo, porque basta o numero presente para se tomar uma resolução, e não prejudica a causa publica; mas entre nós é necessario haver numero legal, e já os Srs. Ferrão e Conde de Thomar fizeram vêr em outra occasião a necessidade que havia de uma providencia a este respeito (apoiados).

Portanto, o que eu peço é, que pela Mesa se peça aos Dignos Pares, que não podendo vir á sessão, previnam a tempo, para o Sr. Presidente fechar a sessão por não haver numero; porque muitos Dignos Pares que teem outras funcções publicas não podem lá comparecer por este motivo, e deste modo evitava-se um grande inconveniente para o serviço.

O Sr. Presidente — O Digno Par, na qualidade de Secretario, sabe muito bem que eu não posso admittir a sua proposta sem ser por escripto; e peço, pois a S. Ex.ª que queira reduzir a sua indicação a escripto.

O Sr. Visconde de Balsemão — Sim senhor.

O Sr. Visconde de Castro — Como o Digno Par, o Sr. Secretario, tem de reduzir a escripto a sua proposta, e isso levará algum tempo, podia começar a discussão do parecer n.º 78, porque é de grande interesse publico; e as poucas horas que aqui estamos devem ser dedicadas a estes objectos (apoiados).

O Sr. Presidente — Então está em discussão o parecer n.º 78, e vai lêr-se

O Sr. D. Antonio de Mello — Peço a palavra antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente — Já é tarde, mas talvez que a Camara de licença para interromper a ordem do dia, e podér fallar o Digno Par (apoiados). Então tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. D. Antonio de Mello — É para participar a V. Ex.ª e á Camara que o Sr. Barão de Pernes não póde comparecer á sessão de hoje, e que talvez falte amais algumas por incommodo de saude.

Entrou em discussão o parecer (n.° 78).

Foi presente á commissão de fazenda o projecto de lei vindo da Camara dos Srs. Deputados com o n.º 87, o qual tem por objecto conceder ao Banco Mercantil da cidade do Porto a emissão de notas ou letras á ordem, sujeitas ás restricções legaes, bem como a isenção de contribuições, tanto pelas transacções que fizer, como pelos titulos ou papeis de que usar; tudo pelo espaço de vinte annos, a contar do 1.° de Janeiro de 1856, como estabelece para a duração do mesmo Banco a Lei de 26 de Junho do dito anno.

Diz o artigo 5.° da Carta de Lei de 16 de Abril de 1850 que é permittido nos districtos do reino e ilhas adjacentes o estabelecimento de quaesquer Bancos sem prejuizo das disposições do artigo 15.° da Lei de 7 de Junho de 1821, mas que estes Bancos não poderão funccionar sem prévia auctorisação do Poder legislativo. E no artigo 11.° diz que o Banco de Portugal, e qualquer outro Banco já existente, ou que venha a estabelecer-se nos termos do dito artigo 5.° com a faculdade de emittir notas ou ordens pagáveis ao portador, remettera mensalmente ao Governo o resumo do seu activo e passivo com designação das especies existentes no mesmo Banco, e da emissão das suas notas; e que no principio de cada anno remetterá igualmente ao Governo uma conta resumida das operações feitas no anno antecedente, e do seu resultado.

Considerando pois a commissão que o Banco Mercantil fóra fundado, sobre esta legislação, e por lei especial, como alli se estabelece;

Considerando o quanto por ora se torna indispensavel todo o auxilio e favor que as leis teem estabelecido para animar os estabelecimentos de credito, de que tanto bem resulta ás industrias do paiz;

Considerando que o prazo do privilegio agora concedido ao Banco Mercantil, devendo por este projecto findar, na fórma do seu artigo 3.°, dentro do prazo 'marcado para os privilegios do Banco de Portugal, de modo algum impede ou demora qualquer refórma que o Governo tente realisar na concessão de emittir notas, ou em quaesquer outras clausulas da existencia dos mesmos Bancos e estabelecimentos;

Considerando, finalmente, que por este projecto de lei se não offende direito de estabelecimento algum da mesma natureza;

A commissão é de parecer que o mencionado projecto de lei deve ser approvado para ser levado á Real Sancção.

Sala da commissão, em 6 de Julho de 1857. — Visconde de Castro — Visconde de Algés — Barão de Chancelleiros = Thomás de Aquino de Carvalho -Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.

PROJECTO DE LEI N.° 78.

Artigo 1.º É concedida ao Banco Mercantil Portuense a faculdade de emittir notas pagáveis ao portador, ou letras á ordem.

§ 1.º A importancia total das letras e das notas em circulação não poderá exceder a tres quartos do fundo social emittido em acções e apolices.

§ 2.° As notas serão de 9$000, 18$000, e 50000 réis.

§ 3.º O Banco terá sempre nos seus cofres, em dinheiro ou em metaes de oiro ou prata, pelo menos um terço do que dever, por notas em circulação, e por deposito.

Art. 2.° O Banco Portuense não pagará especie alguma de contribuição pelas negociações, emprestimos, ou transacções que fizer, nem pelos titulos ou papeis de que usar.

Art. 3.° A permissão de emittir notas, e a isenção de pagamento das contribuições e impostos durarão por espaço de vinte annos, contados do 1.° de Janeiro de 1858, como estabelece o artigo 6.° da Lei de 26 de Junho de 1836.

Art. 4.° Fica por este modo derogada a disposição do artigo 4.° da Lei de 26 de Junho de 1856, na parte relativa á emissão de cheques, ampliada a disposição do artigo 6.° da mesma lei, e revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes; em 3 de Julho de 1857. = Joaquim Filippe de Soure, Presidente — Joaquim Gonçalves Mamede, Deputado, Secretario = Miguel Osorio Cabral, Deputado, Secretario.

Approvado sem discussão, tanto na generalidade, como na especialidade. Tambem foi approvada a mama redacção.

Entrou em discussão o parecer (n.° 74).

A commissão de obras publicas examinou o projecto de lei n.º 79, vindo da Camara dos Senhores Deputados, contendo diversas provisões tendentes a facilitar a construcção da estrada entre a cidade do Porto e Villa da Povoa de Varzim.

A commissão:

Considerando quanto cumpre promover e auxiliar a feitura de vias de communicação;

Considerando que uma parte das despezas com a construcção da referida estrada ha de ser satisfeita pelas municipalidades da Povoa de Varzim, Villa do Conde, Bouças e Maia;

Considerando que as condições com que as obras hão de ser executadas, e o modo porque deverão ser fiscalisadas, ficam dependentes da approvação do Governo e a responsabilidade delle;

É de parecer que o mencionado projecto de lei seja approvado.

Sala da commissão, 3 de Julho de 1857. = Visconde de Castro = Joaquim Larcher = Visconde da Luz

PROJECTO DE LEI N.° 79.

Artigo 1.° É o Governo auctorisado a conceder a qualquer empreza ou companhia, que de as garantias necessarias, a construcção da estrada da cidade do Porto á Villa da Povoa de Varzim.

Art. 2.° Á mesma empreza ou companhia dará o Governo, durante tres annos, o subsidio annual de 1:500$000 réis, pagos em prestações de 500$ réis cada uma, de quatro em quatro mezes.

Art. 3.° As Camaras municipaes da Povoa de Varzim, Villa do Conde e Bouças, concorrerão para essa obra por espaço de tres annos com a quantia annual de 500$000 cada uma, e a da Maia do mesmo modo e pelo mesmo tempo com a quantia de 300$000 réis.

Art. 4.° Será igualmente applicado para a construcção da mesma estrada o excesso do actual rendimento da ponte do Ave, em Villa do Conde, calculado sobre o seu producto medio dos tres annos anteriores.

Art. 5.° É o Governo auctorisado a estabelecer um direito de portagem sobre a ponte do rio Leça, cujo producto será adjudicado á empreza ou companhia.

Art. 6.º Fica tambem auctorisado a garantir á empreza ou companhia um minimo de interesse não excedente a seis, e uma amortisação não superior a dez por cento ao anno, sobre o capital dispendido e não pago pela subvenção consignada nos artigos 2.° e 3.°

Art. 7.° O Governo estabelecerá as condições a que deve satisfazer a estrada, e accordará com a empreza ou companhia concessionaria o imposto da portagem, o minimo de interesse, a percentagem da amortisação e o prazo porque deve ser arrecadado por ella o excesso do rendimento da portagem do rio Ave, e o imposto de transito sobre a ponte do Rio Leça.

Art. 8.º O Governo adoptará as providencias convenientes para a fiscalisação desta obra e das despezas que se effectuarem, e dará conta ás Côrtes na sua proxima sessão legislativa do uso que tiver feito da auctorisação que lhe é concedida por esta Lei.

Art. 9.º Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 3 de Julho de 1857. = Joaquim Filippe de Soure, Presidente == Joaquim Gonçalves Mamede, Deputado, Secretario = Miguel Osorio Cabral, Deputado, Secretario.

Foi approvado sem discussão, tanto na generalidade, como na especialidade; e a mesma redacção.

O Sr. Secretario Conde de Mello — Vai lêr-se a proposta do Sr. Visconde de Balsemão (leu).

O Sr. Visconde de Balsemão — Eu peço a urgencia.

O Sr. Conde do Thomar pediu ao Digno Par que cedesse do requerimento da urgencia, porque este negocio não é tão simples como parece, e demanda certa circumspecção (apoiados).

O Sr. Visconde de Balsemão — Depois das observações que acaba de fazer o Digno Par não tenho duvida em ceder da urgencia.

O Sr. Presidente — Então fica para segunda leitura, na conformidade do Regimento.

N.B. Dar-se-ha conta quando tiver segunda leitura.

Entrou em discussão o parecer n.º 63.

A commissão de fazenda examinou o projecto de lei, vindo da Camara dos Senhores Deputados com o n.º 59, o qual tem por fim auctorisar o Governo para subsidiar uma empreza de barcos de vapôr, que navegue regularmente entre o porto de Lisboa e os do Algarve, fundando o competente programma para concurso publico nas bases determinadas no mesmo projecto.

A commissão, reconhecendo que teem sido infructuosas todas as tentativas méramente particulares para estabelecer uma carreira de vapôres entre os ditos portos, e considerando ao mesmo tempo que aquella provincia tem lodo o direito a partilhar do impulso geral que a nação está resolvida a dar a todos os meios que facilitem as communicações, tanto maritimas como terrestres, para as quaes todos pagam por igual; é de parecer que o mencionado projecto de lei seja approvado por esta Camara.

Sala da commissão, em o 1.° de Julho de 1857. — Visconde de Castro = Francisco Simões Margiochi = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão — Barão de Chancelleiros = Thomaz de Aquino de Carvalho.

PROJECTO DE LEI N.° 59.

Artigo 1.° Fica o Governo auctorisado por espaço de seis annos a dar o subsidio annual de 9:600$000 réis, em prestações mensaes de réis 800$000, á Empreza ou Companhia que se obrigar a fazer a navegação regular por barcos movidos a vapôr entre Lisboa e os differentes portos do Algarve, fazendo escala pelo de Sines, sempre que o tempo o permittir, mediante as clausulas que julgar conveniente estabelecer no programma do respectivo concurso, em harmonia com a seguintes condições:

1.ª Empregar nesta carreira nunca menos de dois barcos movidos a vapôr, de construcção apropriada á navegação das barras em que teem de entrar, sendo pelo Governo determinadas nas condições do programma as toneladas de arqueação e a força que devem ter.

2.ª Sustentar successivamente pelo menos duas viagens de ida e volta em dias fixos, com o intervallo nunca maior de quinze dias de uma a outra, salvo os casos de força maior.

3.ª Conduzir gratuitamente as malas do correio, a correspondencia official do Governo e os passageiros e o material de guerra, por um terço menos do preço das tabellas de passagem e carga.

4.ª Que o subsidio será pago em prestações mensaes depois de realisadas as viagens, em vista de documento authentico.

5.ª Que a Empreza será para todos os effeitos considerada como nacional.

6.ª Que os barcos destinados para esta Empreza serão nacionalisados, e isentas de direitos as materias primas destinadas ao concerto de que carecerem, durante o prazo do contracto.

Palacio das Côrtes, em 23 de Junho de 1857. — Joaquim Filippe de Soure, Presidente = Joaquim Gonçalves Mamede, Deputado Secretario = Antonio Pequitto Seixas de Andrade, Deputado Secretario.

O Sr. Ferrão — Sr. Presidente, eu concordo que sempre que emprezas de similhante natureza se não podem organisar, sem um auxilio do Governo, o Estado, em razão do interesse publico que dellas resulta, intervenha para animar e ajudar a industria privada, compensando-as assim dos prejuizos ou lucros cessantes que podem soffrer.

Mas esta não é a minha questão.

Sr. Presidente, na actualidade, que todos sabemos, ha despezas extraordinarias e de maior urgencia, que temos absoluta necessidade de fazer para a salubridade da capital; quando temos um grande deficit a preencher, e os rendimentos publicos antecipados em grande escala, parecia-me que não seria prudente que por em quanto auctorisassemos estas e outras despezas similhantes, e portanto que deviamos adiar a discussão deste projecto para quando fossem presentes á Camara as medidas financeiras que devem acompanhar o orçamento, a fim de então tomar este objecto na devida consideração.

Fazendo esta moção, satisfaço a um dever de consciencia, desejando todavia annuir ao que esta Camara julgar melhor neste objecto, e por isso não formulo desde já a minha proposta de adiamento, se, em conformidade com o regimento, ella não fôr devidamente apoiada.

O Sr. Presidente — O Digno Par propõe o adiamento deste projecto, mas segundo o nosso Regimento é necessario que seja admittido pela Camara, para entrar em discussão no logar da questão principal; vou portanto consultar a Camara sobre o adiamento.

O Sr. Visconde de Castro — Eu pedia a palavra.

O Sr. Presidente — Tem a palavra.

O Sr. Visconde de Castro — É unicamente para dizer, que me parece que não se deve adiar este projecto, porque elle demanda um sacrificio que não se póde dizer de grande monta, quando se tracta de relacionar-nos com a provincia do Algarve, que actualmente não tem communicação alguma com o resto do reino de que se possa fazer uso sem grande risco.

Eu não posso entrar agora na materia porque se discute simplesmente o adiamento, mas digo só que se deve deixar progredir a discussão, e que se não deve, a meu vêr, tomar em consideração as razões que acaba de expôr o meu illustre amigo e collega, porque, por mais que eu as considere valiosas, tudo aquillo é materia para quando se tractar do orçamento. Segundo S. Ex.ª acabou de expressar-se, se seguissemos o seu exemplo, entraríamos agora na questão financeira; mas este não me parece que seja o seu logar. Intendo que a urgencia deste objecto é muito grande. O Algarve é uma provincia importante, e não tem communicações por terra nem por mar, por que os vapôres que tem tentado esta carreira não

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tem preenchido o seu fim, gastam tres e quatro dias de viagem, e rara é a viagem em que não haja algum accidente. O Algarve tambem paga como as outras provincias 15 por cento para vias de communicação, e não as tem, e por tanto tenho pesar de me affastar da opinião do meu digno collega o Sr. Conselheiro Ferrão, mas não posso votar pelo seu adiamento.

O Sr. Ferrão — Sr. Presidente, existem para serem discutidos, outros projectos que envolvem augmento de futura despeza, e outros poderão ser, e de certo serão, apresentados da mesma natureza; e de todos deve resultar um encargo sobre que devemos sériamente reflectir.

Não posso negar-lhes o meu voto, demonstrada a sua necessidade ou utilidade. Mas o que eu sustento em principio, é que não convem votar uma despeza nova, sem previamente examinarmos, se temos na receita publica, margem para satisfazer, e se não tendo essa margem, devemos dar a preferencia a encargos mais urgentes, e aos legalmente existentes, que são de direito constituidos, quaes os que respeitam ao serviço do Estado e ao credito publico. Não me demove não ser grande a importancia mensal, de que se tracta. Nem eu a considero insignificante, porque destas e outras similhantes e que resultam as grandes despezas; assim como temos tambem insignificancias de receita que sommadas ellas nos dão uma importante receita. Intendo que na presença dos principios nem o Governo, nem a Camara deve attender á quantidade da despeza, se é grande ou pequena; para mim será muito grande, para a nação será pequena: mas em relação ao principio de que se não deve dispender extraordinariamente, ou addicionar outras despezas, quando ha algumas que se não podem preterir, e que e necessario satisfazer; digo eu, que será mais conveniente que este e outros projectos similhantes, que possam vir a esta Camara, não se discutam senão na presença do orçamento; porque votadas desde já essas despezas ficam sendo novos encargos do Estado.

Todavia não insisto na minha proposta, e fiz esta moção unicamente para cumprir com o meu dever.

O Sr. Visconde de Castro — Sr. Presidente, eu confesso que não partilho os receios do Digno Par. Sei muito bem que estamos em difficuldades financeiras, mas tambem sei que se nós aqui annullarmos todos os projectos, que tendem a desenvolver a nossa receita, nunca poderemos fazer cousa alguma (apoiados). Pois é justamente para que hajam meios, que nós devemos facilitar a nossa communicação com o Algarve, que pelo seu pescado, principalmente o do atum, pela exportação do álcool de uma das suas ricas producções vegetaes, e por muitas outras industrias que todos conhecemos, é hoje uma das nossas provincias de grande importancia, e necessita de uma communicação continua com os outros pontos do reino; e então não sei como havemos adiar um projecto que tende a dar-lhe meios para o seu maior desenvolvimento e prosperidade (apoiados).

Eu, realmente, tambem intendo que é cousa difficil fazer face ao deficit, e neste ponto partilho as idéas do Digno Par; mas não vejo que esta quantia de nove contos de réis, em relação á verba total das nossas despezas possa alterar sensivelmente as circumstancias do orçamento. Se a Camara intender que deve adiar este projecto, não terei remedio senão submetter-me, mas eu declaro que propugno por uma medida, que e de absoluta necessidade. Já aqui vieram outros projectos da mesma natureza para operações mais largas. Veiu aqui um projecto para subsidiar uma linha de vapôres para os Açôres e Africa, e para esta empreza tinha-se destinado sessenta contos de réis annuaes, mas infelizmente essa despeza não se fez porque a empreza se não póde organisar. Se por tanto aquella empreza em grande não teve logar, porque não havemos admittir esta em ponto mais pequeno, e que tanto cabe dentro daquella cifra, quando estamos vendo, e ninguem se atreve a negar, as vantagens que daqui devem resultar estabelecendo-se o ponto capital de concorrencia no maior numero de viagens? Na minha consciencia intendo que devo votar por este projecto, e digo mais que propostas desta natureza, devem ser sempre acolhidas pela Camara com a melhor boa vontade, para que todas as provincias reconheçam que nos occupamos dos seus interesses com igualdade, por isso mesmo que todas ellas pagam para o Thesouro o addicional de 15 por cento -para o desenvolvimento das suas communicações. Achando-se o Algarve tão atrasado em materia de estradas, não sei como nos poderemos justificar de lhe haver negado este unico meio de podér estabelecer uma boa e segura carreira de barcos de vapôr.

O Sr. Ministro das Obras Publicas — Sobre a proposta de adiamento não tenho eu nada que dizer; mas se se tractasse da materia do projecto, parece-me que me não faltariam razões para a defender, se por acaso fosse impugnada; no entanto como é sómente do adiamento que agora se tracta, e não do projecto, não tenho que dizer. Se o adiamento não fôr admittido, então pedirei a palavra, a fim de apresentar as considerações que entendo devem levar a Camara a approvar este projecto.

O Sr. Ferrão — Eu declaro que para impugnar o projecto não tenho razões algumas, antes ao contrario tenho-as para o approvar; e nem posso deixar de concordar com o Digno Par o Sr. Visconde de Castro, quando disse que os povos do Algarve, pagando ha tanto tempo 15 por cento para estradas, e não tendo até hoje nem uma unica estrada, ou communicação que os ponha em contacto com as outras provincias do paiz, tinham todo o direito a que ao menos se ajudasse uma companhia particular a estabelecer communicações aquáticas, que promovessem o desenvolvimento da riqueza daquelle paiz; estas idéas realmente são acceitaveis, servindo-me das proprias expressões do Digno Par, ninguem duvida dellas; mas eu o que desejara é que este projecto ficasse adiado até que o Governo na discussão do orçamento nos fizesse vêr quaes eram as receitas com que conta para fazer face a estas, e a outras despezas que se propõem, e que eu por ora não sei donde hão de vir os meios.

Mas como o Sr. Ministro das Obras Publicas entende que a approvação deste projecto não creará embaraços alguns ás finanças do Estado, faz-me isto presumir que o estado dessas finanças não poderá talvez ser encarado sob um aspecto tão desfavoravel, como aquelle que eu julgava existia, e neste caso não terei duvida de retirar a minha proposta de adiamento, se a Camara m'o permittir.

O Sr. Conde de Thomar — As razões apresentadas pelo Digno Par o Sr. Visconde de Castro colhem completamente; se por ventura forem seguidas da declaração do Sr. Ministro das Obras Publicas — de que esta será a unica somma de despeza extraordinaria que a Camara vote, sem que saiba qual é a verba da receita que lhe ha de fazer face; mas se aquellas razões não forem seguidas desta declaração, então póde-se ficar entendendo que hoje vota-se esta somma de despeza, ámanhã outra, e assim successivamente outras muitas, caminhando a passos largos para a completa desorganisação da fazenda publica!

O argumento do Digno Par o Sr. Visconde de Castro, de que esta verba de 9:600$000 réis, applicada em beneficio do Algarve, é de justiça, e não passa, para assim dizer, de uma gota de agoa lançada no immenso lago de um orçamento de 12.000:000$000 réis, entende o orador que não póde colher, porque se o Algarve deve ter este subsidio, as outras provincias não teem menos direito a que se faça alguma cousa em seu beneficio: não é sómente o Algarve que não tem estradas, este mal sente-o quasi todo o paiz, e vê-se em todas as provincias; pois que estradas ha na provincia da Beira Alta? Nenhumas! Alli não se póde andar um quarto de legoa, sem se correr o perigo de quebrar a cabeça a cada passo; o Sr. Visconde da Luz, aqui presente, póde informar se não é verdadeiro o estado em que o orador mostra a provincia da Beira Alta?...

E que se não diga que a despeza que se vai fazer é muito insignificante, porque não é tanto assim; pois, além de se ir despender annualmente a quantia de 9:600$000 réis, para haver apenas duas carreiras a barcos a vapôr entre o Algarve e a capital, ainda se dá a essa companhia, que se formar para fazer a navegação, a vantagem de ter os seus barcos, e as materias primas destinadas ao concerto dos mesmos, livres de direitos, de modo que cada viagem que se fizer importará ao Governo muito mais de 400$000 réis, e isto não é possivel conceder-se, quando de mais a mais não se sabe d'onde ha de saír a receita, e não se ignorando qual é o máo estado das nossas finanças. Portanto, se o Sr. Ministro das Obras Publicas não declarar, que outra despeza não será votada extraordinariamente, sem que se apresente logo a verba da receita que a deve satisfazer, o Sr. Conde não póde votar por este projecto de lei.

O Sr. Ministro das Obras Publicas diz que a despeza neste projecto proposta nenhum embaraço traz ás finanças do Estado, e que tão longe está de ir aggravar a situação do Governo, que até lhe será de beneficio, collocando-o em melhor posição.

Que no orçamento para o anno economico que ainda está correndo, votaram-se 58:000$000 réis para a companhia que havia de fazer a navegação a vapôr entre Portugal e as nossas possessões da Africa, e 11:000$000 réis para a companhia que havia de fazer igual navegação entre este paiz e as ilhas dos Açôres, isto é, uma despeza de réis 69:000$000, que a final não se despendeu, porque as companhias se não formaram. Por este projecto apenas se despendem 9:600$000 réis, resultando assim uma grande economia, posto que bem triste economia. Pediu á Camara que advertisse, que esta quantia de 9:600$000 réis é o maximo que se fixa, e o Governo quando houver de contractar ha de empregar todos os meios ao seu alcance para obter as maiores vantagens possiveis, além de que este subsidio não é permanente, mas por um prazo muito limitado.

O Sr. Ferrão — Peço licença para retirar a minha proposta de adiamento.

O Sr. Presidente — O Digno Par pede licença para retirar a sua proposta de adiamento: convem a Camara? (Signaes de assentimento).

Sendo retirada a proposta:

O Sr. Marquez de Ficalho disse que não se levantava para combater o projecto, mas unicamente para fazer algumas reflexões.

Se esta somma que se propõe é para effectivamente pôr em contínua communicação os povos do Algarve com o resto do littoral, o subsidio não é grande ainda que só se façam as duas viagens mensaes; mas se a companhia que se formar se limitar a levar meia duzia de passageiros, não servindo de desenvolvimento algum á industria e riqueza do Algarve, e fazendo a sua navegação como a tem feito essa companhia que tem apparecido para navegar a vapôr entre a capital e os portos do Algarve, ou como está acontecendo com a navegação a vapôr no Téjo, então o subsidio é muito elevado, e o Estado não deve pagar tão caro uma cousa de quasi nenhuma utilidade.

O orador quiz aproveitar a occasião para dizer que se deve attender sempre, e em primeiro logar, ás necessidades mais urgentes, applicando os fundos de modo que melhores resultados dêem ao paiz; se houver de applicar-se um fundo, e estiverem dois pontos que desse fundo necessitem, por exemplo, o ponto A e o ponto li, se o A fôr esteril, ou de pouco producção, em quanto o B é fertil e de uma grande riqueza, deve-se a este applicar o fundo com preferencia, para delle se tirarem as vantagens que promette, em quanto que do outro pouco ou nada haveria a esperar.

Uma das grandes habilidades em administração está na melhor applicação dos fundos destinados aos melhoramentos do paiz, e por isso e

que o anno passado se oppoz o orador ao modo pelo qual se propunha a repartição dos fundos applicados ás obras publicas, porque está persuadido que se quizerem continuar no errado systema de cada terra ou cada aldea ter a sua obra, póde-se já ter a certeza de que se hão de gastar consideraveis sommas, não só inutil senão até prejudicialmente.

Não tinha nada mais a dizer, porque eram apenas estas poucas reflexões que elle queria expender»

Posto a votos o parecer, foi approvado na generalidade, e na especialidade tambem, sem discussão; bem como a mesma redacção.

Entrou em discussão o parecer n.º 87.

Foi presente á commissão de fazenda o projecto de lei n.º 94, vindo da Camara dos Srs. Deputados, tendo por fim auctorisar o Governo a pagar a importancia do deficit liquidado da administração do Real Theatro de S. Carlos na época finda de 1856 a 1857; e a commissão, de accôrdo com a opinião manifestada na Camara dos Srs. Deputados pela sua commissão de fazenda, sobre a conveniencia de se prohibir ao Governo para o futuro a administração de qualquer theatro, e assim se evitarem, além de outros, os inconvenientes de se realisarem despezas, embora extraordinarias e aproveitaveis para as épocas subsequentes, para que o Governo não tinha auctorisação legal; attendendo todavia a que o Governo foi implicitamente relevado na Camara dos Srs. Deputados, por isso que foi por ella approvado esse excesso de despeza, tomando por ventura em consideração os objectos de necessidade em que teve logar; attendendo a que sendo forçoso pagar a quem ficou devendo, por virtude de contractos, fornecimentos ou serviços prestados, consentidos ou ordenados por conta do Estado, é de rigorosa justiça que se preencha o referido deficit; attendendo em fim a que, segundo a emenda feita á proposta originaria do Governo na Camara dos Srs. Deputados, as Côrtes teem de tomar contas circumstanciadamente ao Governo sobre a applicação das sommas por elle recebidas e dispendidas, e assim habilitar-se a providenciar de modo que se concilie o melhor desempenho do serviço dos theatros com o menor subsidio dos dinheiros do Thesouro; é de parecer que o dito projecto de lei deve ser approvado por esta Camara, a fim de que possa subir á Sancção Real.

Sala da commissão, 11 de Julho de 1857. = Visconde de Castro = Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão = Visconde d'Algés — Conde d' Arrochella.

PROJECTO DE LEI N.° 94.

Artigo 1.° É o Governo auctorisado a pagar a quantia de 19:762|,064 réis, importancia do deficit liquidado da administração do Real Theatro de S. Carlos na época finda de 1856 a 1857.

Art. 2.° O Governo dará conta ás Côrtes das quantias recebidas para o mesmo theatro e da sua applicação.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 10 de Julho de 1857. = Joaquim Filippe de Soure, Presidente == Joaquim Gonçalves Mamede, Deputado Secretario = Miguel Osorio Cabral, Deputado Secretario.

O Sr. Conde de Thomar acaba de ser votado um projecto de lei, auctorisando o Governo a podér dar o subsidio de 9:600$000 rs. a uma empreza que se considera ser de grande utilidade; as razões em que se fundaram os oradores que sustentaram o projecto foram especialmente as da vantagem da exportação das ricas producções do Algarve, e da falta de estradas, e regulares communicações com aquella provincia: razões que não deixaram do produzir o seu devido effeito naquelles que julgaram mais a proposito que o mesmo projecto ficasse adiado até se saber quaes são as circumstancias financeiras do paiz. Agora tracta-se de auctorisar outra despeza; mas uma despeza já feita illegalmente, sem consideração alguma á Lei estabelecida a tal respeito. Despeza que o Governo não justifica de modo algum perante o Corpo Legislativo. Realmente seria curioso, observa o orador, ouvir os argumentos para demonstrar que os dinheiros publicos devem estar á disposição do Governo para os gastar como entender sem a auctorisação das Côrtes.

Disse que deveria começar por pedir que o Governo remettesse a esta Camara o Decreto ou Portaria que auctorisou a despeza a mais de perto de vinte contos de réis para o Theatro de S. Carlos na época de 1856 a 1857: deveria pedir a conta desta despeza, e uma relação dos objectos em que ella se fez, para ao menos se verificar se foi feita por bem da causa publica ou que fim se teve em vista; pois que a nação não deve ficar sem saber a razão porque, em quanto se pede ao Corpo Legislativo que vote o subsidio de 20 contos de réis annuaes para o Theatro de S. Carlos, depois se gastam 40 contos! (Apoiados.) isto é um engano, uma completa decepção. Se o Governo se apresentasse a pedir que em vez de se lhe votarem 20 contos se votassem 40 para subsidio sómente do Theatro de S. Carlos, não haveria representante algum da Nação que votasse similhante augmento (apoiados). E comtudo o que se fez é muito peior, porque augmenta-se a despeza, gasta-se o dobro do que se devia gastar, e engana-se a Nação, votando-se uma quantia que depois ha de por tal fórma ser excedida! Isto não póde tolerar-se que continue mais (muitos apoiados).

O Governo não tinha Lei alguma que lhe permittisse auctorisar tal excesso de despeza; e entretanto veio sem difficuldade nenhuma dizer ao Corpo Legislativo, que a despeza do Theatro de S. Carlos na época de 1856 a 1857 custou a mais dezenove contos e tanto, perto de vinte contos; e que as Côrtes devem auctorisar e sanccionar um similhante facto! E porque? Quem mandou gastar tal quantia? Quem é que tinha auctorisado esta despeza? Onde estão os motivos que mostrem que o bem da causa publica exigia que se fizesse a mais aquella despeza? Como é que se mostra essa conta, e se dá a relação dos objectos com que se despendeu esta grossa quantia? Como é que se não julga necessario vir primeiramente pedir um bill de indemnidade? Não sabe o orador se isto é com o actual Governo, ou com o passado, ultimo antecessor deste; vê sómente a entidade moral governo, sem querer saber que nome proprio o exercia; mas sente vêr assignado no projecto em que se pedem estas sommas o seu antigo collega e amigo o Sr. Avila, que tem mostrado em todas as épocas a maior repugnancia a que se gaste a mais insignificante quantia, uma vez que exceda a verba votada no orçamento pelas Côrtes.

E como é que se quer justificar e absolver o Governo? Dizendo-se no parecer da commissão da outra Camara, e no da commissão desta, que se vota e auctorisa este augmento prohibindo ao Governo o continuar a ter por administração o theatro de S. Carlos (apoiados). É a condição que se põe; mas o que é que aconteceu este anno? Lá. está por administração o theatro! De modo que, se então o theatro custou ao Governo vinte contos a mais do que devia custar, estando sempre muito concorrido como esteve: o que acontecerá agora, que nos primeiros mezes desta época esteve completamente abandonado em consequencia do terrivel flagello que acabamos de soffrer! Conte pois o Governo com uma despeza ainda superior á antecedente; e de futuro não sabe o orador o que será, porque com quanto se tenha estabelecido, que deve acabar o systema de andar o theatro por administração do Estado, se se ter o programma offerecido ás emprezas que delle queiram tomar conta, acham-se condições que tornam impossivel a acceitação. Bastará considerar o artigo em que se diz, que a empreza que tomar o theatro de S. Carlos apresentará previamente uma lista triplice dos nomes dos primeiros cantores que houverem de ser escolhidos. É possivel que algum cantor de primeira ordem queira sujeitar-se a ser inscripto n'uma lista, que ha de vir a Lisboa, para esperar saber se fica acceito, ou se é recusado?! Quem não sabe que o engajamento de um primeiro cantor é muitas vezes negocio de poucos minutos? (Apoiados.) Pois um similhante artigo, tornando inadmissivel o programma, não tende a tornar perpetua ao Governo a administração do theatro de S. Carlos? De certo (apoiados); e por consequencia a nação terá de concorrer não só com vinte contos, mas com quarenta, ou ainda mais, conforme o que está acontecendo.

E ha-de-se deixar passar este projecto pela simples razão que nos dá o parecer? O orador respeita muito os membros da illustre commissão, está convencido de que deram esta opinião sómente para se desembaraçarem deste projecto nos ultimos dias da sessão passada; mas tambem se persuade de que se tivessem reflectido bem sobre o contheudo do mesmo projecto, reconheceriam que se estabelecia aqui um precedente terrivel, qual o de reconhecer o Parlamento que se devem pagar todas as dividas que façam os administradores da fazenda nacional, uma vez que elles digam que as fizeram em nome do Governo. É o caso de que se tracta. Diz-se que, sendo isto feito por conta do Estado, não ha remedio senão pagar. E onde está a Lei que auctorisou a fazer tal despeza por conta do Estado? Onde está o acto ministerial, Decreto ou Portaria, que auctorisou esta despeza? Se existem os Ministros que referendaram esse Decreto ou Portaria, são elles responsaveis para com a nação de terem violado a Lei, e terem (permitta-se-lhe a expressão, que não é pessoalmente offensiva) delapidado a fazenda publica, pois foram applicar para fins que a Lei não reconhecia, a receita que era votada para outros objectos.

Quem assegura a Camara de que, passado o precedente, o administrador das maltas do reino não faz ámanhã a despeza de cincoenta contos por meio de um contracto em nome do Governo? E como a despeza esteja feita, e o fosse em nome do Governo, o Parlamento, depois de ter votado, este projecto de lei, não póde deixar de votar tambem essa despeza, porque o precedente fica estabelecido. Não é possivel tal admittir, mesmo que se diga que se vota com a condição de que a administração do theatro não continuará a andar por conta do Estado, pois, como já mostrou, bem longe de se ter evitado isso, continuam as cousas do mesmo modo. publicando-se um programma que torna impossivel a administração do theatro por differente fórma (muitos apoiados).

O orador não póde, como membro desta Camara, e representante dos direitos dos contribuintes, deixar de protestar contra esta despeza illegal, contra esta illusão, contra esta completa decepção. Ao menos quer que se entenda que com quanto julgue que o theatro de S. Carlos é uma cousa indispensavel em Lisboa, e está prompto a votar o subsidio indispensavel para elle existir, por isso que entende que é um meio de civilisação, e ao mesmo tempo os offerece de subsistencia a centenares de pessoas (apoiados), comtudo não póde querer que a despeza seja tal, que vá lançar um grande encargo sobre a nação (apoiados), encargo incompativel com as nossas circumstancias e com a satisfação de outras necessidades a que é tanto ou mais preciso que se não deixe de occorrer (apoiados), e sobre tudo não póde já mais querer que se peçam 20 contos para depois se gastarem 40. (O Sr. Ferrão — Peço a palavra.)

Disse que estimaria muito que o Digno Par o Sr. Ferrão possa justificar, na presença da lei e dos principios, o abono destas sommas, pois a circumstancia de se dizer, como se diz, que se acha involvida n'este negocio uma pessoa muito respeitavel por todos os titulos (apoiados), e que o orador nos seus negocios particulares teria desejos de servir como seu venerador e amigo, nada disso póde influir dentro desta Casa quando se tracta dos dinheiros publicos (O Sr. Brito do Rio apoiado, apoiado). Quando se tracta dos dinheiros publicos ha outras razões, e é necessario effectivamente que o Governo justifique a razão porque vem pedir esta exorbitante somma, dispendida illegalmente sem prévia auctorisação da Parlamento.

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E concluiu dizendo, que em quanto não apparecerem razões que o convençam de que está em erro, ver-se-ha obrigado em sua consciencia a votar contra o projecto, por entender que assim cumpre com o seu dever.

O Sr. Ferrão — Sr. Presidente, em resposta ao Digno Par que acaba de fallar, como S. Ex.ª não desconhece a utilidade do theatro de S. Carlos, dispensar-me-hei de fazer novas observações a esse respeito.

O costeio daquelle theatro andava a cargo do Contracto do tabaco, e foi essa uma das condições com que foi adjudicado ao Sr. Conde do Farrobo, o qual tractou sempre de fazer prosperar o serviço do mesmo theatro, porém á custa de immensos sacrificios; e por isso foi este um encargo que muito depreciava a adjudicação ou arrematação do respectivo monopolio. Posso dizer que se acha presente o Digno Par que era Ministro da Fazenda nessa época, e que sabe de certo os grandes esforços que o Sr. Conde do Farrobo fez (O Sr. Barão de Chancelleiros — apoiado) para se desonerar daquelle encargo. O Digno Par, ouvindo o seu fiscal (O Sr. Barão de Chancelleiros — apoiado), que era eu, conformou-se com a informação, que delle obteve, e em consequencia o Sr. Conde do Farrobo continuou a ficar directamente responsavel para com o Estado a esse respeito.

Depois, Sr. Presidente, como era este um dos encargos mais pesados que havia para o Contracto do tabaco, alteradas por lei as condições respectivas, tomou o Governo sobre si a manutenção do mesmo theatro, augmentando-se a cifra do subsidio a qualquer empreza que quizesse explorar essa administração. Ora é certo que o preço ou rendimento do tabaco tem produzido mais para o Estado tanto quanto valia para a diminuição a existencia dessa condição onerosa, e que sujeitava os contractadores, ou a servir mal o publico, ou a gastar muito mais do que se lhes adjudicava nas condições do seu contracto.

Não digo isto para contestar a força, nem a procedencia dos principios expendidos pelo Digno Par o Sr. Conde de Thomar, que são os meus, que são os de toda a Camara; mas simplesmente para attenuar o meu procedimento, mostrando assim quanto é oneroso o costeio daquelle theatro, e para justificar, portanto, a razão do meu voto no parecer da commissão.

Comtudo, sempre será bom dizer que a despeza que se fez não foi improductiva, porque com ella se renovou a guarda-roupa, e fizeram-se outros melhoramentos que teem um valor, e que ficam subsistindo para os annos seguintes.

É verdade que houve uma infracção da Lei do orçamento; uma despeza illegal; mas é por isso que o Governo foi á Camara dos Senhores Deputados pedir um bill de indemnidade, que auctorisasse o pagamento; e se este negocio passou sem impedimento pelos primeiros fiscaes dos interesses do Thesouro, o que havia de fazer a commissão de fazenda desta Camara? A despeza estava feita, e tinha-se tornado indispensavel, porque o theatro não podia, nem devia fechar-se, e o Governo, administrando-o, necessariamente havia de supportar as consequencias; o Ministerio não era accusado por isso pela Camara dos Srs. Deputados, e por consequencia era necessario sanar a infracção material da Lei, concedendo-se depois a competente auctorisação.

São estas as razões por que approvei este parecer, e penso foram as que principalmente moveram os meus collegas da commissão a assigna-lo sem declaração alguma.

Espero, pois, que a Camara acolherá as ponderações por mim expendidas, como julgar mais justo.

O Sr. Ministro das Obras Publicas ainda que o projecto que se discute não diz respeito á sua repartição, entretanto julga-se obrigado, pelo conhecimento geral que tem do assumpto, a dizer algumas palavras.

Mostrou que era necessario fazer-se idéa da posição em que o Governo se achou collocado, quando teve de pedir ás Côrtes que lhe fosse ressalvada a despeza a maior que se tinha feito com o theatro de S. Carlos; a qual posição é resultado de um systema, que o Governo, como o Digno Par, reprovam igualmente: quem diz administração por conta do Estado, diz que este se sujeita a todas as contingencias, porque, assim como se sujeita a ganhar, sujeita-se igualmente a perder; mas isso é uma herança de que o Governo se quer livrar, e a prova está em que a empreza já foi posta em praça, e se está bem informado já appareceram concorrentes.

O Sr. Ministro tambem entende que a condição a que o Digno Par alludiu não é boa, porque importa uma difficuldade muito grande; mas o Governo merece desculpa, porque consultou pessoas competentes, e essas pessoas, de certo, é que se illudiram.

Mas quando o Governo se constituiu emprezario, desde que consentiu que essa despeza, a que se refere este projecto, se fizesse em seu nome, não podia deixar de se importar com ella, nem deixar de a pagar a esse cavalheiro, que estava encarregado da administração do theatro, e de cuja probidade ninguem será capaz de duvidar.

Em conclusão disse que o Governo reprova o systema de administração dos theatros por conta do Estado, e que tracta de arrematar o de S. Carlos a qualquer empreza que de as seguranças necessarias; mas entende tambem que não se deve fazer banca-rota, negando-se o Governo a pagar despezas feitas em seu nome, quando tinha a gerencia do estabelecimento.

O Sr. Conde de Thomar sente dizer, que o não convenceram as razões apresentadas pelo Digno Par e seu amigo, o Sr. Ferrão, nem as produzidas pelo illustre Ministro das Obras Publicas; e que, desgraçadamente, pelos discursos de S. Ex.ªs vê que tendem a estabelecer — o primeiro, a necessidade de augmentar o subsidio, porque a historia que trouxe do Sr. Conde de Farrobo, como contractador do tabaco, e dos grandes sacrificios que se faziam, e fazem, para ter aberto o theatro,

não demonstram outra cousa; e o segundo, a fazer pagar as despezas que apparecerem feitas, e que o Governo não póde deixar de satisfazer, o que vem estabelecer o pessimo precedente que de hoje em diante todos os administradores da fazenda nacional, que fizerem despezas extraordinarias, e não auctorisadas, por isso que se acham feitas, não terá o Governo e o Corpo legislativo senão de satisfazel-as.

O orador não entra na questão de sentimentalismo, trazida pelo Sr. Ministro das Obras Publicas, a respeito das qualidades do Digno Par, commissario do theatro; suppôr a possibilidade de empregar no seu interesse pessoal os fundos que tinha á sua disposição, seria a maior injuria que se podia praticar neste mundo; mas para se concederem estas sommas não é necessario recorrer ás qualidades dos homens, porque em outras circumstancias, e com outros individuos tambem probos, não se poderá tambem deixar de fazer o mesmo. Basta sómente que o Governo reconheça que esta despeza é illegal; basta que elle reconheça que não havia auctorisação alguma para se fazer; basta ter o artigo 2.° deste projecto para se convencer de que á commissão foram presentes esclarecimentos, que o não foram á Camara. A commissão convenceu-se effectivamente que se tinha gasto este dinheiro em objectos de primeira necessidade para o theatro, e o orador queria que o Sr. Ministro declarasse, ao menos, quaes eram esses objectos; mas, ao contrario disto, neste negocio manda-se pagar, e depois se dirá para o que! A proposta primitiva do Governo tinha um artigo só, no qual se pedia auctorisação para pagar a somma mencionada; mas na discussão addicionou-se-lhe este artigo 2.° (leu).

Pois não entrará na comprehensão de todos, que o primeiro passo do Governo devia ser dar conta, e dizer no que se tinha dispendido a somma pedida?! (apoiados).

Parece-lhe impossivel que o inspector do theatro tenha remettido ao Governo um papel em que se justifique esta despeza, e que o Sr. Ministro do Reino o occulte para que se não veja se houve, ou não, vantagens, e poder-se em tal caso auctorisar esta somma!

O orador queria, e quer, que o Governo habilite a Camara a conhecer a razão por que se dispendeu esta somma; porque os Pares não podem votar ás escuras; e unicamente porque o illustre commissario, por parte do Governo é um homem muito de bem (apoiados).

Quando se tracta de dinheiros publicos e necessario que mostremos grande rigor. O Sr. Conde appella para todos os que estão presentes para que digam, se em outra época alguns Ministérios que existiram praticassem um acto desta natureza, dispendendo sommas tão avultadas sem auctorisação alguma, qual seria a responsabilidade que se lhe exigiria? O que diria a imprensa contra esse Governo? (apoiados.) Felizmente hoje nesta Camara não se empregam as expressões, que se empregaram contra esses Ministérios, e limitam-se a perguntar, como é que o Ministerio se julgou auctorisado a abonar esta despeza? Porque se ella se fez, está abonada, e a auctorisação que se pede não é senão uma formalidade. Não ha duvida que os representantes da nação estão aqui para fiscalisar a applicação dos rendimentos publicos, e para censurar o Governo, quando elle não cumpra com a lei (apoiados).

O Sr. Conde bem sabe que o projecto ha de ser approvado, e que esta somma ha de ser seguida este anno de outra muito maior, e que o Parlamento tambem a ha de votar, independente do que acaba de dizer o Sr. Ministro das Obras Publicas, de que tanto o Governo reconhece que é prejudicial a administração do theatro por conta do Estado, que a pôz em praça; e posto dissesse que tinham apparecido concorrentes, observa o orador que elles declararam que não era possivel acceitar a empreza com aquellas condições; e que ouviu dizer que, com a eliminação da lista triplico, e com o augmento de seis contos de réis no subsidio, havia empreza que se sujeitava a apresentar cantores que, não agradando ao publico, seriam substituidos; mas que não se quiz isto, O que lhe parece podér affiançar, é que o Sr. Ministro não ha de asseverar que o theatro já foi adjudicado a uma empreza qualquer; e por sua parte desde já assevera, que a somma que se ha de pedir este anno ha de ser muito maior, e que no anno seguinte o theatro ha de continuar a ser administrado por conta do Governo.

A Camara votará como entender, pois o Sr. Conde só quiz manifestar o seu modo de pensar a este respeito, porque quer que fique julgado este caso para lhe dar direito no futuro para o podér apontar na discussão de objectos similhantes.

O Sr. Ministro das Obras Publicas: parece-lhe não ser rigorosamente applicavel aos outros administradores, que o são por conta do Estado, o que é applicavel ao caso presente. Todos os outros individuos que administram por conta do Estado teem as suas attribuições definidas; mas com relação ao theatro de S. Carlos, as circumstancias varias que occorrem collocam o administrador em um estado excepcional, onde portanto não é possivel definir as attribuições; pelo que o Governo não póde deixar de dar um certo voto de confiança á pessoa que administra o theatro, visto tractar-se de minuciosidades, que o Governo não póde desempenhar por agentes, e segundo um regulamento fixo, como se faz n'outras administrações. Mas por isso mesmo que a respeito do theatro de S. Carlos se dá essa difficuldade, é que o Governo entende que a administração delle não póde nem deve continuar por sua conta (muitos apoiados).

Declarou o Sr. Ministro que o Governo exigiu do administrador do theatro todas as contas que comprovavam este deficit que agora se pede, e foi só em presença dessas contas que se decidiu a fazer ás Côrtes a proposta em que pedia auctorisação para pagar a somma de 19:762$064 réis. importancia do deficit liquidado na época de 1856 a 1857.

Pelo que respeita porém ás propostas que se apresentaram para a empreza daquelle theatro, succedeu que ellas se apartavam das bases consignadas no programma que se publicou, e em vista disto o Governo não podia adjudicar a um individuo aquella empreza, sem renovação do concurso que antes disso havia sido annunciado.

Repetiu, que o Governo não tem por fórma alguma a idéa de continuar a ter o theatro sob administração sua, e disse que elle Sr. Ministro era o primeiro a reprovar que essa administração continue por conta do Estado, visto os prejuizos que dahi resultam para a fazenda publica (apoiados); concordando com o Digno Par em que se naquelle anno de 1856 a 1857 houve este prejuizo, será elle ainda maior no anno actual; mas isso pelo mesmo motivo porque tambem o Governo perdeu muito no rendimento das alfandegas, no do caminho de ferro, e n'outros mais: e todos sabem que o theatro, durante o tempo do flagello, apresentou a scena mais triste possivel, porque quasi ninguem o frequentava; devido isso ás deploraveis circumstancias, que infelizmente se deram para esta capital.

O Sr. Visconde de Castro — Eu pedi a palavra para dar á Camara a razão porque me acho assignado no parecer em discussão: observo porém, que depois de a ter pedido a V. Ex.ª, fel-o tambem um Digno Par que está envolvido nesta questão, e o Digno Par o Sr. Julio Gomes que, se me não engano, era Ministro do Reino quando o theatro de S. Carlos passou a ser administrado por conta do Governo. Não sei pois se SS. EE. quererão usar da palavra em primeiro logar? (Vozes — Falle, falle.)

Sr. Presidente, na commissão de fazenda mostrou-se, que esta despeza a mais, vinha de uma porção de material que se comprou para o theatro, na esperança de que elle poderia cobrir com o seu rendimento o necessario para o pagamento desta despeza, indispensavel segundo se affirma; mas infelizmente não succedeu assim, porque o rendimento foi diminuto pelas infelizes circumstancias que occorreram então. Aquella despeza pois ficou a descoberto, mas tambem o seu objecto se não consumiu, antes se considera como um capital productivo: a commissão de fazenda vendo por tanto, que havia um capital empregado em material, o qual não se empregaria sem ordem expressa, se se soubesse que o theatro renderia tão pouco, entendeu que depois de feita essa despeza pela administração em nome do Governo, não havia senão um de dois meios de resolver a difficuldade; ou pagal-a, ou mandar vender o material accrescido; mas, considerando o grave prejuizo que este segundo arbitrio traria aquella administração, optou pela primeira alternativa, isto é pelo pagamento. Declaro porém, que esposo todos os principios adduzidos pelo Digno Par o Sr. Conde de Thomar, porque ninguem póde contestar, que o Governo exhorbita quando gasta mais do que a cifra votada pelas Côrtes.

Declaro tambem que a especie de que se tracta é de natureza tal, que não póde continuar a consentir-se, ou auctorisar-se de futuro (apoiados); essa administração por contado Governo não deve continuar, e desta opinião é de certo toda a Camara (muitos apoiados): estimei muito vêr que o Sr. Ministro das Obras Publicas por si, e em nome do Governo de que faz parte, declarou professar estes principios, e ser elle o primeiro que reconhece, que o theatro de S. Carlos deve sempre ser dado a uma empreza por concurso, embora seja maior ou menor o seu subsidio.

Foi pois para mostrar que a commissão de fazenda não andou de leve exarando o parecer em discussão, que eu pedi a palavra, e só senti antecipar-me a dois illustres collegas que por todos os motivos, e sobre tudo pela sua posição especial hão de necessariamente esclarecer melhor este negocio.

Sr. Presidente, o theatro parece á primeira vista uma cousa futil, para tomar longas dimensões nos corpos legislativos; mas todos concordam que n'uma capital em que ha toda a propensão para as más distracções os theatros são precisos e direi mesmo indispensaveis, porque elles não são só uma distracção honesta e agradavel, mas tambem uma escola' de bons costumes e de civilisação, e eu julgo que é só neste sentido que podemos licitamente subsidiar algum theatro, cuja existencia dependa absolutamente desse subsidio.

Persuado-me ter dado a explicação para que pedi a palavra, e agora a Camara votará como entender.

O Sr. D. Pedro Brito do Rio — Eu pedi a palavra unicamente para dizer, que o deficit que se apresenta no projecto de lei em discussão, não é um deficit real, porque convem attender a que dentro do theatro ha um espolio no valor de 14:000&000 réis; e convem tambem que se saiba que é comprehendida naquella cifra a verba de 2:640$000 réis, importancia da renda do theatro que pagou o Governo. Vê-se portanto que vem a existir apenas o deficit de 3:000$000 réis, depois de deduzidas estas duas verbas; deficit este occasionado pela defficiencia que houve na receita.

Devo tambem declarar para conhecimento da Camara, que dentro do theatro de S. Carlos existem não só os objectos no valor que já referi, mas tambem já lá existiam outros avaliados em réis 10:000$000, montando tudo hoje á somma de 27:000$000 réis: e observe a Camara, que quem tomar conta daquella empreza, ou hade pagar o juro de 6 por cento para usofruir aquelles objectos, respondendo sempre pelo valor delles, ou hade pagal-os na sua totalidade.

Foi, Sr. Presidente, para dar estas explicações á Camara que eu pedi a palavra.

O Sr. Silva Sanches — Sr. Presidente, algumas das arguições feitas pelo Digno Par, o Sr. Conde de Thomar, poderá dizer-se que recaem sobre mim, e por conseguinte, intendo que estou na rigorosa obrigação de dar algumas explicações a este respeito.

V. Ex.ª e a Camara sabem que em Março de 1856, poucos mezes antes de eu ser chamado aos conselhos da Corôa, o Governo se viu na necessidade de tomar conta do theatro de S. Carlos, e administra-lo para evitar, se estou bem informado, que o mesmo theatro se fechasse. O certo é que no resto da época theatral de 1856 foi elle já administrado por conta do Estado, e que no fim de Junho desse anno é que eu entrei no effectivo exercicio de Ministro dos Negocios do Reino.

Passado não sei que tempo, apresentou-me o illustre Commissario regio, junto aquelle theatro, um relatorio, solicitando uma resolução do Governo sobre se o theatro de S. Carlos devia continuar, ou não, por administração do Estado.

Estas são as idéas que eu conservo agora de como então se passaram taes cousas: não posso assegurar que não haja nellas alguma pequena inexactidão de fórma: na sua essencia de certo não a ha.

Por esse relatorio pareceu-me que o resultado da administração financeira não tinha sido desfavoravel; e conjecturei que tambem o não seria na seguinte época theatral. Estávamos no fim de Julho, quando o relatorio me foi apresentado: era muito tarde para se podér pôr a concurso a empreza do theatro de S. Carlos, e este se abrir no mesmo tempo em que se tinha aberto nos annos anteriores. Assim, ou o theatro havia continuar por administração do Estado, ou não se havia de abrir no dia em que era costume abri-lo.

Nestas circumstancias resolveu o Governo, em conselho de Ministros, que naquelle anno continuasse ainda o theatro a ser administrado por conta do Estado.

Violaria o Governo por esta resolução alguma lei? Entendo que não, porque nenhuma lei havia que o inhibisse de fazer continuar a administração do theatro por conta do Estado.

E se elle não infringiu lei alguma, podia deixar o Estado de ficar sujeito ás consequencias daquella resolução? A consequencia de pagar alguma quantia, além do subsidio votado, se este não fosse sufficiente? Tambem entendo e é certo que não.

O que o Governo não podia fazer, e creio que não fez, era pagar o augmento de despeza sem ser para isso auctorisado. Mas eu não a paguei: creio que o actual Governo tambem a não pagou, visto que, vindo pedir ao Parlamento auctorisação para pagal-a, reconheceu não podér por si fazel-o.

Se elle fizesse este pagamento antes dessa auctorisação, então, e nisto infringia de certo a lei, e de certo podia ser constrangido a repor ao Estado quanto houvesse pago. Como, porém, o não fez; como veio apresentar ás Côrtes o negocio tal como tinha corrido, fazendo-lhes vêr que resultou da administração um augmento de despeza, e pedindo auctorisação para a pagar, parece-me que tudo está perfeitamente dentro dos limites da legalidade.

Foi tambem causa de espanto o deficit que aqui se nota, de mais de 19 contos de réis. Mas, já o Digno Par que acabou de fallar, disse que não era esse o verdadeiro deficit. Ha uma guarda roupa no theatro de S. Carlos, que tinha certo valor, e que n'um certo valor passou para a administração por conta do Estado. Agora o seu valor está augmentado em quatorze contos de réis, que foi esta quantia a que custaram os objectos a mais que existem no theatro de S. Carlos.

Logo no deficit dos dezenove contos de réis hão de abater-se quatorze contos. E se além disso tambem se abaterem, como deve de ser, 2:600$000 réis, que a empreza do theatro pagou pela renda do edificio, quer dizer, que o Estado pagou a si mesmo, será o abatimento de 16:600$000 réis; e então o deficit dos dezenove contos, já não chega, realmente, a tres contos. Tambem, pois, por este lado não ha motivo para se rejeitar o projecto.

Julguei dever dar estas explicações á Camara, para se ficar intendendo que em o Governo fazer continuar a administração do theatro de S. Carlos por conta do Estado nenhuma Lei violou, e que, administrando elle este theatro, não podia deixar de ficar o Estado sujeito ás consequencias de tal facto; que o Governo violaria a Lei se pagasse a despeza excedente ao subsidio votado sem vir pedir auctorisação ao Parlamento; mas que, não a tendo pago antes disso, andara regularmente; parece-me por tanto, que as observações do meu nobre amigo não procedem, não são tão procedentes como parecem, e voto, por conseguinte, approvando este projecto.

Vozes — Votos, votos.

O Sr. Presidente — O projecto está em discussão na sua generalidade, e se ninguem mais pede a palavra, vamos votar (apoiados).

O Sr. Conde de Thomar — Está claro que para ser coherente devia continuar a combater este projecto; mas á vista da conta que apresentou o seu nobre amigo o Digno Par o Sr. Silva Sanches, deve acreditar que o Governo ainda lucrou nesta empreza; e avista desta explicação vota tambem pelo projecto.

Approvado na generalidade, e na especialidade, assim como a mesma redacção.

O Sr. Presidente — A sessão immediata será na sexta-feira; a ordem do dia a discussão dos pareceres n.ºs 69, 83 e 90 (apoiados). Está levantada a sessão.

Passava das quatro horas e meia.

Relação dos Dignos Pares que estiveram presentes na sessão de 27 de Janeiro de 1858.

Os Srs.: Duque da Terceira; Marquezes: de Ficalho, de Niza, de Ponte de Lima, e de Vallada; Patriarcha Eleito; Condes: das Alcaçovas, de Arrochella, da Azinhaga, do Bomfim, de Mello, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, do Sobral, da Taipa, e de Thomar; Viscondes: de Algés, de Balsemão, de Benagazil, de Castro, de Laborim, da Luz, de Ovar, e de Ourem; Barão de Chancelleiros, D. Antonio José de Mello, Ferrão, Margiochi, Aguiar, Larcher, Silva Sanches, e Brito do Rio.

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