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CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO DE "15 DE FEVEREIRO DE 1861 PRESIDÊNCIA DO EX.m° SR. VISCONDE DE LABORIM VICE-PRESIDENTE

Secretários: os dignos paresjg?^^6^110

CAssistem os srs. ministro da guerra, fazenda, e entrou depois o da justiça).

Depois das duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença dè 25 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

O sr. secretario Conde de Mello: — deu conta da seguinte correspondência.

Sete officios da presidência da camará dos srs. deputados remettendo igual numero de proposições: l.a, sobre o modo porque a camará municipal do Porto deve cobrar certas contribuições municipaes indirectas; 2.a, sobre o modo de distribuir as derramas para as despezas dos districtos, e para a creação dos expostos, votadas pelas juntas geraes; 3.a, abonando a pensão de 21$900 réis annuaes a Elvira da Silva, filha de um soldado que pereceu no cerco do Porto; 4.a, approvando a despeza feita pelo governo nos annos económicos de 1858-1859 e 1859-1860 com afisca-lisação extraordinária das alfandegas no Porto e nas províncias do Minho, Trás os Montes e Beira; 5.a, sobre a prorogação do praso estabelecido no artigo 8." da carta de lei de 11 de agosto de 1860 quanto á apresentação dos diplomas dos empregados do estado ao respectivo chefe para a cobrança dos direitos de mercê; 6.", concedendo um prédio nacional em ruinas á junta de parochia de Nossa Senhora do O, do Paião, para uso de utilidade publica; e 7.*, approvando a despeza feita pelo governo com os subsídios abonados aos operários da fabrica de vidros da Marinha Grande durante a interrupção dos trabalhos da mesma fabrica.—A l.* e 2." remettidas^á commissão de administração publica, e 3.*, 4.*, õ.a, 6.&, e 7."-, remettidas á de fazenda.

O sr. Visconde de Aihog uia: — Mando para a mesa o seguinte requerimento:"

«Requeiro que pelas repartições de guerra e da fazenda seja remettida a esta camará uma relação nominal, e de qualidade, de todas as pensionistas do estado que, por qualquer modo, têem vencimento dos cofres públicos, no todo superiores a 450$000 réis annuaes, declarando qual a somma total que cada uma pensionista recebe.

Camara dos dignos pares, 15 de fevereiro de 1861.= Visconde de Athoguia, par do reino».

Sendo lido na mesa, e posto a votos foi approvado.

O em.m0 sr. Cardeal Patriarcha:—Mandou para a mesa um parecer da commissão de instrucção publica.

A imprimir.

O sr. Conde de Thomar:—Manda para a mesa uma representação da sr.a D. Dionysia Rosa dé Carvalho, alle-gando que é possuidora de doze coupons do valor de réis 1:000)^000 cada um, dos que foram extraviados da junta do credito publico por um empregado da mesma junta, deixou de ser considerada como foram outros possuidores de coupons em idênticas circumstancias ás suas; e portanto pede a esta camará que a attenda quando discutir o projecto relativo a este objecto, que já passou na outra camará. O digno par mandou-a para a mesa, e pediu que se remet-tesse á commissão de fazenda a fim de a tomar em consideração quando se occupar do referido projecto.

O sr. Conde de Samodães: — Como está presente o sr. ministro da fazenda desejava chamar a attenção de s. ex.a, se acaso estivesse habilitado a responder, e no caso contrario se se desse por avisado para o fazer em occasião oppor-tuna, sobre o modo como actualmente se está fazendo a reforma das matrizes nos paizes vinhateiros. Segundo o regulamento que se publicou, e segundo a interpretação que se

tem dado a esse regulamento, as matrizes nos districtos vinhateiros hão-se feito e estão-se fazendo calculando o rendimento que possam ter os terrenos, não no estado em que actualmente se acham, mas sim n'aquelle em que elles se achariam se porventura não existisse a moléstia que desgraçadamente os ataca, e calculando o preço do vinho de um modo diametralmente opposto, isto é, não por aquillo que era quando havia abundância de vinho, mas sim pelo que actualmente é, o que quer dizer que se faz a reforma das matrizes sobre duas bases essencialmente contradicto-rias, pois quando havia abundância de vinho o preço d'elle era baixo, e presentemente que não ha quasi nenhum o preço é muito alto. Por consequência é preciso que se adopte uma ou outra das duas bases; não se pôde fazer a reforma por ambas ao mesmo tempo, como estão fazendo os empregados da fazenda, do que resultará tal augmento de imposto sobre a propriedade vinícola que ella não poderá satisfazer. Peço a s. ex.a que tome nota d'isto, a fim de prover de remédio a taes irregularidades que redundam em prejuizo dos proprietários de vinhas, e até da fazenda, porque impossíveis não se cumprem.

Aproveito esta occasião para pedir igualmente a s. ex.a que veja se por algum modo pôde dar providencias para que cesse a adulteração que se está fazendo no commercio do Porto nas vendas de enxofre para os paizes onde se produz o vinho. (O sr. Visconde de Balsemão:—Apoiado.) Effectivamente, sr. presidente, em vez de enxofre está-se vendendo tremoços, grão de bico.e outros cereaes misturados com uma pequena porção daquelle ingrediente, do que resulta que os proprietários cuidando ter comprado uma porção grande de enxofre acham-se apenas com uma parte diminuta d'aquelle mineral, apesar de terem pago uma somma equivalente ao triplo d'aquella quantidade diminuta. Ora se o governo está auctorisado a obstar a todas as falsificações dos géneros para que não perigue a saúde publica, porque não o ha de estar também para tomar providencias a fim de que cesse tal abuso n'um objecto de tal importância, e que de tão perto toca com o haver ou não o género mais importante da agricultura do nosso paiz? Concluirei pedindo novamente a s. ex.a que, pelo seu ministério, ou pelo ministério dos negócios, do reino, avisando o seu collega, haja de providenciar sobre o que acabo de expor.

O sr. Presidente:—Na conformidade do regimento vou consultar a camará se annue ou não a esta interpellação. A camará annuiu.

O sr. Ministro da Fazenda (Avila):—Disse que o digno par chamava a attenção do governo sobre dois pontos, em

relação a um dos quaes, nada pôde, o sr. ministro, respon der; mas prevenirá o sr. ministro da repartição competente, que providenciará como no caso couber.

Em relação ás matrizes, declara que não está agora habilitado para responder, mesmo porque ainda não tinha ouvido tal; acredita no que diz o digno par, entretanto o facto é de tal ordem que parece impossivel. Tomar duas bases inteiramente contraditórias, calculando por um lado o rendimento dos paizes vinicolas como se não existisse o mal, e por outro calcular o preço do vinho com attenção mesmo a esse mal, que augmenta o valor do vinho, é cousa que de certo não pôde continuar a fazer-se. Portanto assevera ao digno par que vae o mais breve que lhe for possivel, examinar este negocio, e depois de colher todas as informações, virá responder a s. ex.a

ORDEM DO DIA

discussão do parecer (n." 10!))

A commissão de administração publica examinou, como lhe cumpria, o projecto de lei n.° 132, que tem por fim auctorisar a camará municipal de Lisboa a contrahir um novo empréstimo até á quantia de 61:500)5000 réis, que será exclusivamente applicada ao acabamento da construcção do matadouro publico, ficando assim ampliada a disposição da lei de 2 de junho de 1854, que concedeu a primeira aucto-risação de um empréstimo para o mesmo fim.

A commissão conheceu, pelo exame da representação da referida camará municipal e do documento com que foi instruída, que o calculo do primeiro orçamento para as despezas da construcção do matadouro publico foi defficiente, e que na realisação das respectivas obras se verificaram melhoramentos e augmentos de accommodações indispensáveis para o serviço d'aquelle importante estabelecimento. Também a commissão teve conhecimento de que para a conveniente ultimação do mesmo estabelecimento ainda se carece de obras e despezas que, ou não foram bem calculadas no primeiro orçamento, ou se reconheceu serem indispensáveis para que o respectivo serviço seja desempenhado como convém.

A commissão, considerando que é de summa utilidade a existência do matadouro publico, com as condições que exige a salubridade publica," e bem assim a devida fiscali-sação sobre os direitos da fazenda do estado, e que a paralisação de tão importante obra produziria a perda de todo o capital empregado nas obras feitas; é de parecer que seja approvado o referido projecto de lei, e apresentado competentemente ao poder moderador para poder ser sanccio-nado.

Sala da commissão, 8 de fevereiro de 1861. =Barão de Porto de Moz=Conde de Thomar—Visconde d'Algés—Tem voto do digno par o sr. Conde da Ponte.

PROJECTO DE LEI N.° 132

Artigo 1.° A auctorisação concedida á camará municipal de Lisboa pelo artigo 1.° da carta de lei de 2 de junho de 1854, é ampliada para o fim de poder contrahir um novo empréstimo até á quantia de 61:500$000 réis, que será exclusivamente applicada ao acabamento da construcção do matadouro publico, na forma do artigo 2.° da mesma lei.

Art. 2.° Para a amortisação do capital e pagamento dos

juros deste novo empréstimo, fica igualmente auctorisada a mesma camará municipal a hypothecar o rendimento liquido do matadouro e a renda do prédio ou prédios que ella designar, com approvação do conselho de districto, nos termos dos artigos 3.° e 4.° da referida lei, e também do mesmo modo quaesquer outras rendas publicas.

Art. 3.° A todos e a cada um dos vereadores, que por qualquer modo desencaminhar da sua legal applicação alguma ou algumas das verbas procedentes do empréstimo, é applicada a disposição do artigo 4.° e § único da lei de 10 de junho de 1843.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario. Palacio das cortes, em 4 de fevereiro de 1861. — Custodio Bebello de Carvalho, deputado presidente=José de Mello Gouveia, deputado secretario —Carlos CyrilloMachado, deputado secretario.

Foi approvado sem discussão, tanto na generalidade como na especialidade; também se approvou a mesma redacção. Discussão do seguinte parecer n." 110: Foi presente á commissão de fazenda o projecto de lei vindo da camará dos senhores deputados, que tem por fim admittir a deposito na alfandega de Elvas todas as mercadorias que n'ella derem entrada e que se destinarem a ser exportadas pelo porto de Lisboa para paizes estrangeiros, sujeitando-as a um direito mais estatístico que de transito, diminuindo quanto possivel as despezas braçaes, e estabelecendo as penas necessárias para que d'esta concessão não resultem prejuizos em fraude da fazenda publica; concluindo por conceder ao governo a faculdade assim de crear iguaes depósitos nas alfandegas da fronteira aonde os interesses do commercio o exigirem, como de reorganisar a alfandega de Elvas e aquellas a que se estender a mesma providencia, com um pessoal que as habilite a dar ás mercadorias que se depositarem o fácil expediente que muito convém.

A commissão, examinando com toda a attenção esta medida proposta pelo governo, e convencida de que não são d'esta epocha os receios de que esta concessão possa diminuir a exportação dos productos nacionaes ou prejudica-la, nem o mal entendido ciúme que não deixava conhecer as vantagens que devem resultar ao paiz de-se facilitar as nossas vias de communicação á passagem dos productos e mercadorias do reino visinho, muito mais quando se trata de estabelecer um transito accelerado e menos despendioso, não podia deixar de dar a sua inteira approvação á medida proposta, bem certa, como está, de que o governo ha de completa-la com os regulamentos precisos, para que da sua execução não resultem abusos.

Parece portanto á commissão que o projecto de lei de que se trata merece ser approvado por esta camará para subir á real sancção.

Sala da commissão de fazenda, 8 de fevereiro de 1861. =:Visconde de Castro=Visconãe de Castellões=Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão=Francisco Simões Mar-giochi=Felix Pereira de Magalhães.

PROJECTO DE LEI N.° 134

Artigo 1.° A alfandega de Elvas receberá em deposito, sobre declaração dos importadores, todas as mercadorias e artigos de commercio que n'ella derem entrada, com o fim de serem destinados a exportação estrangeira pelo porto de Lisboa.

Art. 2.° Pelos artigos de commercio que derem entrada no deposito se pagará guia de transito, com a qual serão acompanhados e se apresentarão na alfandega grande de Lisboa; exceptuam-se d'esta disposição:

1. ° Os tabacos em folha ou por qualquer forma fabricados ;

2. ° As armas e munições de guerra, quando não sejam importadas pelo governo.

Art. 3.° O direito de transito será de um por milhar aã valorem, calculado sobre as declarações das partes, e os volumes serão pesados, e segundo a natureza das mercadorias que contiverem serão cintados e sellados com o sêllo da alfandega.

Art. 4.° As expedições em transito só poderão fazer-se debaixo de fiança, e na guia que as acompanhar serão mencionados o peso dos volumes, a natureza das mercadorias e o caminho que seguem; e esta guia, com declaração de entrada das mercadorias no deposito de Lisboa, será de novo apresentada na alfandega de Elvas, no praso de dois mezes, para, á vista d'ella, se dar baixa no termo de fiança e archivar-se.

Art. 5.° O governo designará as mercadorias, cujos volumes devem ser cintados e sellados, e este expediente assim como o das pesadas será pago pelos interessados, segundo os preços marcados na tabeliã annexa, que fica fazendo parte d'esta lei.

Art. 6.° Os barcos empregados na conducção d'estas mercadorias pelo Tejo, serão habilitados pela administração da alfandega de Lisboa, e pagarão em cada viagem 200 réis quando tiverem de lotação até 5:000 kilogrammas a titulo de ancoragem, e quando seja de maior lotação 600 réis.

Art. 7.° O transito será feito por conta e risco dos proprietários das mercadorias, e quando aconteça por qualquer accidente um prejuizo total ou parcial, esse prejuizo lhes será levado em conta, sendo devidamente justificado pela auctoridade do logar, ficando n'esse caso as morcado-rias sujeitas unicamente ao direito de entrada.

Art. 8." Quando se reconheça que as mercadorias no seu transito foram fraudulentamente substituídos por outras, ou quando não derem entrada no deposito da alfandega de Lisboa, os proprietários d'ellas incorrem na pena de pagar o triplo dos direitos de consummo e a multa de 10#000 réis, o que tudo será cobrado na alfandega em que tiver assi-gnado o termo de fiança.

Art. 9." Dada a entrada das fazendas no deposito de Lisboa, ficarão consideradas como importadas por mar para

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todos os seus effeitos, e da sua entrada se passará certidão na guia que as acompanhar; encontrando-se porém qualquer alteração no peso dos volume que exceda a 6 por cento, ficará essa differença sujeita a pagar tres vezes o direito de consummo.

Art. 10.° E auctorisado o governo a crear iguaes depósitos n'aquellas alfandegas da fronteira, aonde os interesses do commercio assim o exigirem, e a habilitar a alfandega de Elvas, e as mais que se crearem com o pessoal necessário para o maior expediente a que a medida dê logar, dando conta ás cortes na sua mais próxima reunião do uso que fizer d'esta auctorisação.

Art. 11.° O governo fará os regulamentos necessários para a execução da presente lei.

Art. 12.° Fica revogada a legislação em contrario. ,

Palacio das cortes, em 6 de fevereiro de 1861.=(7íísío-ãio Rebello ãe Carvalho, deputado presidente. = José ãe Mello Gouveia, deputado secretario=Cartos Cyrillo Machaão, deputado secretario.

Tabeliã dos preços do serviço a que ficam sujeitas as mercadorias que derem entrada no deposito da alfandega de Elvas, com o fim de serem exportadas pelo porto de Lisboa

Termo de fiança............................ $060

Baixa do mesmo termo....................... $050

Pesar os volumes, por cada 100 kilogrammas .... $025

Guia de transito............................ $030

Sêllos, pelo primeiro......................... $060

» por cada um mais..................... $060

Certificado na guia da entrada das fazendas no deposito de Lisboa.......................... -$-

Palacio das cortes, em 6 de fevereiro de 1861. = Cwsío-ãio Rebello ãe Carvalho, deputado presidente = José ãe Mello Gouveia, deputado secretario^ Carlos Cyrillo Machaão, deputado secretario.

Foi approvaão na generalidaãe sem âiscussão. Passanão-se á âiscussão na especialiãaãe: O artigo 1.° — approvaão. O artigo 2.° — approvado. Art. 3.°

O sr. Conde ãe Samoãães:—Parece-me, sr. presidente, que pelo augmento de despeza que ha de trazer comsigo a fiscalisação, o direito de transito, que se estabelece n'este artigo, será pequeno, pois é apenas um por milhar aã valorem. De modo que é preciso que sejam importados géneros no valor de 1.000:000$000 réis para se arrecadar 1:000$000 réis. Eeceio, sr. presidente, que da approvação d'este artigo resulte algum encargo para a fazenda; se porém o nobre ministro da fazenda entender que estes direitos são bastantes para se fazer face ao augmento de despeza que haverá com a fiscalisação, e que, como ha pouco disse, (O sr. Ministro ãa Fazenda: — Peço a palavra) não pôde haver encargo algum para a fazenda; estou prompto para approvar o artigo. Aguardo a resposta do sr. ministro da fazenda, visto que s. ex.a pediu a palavra.

O sr. Ministro da Fazenda (A. J. d'Avila): — As explicações que tem a dar ao digno par a este respeito, é que em toda a parte os direitos de transito são assim insignificantes, nem o governo queria propor um direito superior. Note-se porém, que se este direito for inferior ás despezas que se houverem de fazer com a fiscalisação, o governo virá dize-lo francamente ao parlamento, e pedirá as medidas necessárias a este respeito. Affigura-se-lhe porém que não ha de acontecer assim, .porque a experiência de toda a parte tem mostrado o contrario.

Pede por isso ao digno par que se tranquillise, pois nenhum resultado mau dará para a fazenda esta providencia; e espera que s. ex.a, na sua illustração, não deixará de approvar o projecto.

O sr. Conãe de Samodães:—Sr. presidente, estou satisfeito com a explicação do nobre ministro da fazenda; devo todavia notar que nem tudo que succede nos outros paizes, vejo succeder no nosso, antes pelo contrario, muitas cousas ha que se não podem adoptar com o mesmo êxito, e como exemplo, haja visto o caminho de ferro do sul no ramal que vae a Setúbal. Quando em toda a parte um caminho de ferro tem sempre grandes conveniências, e vae espalhar a riqueza pelo paiz que atravessa n'este nosso, apenas ha um comboio por dia ao qual não concorre quasi ninguém. Por consequência, o que isto prova é que as cousas do nosso paiz talvez por mau fado nosso, não succedeu como em todos os paizes.

Fazendo estas reflexões entendo eu, que fiz algum serviço a esta questão, pois já o nobre ministro diz positivamente que:—se por ventura o governo reconhecer que os direitos são pequenos, virá ao parlamento pedir o augmento d'esses direitos.

O sr.Presidente:—Vou pôr á votação o artigo 3.°

Approvaão.

Foram em seguiãa approvaãos toãos os artigos sem âiscussão.

O sr. Presiãente:—Está terminada a ordem do dia. Tem a palavra o digno par visconde de Balsemão.

O sr. Visconãe ãe Balsemão: — Eu esperava que viesse hoje aqui o sr. presidente do conselho, o que muito desejava, porque queria fazer uma pergunta a s. ex.a, caso se julgasse habilitado para desde logo me responder, quando não formularia o annuncio de uma interpellação para s. ex.a designar o dia em que me responderia; entretanto, não o vendo aqui, e como estão presentes alguns dos collegas de s. ex.a, eu aponto o objecto, e os nobres ministros ouvindo-me terão a bondade de me responder, caso sc julguem habilitados, ou quando não dignar-se-hão de fazer a communicação ao sr. ministro do reino.

O objecto de que quero fallar é relativo ao regulamento que se acaba de publicar sobre a lei dos vinculos, regulamento que, com quanto viesse tirar grandes difficuldades

que havia para se executar a lei, apparece com um artigo que eu acho que está em manifesta contraposição com a lei existente, por isso que vae affectar interesses creados, não só em prejuizo dos administradores dos vinculos, mas de interesses mesmo que estão mantidos em vista de uma lei que tenho presente, que é o alvará de regulamento com força de lei de 21 de fevereiro de 1801.

Diz-se no regulamento que se publicou para a execução da lei dos vinculos, que são competentes para registar os vinculos os empregados que forem nomeados pelo governador civil, e esta lei que tenho presente diz que todos os documentos que forem anteriores ao século XV devem ser examinados por peritos paleographos; ora todos sabem que até ao século xvi pela maior parte tudo é escripto em latim, e por tal forma, que muitas vezes só um distinctissimo paleo-grapho pôde comprehender tal escripta com segurança. Eu mesmo sei de victimas de um erro d'estes, porque'houve um tabellião, que trasladando uma instituição, em logar de copiar =Per.a= copiou =Fer.a= e assim teve esta casa uma demanda que durou por duas gerações, até que felizmente appareceu o original e viu-se que havia erro do tabellião, que não era paleographo, pelo que se venceu a questão. Ora aquelle erro podia ter-se evitado, e para isso é que a lei providenciou, vindo depois o alvará citado em que se determinou que taes documentos só podessem ser examinados por peritos paleographos. Mas agora a nova lei não previne estes casos, quando ao menos devia dizer que junto ao governador civil houvesse um perito paleographo em circumstancias de se poder tornar responsável pelo exame que fizesse de taes documentos, pois para isso só pôde ser considerado o tabellião que tem as grandes habilitações que o constituem um bom paleographo, que garante a veracidade do que examina em qualquer documento, por mais antigo que seja. E no interesse mesmo de taes funecionarios, que têem um pesado tirocinio, que eu faço a minha indicação, e ao mesmo tempo para evitar futuras contestações que se podem dar, sendo o registo feito por indivíduos sem áquellas habilitações especiaes.

Era sobre isto que eu chamava a attenção dos srs. ministros para tomarem na consideração que lhes parecer a indicação que eu por este modo tencionava apresentar ao sr. ministro do reino.

Tendo a camará annuião a que proseguisse a interpellação, disse

O sr. Ministro ãa Justiça (Moraes Carvalho): — Que o regulamento de que falia o digno par foi confeccionado no ministério do reino, como devia ser, porque é a repartição competente. Assim, não estando agora aqui presente o sr. marquez de Loulé, e querendo o digno par que elle, sr. ministro, tome nota para avisar s. ex.a de que o deseja in-terpellar a tal respeito, nenhuma duvida põe em satisfazer d'esse modo os seus desejos; podendo porém desde já dar a certeza ao digno par, de que tudo que disser respeito ao registo dos vinculos sempre que se torne necessária a intervenção de paleographo para exame de taes documentos, decididamente se ha de recorrer a ella, pois é o único quê satisfaz, e que se isso não estiver prevenido no regulamento, ha de remediar-se convenientemente.

O sr. Marquez de Niza:—Também pediu a palavra em relação ao decreto que saneciona o regulamento sobre a lei dos vinculos, com data de 19 de janeiro, porque considera este negocio muito differentemente do que o seu collega que acabou de fallar. Na sua opinião, aquelle regulamento contém disposições gravissimas que o governo não podia decretar sem intervenção do poder legislativo. Assim vê com magua esta tendência do actual governo para fazer leis sem consultar o parlamento, mesmo estando elle reunido!

Tem pois que fazer algumas observações sobre esse regulamento quando estiver presente o sr. ministro do reino, e assim pede que o sr. presidente queira mandar fazer a necessária communicação do annuncio de uma interpellação que elle, orador, deseja fazer sobre ò decreto de 19 de janeiro. Manda para esse fim a competente nota para a mesa, pedindo ao sr. ministro que se preste a responder com a maior brevidade possivel, em vista da gravidade da matéria.

Peço para que por parte da mesa se annuncie ao sr. presidente do conselho, que tenciono interpellar a s. ex.a sobre o decreto de 19 de janeiro ultimo, pedindo para que s. ex.a se preste a que esta interpellação se verifique com a maior brevidade possivel, vista a gravidade da matéria.—Marquez de Niza.

Tendo sido lida na mesa, mandou-se fazer a deviãa communicação.

O sr. Marquez ãe Vallaãa: — Por parte da commissão de instrucção publica manda para a mesa o seguinte parecer (leu).

Como tem de dirigir-se ao sr. ministro das justiças, de quem todavia não exige resposta prompta, se por ventura a não poder dar; ainda por isso julga que não é uma interpellação, e comtudo se entender que o é, está prompto a seguir o regimento, o qual não quer ultrapassar.

O sr. Presiãente:—Pôde continuar o digno par.

O Orador: — Sente não ter presente o Diário de Lisboa, no qual se acha transcripto o discurso que ha poucos dias aqui pronunciou, e ao qual responderam o sr. ministro da guerra e o sr. ministro das justiças: na resposta do qual se acha uma phrase de s. ex.a, que lhe parece que o sr. ministro não pronunciou; todavia lá está, e ó muito terminante. Entretanto não foi este o objecto principal para que pediu a palavra.

Disse s. ex.a que, não pertencendo ás sociedades secretas, nem por isso achava que ellas fossem nocivas á ordem publica no estado em que nos achámos, com governo representativo, tendo tribuna e imprensa livre! Não assevera quo s. ex.a disse isto assim, embora folgasse mais de que

o tivesse dito, porque lhe servia talvez de argumento, ou como reforço a argumento que em occasião competente apresentasse sobre o negocio que tem relação com a secretaria das justiças.

Como porém s. ex.a é muito honrado, e cavalheiro a toda a prova, dirá se fallou assim ou não: o que disser, o orador acredita-lo-ha porque não pôde duvidar da sua palavra. Seja isto tudo dito de passagem, e s. ex.a responderá como entender.

Passando ao assumpto principal disse que está informado de que o sr. ministro procedeu na conformidade das promessas que fez aqui por occasião da interpellação do orador relativa aos insultos ao monarcha, e a seu augusto pae o Senhor D. Fernando. O governo effectivamente deu as suas ordens, e mandou chamar aos tribunaes o jornal A Politica Liberal, que tanto tinha aqui sido censurado pelo digno par o sr. visconde de Balsemão. N'isto elle digno par não faz arguição ao governo, mas sim um elogio. Acrescentou que também ouvira dizer que o governo tinha chamado aos tribunaes um jornal que já morreu, O Ca.brion. Que o governo mandando aceusar um jornal quo já não existia au-ctorisou-se de certo com um exemplo dado ha séculos, no processo feito no tempo da reforma a Zwinglio. O nobre ministro conhece a historia, e sabe que se deu este facto, foi chamado o morto aos tribunaes, e instaurou-se-lhe processo ! Assim o governo portuguez chamou agora aos tribunaes um jornal vivo, e outro morto!

Ha porém um jornal que todos os dias insulta tudo e todos, o que não pôde continuar a ser. Pôde qualquer censurar os erros dos ministros; a imprensa também o pôde fazer, mas o que não pôde nem se deve consentir é que constantemente esteja sendo insultado, por exemplo, o presidente do conselho, da maneira a mais escandalosa que é possivel, como acontece no chamado Asmoãeu, que diz até as cousas mais obscenas. Parece impossivel que seja elle, orador, quem esteja a defender os ministros, sendo da opposição, mas é porque só combate os srs. ministros com as armas do raciocinio, e quer que seja sempre respeitada a auctoridade. Pois ha de se consentir que esteja todos os dias sendo insultado de uma maneira indecente, por um redactor de um jornal, o presidente do conselho, estribeiro-mór do Rei, e chefe de um partido? E o que mais é, em nome d'esse mesmo partido do qual se diz chefe?

Ainda ha poucos dias foi insultado no mesmo jornal um alto empregado do estado, dizendo-se que elle era cúmplice n'um assassinato; aceusação atroz, que está persuadido que não passa de uma calumnia infame, pois não crê que a pessoa de que se trata seja culpada em alguma morte, a não ser com a sua penna.

Isto porém é, no entender do orador, uma grande lição de Deus. Não se pôde deixar de concluir do que se vê, que estas cousas são um castigo evidente para todos esses homens que todos os dias estavam dizendo ao sr. conde de Thomar: chamae aos tribunaes, chamae aos tribunaes, o vosso silencio condemna-vos. Agora estão sendo victimas da sua própria doutrina.

Esses homens que provocavam o escândalo, que viviam dos insultos que todos os dias arrojavam ao partido conservador, estão hoje sendo insultados, não pelo partido conservador ou cabralista, que foi a sua victima, mas pelo seu próprio partido, pelo que se diz mais liberal; e é necessário que a opposição tenha as idéas do governo para dizer ao governo que lance mão da sua antiga doutrina, e chame os seus calumniadores aos tribunaes. Estão sendo todos os dias insultadas as pessoas mais respeitáveis da sociedade, como o Rei e o pontífice, e qual é a satisfação que se deu á sociedade offendida? Chamaram-se estes jornaes aos tribunaes; algum dos quaes é sabido que era redigido por um funecionario do estado ha pouco despachado pelo governo? Parece-lhe comtudo que mais alguma cousa se devia ter feito, pois que têem sido indignamente ultrajadas pessoas sacratissimas, segundo a expressão do sr. Garrett, e cujo manto não pôde ser manchado com os insultos que lhe lançam homens cheios de nódoas, e talvez de crimes; pois, segundo consta, esses crimes provocararn processos que estão abafados, e que devem apparecer. E preciso dizer a verdade toda inteira; e o orador declara, que não tem medo nenhum de taes indi-viduos. O medo é uma doença que não existe na sua família; e pede a Deus que, assim como não a conheciam os seus ascendentes, a- affaste dos seus descendentes, porque elle não serve senão para prender as acções do homem, e desconceitua-lo, e não o livra de perigo nenhum.

Deseja, portanto, que o sr. ministro, para ser coherente comsigo mesmo, c fiel respeitador da lei, caminhe desaffron-tado, e não tema os insultos, porque, posto já tenha sido atacado algumas vezes, nunca o foi do modo como o tem sido o sr. marquez de Loulé. Entretanto está persuadido que s. ex.a não teme esses insultos, e que conhece bem a fundo aquella sentença de La Rochefaucauld: «II y a ães louanges que mêdisent, et ães reproches que louent». «Ha louvores que valem um vitupério, e vitupérios que valem um elogio». E portanto que proseguirá impávido no desempenho do seu dever.

0 sr. Ministro ãa Justiça (Moraes Carvalho):—Quanto á primeira reflexão que acabou de fazer o digno par do reino, disse que não lhe sobra o tempo para ler os extractos das sessões publicadas no Diário de Lisboa, porque nas discussões em que toma parte ouve tudo quanto se passa na camará, e desnecessário lhe parece ir ler o Diário:—que portanto se lá se vê alguma expressão que não tivesse dito, não é culpado d'isso.—O que disse foi—que, quando havia uma tribuna livre e liberdade de imprensa não havia necessidade de sociedades secretas; e que não achava uma rasão" de importância para a existência de taes associações desde que a imprensa e a tribuna são livres; mas se não reputa áquellas sociedades perigosas, com a tribuna e imprensa li-

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vre, também as não acha legaes. Tendo declarado que não pertencia a essas sociedades, não sabe quaes são os seus fins, mas pelo que tem lido a este respeito parece-lhe que não ha perigo n'ellas.

Disse que estava mal informado o digno par quando referiu que o governo tinha chamado dois periódicos aos tribunaes;— o governo não manda chamar aos tribunaes nenhum periódico, nem o devia fazer. O que fez foi mandar aquelles periódicos ao procurador geral da coroa para ver se havia algum motivo para proceder contra elles, e que, não achando, informasse o governo a este respeito. Portanto o procurador geral da coroa, em virtude do seu officio, é que mandou proceder. O governo, vendo que na camará dos dignos pares do reino se tinham feito altas censuras aquelles periódicos, porque um fallava de El-Rei, e o outro offen-dia esta camará, foi ver o que diziam esses periódicos, e depois os mandou ao procurador geral da coroa para os examinar e proceder na conformidade da lei.—Isto é o que o governo ha de fazer sempre a respeito de outros insultos que appareçam em algum jornal, pois o governo não dá ordens ao poder judicial, que é independente.

O digno par referiu-se também a outros periódicos, mas elle sr. ministro declara com toda a franqueza que não tem tempo de ler periódicos, e quando lhe consta que algum d'elles o insulta, vota-o ao desprezo por a mesma sentença de Rochefoucaidd que citou o digno par: e já na ultima occasião cm que fallou n'esta camará disse—que havia insultos que longe de deshonrarem o individuo o acreditavam pela sua procedência.

Pelo que respeita ao jornal que o mesmo digno par disse que tinha morrido, observa o orador que, se o jornal mor reu, não morreu o individuo que o escrevia. Isso pertence aos tribunaes; se o crime existir, a sua punição vae ao individuo e não ao papel (apoiados).

O que o digno par disse a respeito de um empregado ha pouco despachado é um facto de que o sr. ministro nada sabe: está persuadido que s. ex.a só o disse porque estava bem informado, mas repetiu que nada sabia porque não foi pelo seu ministério que elle foi despachado.

Quanto aos processos abafados a que o digno par se referiu, elle sr. ministro pediria ao digno par que fosse mais explicito a este respeito; porque pôde ter a certeza de que se houver alguns processos abafados, ainda que não tem conhecimento de que os haja na secretaria a seu cargo, e de que tenha por isso a responsabilidade, quando conhecer que existem, ha de fazer com que sejam desenterrados esses processos para se lhes dar o devido andamento, e os criminosos serem punidos.

O sr. Marquez de Vallada: — Ouviu com a attenção devida as palavras que acabou de pronunciar o sr. ministro da justiça. S. ex.a respondeu a todas as perguntas que se lhe fizeram e parece-lhe que respondeu com bastante clareza, se bem não concorda com certas proposições que s. ex.a estabeleceu. Em relação aos processos abafados, que s. ex.a disse estimaria muito saber quaes eram, porque havia de fazer quanto estivesse na orbita das suas attribuições para que fossem desenterrados e punidos os criminosos, observa que não tem os documentos á mão, mas que s. ex.a mesmo, por pessoas com quem está em muitas relações, assim como elle, orador, e outros dignos pares, pôde saber algumas cousas a este respeito. Mas não basta só isto, é necessário mais alguma cousa, e o sr. marquez espera poder conseguir apresentar em tempo competente algumas declarações ao governo para que persiga alguns criminosos, que já deviam estar na cadeia, e talvez na forca se ainda se enforcasse gente. Então chamará a attenção do sr. ministro, especialmente sobre este negocio, e também sobre o projecto de um assassinato de dois cavalheiro« seus conhecidos e amigos, um medico e outro governador civil, que pessoalmente o informaram da existência d'elle: também houve um lente de Coimbra contra a vida do qual se tentou, vindo da sua casa para a quinta das Lagrimas, que é dos srs. Osorios.

Fica por emquanto aqui; mas ha de ir mais longe, quando entender que pôde e deve faze-lo, pois tení a convicção de que defende a causa da justiça.

Quanto á ultima parte do discurso do nobre ministro, no que respeita á aceusação dos joruaes, concorda em que o governo não dá ordens ao poder judicial; mas o ministério publico não é o poder judicial, e costuma aceusar, è muitas vezes o tem feito o representante do ministério publico, por ordem do governo; entre outras, lembra-se agora de um jornal, que discutiu se era legitima Rainha d'este reino a Senhora D. Maria II, e atacou a carta constitucional; esse jornal foi chamado aos tribunaes, e ouviu dizer na tribuna a um ministro, que já nào existe, que tinha dado essa ordem para ser chamado ao3 tribunaes, portanto não concorda com s. ex.a, emquanto a estabelecer que não era ao governo que competia dar estas ordens. Entretanto s. ex.a fez alguma cousa, pois consultou o procurador geral da coroa, e vê com pasmo que a culpa não é do governo, mas do mesmo procurador geral que entende que'não ha insultos para El-Rei em tudo quanto o Asmodeu tem escripto, e sobretudo nessa caricatura infame de El-Rei- montado numa espada! Parece-lhe impossivel que o-procurador geral da- coroa não vis>sen'isso um insulto; mas como- o orador não tem nada com isso, fez o seu dever, o- deixa- aos outros a obrigação de fazerem o seu; esperando' que- a justiça fará cumprir' as leis. ¦ Também-ouviu* com a devida attenção a explicação' que O'sr. ministro deu com relação ás1 palavras que estão no Diário, s. ex.a,rectificou-as em parte; mas sempre disse alguma cousa do que- lá está. Disse que não reputava perigosas as sociedades secretas n'um paiz onde havia a liber- . dade na tribuna e- na imprensa, mas que- também as não : reputava legaes; e como' s. ex.a expediu ha pouco tempo < uma portaria ao* em.™9 sr. cardeal patriarcha com relação ¦

a uma associação religiosa, vê que s. ex.a é coherente; mas o que não é coherente da parte de s. ex.a, é estar no mi-, nisterio com o sr. marquez de Loulé, que já declarou pertencer a essas sociedades secretas. O sr. presidente do conselho tem feito poucas declarações, mas as que faz são explicitas! São tres as que s. ex.a tem feito, as quaes todas o orador tem registrado, e vem a ser a primeira, que a maior 1 honra da sua vida fora ter servido ás ordens da junta do Porto; s. ex.a foi ajudante do imperador, concorreu para restaurar a carta, foi ministro em diversas occasiões, mas tudo isto é nada, em comparação de ter servido ajunta! A segunda declaração que s. ex.a fez, em seguida a varias observações que elle, orador, apresentou acerca das sociedades secretas, foi, depois de lhe ter explicado os differentes graus que ahi ha, dizer que pertencia áquellas sociedades, que não são legaes. A terceira foi que, qualquer que fosse o accordo com a santa sé acerca da desamortisação, o negocio havia de ir por diante, apesar do sr. Avila ter dito o contrario.

O orador entende que tudo revela n'este ministério uma serie de contradicções injustificáveis. Dos ministros actuaes, aquelle que notou mais contradicções ao ministério transacto, o sr. Carlos Bento, é o que mais tem caído n'ellas: ó cousa notável, que não se pôde tomar senão como castigo. Disse que, depois de tudo isto, o que admira é, que o sr. ministro da justiça, que é tão coherente, e que tem certa presumpção de o ser, comece também n'esta parte a con-tradizer-se. O orador é por a liberdade ampla das associações, mas quer que não as haja privilegiadas; quer que se cumpram as leis. Visto que não ha censura previa para a imprensa, não a haja para as associações; mas, perseguir as associações religiosas, e tolerar as revolucionarias, isso não pôde consenti-lo. Maravilha-o muito que o sr. ministro da justiça não saiba nada, parece que não tem roda com quem se dê; que vive com duas ou tres pessoas da sua familia, e por isso não sabe o que se passa. E não pôde deixar de ser assim; porque, já quando s. ex.a foi governador civil de Lisboa, disse-se que havia muita cousa descoberta, mas nunca appareceu nada, não só em relação á moeda falsa, como em relação ao cadáver encontrado em Rio Secco. Depois tratou-se das eleições; e foi no próprio governo civil que mais se guerreou a candidatura do sr. Fontes, sem que o sr. governador civil soubesse de nada. Parece que s. ex.a ignora tudo aquillo de que não é informado por um officio com toda a legalidade! A propósito do que, lembra-lhe uma anedocta, que, com devida vénia do sr. ministro, referiria.

O conde da Ericeira era um fidalgo que também não sabia de cousa alguma senão quando lhe era dita por el-rei (isto foi no tempo do governo absoluto). Festejava-se na academia de historia a elevação ao pontificado do papa Innocencio III, que tinha tido logar havia muito tempo. O discurso gratulatorio referia o jubilo que a academia mostrava por esse feliz acontecimento, de que só então tinha conhecimento, porque também só então el-rei o tinha communicado. O conde entra, e pergunta que jubilo era aquelle; disseram-lhe a causa, e elle declarou que nada sabia. O sr. ministro da justiça está quasi no mesmo caso, apesar de hoje haver muitos mais meios de se poderem saber as cousas do que antigamente.

Concluiu dizendo que esperava do sr. ministro que, se não poder corrigir todos os escândalos que acabou de mencionar, corrija ao menos os que poder; pois s. ex.a tem na sua própria respeitabilidade meios sufficientes para fazer cumprir as leis, e não temer as más línguas nem os homens injustos, porque esses sempre lhe hão de ser contrários.

O sr. Ministro da Justiça (Moraes Carvalho):—Disse que não acompanharia o digno par em todas as suas reflexões, porque não julga conveniente faze-lo. S. ex.a julga-o mal informado, e é possivel que o esteja, porque s. ex.a acaba de referir factos (é verdade que com pouca clareza) de que não tem conhecimento elle, sr. ministro.

Disse que s. ex.a quizera lançar uma espécie de censura sobre o procurador geral da coroa, mas que elle, sr. ministro, devia dizer a s. ex.a, que o governo não ó quem castiga os crimes; o ministério publico requer quando julga que ha offensa, e o poder judicial, que é um poder independente, é quem declara se existe ou não criminalidade; e o governo o que pôde fazer é recommendar ao ministério publico que veja se n'este ou naquelle artigo existe criminalidade; isto é o que se deve fazer, e o que se tem feito. Se algum ministro deu ordens positivas para fazer uma aceusação por outros termos, é fora da lei, e elle, orador, nunca o faria.

S. ex.a quiz cesurar o procurador geral da coroa por não achar criminalidade no objecto indicado, mas s. ex.a está mal informado, porque pela resposta que teve, o sr. ministro, esse periódico que morreu parece-lhe que foi met-tido em processo (o sr. Marquez de Vallada:—D'esse sabia eu, mas referia-me a outro jornal); pois d'esse outro é que não pôde então dizer nada, porque não está ao facto.

S. ex.a referiu-se novamente a sociedades secretas, mas o orador não proseguirá n'essa questão, e simplesmente dirá em respo-sta a certas allusões que s. ex.a fez a uma portaria expedida com relação a uma associação religiosa, que as leis do paiz não permittem que as associações religiosas estejam sujeitas a superior estrangeiro, e por isso não está arrependido de o ter feito. Em quanto ás sociedades maçónicas e revolucionarias, ignora se as ha, porque nunca pertenceu a ellas, nem sabe mesmo aonde se reúnem.

Disse que s. ex.a também trouxera para a discussão o seu procedimento como governador civil de Lisboa, mas que a isso dirá que a camará tinha a direito de exigir do ministro do reino d'essa epocha toda a responsabilidade, porque as auctoridades administrativas só respondem para com o ministro do reino; e portanto não era aqui que se podia

pedir a responsabilidade ao ex-governador civil de Lisboa sobre os seus actos. S. ex.a disse que n'esse tempo nada se descobriu relativamente á moeda falsa, e comtudo, elle orador, pôde dizer ao digno par que estava tudo descoberto,, que se sabia quem eram os individuos; o que se ignorava* e procurava com todo o empenho, era saber aonde estavam as machinas. Que a respeito de eleições só tem a dizer ao digno par que procedeu com toda a franqueza e lealdade; porque os seus principios são que as auctoridades administrativas devem manter a urna livre sem serem infiéis ao governo que as nomeou. Se no governo civil, como disse-o digno par, houve com effeito quem guerreasse a candidatura de um deputado por Lisboa, não foi o governador civil que o fez.

'Este disse na epocha das eleições, a quem lhe cumpriu dize-lo, quaes eram os seus principios, e qual a senda que havia de seguir; e que se assim não conviesse queria a sua exoneração. Sente portanto que esta discussão fosse trazida a este campo, porque um governador civil não pôde ser discutido aqui (apoiados). Se o governador civil andou mal, o digno par tinha o direito de interpellar o ministro do reino, e perguntar-lhe pelos actos que auctorisava, ou não censurava, mas não pôde vir censurar uma auctoridade que deixou de o ser ha muito tempo, e que procedeu sempre com franqueza e lisura para com o seu superior n'essa epocha.

O sr. Marquez de Vallada:—Como o sr. ministro declarou que não estava arrependido de ter expedido a portaria a que elle, orador,, se referiu, e persiste em fazer cumprir as leis, pede a s. ex.a que as! cumpra quanto antes em relação ao sr. presidente do conselho, pois tem obrigação de o fazer. A primeira cousa que s. ex.a deve fazer é cumpri-las todas, e não só uma. parte, para se não dizer que procede de um modo com as associações religiosas^ por odio; e procede de outro modo com as outras por... o que- qui-zerem.

Estamos n'um paiz catholico romano, e é notável que venham estes ódios do partido liberal!... A religião não é monopólio do partido absolutista; ha muitos homens do partido liberal que propugnam pelos principios religiosos; ma» é notável que se negue a liberdade de consciência aos catholi-cos, e quando se falia dos que organisam as revoluções, dos que preparam motins para metter medo no paço, dos que têem coragem para tudo insultar, e que não respeitam ninguém, se diga sempre—«O governo não sabe; d'isso não sei! » De minimis non curat preetor; d'estas cousas pequenas não se oceupam os ministros, que têem um presidente que diz aqui, que pertence ás sociedades secretas, e que vae para a secretaria do reino esperar as deputações dos amotinado-res que lá vão ter com s. ex.a!... Parece impossivel! Mas o que parece mais impossivel ó que o sr. presidente do conselho não tenha procedido contra aquelles que o estão insultando da maneira a mais ignominiosa, apresentando-o como o homem mais indecente dc Portugal'... Custa-lhe isto, porque é parente o amigo do sr. marquez de Loulé; como ministro, pôde combate-lo, mas não tolera que se diga impunemente o que dizem de s. ex.a os órgãos de um partido.

Mas, pois que o sr. ministro compromette' a sua palavra, também o orador compromette a sua, de que ha de chamar a attenção de s. ex.a sobre os diversos negócios a que se referiu, e que não descançará em quanto não fizer cumprir as leis contra as sociedades secretas, ou então estabelecer ampla liberdade de associação; o que, ao menos por palavras, está mais conforme com os principios do partido a que s. ex.a pertence, que é hoje o histórico, porque dantes s. ex.a era regenerador. O partido histórico e o regenerador são partidos liberaes, e parece que ambos devem manter estes principios. Mas qualquer que seja a posição de s. ex.a, ou regenerador ou histórico, é liberal, e como tal espera o orador que saberá respeitar os principios da liberdade, e não estabelecer os da tyrannia: isto é, que não ha de fazer como aquelles de quem dizia mad.me Roland, que em nome da liberdade commettiam toda a casta de crimes e de tyrannias; praticavam emfim á sombra da liberdade todos os actos que lhe eram mais contrários.

Disse, que sentia não ver aqui presente o sr. ministro da marinha, para dizer que s. ex.a mandou um vaso portu-guez—'o vapor Mindéllo, para as aguas de Civitta-Vechia, onde está servindo de vehiculo a calumnias, como aquellas que todos os dias c^tão sendo propaladas contra o santo padre! Uma carta que sc figura escripta por dignem d'a-quella guarnição não corou de dizer, que o santo padre tinha mandado assassinar dois liberaes, e sabidas as cousas, os taes dois liberaes eram dois facínoras!

O orador invoca o testemunho de mrs. de Toequeville, de Corcelles, e de Rayneval, e pede a s. ex.a que leia o que elles disseram sobre os negócios do Roma, uns na discussão que teve logar em 1849, e outros depois da volta do summo pontífice para Roma, e ali verá que não se tinha mandado executar um só homem por motivos políticos!... O governo de sua santidade tem sido até benévolo de mais, se se lhe permitte a phrase; mas aqui tolera-se tudo o que é mau para se perseguir o que é bom; permit-te-se que todos os dias se façam caricaturas contra o santo padre, se é que se não premeiam os que as fazem: e até se consente que nas ruas e nos theatros appareçam homens mettendo a ridiculo o summo pontífice!... Para isto não ha leis, não ha policia, não ha governadores civis que castiguem, ha só vexações para os homens que se empenham em fazer triumphar as ordens religiosas. «Nada de ordens religiosas, tudo como na primitiva». São as idéas de certos homens «tudo como na primitiva». A primitiva será como no principio do mundo?... Seria notável que os homens de hoje quizessem vestir-se como no principio do mundo!... (Riso.) Eu creio que s. ex.a não quererá adoptar essa toilette. (O sr. Ministro da Justiça:—Nem v. ex.a) Não por certo, não era nada bonito.

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Concluindo pede a s. ex.a que proceda conforme o seu dever; que pelo que lhe pertence não ha de cançar em chamar a attenção de s. ex.a sobre este e outros assumptos a,que acaba de referir-se.

Pausa.

O sr. Presidente:—A sessão seguinte será na segunda feira (18), e a ordem do dia o parecer n.° 108, sobre o projecto de lei n.° 131.

Convido os dignos pares para que se reunam amanhã nas commissões, a fim de apresentarem alguns pareceres para objecto de ordem do dia.—Está fechada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

Relação dos dignos pares, que estiveram presentes na sessão do dia 15 de fevereiro de 1861

Os srs. visconde de Laborim; cardeal patriarcha; mar-quezes: de Ficalho, de Niza, de Ponte de Lima, de Vallada; condes: das Alcáçovas, d'Alva, da Graciosa, de Mello, de Peniche, da Ponte de Santa Moria, de Rio Maior, de Samodães, de Thomar; viscondes: de Algés, de Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de Castellões, de Castro, da Luz, de Ovar, de Sá da Bandeira; barões: de Pernes, de Porto de Moz, da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, Sequeira Pinto, F. P. de Magalhães, Ferrão, Margiochi, Silva Carvalho, Aguiar, Silva Costa, Izidoro Guedes, Eugénio de Almeida, Silva Sanches, Brito do Rio.

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