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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 91

da tanto se declama, deram-nos uma assembléa illustrada, cujos membros estão em permanentes relações com o povo, e, que, na occasião em que se fecha o parlamento, voltam ao salutar contacto dos seus eleitores, conhecendo das suas necessidades e explicando-lhes o mechanismo, a significação das leis votadas e a indispensabilidade dos pesados sacrificios tributarios que estão sendo exigidos do paiz.

Aqui está o que deram as eleições a que presidiu o sr. ministro do reino, e que nos valeram a accusação de as havermos preparado com transferencias crueis e injustificadas de funccionarios publicos.

Creio ter, a este respeito, dito á camara o bastante para justificar o governo n'este primeiro e terrivel capitulo da accusação.

Mas somos tambem accusados pela nomeação de pares. Confesso que entro com difficuldade no exame d'esta questão; mas compartilhando, como compartilho, da responsabilidade dos meus collegas, julgo do meu dever demonstrar tambem a inanidade d'essa accusação.

Sr. presidente, se ha um paiz em que a camara alta tenha uma elevada significação, em que mais illustres sejam as suas tradições, onde essa camara represente um organismo nacional que mais se consubstancie com a historia de um povo, e que n'elle signifique um dos elementos essenciaes da sua vitalidade politica, esse paiz é a Inglaterra.

Na Inglaterra, as fornadas, as nomeações de pares em numero avultado, estão absolutamente prescriptas, senão pela lei, pelo uso e pela pratica, que n'aquella nação tem tanta ou mais força ainda do que a propria lei. É facto de todos conhecido que desde a epocha do reinado da minha Anna, em que se nomearam simultaneamente doze pares, nunca mais se fez em Inglatera uma fornada.

Mais tarde Guilherme IV, querendo alcançar do parlamento a importantissima reforma liberal de 1832, julgou dever para isso confiar ao seu primeiro ministro, lord Grey, uma auctorisação escripta para serem nomeados oitenta pares, mas em presença de uma tal invasão aquella assembléa legislativa resolveu deixar approvar o bill a que até então havia opposto tenaz resistencia.

A Inglaterra, que é para todos modelo na historia constitucional, mas que não póde ser em tudo seguida, porque em nação alguma da Europa continental existe como ali uma aristocracia baseada na posse da terra e cujas tradições remontam ao seculo XII, a Inglaterra pôde, pelas circumstancias referidas, eliminar do seu programma politico a idéa das fornadas.

Os factos que aponto, e as reflexões que elles naturalmente suggerem, não constituem de certo novidade, quer para v. exa., quer para a camara, a quem me estou dirigindo, e cuja illustração respeito; mas no uso do meu direito de defeza, careço de reportar-me a esses factos da historia parlamentar ingleza, e inferir d'elles a rasão por que na Inglaterra, para a qual nos apontam, as fornadas são inuteis como expediente governativo, e por que em outros paizes ellas constituem um expediente normal e indispensavel para o livre exercicio das instituições constitucionaes.

Quer a camara saber como se aprecia n'aquelle paiz a missão politica da camara dos pares?

O duque de Wellington, que, pelo prestigio do seu nome, como vencedor do maior capitão do seculo, conservou durante tanto tempo a direcção politica d'aquella casa do parlamento, escrevia a lord Derby em 1846 o seguinte:

"É impossivel que a camara dos lords se opponha ou pretenda, sobrepor-se permanentemente á vontade dos deputados. É diversa a sua missão. Consiste ella em rever, emendar e corrigir os projectos e trabalhos que pela outra assembléa lhe são remettidos."

O sr. Visconde de Chancelleiros: - Ouçam, ouçam.

O Orador: - Não. são minhas as palavras. São de lord Wellington. Creio que repetindo as palavras de uma auctoridade como lord Wellington não offendo nem a magestade d'esta camara nem a susceptibidade de qualquer dos seus membros em particular.

Um outro publicista inglez affirma tambem o seguinte."

"A camara alta é uma camara de revisão com a faculdade de suspender. O seu voto não é° definitivo, mas sim dilatorio e condicional, com relação áquellas leis e. providencias, pelas quaes a outra camara insiste e que a nação reclama com energia."

Estes são os principios, e é conforme com elles a pratica governativa.

Havendo lord Palmerston seguido uma politica, que tendia a incitar na Dinamarca a resistencia ás pretensões da Allemanha, e tendo depois abandonado as inevitaveis consequencias do uma guerra desigual perante aquella pequena, mas valorosa nação, foi por isso censurado pela camara alta, mas não viu n'essa censura motivo para abandonar o poder, porque entendeu que tinham apoio e confiança da camara dos communs a rasão constitucional da sua conservação á frente do governo. Do que por mais de uma vez occorreu com o actual primeiro ministro, William Grladstone, é inutil, por muito presente á memoria de todos, fazer menção n'este momento.

Mas sr. presidente, se estes são os factos em Inglaterra, se as tradições constitucionaes d'aquelle paiz explicam que governos whigs tinham podido governar desafogadamente com uma camara toda ou quasi toda composta de elementos do partido twry, em todos os outros paizes governados por instituições parlamentares, tem-se sempre reconhecido a necessidade de fazer representar na camara alta os differentes partidos; e, por consequencia não póde nem deve considerar-se uma offensa ás prerogativas d'esta camara a nomeação de novos pares, feita nos termos da constituição do estado, dentro das categorias por esta mesma camara formuladas para garantir a sua independencia e alto nivel intellectual, e com o intuito de assegurar aos diversos partidos deste paiz uma representação, não predominante de uns sobre os outros, mas equiponderada, e permittindo o livre e desafogado exercicio do poder a differentes situações politicas.

É á luz d'estes principios que póde e deve com justiça ser analysado o procedimento do governo. Não pretendeu elle avassallar esta camara, que tem largas tradições, que inscreve em seus annaes serviços eminentes ao paiz, e que é composta de homens dos mais notaveis pelos seus talentos. O governo o que pretendeu foi que administrações saídas dos differentes partidos podessem marchar desassombradamente, quer essas administrações fossem regeneradoras, quer progressistas, quer fossem presididas por v. exa., sr. presidente, apoiando-se sobre um ou outro dos dois partidos liberaes.

Onde estará n'esta aspiração do governo, e na fórma por que pretendeu traduzil-a em factos, a sombra sequer de um argumento plausivel para que elle possa ser accusado como réu de um attentado constitucional?

Houve no discurso do digno par, o sr. Serpa Pimentel, uma outra parte, que elle deixou para remate da sua oração, e com a qual parecia querer mais particularmente impressionar o espirito da camara e o da opinião publica.

Estimaria por mim não ter de alludir a ella, mas foram tão severas e acrimoniosas as palavras do sr. Serpa Pimentel, foi tão injusta, e, permitta-me s. exa. que lhe diga, por tal fórma descabida a sua accusação ao governo, que pareceria na realidade chegado para nós o momento da penitencia, que s. exa. nos aconselhava, se ante a vehemencia tão estranha de s. exa. o governo se não levantasse, asseverando mais uma vez e bem alto que procedendo como procedeu na questão dos inqueritos, foi a isso levado pelo que suppoz e suppõe terem sido as conveniencias publicas, e animado pela idéa de que prestava n'isso um serviço real ao seu paiz, e nunca com o intuito mesquinho de deprimir