DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 93
dega do Porto, calculadas em 300:000$000 réis, gastaram-se 1.101:000$000 réis; as obras de reparação do palacio de Santa Clara, para o tribunal militar, calculadas em 12:000$000 réis, importaram em 83:000$000 réis; o edificio da camara municipal de Lisboa, facto este que conheço de perto, porque fui membro da municipalidade e vi as consequencias de se haver emprehendido levianamente uma tal obra, cujo custo foi calculado em 150:000$000 réis, tem importado já em perto de 400:000$000 réis? Que uma ou outra vez se dessem enganos nos orçamentos era acceitavel, mas que estes enganos se reproduzam continuamente é que não se póde admittir, e como systema de illusão é e ha de sempre ser altamente condemnavel. Nas obras da penitenciaria o orçamento foi de 360:000$000 réis, e gastaram-se, como já disse, não estando ainda as obras completas, mais de 1:100:000$000 réis. Ora, diga-se em boa paz, poderá isto ser indifferente?
Não o é de certo, e este facto bastaria só por si e nas condições financeiras em que nos encontrâmos para justificar a fortissima opposição que se fez á direcção technica d'aquella obrar Mas, ainda ha mais; as suspeitas e as duvidas levantadas contra a administração das mesmas obras, as accusações de menosprezo pelos interesses da fazenda, levantadas com tanta insistencia pela opinião, acham-se plena e absolutamente confirmadas a cada pagina do relatorio, para o qual o sr. Serpa Pimentel teve a infeliz lembrança de chamar a attenção da camara. A paginas 10 do relatorio le-se o seguinte:
"A deficiencia da escripturação por incompetencia dos empregados collocou a commissão mais de uma vez em embaraços quando pretendeu ajuizar de alguns dos actos da direcção Ferraz, que se prestam mais á critica por parecerem menos regulares.
"É certo que na maioria dos casos não foram seguidas as praxes estabelecidas no ministerio das obras publicas, e que foram desattendidos os regulamentos, portarias e officios, que estatuem a norma de proceder nos contratos e fornecimentos dos materiaes, prevalecendo o arbitrio."
Querendo attenuar a força destas considerações, allega a commissão que as ordens de activar a construcção, dadas pelo ministerio da justiça, talvez tivessem influido para pôr de parte os concursos publicos que demandam sempre muito mais tempo.
Alludindo mais adiante á somma de 500$000 réis paga a um determinado individuo, por umas certas bemfeitorias, acrescenta a commissão o seguinte:
"A commissão, porém, é de parecer que não assistiam a este fornecedor direitos alguns para reclamar do estado; quaesquer despezas que tivesse feito em seu proveito, pois que não só não podiam ser acceites reclamações, como não foram no acto da expropriação, por serem as bemfeitorias executadas dentro do periodo que a lei assignou como não validas, mas tambem porque sendo trabalhos estranhos á direcção da penitenciaria, elle realmente tirou dos mesmos o interesse que julgou conveniente pelo uso que das casas fez durante o tempo que lhe permittiram, etc."
as se formos examinar, por outro lado, os contratos para trabalho de excavações para fornecimentos de cal, de tijolo, de pozzolana, etc., as irregularidades apparecem a cada passo; senão vejamos, por exemplo, ácerca de um contrato para excavação:
"É de ajuste particular este contrato, não se abriu praça, nem tão pouco se referem e citam perfis e cubos que determinem e marquem os preços por que taes tarefas devem completar-se. É pois um contrato em que foram omittidas circumstancias e condições importantes para se regular o serviço em proveito da fazenda e das mesmas obras; e ainda:
"A commissão repete que n'estes trabalhos se poz de parte a conveniencia publica, não se fazendo annuncios, nem procurando pela arrematação alcançal-os por preço mais vantajoso que similhante proceder lhe podia trazer".
Com relação aos fornecimentos de obras de ferro, entre as muitas e importantes conclusões a que a commissão chega, têem-se, por exemplo, as seguintes:
"8.ª Que desde o primeiro fornecimento até á celebração do contrato de 18 de setembro, não havia deposito nem fiador, que fossem garantia ás quantias por conta já recebidas, se se d'esse caso de força maior."
"14.ª Que o director da penitenciaria considerava como contratos os officios e ordens que dirigia ao fornecedor João Burnay."
Celebrou-se, para o fornecimento do tijolo, um contrato em virtude do qual se fizeram pagamentos importando em dezenas de contos de réis, contrato que elevando a 7$200 réis o preço do milheiro até então pago a 6$200 e 6$600 réis, estabelecia, comtudo, para o tijolo quebrado o preço de 4$000 réis.
Ácerca d'esse contrato diz a commissão o seguinte:
"Não se impõe n'elle penalidade ao fornecedor quando não cumpra qualquer das prescripções n'elle estatuidas, nem se faziam descontos, nem se exigia deposito de garantia. Faltavam, pois, a este documento, alem da approvação superior, as condições principaes que era mister fixar.
A commissão não encontrou documentos que a esclarecessem acerca1 dos motivos que houve para marcar n'este contrato preço mais elevado do que aquelle por que ao mesmo fornecedor se estava pagando identico material, e quer suppor que foi no intuito de por esta fórma assegurar que nunca se d'esse falta d'este material para o numeroso pessoal que trabalhava nas obras.
Entretanto, sr. presidente, estava-se pagando, segundo nota a commissão, e a despeito das clausulas do contrato, por 7$200 réis o tijolo partido, que deveria ser pagos réis 4$000.
E como póde admirar, na presença de taes desperdicios, construida a obra com similhante material, que a opinião publica se levantasse contra aquelles, e a obra esteja hoje carecendo a cada momento de reparos e melhoramentos, e justificando o que a tal respeito diz a commissão, tão competente quanto insuspeita, para o sr. Serpa Pimentel:
"A commissão mostrou mais uma vez a necessidade de empregados competentes e instruidos que, sob as ordens do director geral da obra, tivessem a seu cargo a recepção e fiscalisação de tão importante material."
Do preço d'elle diz a commissão que sendo regular para o tijolo acceitavel pela sua boa qualidade, era carissimo para o que fosse de qualidade inferior.
E assim se pagaram 86:274$877 réis de tijolo.
Com relação á pozzollana, chegou a pagar-se a 5$300 réis, quando o maximo preço no mercado não excedeu a 4$500 réis.
E não quero repetir á camara o nome de quem, segundo a commissão, foi o fornecedor real de uma parte d'essa pozzollana!
Nem ainda me referirei a outros fornecimentos a que a commissão allude na parte final do seu relatorio, fornecimentos na importancia de uns 24:500$000 réis, entre os quaes se comprehendia o preço de uma famosa lavanderia que deu logar a um processo no tribunal do commercio, processo a que eu tive de assistir, seguindo-lhe de perto as infelizes peripecias como presidente que era do jury commercial.
Mas, sr. presidente, para quê e a que vieram tão desgraçadas recordações? Para que se levantou de novo no parlamento esta questão? Pretender-se-ha, porventura, atacar com ella o governo? Serão os factos que expuz perante a camara, de natureza a que o partido progressista, e sobretudo v. exa., sr. presidente, nos penitenciemos por havermos combatido tenazmente, como opposição, e v. exa. procurado pôr termo, como governo, a taes abusos e dela-